Volume 1
Capítulo 2: O Cavalheiro andarilho…
Enquanto caminhava pelas vielas cada vez mais estreitas, Nimbus refletia profundamente. Lembrava-se dos acontecimentos do dia e não conseguia afastar a preocupação que o afligia. E se as outras naves não voltassem? A construção de novas levaria meses, talvez anos. Isso significava que sua chance de se tornar um tripulante tão cedo, como havia planejado, seria quase impossível.
Perdido em seus pensamentos, Nimbus chegou a uma casa grande, mas que exibia sinais claros de desgaste. As paredes, feitas de pedras caiadas de branco, estavam desbotadas pelo tempo, e as janelas, com a madeira apodrecida, mostravam reparos improvisados, muitos feitos por ele mesmo. A casa, embora forte e bem construída, parecia estar desmoronando lentamente, uma vítima da falta de manutenção. Dona Zeliudes, apesar de sua luta diária para pagar remédios caros, se virava bem com o dinheiro extra que ganhava tricotando. Ela nunca forçou Nimbus a trabalhar, sempre lhe dizia que ele deveria estudar e se tornar um doutor, mas ele já havia rejeitado essa oportunidade.
Ao entrar na sala, Nimbus encontrou Dona Zeliudes conversando com um homem de feições duras. Seu cabelo longo até os ombros e a barba cerrada ocultavam parcialmente seu rosto, mas o que mais chamava a atenção era a grande cicatriz que atravessava sua testa, passava pelo olho e chegava até a metade da bochecha. O homem usava uma calça de couro, uma camisa de seda branca e um pesado sobretudo vermelho surrado, com cortes visíveis e costurados de forma grosseira. No cinto largo, duas espadas estavam presas, uma delas enfaixada e a outra com o cabo de madeira visivelmente gasto pelo uso. O homem, apesar de não ser muito alto, era robusto e musculoso, com um porte físico que desmentia a idade aparentando seus cinquenta anos.
— É esse aí? — perguntou o homem, observando Nimbus com um olhar crítico.
— É sim — respondeu Dona Zeliudes, com um tom de confiança.
— Não é o que eu imaginava. Ele é baixo para a idade e um pouco obeso também — comentou o homem, fazendo uma avaliação direta.
— Mas ele é muito inteligente. O que lhe falta em tamanho, lhe sobra em engenhosidade. Só Deus sabe os problemas que ele me causou com essas ideias malucas — rebateu Dona Zeliudes, com um sorriso preocupado.
O homem não pareceu impressionado, mas continuou:
— Posso apostar que ele não é muito rápido também. — Ele o avaliou de cima a baixo. — Mas tudo bem! Vai ter que servir.
O homem tirou do bolso do casaco um pequeno saco de moedas e, ao sacudi-lo para sentir o peso, entregou-o a Dona Zeliudes. Nimbus ficou em choque. Ele tentou entender o que estava acontecendo, mas sua mente estava sobrecarregada. "Ela está me vendendo? Não é possível... será que sou um filho tão mau assim?" Pensou, sentindo um nó na garganta.
Quando tentou se virar e fugir, percebeu que já era tarde. O homem estava se aproximando. Sem aviso, ele segurou o queixo de Nimbus e examinou sua boca, depois olhou para seus olhos, um de cada vez. Ele deu algumas batidas em seus ombros e braços.
— Você ainda tem todos os dentes dentro da boca, isso é bom. Não é só gordura que tem nesses ossos, você até que é bem forte para a idade. E esses seus olhos castanho-averelhados... parece que você descende de Victórius, a capital do império — disse o homem, observando os olhos de Nimbus. — Esse seu parente não é distante, mas você não é puro-sangue. Sua mãe, provavelmente, é uma prostituta estrangeira que vive por aqui. Há muitas nos bordéis dessa cidade.
Nimbus olhou para Dona Zeliudes, que observava apreensiva, mas ele estava tão confuso quanto antes. Ele nunca soubera que a senhora falava de sua origem para outras pessoas. Ela sempre lhe dissera para não revelar que não era filho legítimo dela.
— Por quê? Por que a senhora está me vendendo? — a voz de Nimbus falhou, e ele mal podia acreditar no que estava acontecendo.
Antes que Dona Zeliudes pudesse responder, o homem interrompeu, dizendo:
— Calma, não é o que você está pensando. Sou Sãr Lonios Drago. Como pode ver, assim como você, meus olhos e meu tom de pele são marrom avermelhados. Também sou de Victórius.
Nimbus olhou para os olhos do homem e, pela primeira vez, percebeu a semelhança entre eles. Mas ele ainda não entendia a conexão.
— Então, por que o senhor está aqui e por que está pagando Dona Zeliudes? — perguntou, a desconfiança ainda estampada em seu rosto.
— Bom, eu soube que aqui, nesta favela, havia um garoto que queria muito ser cavaleiro. Então, quando fiquei sabendo disso, pensei em convidá-lo para ser meu aprendiz e escudeiro.
Nimbus não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Um cavaleiro estava ali, na sua frente, procurando por um escudeiro. Mas, de repente, ele se lembrou da história do bêbado no beco. A lembrança quase o fez duvidar de tudo, mas a voz da idosa interrompeu seus pensamentos.
— Eu não queria que você seguisse a mesma vida de guerreiro que eu tive. Você é muito mais inteligente do que eu, poderia ser um estudioso, quem sabe um Doutor. Mas você não me deu escolha. Você acha que eu não sei que você se inscreveu para ser tripulante de naves? Você sabe qual a expectativa de vida dessa classe? Eu posso ser velha, mas ainda tenho meus contatos. Dos males, o menor. Se for para você ser um guerreiro, que seja treinado por um cavaleiro.
— Desculpa, mãe, eu não sabia que a senhora sabia da minha inscrição — Nimbus falou, baixando os olhos.
Dona Zeliudes apenas o olhou com uma expressão dura e não respondeu. Percebendo a tensão, ele se voltou para o cavaleiro, ainda com dúvidas.
— Senhor, mas… me disseram que somente filhos de gente rica e poderosa podem ser cavaleiros.
— Sim, cavaleiros de castelos preferem recrutar filhos de membros do governo ou de famílias poderosas, buscando favores ou alianças. Mas não é necessário ser rico para ser cavaleiro. Eu sou um Cavaleiro Andarilho. Não tenho um senhor que me diga o que fazer. Eu sigo o juramento do cavaleiro e, às vezes, sou contratado por um Lorde para servi-lo por um tempo. Mas, na maior parte das vezes, viajo pelo mundo, propagando meu código.
— Mas não é preciso ser uma criança para começar o treinamento? Eu já sou quase um adulto.
— Veja bem, garoto. Falta muito para você se tornar um homem. E ser homem não é só questão de idade, mas de responsabilidades. Você ainda é um adolescente, e vai continuar sendo por algum tempo. Até lá, você vai terminar seu treinamento e, então, poderá se tornar cavaleiro como eu. Mas eu não posso treinar uma criança. Se eu tivesse uma criança como escudeiro, ela morreria na primeira dificuldade. Você tem a idade ideal para ser meu aprendiz.
Ao ouvir isso, Nimbus sentiu um brilho em seus olhos. A felicidade tomou conta dele como uma onda. Seu sonho estava prestes a se realizar.
— Então, o que me diz? Quer ser meu escudeiro? — o cavaleiro perguntou, com um sorriso.
— Claro que sim, esse sempre foi o meu sonho! — Nimbus mal conseguiu segurar o choro, seu rosto se iluminando com um sorriso largo.
Lonios se ergueu, e como se estivesse fazendo um juramento, falou:
— Ótimo. Como meu escudeiro, prometo que, se cumprir suas obrigações, terá comida para comer e roupa para vestir. Não te baterei, a menos que mereça. Ajoelhe-se.
Nimbus se ajoelhou, e Lonios corrigiu:
— Não com os dois joelhos! Você não está rezando. Coloque apenas um joelho no chão.
Quando Nimbus se posicionou corretamente, Lonios continuou:
— Você jura cumprir suas obrigações como escudeiro e obedecer às minhas ordens?
— Juro!
— Ótimo, então levante-se agora como um escudeiro juramentado a Sãr Lonios Drago.
Ao fazer o juramento, Nimbus sentiu uma força invisível tomando conta do seu corpo, como se algo o tornasse mais forte do que antes.
Enquanto observava o garoto, Dona Zeliudes começou a se agitar em sua cadeira. Colocou a mão no peito com uma expressão de dor e, vacilante, começou a remexer em uma gaveta. Nimbus, preocupado, apressou-se para ajudá-la, pegando o medicamento e um copo de água.
— Ela está bem? — Lonios perguntou, observando a senhora recuperar o fôlego.
— Sim, é só o mal do coração. Basta tomar o remédio e ela se recupera — respondeu Nimbus, com um olhar preocupado.
— Estou bem, meu filho, não precisa se preocupar — Dona Zeliudes falou, ainda com a mão sobre o peito.
— Muito bem então. Arrume suas coisas. Levaremos apenas o essencial para o seu treinamento, e só o que você puder carregar.
— Senhor, e a Dona Zeliudes? Não posso deixá-la sozinha. Tenho que comprar os remédios e cuidar para que ela tome tudo direitinho.
— Nimbus, querido, não se preocupe comigo. Você sabe que me viro bem. Com o dinheiro que o Senhor Lonios me deu, vou pagar a filha da Dona Francesca para me ajudar. Não precisa se preocupar, ela sempre está aqui quando você vai para a escola.
Era verdade. A moça já cuidava de Dona Zeliudes há algum tempo, especialmente desde que o estado de saúde da idosa piorara.
— Eu dei muito dinheiro a ela. Ela ficará bem. E sempre que estiver na cidade, poderá lhe visitar.
Nimbus sorriu, ainda com lágrimas nos olhos, e perguntou para seu novo mestre:
— Senhor, desculpe a pergunta, mas como o senhor me encontrou?
— Eu estava comprando carne seca para minha viagem em um açougue nas redondezas. O filho do dono me falou sobre um garoto que sonhava em ser cavaleiro.
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