Volume 2

Capítulo 8: Farpas acadêmicas.

O ar dentro daquela sala se tornou um misto de tensão e curiosidade. Alguns dos professores olhavam para Harkin como se ele fosse a própria encarnação de uma má notícia.

Fiör e Julian, por outro lado, o observavam com surpresa genuína.

“Porra... o Drake não é bom o suficiente pra arrancar um braço desse cara?”, pensava Julian, tentando entender o que estava acontecendo. Já o intelectual apenas analisava.

“Como sempre, Julian é péssimo em perceber as coisas.”

Contrariando o colega em pensamento, Fiör foi direto:

— Ballistari claramente tinha outra visão sobre você. Se importa de nos contar o que aconteceu?

— Meu braço deu defeito quando eu bati de frente com Dharma e Kaius.

A sentença caiu como uma pedra no centro da mesa. A sala inteira ficou incrédula. A falta de tato de Harkin e sua maneira direta de falar faziam a paciência de Julian evaporar.

— Hahahaha... Esse daí é bom em contar piadas, Gordon — disse o professor, com uma risada tensa.

— Pra sua surpresa, é verdade — respondeu Gordon, relaxando na cadeira. — Esse idiota discutiu com o conselho, ofendeu Dharma e causou uma pequena comoção. O braço dele foi completamente destruído.

— E como caralhos o braço dele simplesmente caiu? Amputações não se curam com chá e descanso!

Julian era bom com combate, mas detestava ficar no escuro — e isso tornava sua irritação ainda mais visível.

— Simples, gênio — retrucou Harkin, seco. — Meu braço foi amputado há muito tempo. O que você viu era uma prótese que eu mesmo desenvolvi em Nerio. Estou aguardando materiais para montar uma nova. Graças aos dois babacas que mencionei antes, a atual virou sucata.

A explicação simples, porém absurda, fez Julian empacar. No silêncio, Fiör aproveitou:

— Então posso assumir que você é o perseguidor do fim dos Touriga?

 Vejo que alguém fez o dever de casa. Os Elenhaar não decepcionam.

— Oh? Então você sabe quem eu sou?

— Não só você. Decorei o nome de todos nesta sala. Fiör Elenhaar, chefe do departamento de pesquisas. Julian Ballistari, chefe do departamento de combate. Melina Arsen, chefe de medicina.

Ele apontava com a mão funcional, um por um.

— Jason, David, Jairo, Eleanor e Decasus são auxiliares de vocês. Sem contar os alunos que assumem funções de instrutores por mérito.

— Brilhante — comentou Melina, com um meio sorriso. — Agora nos diga aquilo que Gordon não pode, por favor.

— Como assim? — Harkin perguntou, fingindo surpresa.

“Um puta ator... A corte de Nerio deve ser boa mesmo”, pensou Gordon, mantendo o silêncio.

— Você chegou repleto de segredos. Agora é nosso colega. Isso é muita coisa pra absorver. — Fiör manteve a calma.

— Simples. Por questões diplomáticas, vim em sigilo. Meu nome é Harkin et Abrasax. Vou fazer vinte anos. Sou pesquisador.

A resposta debochada fez Julian cerrar os punhos. Mas foi o sobrenome que causou murmúrios.

— Et Abrasax? Esse não é o nome da rainha? — perguntou Jason.

— Isso aí, gênio — respondeu David.

Harkin sorriu de canto:

— Bem, se isso era tudo, vou me retirar.

— Peraí, moleque maldito — rosnou Julian. — Suas respostas só geraram mais perguntas. Você não vai sair assim.

— Por mais bruta que seja a colocação, concordo com ele — disse Fiör.

— Pena que nem sempre temos todas as respostas — respondeu Harkin, se levantando. — Sou o príncipe de Nerio, tenho ligações com a Touriga e fui o criador dos Sentinelas. Isso basta pra podermos trabalhar juntos.

Julian explodiu. Bateu com força na mesa, que estalou com o impacto.

— ESCUTA AQUI, FILHO DA PUTA! SE ACHA QUE ISSO AQUI É SEU PLAYGROUND, VOCÊ TÁ FERRADO!

Gordon pigarreou e olhou para o irmão:

— Harkin, seria justo conversar um pouco mais com eles, não acha?

— Não. Eu nem queria essa posição. Se quiserem culpar alguém, culpem o imperador e o conselho. Me obrigaram a aceitar esse cargo pra evitar um incidente diplomático.

Ele se voltou para Julian, encarando-o de frente:

— Acredite, eu sou quem menos queria estar aqui. Mas ao invés de dar chilique, cumpro minhas ordens.

— Mas você é príncipe de outra nação — ponderou Melina. — Não deveria estar livre de ordens estrangeiras?

— Nem tudo é preto no branco. Estou no Império, não em Nerio. Desafiar o governo local não é uma opção.

— Mas você age com descaso. Talvez não seja prudente. — Fiör buscava conter o clima.

— Eu respeito quem me respeita. E com todo o respeito... fora o conselho e o imperador, ninguém aqui me intimida.

Julian rangeu os dentes e se aproximou, ficando cara a cara com ele:

— Ah, é? Então eu não sou um problema?

— Não foi o que eu disse. Você seria um problema. Mas não um que eu não pudesse resolver.

Harkin bateu no ombro do professor e foi até a porta. Estava prestes a sair quando ouviu:

— Até quando vai ficar sem vir trabalhar? — perguntou Gordon, quebrando a discussão antes de virar um quebra pau completo.

— Três dias. Preciso montar meu braço e revisar meu conteúdo.

— Só espero que esteja levando isso a sério.

— Estou. Mas pra fazer isso preciso de Atherium — que não encontro em qualquer esquina.

Gordon assentiu. Harkin já alcançava a maçaneta quando Julian disparou:

— Quando terminar seu braço, eu te desafio pra um duelo. Vamos ver se sua língua afiada acompanha sua força.

— Aceito. Mas que seja secreto. Não seria bom para os alunos verem dois professores se estapeando.

— Justo. Saiba que vai apanhar, moleque.

— Se você diz...

Ele fechou a porta.

Gordon recostou na cadeira, cobrindo os olhos com a mão.

— E é assim que morrem meus dias tranquilos como diretor.


Aguardando fora do prédio administrativo, um homem de terno preto refinado e cabelo castanho claro permanecia imóvel.

Harkin caminhava distraído e passou direto, sem notar sua presença.

O homem então apertou o passo e se colocou ao seu lado:

— Olá, mestre Harkin. Sou Sputnik. Fui designado por Virman e mestre Solomon para acompanhá-lo no dia a dia.

— Oh! — escapou do jovem. — Solomon está se tornando mais útil do que eu previ... diga-me, Sputnik: devo esperar que me acompanhe ou que me espione?

— O Sr. Virman disse que o senhor faria essa pergunta. E me mandou ser sincero.

— E então... qual dos dois?

— Ambos, jovem mestre. Devo acompanhá-lo e reportar ao Sr. Virman. Não como um espião, mas como um subordinado leal.

— Então é um espião com crachá. — Harkin sorriu. — Tudo bem. Em que pode me ajudar?

— Depende do que o senhor desejar.

— Meu secretário pessoal está a caminho... você pode ser meu auxiliar por enquanto. Hehe, estou começando a me situar. — comentou, sem se importar com quem pudesse ouvir.

— Sendo assim... — Sputnik se adiantou. — Creio que mestre Solomon te de uma lista com os materiais e o local onde estão armazenados.

— Ah! sim é claro você pode busca-los para mim? ou mandar alguem?

— Eu poderia, mas temo que isso não será necessário.

— Por que não?

— Porque os materiais já estão a caminho. A pedido de Solomon, estão sendo levados para um local adequado. O senhor não precisará se preocupar, em procurar um luga para montar uma oficina por conta própria.

— Como assim?

— Mestre Solomon disponibilizou uma de suas mansões no bairro crème de la crème. Nossa equipe está montando tudo neste exato momento, e é perto da escola o que facilitará sua vida.

— E como ele vai saber que tipo de oficina eu preciso?

— Ele também pediu que eu entregasse isto. — Sputnik lhe estendeu um pergaminho técnico.

Harkin o abriu. Seus olhos arregalaram-se: era uma réplica exata da oficina que tinha em Nerio.

— Vejo que o senhor não esperava por isso. — Sputnik sorriu de leve. — Mestre Solomon disse que talvez o senhor não fosse gostar.

Antes que Harkin pudesse responder, seu Magiphone vibrou. Ele guardou o diagrama e leu a mensagem:

 "Espero que goste. Cortesia de Lionel — um cara legal. A oficina estará pronta até o fim do dia. O laboratório, até o fim de semana."

“Filho da puta... tá tentando me colocar em dívida? Ou isso é só parte da cooperação? foda-se, de qualquer jeito Vou ter que negociar melhor...”

Enquanto pensava, notou alguns alunos o olhando de lado. Foi só então que se deu conta do seu estado: cabelo bagunçado, roupas de dormir e sem o braço. Se não fosse pela aparência limpa, poderia passar por um mendigo.

— Acho melhor eu me arrumar...

— Seria prudente, jovem mestre.

— Já estamos chegando ao meio-dia. — comentou, olhando o Magiphone. — Acho que vou almoçar no Dragão Dourado. Você pode buscar umas pessoas no porto?

— Sem problemas. Para onde devo levá-los?

— Para a mansão nova que Solomon preparou. Eu não sou idiota a ponto de recusar moradia gratuita e bem localizada.

— Muito bem. Devo então retornar à mansão. Preciso pegar outro veículo.

— Hã? Por quê?

— O senhor pretende ir andando até o Dragão Dourado?

— Solomon me deu um carro pra me acompanhar?

— Sim. Alguém de seu status precisa se resguardar.

— Hahahaha! Fique com o carro. Vou andando. Não preciso dessas frescuras.

Harkin vasculhou o bolso, pegou sua carteira e entregou um Card a Sputnik.

— Use isso para qualquer despesa.

— Isso não será necessário, mestre Solo...

— Hospitalidade tem limite. Use o meu cartão. O saldo não perde em nada pro do Solomon. E sei que minha irmã vai querer comer alguma coisa ao chegar, então use esse aqui pra você...

Ele entregou outro Card.

— ...e esse para ela. Jeff provavelmente trouxe o dele, mas seguro morreu de velho.

— Entendido. Seguiremos suas ordens, jovem mestre.

— Ótimo.

Com isso, Harkin seguiu a passos calmos em direção ao seu dormitório. Sputnik, por sua vez, caminhou na direção do veículo para cumprir sua missão.


A brisa do mar ventava resfriando o ar que estava quente como o inferno, e em uma embarcação duas pessoas conversavam vendo o porto Ramod Nat'aivel uma das cidades portuárias do império e a mais próximo da capital.

— Seu irmão vai tentar me matar você sabe disso né? — Disse o Homem apoiado de costas no parapente do navio.

— E você tem medo dele? — perguntou a mulher ao seu lado 

— Medo não.

— Mas… — perguntou ela.

— Gabriela, ele pode ser o seu irmãozinho nos seus olhos, ainda assim ele é um gênio que me treinou e a todos os sentinelas do reino.

— Admiração então? Quantas vezes já tivemessa conversa Adrien?

O homem se virou e apoiou os cutuvelos na estrutura e depois de um longo suspiro voltou a conversar.

— Olha todo mundo sabe que se ele quisesse ele me apagaria do mapa, isso nem é a questão em si, ele é meu superior tecnicamente, e ele é super protetor quando o assunto é você.

— Fala logo o que quer dizer homem! — Ela falou com um pouco de irritação em sua voz  — Você o teme ou o admira decide.

— Os dois, mas novamente não é a questão, o que quero saber é como você vai lidar com isso… ele é intenso.

Agora Gabriela foi quem respirou fundo.

— A rainha disse que ajudaria, e o Jeff está aqui, todo mundo sabe que Harkin é um psicopata, mas ainda temos como lidar com ele, e bem eu vou conversar, é tudo que resta para fazer.

— Então esse é seu plano?

— Sim.

Os dois se encararam por alguns segundos que pareceram horas, até que Adrien riu e balançou a cabeça.

— Sabe que foi isso que mudou tudo né?

— Mudou o que? — Perguntou Gabriela.

— No dia que conheci seu irmão eu tava pronto pra morrer, tudo parecia perdido, eu tinha acabado de fazer 21 o tenente mais novo do exército real — O semblante do soldado havia mudado, um mix de tristeza, remorso, culpa e felicidade tomaram de conta enquanto ele falava.

— Nenhum treinamento ou arma que tínhamos aguentava aquilo os piratas pareciam controlar o mar, e estavam prontos para afundar todos os navios da frota. Até ele pousar no nosso deque os foras da lei já tinham afundado metade do meu pelotão, e a outra metade tava em frangalhos.

Sua mão estava com um aperto tão forte que o couro de sua luva rangeu ao aperto.

— Harkin apareceu com um braço no campo de batalha do nada e saiu limpando os inimigos um por um, ele salvou a vida do restante do meu pelotão, e de mais três navios. Nunca vou esquecer aquela cena ele era o próprio Zarqael recitando versos do fim para aqueles que entravam em seu caminho.

Outra pausa olhando ao Horizonte, e ele continuou:

— Eu teria morrido cinco anos atrás se não fosse por ele, eu e todos os sobreviventes nos juntamos aos sentinelas depois do incidente.

Uma breve pausa e um aperto de mão forte.

— Eu morri naquele dia Gab, e seu irmão me salvou, depois me treinou, me deu poder e força para proteger aquilo que é precioso para mim, eu respeito ele só isso.

Gabriela encarou ele e não sabia o que dizer, mas resmungou baixinho. 

— Eu tô perdendo meu tempo com um homem morto então? 

Adrien arregalou os olhos e caiu em risadas leves, passou a mão por de trás da orelha de gabriela ajeitando seu cabelo castanho escuro, e a encarou nos olhos se aproximando 

— Você foi a luz trouxe vida de novo a minha alma meu amor, se não fosse por você eu não sei se teria força para ter me tornado um sentinela, e ver que mesmo com os desafios macabros da vida, ela ainda é maravilhosa.

Os dois se aproximaram até que o encontro de seus lábios tampasse a luz do sol passando por seus rostos. Os dois permaneceram ali durante alguns minutos aproveitando a companhia um do outro, a vista era linda e a embarcação mais parecia um cruzeiro para os dois.

O breve momento de calma foi interrompido por Jeff que chegou devagar para não assustar eles.

— Olha eu dei o máximo de tempo antes de atrapalhar os pombinhos, desculpa atrapalhar, mas precisamos conversar.

— Estraga-prazeres... — bufou Gabriela.

Jeff ouviu, mas a ignorou solenemente. Aproximou-se sem pressa, sentou-se numa cadeira na proa e jogou o Magiphone em direção à moça.

Ela pegou no ar com reflexos rápidos. Bastou uma olhada para sua expressão endurecer. Jogou o aparelho de volta, com uma pontaria que deixaria um general orgulhoso.

Adrien, confuso, arqueou uma sobrancelha.

— O que pode ser tão ruim assim?

— Harkin mandou mensagem. Disse que providenciou transporte e que não precisamos nos preocupar com carona.

— Gentil da parte dele.

— Gentil? — ela bufou, indignada. — O fim da mensagem dizia: “Diz pro Adrien que, se ele encostar na minha irmã, eu mato ele depois de transformar ele em fêmea.”

Adrien congelou por um instante.

— ...É, realmente delicado. — respondeu, contendo o riso.

— Idiota presunçoso. — reclamou Gabriela. — Tô começando a achar que vir pra cá foi um erro.

— Calma, amor — disse Adrien, tentando amenizar. — Você sabia que não seria fácil.

— Calma nada. Aquele idiota faz o que quer e agora quer controlar a minha vida também? Só por cima do meu cadáver. Eu fico sem falar com ele por mais um ano, se for preciso!

— Chefa... — Jeff resmungou, cobrindo os olhos com a mão. — A mente dele é essencial pros negócios. Como presidente da maior corporação de Nerio, você deveria pensar com mais frieza.

Gabriela recuou, mergulhando nos próprios pensamentos.

Adrien percebeu a hesitação e segurou a mão dela com firmeza.

— Você não precisa fazer nada. A corporação é importante, claro, mas a sua vida também é. Você decide o que é prioridade.

— Ah, claro. — ironizou Jeff, com um riso seco. — E ela larga tudo pra viver um romance de novela, é isso? Tu tava se borrando de medo do Harkin até agora, e agora quer bancar o herói? Hipocrisia tem limite.

— Eu não preciso me justificar pra você. — Adrien respondeu, sem perder a calma. — E, como eu disse, a escolha é dela. Quando Harkin aparecer, eu lido com ele. Do meu jeito.

Um “hum” abafado escapou de Jeff, e o silêncio pairou por um breve momento.

Gabriela, ainda observando o mar, finalmente falou:

— Os dois têm razão. Harkin é indispensável para a corporação, e eu... não posso ignorar minha vida pessoal. Só que agora... não tem mais planejamento. A gente já tá chegando. E a reunião com o pequeno monstro vai acontecer, queira eu ou não.

Ela se apoiou no parapeito, deixando a brisa bagunçar seus cabelos.

— Vamos só torcer pra ele estar de bom humor.

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