Volume 1

Capitulo 9: O ditador…

Mais uma semana se passou e o treinamento diário entre Sãr Lonios e Nimbus continuava. 

O progresso do jovem discípulo era visível: agora, Lonios precisava de pelo menos uma dúzia de golpes antes de derrotá-lo, o que o deixava profundamente satisfeito. 

Muitas vezes, o mestre elogiava o desempenho e a dedicação de Nimbus. O garoto também notava mudanças em seu corpo. 

Seus braços e pernas estavam mais fortes, resultado do exercício intenso com as pesadas espadas, que, com o tempo, já não pareciam tão pesadas.

Chegaram então à cidade de Solitude. Lonios explicou que a cidade tinha esse nome devido à sua localização no centro do continente. 

Quando o conquistador a fundou, construindo um palácio no meio do nada, não se via nada a quilômetros ao redor. 

Com o passar dos anos, as pessoas começaram a se estabelecer nos arredores à procura de proteção, e logo a cidade surgiu. Hoje, Solitude era a segunda maior cidade de Cenferum, superada apenas por Aldair.

Enquanto cavalgavam pelas ruas da cidade, Nimbus avistou ao longe o imenso castelo, o famoso Palácio da Solidão. 

Ele era colossal, com uma dúzia de torres muito altas, cujos tetos em forma de cones podiam ser vistos de longe. 

Depois de mais alguns minutos, atravessando a cidade e sendo observados por olhares curiosos, chegaram aos portões do castelo, que se abriram antes mesmo de se aproximarem. 

No pátio, cavalariços tomaram os cavalos, levando-os para o estábulo, ainda com as mochilas de ambos presas às celas. Lonios tranquilizou Nimbus e ambos seguiram em direção à entrada.

Ao atravessarem o pórtico, se encontraram no centro de um enorme peristilo, onde colunas em forma de cariátides sustentavam as arquitraves. 

Nimbus estava maravilhado; nunca havia visto uma arquitetura tão impressionante, nem mesmo nos desenhos dos livros da escola. 

Um castelão se apresentou, verificou um documento que Lonios retirou de seu sobretudo de couro e, depois, os conduziu até um espaçoso átrio do palácio, onde ficaram aguardando o Grande Líder. Durante esse tempo, eunucos os serviram com frutas frescas.

Cerca de uma hora depois, o castelão retornou e os escoltou até um grande portão, que também se abriu antes de chegarem perto. Ao entrar, Nimbus ficou deslumbrado. 

O interior do palácio era como nada que ele já tivesse visto. O teto abobadado tinha dezenas de metros de altura, com pinturas de batalhas épicas — exércitos contra exércitos, cercos ao próprio castelo. 

O chão era coberto por um tapete de damasco vermelho, bordado com fios que Nimbus acreditava serem de ouro. Esse tapete se estendia por cerca de cinquenta metros até a base de uma escada, também recoberta com o mesmo tipo de tapeçaria. 

No topo da escada, havia dois tronos: um à esquerda, grande, e outro à direita, um pouco menor. No maior trono, estava um homem com uma coroa dourada cravejada de diamantes. 

Ele tinha barba e cabelos brancos, com olhos azuis claros típicos da região. Ao lado dele, na escada, havia cerca de dez pessoas. Quando Lonios e Nimbus se aproximaram, ambos pararam.

Nimbus percebeu que o castelão não os acompanhou mais. Ele ficou ali, de cabeça baixa e olhando para o chão, permitindo que Lonios e Nimbus seguissem sozinhos. 

O garoto, lembrando-se das instruções de seu mestre, se posicionou um pouco atrás, como seu mestre lhe dissera que deveria fazer na presença de um rei — ou, neste caso, do Grande Líder.

Pouco antes de se aproximarem, Nimbus e Lonios perceberam que não eram os únicos aguardando uma audiência com o Grande Líder. Já havia um homem ajoelhado diante do trono.

— Negacionistas, é o que vocês são! — o Grande Líder vociferava, sua voz ecoando pela sala. — Como ousam ir contra a ciência e afirmar que estou errado?

— Perdão, Grande Líder, não era isso que eu queria dizer — apressou-se o homem, tentando se justificar. — Apenas queria informar que temos excelentes herbalistas em Cenferum, capazes de criar substitutos para os remédios importados de outros países. Não precisamos mais enviar expedições para comprar as especiarias para fabricar estes remédios.

— Isso é desinformação — retrucou o Grande Líder com desdém. — Não viu o estudo da Universidade Popular, que comprova que não temos como produzir tais remédios aqui no continente?

— Estudos financiados pelos próprios interesses do Grande Líder — Lonios cochichou para Nimbus. — Esse homem é Olozor Herbar, o farmacêutico mais bem-sucedido de Aldair. Sua clínica cobra preços acessíveis à população e compete com a saúde pública do Grande Líder. Lembre-se, Nimbus, de sempre usar o pensamento crítico.

— Mas senhor, meu Líder, o povo deveria ter liberdade para escolher — insistiu o herbalista. — Temos estudos de universidades estrangeiras que provam ser possível criar remédios de qualidade superior ou igual aos importados...

— Silêncio, Herbalista! O povo é ignorante, não sabe o que é melhor para si. Apenas meus cientistas estão qualificados para determinar quais remédios são adequados para Cenferum — interrompeu o Grande Líder, em tom autoritário.

— Peço humildemente perdão, Grande Líder, mas o povo poderia escolher usar os remédios criados por nós, quando não houver a opção dos importados. O povo precisa de liberdade...

O Grande Líder não deixou o homem concluir e o cortou novamente.

— Liberdade para o povo? Você me faz rir, Herbalista. Não podemos permitir que essas pessoas sem instrução decidam o que precisam. 

— Devemos confiar apenas nos nossos cientistas, e você está argumentando contra a ciência de Cenferum. Está sugerindo que nossos cientistas não são tão bons quanto os estrangeiros? Onde está o seu patriotismo? Está me acusando de erro? 

— Lembra da barbárie que havia antes de eu assumir o poder? Agora, você insinua que minha decisão de importar remédios é um erro? Justo eu, que criei a Universidade Popular e lecionei nela? Você que é um estudioso, sabe muito bem que, para que as escolhas sejam realmente livres, é preciso estar bem informado. E, segundo os pesquisadores da Universidade, sou o mais qualificado para isso. Você sabe disso, estudou minha trajetória nas escolas que criei em todo o país.

— O Grande Líder acredita que tem a resposta certa para a sociedade, e não importa se você discorda, você será obrigado a aceitar sua visão — Lonios sussurrou novamente. — O pior tipo de tirano. Você nunca deve se submeter a um deles, Nimbus, entendeu? Nunca.

Nimbus assentiu, absorvendo mais uma lição de seu mestre. Nunca se aliar ou se submeter a tipos como o Grande Líder, ele pensou. Ledo engano.

— Perdão, meu Líder — o homem parecia mais desesperado agora. — Mas há rumores de que os impostos cobrados sobre os remédios não estão sendo destinados para esse fim...

— Cale-se, Herbalista! Esqueceu tudo o que fiz? Todas as melhorias que trouxe para sua vida desde que fui escolhido democraticamente como Grande Líder, há trinta anos? E tudo o que isso trouxe de bom? 

— De acordo com o decreto que inibe a disseminação de informações falsas, eu determino que você seja sentenciado à prisão para reeducação intelectual, e que todas as suas posses, incluindo sua clínica em Aldair, sejam socializadas para o governo, em nome do controle democrático da informação.

O Grande Líder parou de falar e, sem demora, os guardas se aproximaram, levando o homem aos gritos por uma porta lateral. O Grande Líder então se virou para os cavaleiros presentes.

— Desinformação é o maior problema em nossa sociedade hoje em dia. Devemos agir duramente contra aqueles que espalham essas ideias falsas para o povo — disse ele, e todos ao redor concordaram com entusiasmo.

— Na verdade, segundo ele, quem espalha desinformação são todos que não concordam com ele — Lonios murmurou uma última vez, antes de se levantar e se preparar para sua audiência com o Grande Líder. Quando pararam de andar, se ajoelharam novamente, mantendo a cabeça baixa e evitando contato visual com os ocupantes da escadaria.

— Porque demoraram tanto? Sabem que não gosto de esperar — a voz do Grande Líder soou como um trovão. — Esse é o tal Cavaleiro Andarilho? — ele perguntou, direcionando a pergunta a alguém ao seu lado.

— Sim, Grande Líder, o homem à direita é Sãr Lonios, o Andarilho, como lhe falei anteriormente.

— Incrível! Superou minhas expectativas. Imaginava um mendigo ou um maltrapilho, mas até que ele parece apresentável para um cavaleiro desempregado — o Grande Líder disse, enquanto olhava Lonios e Nimbus de cima a baixo. — Acho que vai servir. Prepare tudo — ordenou ao homem ao seu lado.

— Como desejar, Grande Líder.

Nimbus achou tudo aquilo estranho. Sem ao menos lhes dar explicações, o Grande Líder já estava ordenando que tudo fosse preparado. Tudo o quê?

— Sãr Lonios, convoquei você aqui hoje porque tenho uma missão muito importante. Entretanto, saiba que não costumo chamar cavaleiros andarilhos para uma missão dessa magnitude, mas não tenho escolha. 

— Perdi muitos cavaleiros recentemente e tenho poucos à disposição para me defender nesta crise de disseminação de falsas informações — disse o Grande Líder, levantando as mãos e apontando para todos ao redor. — Quero que seja um dos integrantes da 53ª Expedição de Cenferum — e, após isso, o Grande Líder se sentou, olhando entediado para as paredes adornadas com estandartes, provavelmente capturados em batalhas.

— Podem se retirar, sua presença não é mais necessária. Sãr Ahbran, o chefe da guarda, tratará dos detalhes com o senhor — disse um dos homens na escadaria a Lonios.

⸸ ⸸‌ ⸸‌



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