Volume 2

Capítulo 11: Aru' zan

O sol ardia firme sobre a ilha. O clima úmido e a maresia davam um ar tropical àquele pedaço de terra — um belo contraste de paisagem a olhos desavisados. Isso, é claro, sem o contexto adequado. Porque, na verdade, o que estava em jogo ali... era o destino do mundo.

 

As quatro grandes nações aliadas — Nierr'Dhalar, o Império de Empera, o Reino de Nerio e a Confederação das Cidades Livres — haviam firmado tratados de paz ao longo dos últimos quatrocentos anos, evitando uma guerra catastrófica. A cada cinco anos, um representante de cada país era enviado a uma ilha na borda do Mar Imperial.

A ilha era imensa — menor que um país, maior que uma cidade-estado — ainda assim, seu tamanho ultrapassava o da própria Acrópole do Império.

Nesses encontros, discutiam interesses mútuos: segurança frente aos clãs bárbaros, tratados de comércio, apoio mútuo e o futuro do mundo.

Eiden olhou para o mar e viu uma Fraggari de Nierr'Dhalar flutuando com imponência. Sua carcaça brilhava sob o sol e, nas laterais, o nome pulsava em runas Takravi: “Garra Prateada”.

— Um belo nome para uma embarcação tão bem desenvolvida. É bom ver que a evolução dos reis do mar não para — comentou ele.

A almirante olhou para o navio, sorriu com orgulho e respondeu:

— Garra Prateada é meu orgulho. Uma das melhores Fraggari do nosso país... Mas, por mais que eu adorasse discutir embarcações, temos um Aru’zan a conduzir.

Eiden relaxou no trono, abriu o sobretudo e sacou um maço de cigarros com a palavra “Ruína” gravada em Takravi um dos cigarros de Harkin. Tragando lentamente as runas do cigarro o acenderam.

— Almirante Ahmira, vejo que continua sendo uma mulher de negócios — disse ele, soltando a fumaça para o alto. Ao notar o olhar de desprezo do acompanhante mascarado de Eros, esticou o maço em direção a ele e perguntou:

— O que foi? Quer um?

— Você deve estar mais maluco do que o normal — respondeu a voz distorcida.

— Você fala como se me conhecesse... Talvez seja um dos Junkais que ficaram pra trás. Bem, o que aconteceu no passado, fica no passado, certo? Vamos nos dar bem... pelo bem do mundo.

— Não entenda errado, imperador. Uma hora seu poder vai despencar — e o de Vultor também. E, quando isso acontecer, nós vamos cobrar a dívida que vocês deixaram para trás. Por ora... somos aliados.

— Tá, que seja, orelhas pontudas. Vocês e os imperiais têm história, já entendi. Mas afinal, você é o representante da Confederação ou é o Eros? — perguntou Morgana.

— Eu sou — respondeu Eros. — Meu amigo aqui é um conselheiro. A palavra dele é válida. Mas vamos focar nas pautas principais... Como, por exemplo, o filho de vocês dois que, até ontem, era um segredo. Ou vocês simplesmente esqueceram?

Eiden e Morgana fecharam a cara, mas se mantiveram sob controle. Antes que qualquer um respondesse, Ahmira interveio:

— Isso não será um problema, Eros. Harkin abdicou de ambos os tronos. No Império, é apenas um pesquisador. Mas, em Nerio, ele ainda é príncipe.

Morgana balançava o pé, irritada com o fato de estarem mais informados do que deviam.

— Meu filho não é um problema. Ele é meu sucessor, e ponto. Permiti que fosse ao Império porque queria compreender a magia do mundo para aperfeiçoar suas pesquisas. Simples assim. E isso é tudo que precisam saber. Harkin não será mais citado neste Aru'zan.

Ninguém ousou contrariá-la.

Eiden retomou a palavra:

— Bom... com esse assunto resolvido, vamos à próxima pauta: os ataques misteriosos e os eventos mágicos recentes.

— Isso tá longe de ser uma conclusão... — resmungou Eros — mas enfim. A Confederação identificou anomalias típicas do deserto de Vaernath e das florestas de Alyvnaar. Quanto a ataques diretos... graças a Maathor, nada ocorreu.

— Não tivemos a mesma sorte em Nierr’Dhalar — respondeu Ahmira. — O mar nos lançou feras que nem sabíamos que existiam.

— Essa é nova — comentou Morgana. — Se nem vocês conhecem... quem mais conheceria?

— Velassë — disse Eiden, seco, olhando para Ahmira, que fingiu ignorar. — Não me trate como um ignorante, Almirante. Eu lutei com o próprio Leviathan antes de sua morte. Não tente negar a existência deles.

Ahmira ficou visivelmente desconfortável. Permanecer em silêncio agora seria pior.

— Nem eles sabiam o que eram essas criaturas. Pareciam formas evoluídas de dragões marinhos. Levamos sete dias para derrubar apenas duas. Uma frota de Fraggari afundou durante o combate.

O clima pesou. Uma frota de Fraggari não era algo trivial. O impacto daquele combate era assustador.

— Isso é... preocupante — disse Eiden.

— Se até um transcendental acha preocupante, o que será do resto de nós?

— Entendo sua indignação, Eros. Mas nem eu, nem Eiden podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Somos poderosos... mas, ao contrário do que dizem, não somos deuses — falou Morgana com amargor.

— E de fato não são — acrescentou a voz distorcida.

— De qualquer forma... em Nerio também sofremos ataques. Mas não por bestas... e sim por pessoas — revelou Morgana.

— O quê? — exclamaram todos, menos ela.

— Bom saber que não fui a única surpresa. Nossos vilarejos agrícolas e centros de extração de Atherium foram invadidos. Graças aos Sentinelas conseguimos conter os inimigos, mas... ao serem derrotados, eles se dissipavam no ar. Simplesmente desapareciam.

— Isso é... muito curioso — murmurou Kaius. — Milorde, me permite?

— Vai em frente — assentiu Eiden.

— No Império, sofremos distorções de mana e ataques de bestas. Um vulcão entrou em erupção e uma Sarqagniris imensa surgiu do núcleo. Graças a Erik, não houve perdas significativas.

— Quer dizer que todo mundo se fodeu... menos o Império? — perguntou Eros, seco.

— O que eu quero dizer — respondeu Kaius, ríspido — é que nosso general impediu uma catástrofe antes mesmo dela acontecer. Talvez, se você treinasse mais com seus “amiguinhos lunares”, entenderia o porquê.

A acidez arrancou olhares surpresos — mas quem respondeu foi a figura mascarada:

— De certa forma, ele não está errado. Erik von Reiter, o general mais jovem do Império e primeiro discípulo de Eiden... Ele e seu Yawari, Hagenvogel, são lendas da Guerra de Unificação.

— Exato — confirmou Kaius.

— E o que isso muda? Eles são os únicos que não tiveram problemas? Muita coincidência — disparou Eros.

— Você não sabe, mas Erik e Hagenvogel foram os responsáveis por impedir que a força principal dos Junkai atingisse o Império na guerra. Sozinho, ele foi o suficiente para nos fazer recuar... até decidirmos abandonar o conflito. Então, sim. Der Blutfalken, como é conhecido seria mais que capaz.

— Obrigado pela defesa — disse Eiden.

— Não que fosse necessário — completou Kaius.

— Enfim... — retomou Morgana — podemos concluir que não sabemos porra nenhuma. Só sabemos que fomos atacados. E ninguém tem ideia de quem fez isso.

— Parece que é o caso. Acho que chegou a hora de unirmos forças com as outras nações.

— Ahmira, em Nierr'Dhalar vocês se aliam a qualquer um desde que paguem. Mas a Confederação se recusa a lidar com os bárbaros — retrucou Eros.

— Não importa. Nossa única opção é nos unirmos e investigar isso como uma frente única. Ou... voltamos aos tempos sombrios e passamos a desconfiar até da própria sombra. E o povo... vai voltar a sofrer com guerras globais — declarou Eiden.

Um silêncio amargo tomou conta da reunião. Os líderes se entreolharam.

— É como o Zé Faísca falou... Estamos sem opções. Se formos pelo caminho mais extremo, vamos perder mais do que podemos suportar. Então... todos de acordo? — perguntou Morgana, olhando Eiden e Eros.

O silêncio durou segundos, até Eros se levantar:

— Tsk. Não é o ideal. Mas é o que tem pra hoje. Só não pensem que isso vai ficar assim.

Ele e o mascarado se afastaram até a borda da floresta. Antes de partir, A figura na armadura ao lado de Eros se virou para Kaius:

— Vultor... Eu ainda vou cortar sua cabeça com as minhas próprias mãos. Na hora certa.

Sem dizer mais nada, desapareceram floresta adentro. Uma luz desceu do céu, indicando sua retirada.

— Bem, preciso voltar. Informar os outros Âncoras e traçar um plano de ação — disse Ahmira. Antes de embarcar, virou-se para Morgana. — Pense com carinho, minha Rainha. A proposta ainda está de pé.

Morgana lhe lançou um meio sorriso ambíguo.

O brilho da escotilha principal se abrindo foi a última sombra que deixou para trás antes do navio sumir sob o mar.

— Tá jogando no meu time agora? — provocou Eiden.

— Não. Mas... ela parece interessante.

— Tá. Se você diz. De qualquer forma, não é problema meu. Entretanto o que é problema meu... é a situação do moleque.

— Em outra ocasião. Mandarei um avatar para conversarmos em família, na Acrópole.

— Pode ser. Melhor tratar disso com todo mundo reunido. E por que não vem em pessoa?

— Seu precioso conselho aprovaria?

— Eles são conselheiros do Império. Quando o assunto é minha família, eles não têm voz.

— Se você diz. Vai ser bom ver Jeanne de novo. Deve continuar linda como sempre.

— Está sim. E vai ser bom esclarecer que Harkin não é uma arma de ninguém.

— De fato. Mas não pense que ele vai servir ao Império. Harkin é meu filho. Saiu de mim. Você não vai levá-lo.

— Eu respeitei a decisão dele, Morg. Se ele fizer o que eu pedi, não teremos problemas.

— Ótimo. Vamos falar sobre como ele veio ao mundo?

— É exatamente por isso que precisamos dessa conversa. Minha família... não tá acreditando muito em mim.

— Não os julgo. Se alguém dissesse que chocou um ovo por meio milênio, eu acharia que tava louco.

— É uma versão resumida, mas você tem razão. Quando vem?

— Daqui a um mês. Tenho que resolver o problema dos ataques e preparar tudo.

— Ok. Vou te aguardar.

O avatar de Morgana se desfez, junto com os tronos. Kaius, despreparado, caiu sentado no chão. Resmungando, levantou-se:

— Essas porras de avatares... Por que não vem em pessoa?

— Porque, apesar do equilíbrio, só nós temos forças defensivas para sairmos tranquils. De qualquer forma, o assunto acabou. Vamos.

— Você não vai fazer uma visita, Eiden? É difícil virmos até aqui... por que não vai?

— Já vi fantasmas demais do passado. Vamos embora logo.

Como da última vez, uma tempestade de raios iluminou a praia — e os carregou de volta ao Império.

 


 

Longe de qualquer assunto que pudesse abalar o mundo, Harkin caminhava pelos corredores da mansão que Solomon havia deixado para ele.

"Uau... ele realmente tem bom gosto, isso não dá pra negar." — pensava, enquanto observava os detalhes do lugar.

— É um belo upgrade — comentou Pietro, surgindo atrás dele. — Qual vai ser o preço?

— Por incrível que pareça... veio de graça.

— Duvido. Seu irmão não dá nada de graça. Eu conheço bem a peça.

— Eu sei que é estranho, mas depois que abdiquei do trono e deixei claro que poderíamos ser amigos, ele meio que... mudou.

— Hum... — Pietro parou, coçou a barba e ficou pensativo. — Só tem uma explicação lógica pra isso.

— Pode falar então, ó grande detetive.

— Os termos do acordo realmente são só aqueles que você me falou, né?

— Sim, cara. Itens iniciais, utilidades do dia a dia, inovações que o Império ainda não possui. Se der certo, a gente evolui pra mais. E claro... a porra da arma que ele pediu.

— Então é isso. Na cabeça dele, o seu valor como artesão é maior do que qualquer outra coisa.

— Faz sentido. Ele tá apostando na minha capacidade de produção. Isso se a arma agradar.

— Exatamente. Solomon basicamente tá te testando. No máximo, perde uma mansão. E se você for embora, ele ainda ganhou uma réplica do seu laboratório.

— Porra... vamos logo pra essa oficina. Eu preciso do meu braço.

— Como posso ajudar?

— Pra começar, vê com sua prima se ela e a Sera vão vir mesmo.

— Você não veio do Dragão Dourado direto pra cá?

— Sim, mas a Sera disse que ia ver se a Okini vinha com ela. Aparentemente, a chegada da minha irmã é um negócio sério que precisa de apoio.

— Porra, Harkin... isso é claramente pular uns passos. Vocês tiveram o quê, cinco encontros?

— Quatro.

— Então, cara... tu não tá sendo meio precoce, não?

— Ah, vou saber, Pietro! — jogou as mãos pro alto. — Eu nunca namorei! Gosto dela. Isso já é mais do que senti por qualquer fêmea que conheci.

Fêmea? Por isso que você nunca namorou. Não se trata mulher assim, cara. Nós não somos animais. Tem que ter respeito.

— Meu ovo. Se não somos animais, somos o quê, plantas? O problema do ser humano é achar que é diferente só porque pensa um pouco melhor. Adivinha? Não é. Bestas mágicas também desenvolvem intelecto. Então não tem tanta diferença assim.

— E o prêmio de romântico do ano vai para... — Pietro imitou tambores sobre uma superfície — com toda certeza, outra pessoa.

— Ah, foda-se, Pietro. Você entendeu errado. As outras mulheres são isso: fêmeas. Mas ela é diferente. Quando olho pra ela, sinto algo além da atração. E depois que nos conhecemos melhor, só foi aprofundando.

— Tá... definitivamente, você é precoce.

— Seu cu — disse Harkin, mostrando o dedo do meio. — Enfim, gosto dela e quero ela por perto. Se isso é ser precoce... então foda-se, eu sou precoce.

"Autoconsciência é uma dádiva..." — pensou Pietro, mas guardou pra si. Sabia que insistir nessa conversa seria inútil.

— Tá, tá... Dom Juan. Vou mandar mensagem pra Okini. E quanto tempo você acha que vai levar pra arrumar seu braço?

— Ótimo. Nós, porra nenhuma. Eu vou levar uns quarenta minutos, se a oficina estiver pronta. Vou construir um novo do zero.

— Quarenta minutos? Tá sendo otimista, não?

— Não, se a oficina for igual à de Nerio. Com a quantidade certa de Atherium, dá pra manter a qualidade. Eu melhorei os processos de refinamento da forja.

— Você vai conseguir usar a forja aqui? Não precisa da mana natural de Nerio por causa do solo rico em Atherium?

— Sim e não. A real é que, por causa da densidade de magos no Império, a mana aqui é quase tão densa quanto lá. Então, com a convergência, eu consigo replicar a forja.

— Isso é interessante...

A conversa morreu ali. Não por falta de assunto, mas porque haviam chegado à oficina.

Duas portas enormes, negras como a noite, exibiam gravuras de ferramentas e símbolos de metalurgia. Não havia maçanetas. Harkin esticou o braço e as gravuras começaram a brilhar em um laranja incandescente. Um rangido profundo preencheu o ambiente quando as portas se abriram, revelando o espaço além.

Máquinas e materiais que pareciam vindos de outro mundo estavam espalhados por toda parte. Armários recheados de substâncias estranhas preenchiam as paredes. E, no centro da sala, havia um grande círculo de tijolos cravejados com runas de supressão.

— Aparentemente, tá tudo aqui — comentou Pietro. — Bom... pelo menos tá igual eu me lembro.

— Idêntico... Como ele conseguiu fazer isso em algumas horas?

— Seu irmão, Solomon, tem uma equipe quilométrica com habilidades únicas. Desde que tenha um croqui ou um layout, ele dá um jeito.

— Ele realmente é mais útil do que eu pensava... Enfim, mãos à obra. Vai dar um puta trabalho. Vamos começar!

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