Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume I – Arco 3

Capítulo 14: As Filhas do Patriarca

No dia da viagem, Yoroho cortava madeira do lado de fora de sua casa, quando percebeu que seu filho aparecia na varanda já com sua bolsa com bagagem e vestido para viagem. O pai olhou para trás de si e notou a carruagem com Onochi e um outro garoto que não reconhecia parado na entrada da fazenda.

— Yanaho, meu filho, se aprontou mais cedo que o normal hoje.

— Onochi te contou sobre a viagem? — balbuciou o menino. 

— Ah, então é isso. Ele disse sim, mas não que seria hoje. Mudança de planos? — foi para varanda para se despedir.

— É, acho que dá para dizer isso. Só que eu não entendo, você sempre disse que o mundo lá fora é perigoso.

— Eu estou vendo como isso tudo é importante para você. Uma hora você iria querer sair do ninho e se tiver que ser com um Shiro, menos mal — abraçou o garoto.

— Obrigado por tudo, pai. 

— Agora ande logo! Senão o senhor Akemi prende você aqui — comentou rindo.

— Eu vou voltar. E a gente vai achar um lugar melhor que esse — se despedia empolgado. 

Embarcando no transporte, Yanaho tomava o assento de trás, com Onochi na condução e Suzaki ao seu lado. Guardou sua bolsa e espada debaixo do banco enquanto via a fazenda se distanciar pela janela.

— Está viajando pelo continente, já conheceu Kiiro, Suzaki? — perguntou Onochi.

— Não, mas o que você precisa fazer lá?

— Preciso ter uma conversa com o patriarca da dinastia. Foi um pedido direto das autoridades Aka para, bom, as relações mais amigáveis entre eles.

— A situação deve ser bem ruim para mandarem um Shiro e não um emissário deles mesmos. Eu me pergunto porque estamos indo. A nossa presença seria um diferencial?

— Vocês não vieram aqui para participar da reunião. É como você disse, a situação é complicada, não sei quanto tempo vou ficar lá, mas não quero interromper seus treinamentos. Algo te incomoda sobre lá?

— Não — virou o rosto para a estrada. 

“Se vamos conversar com o patriarca, estamos indo para a capital. Se aquela garota estiver por lá, não sei o quanto ela seria capaz de me reconhecer”, refletiu , quando Onochi trocava de assunto.

— Yanaho, agora que chegou, quero a resposta de vocês a respeito de ontem. 

O camponês conteve o riso, mas respondeu calmamente.

— Vencemos por entender que há algo mais importante do que lutar. 

— Sim, percebemos que tem um valor maior em nós que vai além das diferenças que temos, como em nossas cores — complementou Suzaki. 

Um silêncio preencheu o ambiente e os garotos encaravam Onochi sem saber o motivo daquela reação.

— Qual o problema? Erramos? — perguntou o Aka.

— É claro — estalou as rédeas com força — que não! Vocês entenderam bem.

Os três continuaram viagem para o norte do continente que englobava os seis territórios. No decorrer, eles estacionaram numa pousada para comer, mas rapidamente atingiram a fronteira territorial onde Onochi interrompia seus cavalos mais uma vez para abrir o mapa do continente. 

— Nunca vi um desses — se aproximou Yanaho.

— Dentro da nossa localização atual, há uma estrada comercial entre os dois territórios, que vai facilitar para chegarmos amanhã logo cedo. 

— Só conhecia a rota por dentro dos verdes — apontava Suzaki. 

— Apesar de parecer mais simples apenas ir em linha reta, iríamos demorar dias atravessando qualquer floresta em Midori.

Tomaram a estrada durante toda a noite. Yanaho e Suzaki estavam sendo tomados pelo sono. Percebendo isso, Onochi escolheu uma duna para montar acampamento e passar a noite. Com uma fogueira e bem agasalhados, se alimentaram e dormiram para chegar ao destino no próximo dia. 

O frio do deserto na noite anterior era compensado pelo clima escaldante do último pedaço da viagem. Yanaho que seguia do lado de dentro do veículo, limpava o suor da testa se queixando.

— Mas… que calor é esse? 

— É um deserto, significa que estamos chegando — disse Suzaki. 

— Tava frio antes… Não podia ficar assim sempre? 

— Nem tudo é da maneira que desejamos — disse voltando-se para Onochi — O mais importante é essa viagem valer a pena. Um conflito seria problemático.

— Não se preocupem, esse é o meu trabalho. Impedimos vários conflitos apenas na mesa de negociação, duvido que será diferente agora. 

— Isso me fez lembrar de um sonho que tive e esqueci de falar com você Onochi. Sonhei com um exército marchando muito alto, estava tudo muito escuro, mas no fim vi um homem de capa branca, ele era bem alto... Eu até pensei que fosse você.

— Bom — deu de ombros — Quanto mais real o sonho, mais chance de ter correlação com a realidade. Pode ser do passado, futuro ou até mesmo do presente, ninguém sabe. 

— Será que você vai emagrecer no futuro então?

— Já disse para me respeitar! — indagou.

A discussão dos dois, contudo, encerrava quando as construções da cidade brotavam do horizonte. Na cidade, Yanaho percebeu os cartazes em protesto aos Aka junto ao olhar acusatório das pessoas que espiavam para dentro da carruagem. 

— É… Onochi? Acho que não somos bem-vindos aqui — disse em sussurros.

— Fiquem comigo e ficará tudo bem.

O Shiro foi abordado por kishi’s — os militares da região — que escoltaram-no para a morada do patriarca. Descendo da carruagem, Onochi amarrava os cavalos e Suzaki olhava ao redor, quando percebeu uma figura saindo do palácio. Não pôde ver seu rosto, mas percebeu um desenho muito familiar em suas roupas.

“Aquele é…”, os olhos do garoto quase saltaram de sua face. 

— Ei, está tudo bem? — perguntou Yanaho, segurando seu amigo pelo ombro rompendo seu transe. 

— Não foi nada — afastou-se.

Uma multidão se reunia ao redor do palácio. Frente a porta onde Onochi seria recebido pela autoridade, um dos kishi sinalizou:

— Podem entrar, mas o lorde ainda não vai atendê-los. Avisaremos quando a hora chegar.

— E esse tumulto? A saída daqui pode ficar problemática — questionou Onochi.

— Conte a experiência para seus amiguinhos vermelhos quando voltar. Aliás, moveremos os garotos para uma sala de espera numa outra ala do palácio.

— Não acho que isso seja necessário até a hora da minha audiência. 

— É parte do protocolo. Não vai querer esses meninos causando confusão com os kishi’s.

Após consentir, os garotos foram escoltados pelos guardas para o leste do palácio, num corredor espaçoso onde ficaram sentados olhando por uma janela alta que batia na altura do peito de Yanaho, subindo quase até o teto. O camponês pôde espiar e ouvir a multidão de onde estava.

— Será que finalmente nosso rei irá tomar uma providência?!

— Esses vermelhos acham que estão acima do mundo! 

Alguns minutos na janela, e Yanaho virava para falar do que tinha acabado de ver.

— Parece que é perigoso mesmo — disse, notando o silêncio — Suzaki? — olhava ao redor percebendo estar sozinho. — Ei! Suzaki! Droga, para onde ele poderia ter ido? Ele não entrou comigo?

Depois de procurar superficialmente pela sala, o camponês notou que as portas do corredor estavam trancadas. Tudo que tinha era poltronas ornadas e uma mesa com frutas. Mesmo assim, era o cômodo mais luxuoso que já esteve em toda sua vida. Quando pegou algo para comer da mesa, a porta por onde entrara foi aberta. 

— Quem está aí? Suzaki?! 

— Não conheço esse nome — uma jovem baixa com cabelos na altura dos ombros atravessava a porta — Mas agora que mencionou, me disseram que aqui tinham dois visitantes. Está se referindo ao outro? 

— Q-Quem é você? — congelou na sua postura assim que viu a garota na sua frente.

— Sou Hoshizora, é um prazer — se curvou — E você? Cadê o seu outro amigo? 

— Eu sou Yanaho Aka. Sobre esse meu amigo, quer saber, acho que você pode me ajudar!

— Eu me disponho. Com tudo que está acontecendo, a última coisa que quero é ficar perto do barril de pólvora que chamo de pai. Somente minha irmã insiste em participar dessa reunião e nem isso ele quer. Quem sabe ela nos ajude também — se encaminhou de volta à porta.

— Ei, espera. Pai, reunião, você tem algum envolvimento com o rei desse lugar? 

— Sim, é dele que estou me referindo, ele é meu pai. Algum problema?

Sem conseguir conter seu constrangimento, Yanaho se ajoelhou perante a princesa. 

— Me desculpa, eu nunca estive tão próximo de um membro nobre assim. Por favor, não me prenda pela falta de respeito de agora a pouco.

— Levante-se — balançou a cabeça negativamente — Quer achar seu amigo, certo?

— Sim — levantou-se Yanaho — Ele ainda pode estar pela cidade porque chegou aqui muito distraído.

Com uma chave que tirou do bolso da calça, Hoshizora destrancou uma das portas do corredor. Entrando depois da princesa, o camponês reparou nas esculturas da sala. Eram figuras altas, fortes, carregando um símbolo semelhante ao Sol. O mesmo desenho estava gravado vestes da garota que apresentava o lugar para o visitante impressionado com a riqueza dos detalhes e construções. 

— Isso tudo parece de ouro! Quem não iria querer morar aqui?

— Eu diria que é muito espaço para poucos moradores. E agora você aqui, eu nunca vi um Aka no castelo. Você deve ser muito importante para conseguir essa autorização.

— Quem me dera. Se fosse assim, as pessoas lá fora não ficariam me olhando torto — disse virando para trás, olhando a janela do corredor pela porta aberta.

— As pessoas acabam julgando mais o externo do que o inter… 

De repente a porta no final da sala era aberta e a pessoa que entrava por ela fechou sua expressão ao ver Yanaho. A garota mais alta, com espada na cintura, investiu contra o camponês, pressionando-o contra a parede da sala.

— Ai! O que é isso?! — gritou Yanaho. 

— O que faz com esse sujeito Hoshizora? Eu falei que a ala de visitantes era perigosa! — disse a atacante puxando sua espada. 

— Ele não fez nada comigo, irmã! Solte ele, por favor — indagou Hoshizora tirando a outra de perto do camponês.

— Sabe muito bem a crise que ocorre entre os Aka e os Kiiro, e mesmo assim traz um deles para dentro de nossa casa como se não fosse nada?! 

— Ele foi convidado a ficar aqui. Ele é acompanhante daquele Shiro que está na audiência com nosso pai. Se quer resolver um perigo de verdade, devia saber que havia outro acompanhante, que se perdeu durante a entrada.

— E pensa que arrastar esse imundo pelo palácio vai ajudar a encontrá-lo? — encarava o garoto de cima para baixo. 

— Estávamos a caminho de te procurar — explicou Hoshizora.

— É bom te conhecer também, sou Yanaho — ironizou. 

— Alteza Yasukasa, para você. Quanto ao fujão, o que pode me dizer sobre ele? 

— Assim que a gente chegou, tentaram nos acompanhar para a entrada, só que ele ficou encarando alguém naquela multidão enorme. Quer saber, os guardas devem ter perdido ele de vista pela lona que ele fica usando por cima da roupa.

— Que lona?! — disse o pegando pela gola.

— Solta ele Yasu! 

— Espera! Era só um trapo retalhado estava todo encardido de tanta sujeira — respondeu usando a mão para tentar se manter ao chão — Se me perguntar, eu respondo. 

— Pode ser ele de novo — soltando o menino, virou a cabeça para trás para falar com a irmã.

— Pode ser qualquer um! — questionou Hoshizora.

— Do que é que vocês estão falando? — bateu o pé Yanaho. 

— Há umas semanas recebemos uma visita inesperada. Era um sujeito com uma espada longa e lona clara, que cobria o corpo e o rosto — indagou Hoshizora.

— Arma longa, né? — lembrou-se Yanaho. 

— Ele estava vagando por nosso território, meteu o nariz onde não era chamado e pode ter roubado informações importantes. Não se tratava de um qualquer, já que planejou muito bem sua entrada e saída da capital — explicou Yasukasa cerrando um dos punhos — A nossa melhor hipótese é que seja um Aka. Dias depois, diversos roubos de suprimentos ocorreram nas vilas desérticas. Parecem ter o mesmo grau de planejamento e coincidentemente, esse seu Shiro vem fazer um acordo para os seus amigos bandidos. 

— Quem quer que sejam não são meus amigos nem do Onochi! E se for um Aka, pode esquecer, porque Suzaki é um Ao! — defendeu seu companheiro, cruzando os braços. 

— Espera… quando fui as vilas no deserto, conheci um garoto que tinha olhos e cabelos azuis. Ele também estava com a lona... ele dizia que era só um viajante que queria seguir viagem. 

Imediantamente Yanaho arregalou os olhos.

— Hoshizora — irritou-se Yasukasa colocando as mãos na cintura — Por que não me contou desse sujeito?

— Por que investiguei sua casa pessoalmente com os Kishis. No dia da revista, ele já estava de saída. Inclusive, a direção para onde seguiu foi Aka.

— Isso não faz sentido mesmo. Se Suzaki cometeu um crime, voltar aqui só vai estragar tudo para ele.

— Duvido que estamos falando da mesma pessoa. O garoto que conheci era gentil, estava cuidando de uma família humilde. É muito mais próximo de ser quem procuramos.

— Eu acho melhor deixar essas presunções de lado e começarmos a ver por nós mesmos. Se esse seu amigo e o invasor forem a mesma pessoa, fugir para o interior é a única hipótese. Ele pode estar fazendo a viagem nesse exato momento! — puxou sua irmã junto consigo até a saída — Estamos atrasadas!

— Ei, espera! — disse estendendo a mão até as irmãs — Eu vou com vocês. Suzaki está comigo!

 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

 



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