Volume 2

Capítulo 9: Trinkle.

Distante do mar, no coração fervilhante da capital, o aroma inconfundível do ramen apimentado preenchia o ar no restaurante mais comentado do Império: o Dragão Dourado.

Clientes ocupavam cada mesa do salão. Os risos vinham acompanhados de pratos fumegantes e taças erguidas — era o som da barriga cheia, da alma satisfeita.

Serafina já havia se acostumado com a rotina intensa… ou quase. Duas semanas haviam se passado desde que o Imperador elogiou publicamente seu restaurante, e desde então, a realidade virou de cabeça para baixo.

Antes, ela conduzia tudo sozinha com tranquilidade. Tinha clientes fiéis, um bom movimento. Mas agora? As filas dobravam a esquina — e precisou fechar as portas no período da noite só para dar conta do almoço.

Eiden soube disso, como forma de ajuda enviou três garçons, uma gestora para cuidar do caixa e atendimento, um barman e dois ajudantes na cozinha. Mesmo com a experiência dos ajudantes do imperador, ainda parecia pouco.

Do balcão, a nova gestora gritou em meio à movimentação:

— Chef! O jovem de cabelo laranja tá aí de novo… quer que eu deixe ele passar?

Serafina, com os olhos fixos em três panelas ao mesmo tempo, respondeu no grito:

— Pode deixar!

Harkin entrou em seguida, usando roupas elegantes e o cabelo arrumado. O ar envolta dele era quase perfeito, as roupas finamente ajustadas reforçaram o toque de nobreza em sua postura que destoava do restante dos fregueses.

— Dia agitado? — perguntou, entrando direto na cozinha.

— E como. — respondeu Serafina, bufando sem tirar os olhos do fogão.

— Posso ajudar?

— Você fumou hoje?

— Fumei.

— Então nem pense em encostar em nada que vá ser servido pra alguém.

— Isso é preconceito, sabia?

— Reclama com quem quiser. A democracia acaba na porta da cozinha. Aqui, eu sou a lei.

Ela pegou a escumadeira e apontou direto para o rosto dele — com a firmeza de quem empunha uma espada.

— Entendido, bonitão?

— Sim, senhora.

Ficaram ali por mais dois minutos em silêncio, o som dos utensílios preenchendo o ambiente. Harkin encostou-se em uma das bancadas, observando os movimentos rápidos dela, tentando ignorar o burburinho do salão. Era sempre a mesma coisa — cochichos, olhares... e agora, ainda mais.

Quando os clientes descobriram que dois dos netos do imperador estavam ajudando no restaurante, quase transformaram o lugar num ponto turístico. Pietro, com sua educação impecável, virou o queridinho das senhoras da vizinhança. Já Okini tinha virado lenda por expulsar três jovens riquinhos que tentaram assediar uma das garçonetes.

Tudo isso em três dias. E agora, mesmo com a ajuda do império e sem os novos queridinhos, Serafina mal dava conta de respirar.

Ela desligou o último fogão, limpou as mãos e, finalmente, parou diante dele. Tirou o avental e soltou um suspiro cansado.

— E então? O que te traz aqui?

Harkin coçou a nuca com a mão boa, sem encará-la de imediato.

— Eu tô com fome. Mas… também apareceram uns problemas.

— Imagino. — Ela cruzou os braços.

— Não quero atrapalhar — continuou —, mas já faz alguns dias que a gente não se vê. E, sinceramente... eu tô com saudade.

Ela riu baixo. A expressão dele, desconfortável e meio torta, não combinava com o tom das palavras.

Sem dizer nada, ela se aproximou e desabou no abraço dele. Não com desespero, mas com a naturalidade de quem encontrou um lugar de descanso.

— Eu vou fechar daqui a pouco — disse ela, com a cabeça encostada no peito dele. — Depois do almoço, o restaurante é todo seu. Você vai ter cem por cento da minha atenção, ok?

— Ok.

Ela se afastou, olhando bem nos olhos dele antes de começar a montar um prato. Enquanto servia, falou:

— Até lá... por que você não me conta que tipo de problema tá rolando?

Harkin respirou fundo. A fome batia, mas o cansaço era maior. Ainda assim, ele tentou sorrir.

— Eu conto... mas com uma condição.

— Hm?

— Quando tudo isso acalmar, promete que vai tirar um tempo pra você? Nem que seja só um dia. Dormir, comer bem… cuidar de você. Você tá virando uma daquelas pessoas sobrecarregadas, Sera.

Ela ergueu uma sobrancelha.

— E desde quando você virou meu conselheiro de saúde?

— Desde que percebi que você cuida de todo mundo, menos de si mesma. E eu conheço bem esse tipo de erro...

O silêncio que seguiu não era pesado, mas sim cheio de compreensão. Ela apenas assentiu e sorriu.

— Tá bom, bonitão. Um dia de descanso, fechado. Agora senta e come antes que eu mude de ideia.

Harkin puxou a cadeira mais próxima, mas ainda segurava aquele sorriso discreto nos lábios. Era raro encontrar paz naquele império… mas naquele momento, ele estava perto dela.

E já era o suficiente.

Minutos depois de servir o último cliente e dispensar a ajuda, Serafina se sentou ao lado de Harkin. Ele já havia comido, mas permaneceu ali, aguardando.

— Olha… faz pouco tempo que a gente se conhece, mas já entendi que, quando você aparece do nada, é porque tem algo te incomodando. Então por que não fala logo comigo? Quem sabe eu posso te ajudar.

A franqueza dela já não o surpreendia mais. Nesse tempo, conversaram bastante — nem sempre presencialmente —, mas o suficiente para se conhecerem melhor. Ainda hesitante, ele desviou o olhar e começou a falar:

— Minha irmã tá vindo pra cá.

— A gente já sabia que isso ia acontecer. Qual é a novidade?

— Ela chega hoje. Daqui a algumas horas, na verdade.

— E o que você tá fazendo aqui, então, em vez de ir buscar ela?!

— Comendo.

— Sério? Vai ser assim que você quer fazer? Eu viro as costas e deixo você se lamentando aí, sozinho.

— É… complicado.

— Achei que, a essa altura, já soubesse o bastante sobre você pra nada mais me abalar.

— Tem certeza?

— Tenho. Agora fala logo.

— Bom… você tem razão. E tô sentindo que essa afirmação vai me custar caro no futuro.

Serafina apenas gesticulou com a mão, indicando que ele continuasse.

— Eu não falo com minha irmã faz uns meses. Foi um dos motivos que me fizeram sair de Nerio e vir pra cá.

— E por que vocês brigaram?

— Porque ela decidiu namorar um cara que eu… odeio agora.

— Então ele é um cara ruim? Não era o que você esperava?

— Não… não é isso. O Adrien é um bom homem. Honrado, de bom coração. Uma excelente pessoa e, na minha opinião, um dos melhores sentinelas do reino.

— Tá, então… por que você odeia ele? E por que isso seria ruim pra sua irmã?

— É complicado… ele é um sentinela.

— Tá, oi? Me explica direito ou não tem como te ajudar. O que é um sentinela, afinal?

Harkin respirou fundo, fechou os olhos por alguns segundos, tentando decidir por onde começar.

— Pelo começo, ok? — disse Sera, acariciando a mão dele.

Aquele gesto simples fez mais efeito do que ela imaginava. Harkin não respondeu de imediato. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu que alguém o enfrentava — não com hostilidade, mas com honestidade. E isso o desmontava mais do que qualquer guerra.

— Sentinelas são soldados treinados pra serem a elite de Nerio. Eles defendem a capital e o reino contra qualquer ameaça. Lá, a gente não tem muita gente com aptidão pra manipular mana.

— Sério? Quase todo mundo no Império é mago… nem todos são fortes, mas ainda são magos.

— Pois é. Essa é a particularidade que torna o Império tão poderoso. Sete a cada dez cidadãos têm alguma conexão com mana. Já em Nerio… um a cada cem, se tiver sorte.

— Uau. Isso é… bem diferente.

— Exato. Por isso, por séculos, Nerio investiu pesado em desenvolvimento. Mas o que sempre nos impediu de sermos subjugados foi a nossa geografia — e a Rainha.

— Você quis dizer… sua mãe.

— Isso. Minha mãe… ou Rainha. O costume da corte às vezes escapa. Enfim, quando percebi o quão defasadas estavam as armas de Nerio, resolvi encontrar um meio de tornar o reino menos dependente do poder da minha mãe… e de garantir que minha irmã estaria segura, caso algo acontecesse comigo.

— Então você é um tipo de inventor?

— Sim. Foi assim que criei o Projeto Sentinela: soldados modificados física e mentalmente, equipados com armaduras capazes de suportar o ataque de um Thaurion. E antes que você pergunte, Thaurion é uma classe de cavaleiros em Nerio — basicamente, os poucos que podem ser considerados magos. Eles equivalem a um general imperial.

— Mas se existem guerreiros assim, por que o reino depende só da Rainha?

— Porque Thaurions não vivem mais de cem anos. Mesmo mantendo aparência jovem até a morte, são raros. Até hoje, Nerio teve no máximo quatro ao mesmo tempo.

— Ok, entendi a situação. Você criou um exército de super soldados. Um deles — honrado, valente e poderoso — namora sua irmã. E você não gosta disso… por quê, mesmo?

— Sentinelas juram viver e morrer pelo reino. O que você acha que acontece se algo acontecer com Adrien? Além disso, por serem poderosos, eles fazem muitos inimigos internos. Políticos, nobres, criminosos… Ele coloca minha irmã em perigo. E eu nunca vou aceitar isso. Só por cima do meu cadáver.

— Ei. Você não tem o direito de decidir isso por ela. É a vida dela. A escolha é dela. E, sinceramente, pelo que você falou, Adrien parece forte o suficiente pra protegê-la. Por que não usa isso a seu favor?

— Não é tão simples. E eu não tô decidindo nada. Eles já estão juntos. E se isso continuar... ou eu vou acabar com Adrien, ou perco minha irmã pra sempre.

— De novo… você não pode fazer isso. Você é inteligente, Harkin. Usa um pouco desse cérebro pra ser mais maduro.

— E se alguém do alto escalão mandar ele matar a Gabriella? Ele não pode recusar ordens. E é dela que estamos falando. Minha irmã. A última família que me resta. Eu tenho a obrigação de protegê-la.

Serafina ficou em silêncio por alguns segundos e então respondeu, firme:

— Tá. E se fosse o contrário? E se ela falasse que eu sou um perigo pra você e que você não pode ficar comigo? Nós dois não somos um casal, mas podemos ser. E se sua irmã estragasse isso?

Harkin abaixou a cabeça, sem saber o que dizer. Qualquer resposta seria só mais uma reafirmação do seu ciúme. Depois de um longo suspiro, ele finalmente murmurou:

— Eu não deixaria isso acontecer… Eu entendi o que você quer dizer. Minha mãe já disse isso. Pietro também. Até o Jeff. Mas… eu tenho muitos inimigos em Nerio. Se um deles conseguir manipular o Adrien, mesmo que por um instante…

— Então dá um jeito de corrigir isso. Você não é um gênio? Seja um gênio e resolve esse problema. Sem perder sua irmã. Ela não é a única, mas é sua família. E você tá tão obcecado com os riscos que não percebe que pode perder ela pra sempre se continuar assim.

Silêncio.

Harkin se levantou da cadeira, foi até o bar, serviu um copo e o virou de uma vez.

— A realidade é cruel, mon amour.

O som do líquido preenchendo outro copo quebrou o silêncio do salão.

— Só promete que vai tentar… ok?

— Espera eu ficar bêbado… aí eu posso dizer que foi o álcool que me fez prometer.

Serafina levantou, juntou-se a ele e pegou um copo também.

— Oh, uma surpresa. Não sabia que você bebia — comentou o jovem príncipe, servindo o copo dela.

— Serve logo e para de ser chato. Eu não ligo se você tá bêbado. Uma promessa é uma promessa. E podemos brindar a um Harkin que finalmente tá saindo da infância… e amadurecendo graças a sua linda namorada.

Harkin piscou, pego de surpresa. Um sorriso bobo escapou sem que ele percebesse.

— Então você é minha namorada?

— Sim. Agora brinda logo, vai! Vai!

Trinkle.

O som dos copos se chocando ecoou pelo salão vazio. E logo, os dois começaram a rir, aproveitando a companhia um do outro. Mesmo no caos, aquele instante parecia quase… invencível.

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora