Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume I – Arco 3

Capítulo 15: Sequestro

Após muito aguardar, Onochi percebeu uma movimentação entre os soldados da dinastia rumo a porta para a sala do trono. Alguns formaram fila entre os dois lados da entrada, enquanto a população gritava o nome do patriarca do lado de fora.

— Avante Osíris! Avante Osíris! 

Um par de kishi’s vieram ao encontro de Onochi para escoltá-lo.

— O patriarca e seus conselheiros o aguardam! 

Ao mesmo tempo que caminhava para a sala, trazia na memória sua última renião com as autoridades Aka

— A situação está crítica Onochi, a pressão política e as atitudes dos Kiiro divergem completamente do acordo entre as cinco nações. Um conflito se aproxima a cada minuto que passa — comentou o rei.

Temo que o conflito seja exatamente o que desejam para chamar atenção e criar uma instabilidade. Guerra não é benéfica para os dois lados, mas isso parece não incomodá-los mais. Você é nosso último recurso diplomático, Shiro. Saiba, que caso a vontade do patriarca seja indissolúvel, tomaremos medidas militarmente apropriadas — acrescentou o Senshi Supremo.

— Já passamos por crises semelhantes, supremo. Alteza, te dou minha palavra que vamos atravessar isso sem derramamento de sangue — curvou-se.

Encerrou seu fluxo de memórias, repetindo o mesmo movimento, curvando-se perante o homem que jazia na sua frente, sentado em um trono dourado. 

“Eu me pego perguntando onde que essas disputas vão parar, hein, irmão?”, concluiu.

— Saudações Shiro, podia imaginar que somente em tempos assim você se daria ao trabalho de visitar Kiiro, mas não tão cedo — dizia um homem de estatura média com cabelo amarrado coberto por uma coroa — Levante-se! 

— Obrigado, Patriarca Osíris. É uma honra poder ser recebido neste palácio.

— Guarde suas bajulações para seus donos, os Aka — perguntou cruzando as pernas — Conte-me, quais foram as ordens deles para você?

— Sou um diplomata independente e, assim como fiz ao Rei e seu Supremo, venho fazer uma apelo a você e sua cúpula. O mundo está em paz depois de muito tempo de esforço. No entanto, suas atitudes em seu governo, têm afastado essa estabilidade que lutamos tanto para conquistar.. 

— Fala como se você tivesse ido para os campos de batalha daquela guerra. Não fale do passado como se o representasse. O que pretende com isso tudo? 

— Estou sinalizando o perigo de uma guerra. 

Dos lados direito e esquerdo de Osíris, ficavam uma série de cadeiras ocupadas por outros senhores distintos, quando um deles tomou a palavra do patriarca.

— Se me der licença, alteza, a posição do branco não me surpreende — indagou um conselheiro — Tendo em vista que sua nação foi erradicada, ele está apenas advogando em causa própria.

— Conselheiro, comete um engano ao pensar que vim falar em causa própria — disse dando um passo na direção de Osíris  —  Está certo em dizer que não lutei na guerra, mas meu povo, sim. Foi sua última contribuição a esse continente, e hoje eu represento esse legado.

— Mesmo com a escolha infeliz de palavras, Shiro, ainda deve respeito aos meus conselheiros — interrompeu Osíris —  E além do mais, é evidente que esta sua visita está alinhada com os interesses dos Aka. Seu povo lutou pela nossa paz, porém eles se foram, e como ficamos? Na sombra dos vermelhos? Seus apelos são tendenciosos. 

— A luta dos Shiro sempre foi pela paz entre as cores! Os Aka dividem esse objetivo conosco e estão abertos a negociar.

— Já conversamos sobre isso tantas vezes — levou as mãos ao rosto, suspirando — Eu me lembro bem quando me convencia com esse discurso sedutor de negociação, principalmente pelo meu pai, mas precisamos encarar a realidade. Os Aka não perdem o sono com a falta de terra para plantar e nossos cidadãos morrendo de fome e sede. Isso é o que gera a verdadeira instabilidade entre nós.

— E pretende jogar essa gente sofrida numa guerra? Muitos mais vão morrer!

— Está insinuando que não cuido do meu povo? Basta! Não vou admitir que desrespeite a mim, meus conselheiros e a comunidade Kiiro. Não vou escutar um representante Aka e ponto final! Retire-se, enquanto permito sua liberdade! 

— Por favor, os Aka são a força militar mais forte do continente. Como pretende superá-los?

— Preocupe-se com seus donos, Shiro, porque eles vão precisar. Agora saia!

Outro par de guardas se aproximaram de Onochi e convidaram-no a se retirar. Ele aceitou sem resistência e, a caminho da saída, pensou sobre a fala final de Osíris: 

“Então eles já estão planejando algo”

Quando se retirava, buscou uma das janelas e reparou que a mobilização de mais cedo se dispersara. Onochi pediu permissão para visitar a sala de espera onde encontraria os dois garotos que o acompanhavam. Ele chegou na sala e percebeu a ausência de seus prodígios. 

— Onde estão os garotos?! — virou-se para o guarda.

— Esses homens estão protegendo essa porta desde a chegada de vocês. Ninguém saiu por aqui! Para eles terem sumido, só com auxílio de alguém de dentro do palácio.

— Sinalizem o patriarca! Possíveis invasores se infiltraram no palácio! — um Kishi sinalizou. 

“Como se as coisas não pudessem piorar mais. Onde será que eles podem ter ido?”, refletiu Onochi, levando uma das mãos à cabeça.

O sol terminava sua trajetória no céu, quando uma carruagem chegou ao seu destino nas moradias desérticas, descendo poucos guardas junto com as duas princesas e um companheiro inusitado. Interrogando alguns comerciantes, Yasukasa buscava informações. 

— É assalto todo dia de noite. Um bando de encapuzados escolhe um a dedo e vai. Quando você vê, só sobrou a roupa no corpo do infeliz. Ontem me falaram que um tentou reagir e nem vi ele mais aqui por aqui.

— Não conseguiram identificar a cor? — perguntou um Kishi.

— Ouviu o que eu falei? Tava de noite e as capas eram todas escuras. 

— Podem ter sido os Kuro — comentou o segundo kishi.

— Acho difícil, mais provável que esses marginais estejam disfarçados — respondeu a princesa levando a mão ao queixo. 

As irmãs decidiram bater em mais uma porta. Por sua vez, Yanaho mantinha seu foco nos arredores e por quem passava. 

“Essas pessoas… Eu pensei que vivia mal até vir para cá. Além da pobreza de recursos, é essa sensação horrível que sentimos na estrada. Calor sem fim agora e frio pior ainda de noite. Quem seria tão cruel a ponto de roubar de um povo que não tem nada?”

— O menino é inocente! — um grito, vindo da porta, interrompia seu pensamento — Pode suspeitar de qualquer um aqui, mas o garoto me ajudou, brincou com meu filho e foi embora sem causar tumulto. 

— Eu avisei — sinalizou Hoshizora. 

— As aparências enganam. Mesmo assim, agradeço, senhor Okada.

 — Já está ficando tarde. Acho que vocês deveriam voltar antes de anoitecer — comentou Rie.

— Vai ficar tudo bem comigo e minha irmã, senhora. Estamos aqui para proteger vocês — assegurou Yasukasa, despedindo-se.

Depois de visitar aquela família não restou muito o que fazer exceto aguardar a noite. Prepararam fogueiras em dunas altas que cercam o pequeno vilarejo.

— Nem avisei pra Onochi que viria e agora vamos passar a noite aqui? Imagina se ele dá no pé sem mim? — disse Yanaho.

— Foi você que pediu para vir então vamos investigar isso até o final. Quer seu amigo de volta? Está sob minha responsabilidade, e eu te garanto que é mais seguro comigo do que atravessando o deserto sozinho.

O camponês consentiu, sentando-se de frente para as casas, que estavam abaixo. Em pouco tempo, percebeu as estrelas no céu noturno de Kiiro e voltou sua atenção para ele.

— Eu nunca vi uma noite tão iluminada como essa — comentou Yanaho. 

— Ainda não viu nada — respondeu Hoshizora com um sorriso.

— E o que tem para ver além disso? 

Os kishi’s sentaram-se ao redor da fogueira, quando um chá era preparado por um deles e distribuído. 

— Minha alteza, já que não são os Kuro, talvez estejam querendo colocar a culpa neles, não acha? — disse um deles.

— Se quisessem se passar por eles, teriam que fazer algo a mais do que sucatear um lugar humilde. Os Kuro não se comportam como um bando de ladrões de quinta. Aliás, é isso que está me deixando confusa. 

— Tenho permissão de perguntar, alteza?

— Irmã — Hoshizora puxou o camponês — Se me permite, vou mostrar o “caminho” para Yanaho. Ele não pode ir embora sem ver. 

— Que seja, mas não demorem. Só olhar e voltar!

Hoshizora partia, mas Yasukasa e os Kishi’s voltavam ao assunto sobre as investigações:

— Não acha perigoso deixar um Aka a sós com a sua irmã?

— Concentre-se no trabalho que tem a fazer, pelo o que notei é inofensivo — deu um gole em seu chá.

— Então voltando ao assunto, poderia me dizer o motivo dessa inquietação, alteza? 

— Se esses criminosos fossem daqui, provavelmente os próprios moradores os denunciariam. Mas agora, se fossem estrangeiros, por que aqui? — disse se levantando.

— Pensa que pode ter a ver com algo maior?

— Fato é que se quiseram despertar nossa atenção, conseguiram — balançou a cabeça de um lado para o outro — Esquece. Estão dispensados para as cabanas.

Apesar da ordem, Yasukasa permaneceu do lado de fora, observando sua irmã e o camponês com os olhos voltados ao céu noturno. 

— Isso é incrível. 

— Os antepassados brancos chamavam de “caminho”, diziam ser a representação da energia que nos governa. Nós amarelos, cremos que é o vestígio do caminho que nosso Deus Sol percorre durante o dia. Ele nos presenteia com essa paisagem para nos lembrar que ele sempre voltará no próximo dia. Meu pai deu meu nome para homenagear isso, também para eu ser como uma lembrança para nosso povo, de que sempre virá um novo dia.

— É um nome bonito, Hoshizora. Obrigado por me mostrar isso. Onde eu moro não dá para ver isso, só que o pôr-do-sol é bonito lá. 

— Se é tão bonito assim, um dia você pode me mostrar e aí comparamos — riu.

— Não é o pior lugar do mundo, só que também não sei se é para uma princesa — retribuiu Yanaho.

A irmã mais velha continuou a espreita dos dois, quando percebeu as risadas deles: 

— Vocês dois — assustaram-se subitamente — Entrem logo, está ficando tarde. 

Entrando quando todos estavam nas suas cabanas, Yasukasa soltou seu cabelo e sentou-se do lado de fora para refletir:

“Pensei ter solucionado o caso, mas acabou que aquele intruso do Índice só me confundiu mais. E agora esses assaltos. Essa atenção toda é para irritar o patriarca? Ou para usar essa região como…”, deduziu, quando, de repente, figuras encapuzadas saltaram por debaixo da areia.

— Uma isca! — gritou se levantando, despertando todos. 

As chamas da fogueira criaram vida, percorrendo as paredes de pano da barraca. 

— Que droga é essa? — se assustou Yanaho, rasgando o tecido com sua espada.

— Princesas! — escapou um kishi da armadilha flamejante para ser apunhalado pelas costas. 

Hoshizora rastejou para fora, dando de cara com a vítima com o sangue escorrendo. Ela levantou-se assustada, quando outro guarda trocou golpes com o assassino. Yasukasa despertou sua aura, colocando-se à frente de sua irmã e o camponês:

— São eles? Eu posso ajudar — ofereceu Yanaho.

— Fiquem atrás de mim! — empurrou-o para trás.

“Estamos em menor número”, pensou a princesa 

Erguendo as mãos, um dos assaltantes fez um sinal para seus comparsas e as chamas se expandiram por trás da princesa lutadora, criando uma barreira, bloqueando ela e o Kishi restante de sua irmã mais nova. Yasukasa desviou de um avanço por trás e pôs as mãos sobre a areia, cujos grãos morderam suas canelas e os desequilibraram. Caindo sobre um deles com o cotovelo no pescoço, Yasukasa foi cercada por outros dois que chegavam pelos lados.

— Ela também é da realeza, não vale a pena lutar com ela — pôde escutar um deles falar

Do mesmo lado da labareda, o camponês tentava se afastar do confronto, mas os encapuzados os cercavam por todos os lados.

— Isso não é bom — disse Hoshizora se escorando no garoto — Temos que fugir!

Aproximou-se um com estatura alta, Yanaho puxou sua espada e o olhou da cabeça aos pés, trêmulo empunhando sua arma.

— Yanaho, cuidado! 

Quando bateu em seu peito, despertando sua aura vermelha, a primeira investida, contudo, foi interrompida com uma rude ombrada antes de completar o movimento da espada.

— Olha só, o bebezão pensa que é um deles. O que você tá fazendo aqui garoto? — brincou o encapuzado.

Deitado no chão, Yanaho pôde olhar por baixo do capuz e reparou nos olhos vermelhos do criminoso.

Não pode ser — disse recebendo uma série de chutes dos outros. 

— Yanaho! — gritou a princesa ao tempo que o encapuzado a segurou.

— Vamos logo, Sota! — um segundo sussurra em seu ouvido — O chefe Isao não quer você vacilando com criança de novo. Vem ajudar aqui do outro lado!

— Claro — virou-se para a Hoshizora — Não se preocupe, pequenina, irei cuidar de você agora. 

Yasukasa pôde ouvir os gritos de sua irmã, quando a barreira de fogo se desfez. Percebeu Yanaho nocauteado, enquanto os outros raptores partiam com sua irmã desacordada.. 

— Roubaram nossos cavalos! — sinalizou o kishi.

— Hoshi! — gritou Yasukasa, correndo em direção ao grupo, mas já estavam muito longe. 

Vendo os cavalos cruzando as dunas rapidamente, a princesa desabou de joelhos na areia, permanecendo ali. O kishi que a acompanhava foi até seu companheiro ensanguentado, já sem vida e depois em direção ao camponês no chão, ainda longe da morte. 

Ainda tá inteiro? Levanta garoto.

— Eles eram Aka. E eu não consegui fazer nada — socou o chão após limpar o sangue que escorria em seu nariz. 

Os kishi’s  tentavam ver o que mais do acampamento tinha sido roubado, quando Yasukasa retornava depois da perseguição fracassada.

— Não pude acompanhar para saber para onde foram. Que droga! — chutou a areia —  Precisamos alertar o patriarca. Eu preciso… resgatar minha irmã! 

 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

   

 



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