Nexus: O Filho das Estrelas Brasileira

Autor(a): Velthar

Revisão: Banjoloko


Volume 1: Sangue e Promessas.

Capítulo 12: Acordando no Inferno.

O mundo voltou como um soco seco no peito.

 

Harkin não enxergava nada.

 

Seus olhos estavam vendados, as pernas e braços acorrentados, a boca amordaçada.

 

Seu único sentido útil era a audição.

 

E mesmo isso não era um consolo.

 

A dor se espalhava por todo o corpo, latejante e implacável.

 

Da cabeça aos pés, cada centímetro de sua pele parecia ter sido queimado e rasgado ao mesmo tempo.

 

Seus dedos estavam dormentes, as extremidades do corpo formigavam, como se milhares de agulhas o perfurassem ao mesmo tempo.

 

"Eu já acordei no inferno?"

 

"Porque é impossível existir tanto sofrimento em um paraíso."

 

Ele tentou se concentrar, ignorar a dor.

 

Foi quando ouviu vozes.

 

— Esse garotinho fez isso? Sério?

 

— Sim, foi o que chegou até mim. Esse moleque tá muito ferrado.

 

As vozes vinham de perto.

 

Os capangas.

 

— Ele provavelmente vai ser escravo do chefe até morrer. — O tom do homem carregava indiferença cruel. — Enquanto isso, o irmão dele tá sendo punido... parcialmente.

 

Harkin prendeu a respiração.

 

— Ainda não encontraram a garota, mas duvido que o destino dela vá ser melhor que o deles.

 

O peito dele se apertou.

 

Gabriela ainda estava desaparecida.

 

Mas por quanto tempo?

 

Seus músculos se contraíram por instinto.

 

Ele se debateu, tentando se soltar.

 

Tentou gritar, mas a mordaça abafou qualquer som.

 

O cheiro da cela era úmido, o ar carregado de poeira e suor.

 

Ele se remexeu, sentindo as correntes rasparem contra sua pele já machucada.

 

— Fica quieto e não se mexe, verme.

 

A voz veio firme, irritada, mas Harkin não ouviu.

 

"Foda-se você."

 

“Eu tenho que salvar o Ed e achar a Gab.”

 

Seu peito subia e descia rapidamente, a respiração acelerada pela angústia.

 

O que esses desgraçados podem fazer com eles?

 

As correntes cortavam sua pele com a fricção, mas ele não parou.

 

Não importava a dor.

 

Ele precisava sair dali.

 

O som metálico de engrenagens se movendo ecoou na cela.

 

Algo se abriu.

 

E então, passos.

 

Harkin tentou virar a cabeça, mas não conseguiu ver nada.

 

— Encontraram a sua irmã, verme.

 

A voz veio carregada de satisfação maldosa.

 

Os passos pararam à sua frente.

 

— Mas até lá... você vai dormir.

 

O golpe veio direto no estômago.

 

A dor explodiu em sua barriga, como se algo estivesse se rasgando por dentro.

 

Outro soco.

 

E depois mais um.

 

Cada pancada destruía algo dentro dele, mas ele se recusava a apagar.

 

“Se eu desmaiar agora, quem vai salvá-los?”

 

Cada fibra do seu ser gritava para resistir.

 

“Eu preciso bolar um plano.”

 

Ele precisava suportar.

 

Mas seu corpo já havia passado do limite.

 

A última coisa que sentiu foi o próprio sangue escorrendo por seus lábios rachados.

 

Então, o mundo ficou escuro novamente.

 

 

---

 

 

Acordar foi como ser puxado de volta ao inferno.

 

O impacto da água gelada contra seu rosto rasgou sua consciência, arrastando-o para fora da escuridão.

 

Harkin ofegou, engolindo ar e água ao mesmo tempo.

 

A luz do sol perfurou seus olhos, um brilho cortante que o cegou momentaneamente.

 

Ele não sabia onde estava.

 

Seu corpo estava livre das amarras, mas cada músculo gritava em dor.

 

Ele ainda estava vivo.

 

Por enquanto.

 

Instintivamente, ergueu as mãos trêmulas para bloquear a luz, piscando repetidamente até que sua visão começasse a se ajustar.

 

Então, ele viu.

 

Círculos de homens de terno o rodeavam, dezenas deles.

 

Os uniformes da Família Touriga eram inconfundíveis, suas roupas escuras adornadas com pequenos símbolos de uvas entalhadas no canto dos paletós, um detalhe que os diferenciava dos gangsters comuns.

 

O salão era imenso, luxuoso.

 

Os olhos de Harkin vagaram pelas paredes esculpidas, as colunas imponentes, o teto alto decorado com um design que lembrava os castelos de Tharsar, no oeste.

 

Mas sua atenção logo foi capturada por ele.

 

No topo de uma série de degraus, sentado numa cadeira ornamentada como um trono, estava um homem alto, de aparência rústica, mas vestindo um terno refinado, gravata e colete impecáveis.

 

Um broche dourado em forma de uva estava preso em seu paletó.

 

Ele olhava para Harkin de cima, seus olhos calmos e avaliativos.

 

Quando abriu a boca, sua voz veio firme, porém controlada.

 

— Peço desculpas pela forma como foi tratado, jovem. Seu nome é Harkin, certo?

 

Harkin não respondeu imediatamente.

 

O som de seu próprio nome o atingiu como um choque elétrico.

 

“Eu tô cercado. Não dá pra fazer nada!”

 

“E agora o que faço? O que eu faço?!”

 

Seu peito subia e descia rapidamente, a respiração acelerada pela ansiedade esmagadora.

 

Seus pensamentos colidiam como uma tempestade descontrolada, queimando os restos de energia que ainda possuía.

 

“Se continuar assim... Eu, Ed e Gab vamos morrer.”

 

Seus olhos dançaram pelo salão, buscando uma saída.

 

“Preciso achar eles”

 

Ele tentou se levantar num movimento impulsivo, mas a dor o traiu.

 

Suas pernas não tinham força.

 

Ele cambaleou, mal conseguindo dar três passos antes que os músculos falhassem completamente.

 

Seu corpo caiu de joelhos no chão frio.

 

As lágrimas caíram antes que ele percebesse.

 

Seus punhos se cravaram contra o piso de madeira, enquanto tentava desesperadamente se erguer outra vez.

 

Mas não conseguia.

 

Ele estava acabado.

 

A voz do chefe quebrou o silêncio.

 

— Te trataram muito mal, de fato.

 

Ele fez um gesto discreto.

 

— Alguém use um remédio nesse garoto, de preferência uma poção de efeito imediato.

 

Um dos homens saiu rapidamente da sala.

 

Pouco tempo depois, ele retornou com um pequeno frasco nas mãos.

 

O chefe se ergueu de seu trono, descendo os degraus com passos calmos e deliberados.

 

O capanga entregou o frasco de cabeça baixa.

 

O líder da Família Touriga pegou a poção e se abaixou em frente a Harkin, segurando suavemente seu queixo.

 

Harkin tentou se afastar, mas seu corpo não reagiu a tempo.

 

Agora de perto, os olhos do chefe percorriam seus ferimentos, analisando cada corte e hematoma.

 

— Minha família realmente o tratou mal, garotinho.

 

O tom dele não tinha pressa, nem raiva.

 

Mas havia algo ali.

 

Algo perigoso.

 

Ele levantou a tampa da poção.

 

— Permita-me corrigir esse erro. Abra a boca.

 

Os olhos de Harkin se arregalaram.

 

“Ele vai me envenenar?!”

 

O corpo se contraiu involuntariamente.

 

“Eu mal consigo ficar sentado. Se ele tentar me matar agora, não há nada que eu possa fazer.”

 

A mente de Harkin gritava para reagir, mas o chefe percebeu o medo estampado em seu rosto.

 

Ele suspirou com desdém, então...

 

Virou o frasco para si mesmo e tomou um pequeno gole da poção.

 

O salão ficou silencioso.

 

O chefe limpou os lábios com o polegar e voltou a encarar Harkin.

 

— Não me darei o trabalho de envenená-lo. No seu estado atual nem precisaria.

 

Ele empurrou o frasco contra os lábios do garoto, forçando-o a engolir o líquido.

 

O efeito foi quase instantâneo.

 

A dor começou a desaparecer.

 

Os ferimentos se fecharam, a energia lentamente retornando a seus membros.

 

Harkin ficou perplexo.

 

“Isso… é uma mistura alquímica de alto nível. Por que esse cara gastaria algo assim comigo?”

 

— Primeiramente, meu nome é Demétrius Arken Touriga.

 

O homem se levantou, voltando para seu trono.

 

— Como já pode ter deduzido, sou o chefe da Família Touriga.

 

O silêncio pesava no ar.

 

O homem diante dele não era um criminoso qualquer.

 

Não era apenas um assassino ou um líder brutal.

 

Demétrius Arken Touriga era algo muito pior.

 

Um homem que sabia quando ser cruel e quando ser cortês.

 

Alguém perigoso, porque não demonstrava pressa ou raiva.

 

Apenas controle absoluto.

 

— Então, garoto. Está entendendo tudo?

 

— Sim, senhor.

 

— Ótimo. Posso confirmar que seu nome é Harkin?

 

— Sim, senhor.

 

O chefe assentiu.

 

— Mas me diga...

 

Seus olhos se estreitaram ligeiramente.

 

— Por que acha que te curei? Ainda mais com algo tão valioso?

 

Ele não estava mais amarrado.

 

Seus ferimentos haviam desaparecido.

 

Mas isso só o deixava ainda mais desconfiado.

 

“Por quê?”

 

“Por que ele me curaria?”

 

Demétrius sorriu de leve.

 

Ele pegou o maço de cigarros do bolso e, imediatamente, um de seus homens se aproximou com um isqueiro e acendeu o cigarro.

 

Harkin sentiu algo estranho.

 

Havia algo familiar naquele capanga.

 

Mas ele não sabia exatamente o quê.

 

O cheiro do tabaco queimando se espalhou pelo salão, misturado ao perfume amadeirado da sala.

 

Quando Demétrius percebeu o olhar de Harkin, ele sorriu de leve.

 

E então, disse algo que congelou o sangue do garoto.

 

— Sabe, garoto… Arsen me disse que você tem coragem.

 

Arsen?

 

Harkin engoliu em seco.

 

Ele não conhecia esse nome.

 

Mas quando seus olhos recaíram sobre o homem que havia acendido o cigarro de Demétrius, a resposta veio como um soco no estômago.

 

O mesmo homem do beco.

 

Aquele que torturou Edgar.

 

Aquele que arrancou o dedo do seu irmão sem hesitar.

 

Agora estava ali, ao lado do chefe da família.

 

E foi só então que Harkin notou um detalhe.

 

A mão esquerda de Arsen estava enfaixada.

 

Os dedos mindinho e anelar não estavam mais lá.

 

Ele também havia sido punido.

 

Mas por quê?

 

Demétrius sorriu, notando o olhar de Harkin.

 

— Essa foi minha forma de reparar o que meus homens fizeram a você.

 

O tom dele não carregava remorso.

 

Era apenas um fato.

 

— Errado ou não, nenhuma criança deveria ser espancada da forma como você foi. Ainda mais nas circunstâncias atuais.

 

Harkin trincou os dentes.

 

— Me desculpe, senhor, mas os precedentes da Família Touriga dizem o contrário de tal compaixão.

 

Seus olhos brilharam com desconfiança.

 

— Ainda mais depois de uma ofensa como a que cometi.

 

Demétrius não demonstrou reação.

 

Ele apenas deu mais uma tragada no cigarro e soltou a fumaça para cima, como se estivesse refletindo.

 

— Cortesia é diferente de compaixão.

 

Sua voz não vacilou nem por um segundo.

 

— É fato que você causou um grande problema.

 

Ele o observou com atenção antes de continuar:

 

— Mas você ainda tem o quê? 8, 9 anos?

 

O estômago de Harkin se revirou.

 

"Alguma coisa está errada aqui."

 

"Mas estou cercado."

 

"Será que se eu implorar a ele, eu posso salvar Ed e Gab?" — ele pensa enquanto suas pupilas dilatam.

 

"Preciso me manter calmo. Pensar racionalmente."

 

A ansiedade e pânico começaram a tomar conta de sua mente.

 

"SE ACALMA, PORRA!"

 

Harkin apertou sua mão até que a unha fez um pequeno talho em sua palma. Ele respirou fundo antes de responder:

 

— Tenho onze, senhor.

 

Demétrius arqueou levemente uma sobrancelha.

 

— Onze? Você é baixo para sua idade.

 

Ele estreitou os olhos, avaliando Harkin com um olhar clínico.

 

— Está passando dificuldades em casa?

 

Harkin hesitou por um segundo, mas sua voz se manteve firme:

 

— Os últimos tempos não foram fáceis, mas nós nos viramos.

 

Ele manteve o olhar fixo no líder.

 

— Não tivemos fartura, mas nunca nos faltou o que comer.

 

— Graças aos esforços de meus irmãos.

 

O salão ficou em silêncio.

 

Demétrius tragou o cigarro, exalando a fumaça devagar antes de falar:

 

— Ótimo. Isso mostra que são responsáveis.

 

Ele sorriu de leve.

 

— Eu gosto disso.

 

E então, sua expressão ficou mais séria.

 

— E isso é o que nos traz até aqui.

 

A palavra seguinte saiu como um veredito.

 

Responsabilidade.

 

Demétrius se recostou no trono, soltando mais uma tragada longa no cigarro.

 

Seus olhos pareciam focar em algo distante.

 

Algo que não estava ali.

 

— Sempre cuidei do meu irmão.

 

O tom dele não mudou, mas havia algo diferente em sua voz agora.

 

— Como você, nós perdemos nossos pais cedo.

 

Ele cruzou os dedos sobre o joelho, seu olhar perdido no passado.

 

— Mas foram circunstâncias diferentes.

 

Um suspiro quase imperceptível escapou de seus lábios.

 

— Fui responsável por ele desde que ele tinha nove anos.

 

Seus olhos voltaram para Harkin.

 

— Até hoje, quando ele estava perto de completar seu trigésimo terceiro aniversário.

 

O coração de Harkin disparou.

 

Ele já sabia a resposta.

 

Mas ouvir aquilo…

 

Demétrius finalmente sorriu de novo.

 

Mas dessa vez, o sorriso não tinha humor algum.

 

— Dá pra entender minha dor, Harkin?

 

O peito de Harkin afundou.

 

— Hoje, você tirou parte de mim… e a mandou para o abismo.

 

A sala parecia mais fria de repente.

 

E então, a verdadeira pergunta veio.

 

— Agora me diga, garoto… Quem deve pagar o preço?

 

 O coração de Harkin batia cada vez mais rápido.

 

O som era tão forte, tão intenso, que Demétrius e alguns dos homens ao redor claramente notaram.

 

As mãos de Harkin estavam suadas, e um frio no estômago o deixava tonto.

 

— Se-senhor… — A voz dele falhou.

 

Ele fechou os olhos.

 

E se refugiou na própria mente.

 

"Eu preciso ser calmo. Racional."

 

"Como nos livros que eu li… dominar a mente, para dominar o corpo."

 

"Se eu errar agora, posso condenar os três."

 

"Mas se eu jogar direito… talvez consiga salvar eles."

 

"Ed já foi punido. Gab nem está envolvida."

 

"É melhor só eu do que todos nós."

 

Quando abriu os olhos, não havia mais hesitação.

 

Seus olhos, negros como a noite, estavam repletos de determinação.

 

Toda dúvida havia se dissipado.

 

— Senhor Demétrius.

 

Sua voz saiu firme, mesmo que o corpo ainda doesse.

 

— Sei que tenho pouca idade, mas tenho plena consciência de minhas ações.

 

— Meus irmãos fizeram o melhor para me guiar desde que perdemos nossos pais.

 

— Não sei como Edgar se envolveu com sua família, nem qual ofensa cometeu para merecer punição.

 

— Mas ele é um bom homem. E Gabriela... Gabriela nem está ciente do que aconteceu.

 

Harkin abaixou a cabeça, demonstrando respeito.

 

— Peço que considere minhas palavras... e me deixe assumir a responsabilidade pelos problemas que causei.

 

Demétrius permaneceu em silêncio por alguns segundos.

 

A única coisa que se ouvia era o som suave do cigarro queimando, e sua respiração lenta.

 

Ele levou o cigarro à boca mais uma vez, deu um trago profundo, e soltou a fumaça lentamente.

 

— De qualquer forma, tive que começar punindo os verdadeiros responsáveis.

 

Seus olhos fitaram Arsen ao lado.

 

— Como o que está aqui agora.

 

Demétrius ergueu a mão esquerda, mostrando o cigarro.

 

— Um dedo por ter falhado em cuidar do meu irmão...

 

— O outro, por ter envergonhado a família.

 

Mais um trago.

 

— Isso tira parte de suas dúvidas?

 

— Sim, senhor. — Harkin respondeu, com um leve aceno. — Sendo assim… onde está minha família?

 

Demétrius manteve o olhar fixo nele por alguns segundos.

 

E então respondeu:

 

— Vamos chegar lá, calma.

 

Ele gesticulou sutilmente com os dedos esquerdos, ainda segurando o cigarro.

 

— Você entendeu as consequências das suas ações?

 

— Sim, senhor.

 

O chefe tragou pela última vez e apagou o cigarro com um gesto contido.

 

— Sabe, garoto… Arsen me disse que você tem coragem.

 

— Parece que, dessa vez, ele não exagerou para amenizar a própria punição.

 

Demétrius então se ergueu da cadeira.

 

Seu tom era direto, mas sem agressividade.

 

— Levanta, garoto.

 

— Vamos para o pátio.

 

— Você vai obter sua resposta lá fora.

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