Névoa Eterna Brasileira

Autor(a): Dimas Tocchio Neto

Revisão: KlayLuz


Volume 1

Capítulo 3: Ilha de Exóryxi

Era a manhã seguinte, um sábado.

Acordei, o sol chegou ao meu rosto pela abertura na parede. Sentei em minha cama e vesti meu traje de minerador. Por fim, coloquei um capacete amarelo, peguei a picareta e sai da minha casa.

Pronto.

Fui direto para o porto da ilha. Corri para a entrada da cidade dessa vez, precisava chegar lá rápido.

***

No porto, era sempre impressionante.

O local era bem grande e ficava à beira da ilha. Para evitar acidentes, os barcos aterrissavam nas águas do rio que circulava por Solaria, então vinham até a margem, onde havia o cais para atracar. Os barcos seguiam 3 padrões:

Individuais pequenos: embarcações com asas nas laterais — feitas de aço — eram móveis ou fixas para planar. Atrás, existia um motor a gás que impulsiona o barco pelos céus.

Medianos: também possuíam o motor a gás atrás, mas não tinham asas para planar. Eram largos — com 10 metros de diâmetro por 7 de largura — e acima usavam um balão de ar hélio amarrado por cordas. Nas laterais, pequenas hélices regulavam a direção.

E o Terceiro Tipo era o que eu vou: uma grande fragata com um balão de ar hélio em formato oval, também preso por grandes cordas. Atrás, havia grandes hélices que impulsionavam e, nas suas laterais, asas móveis ajudavam a direcionar seu rumo.

Fora esses três tipos, existiam milhares de outros modelos específicos, mas seus fundamentos vinham todos desses, os mais utilizados.

A viagem para a ilha mineradora de Exóryxi era rápida.

Em oito minutos estaríamos lá.

Entrei no navio com outros trabalhadores e segui até a ilha de mineração. No caminho, conversei com outros trabalhadores. Com o tempo, relataram algo inusitado para mim:

— David, ‘cê sendo da aristocracia, ficou sabendo dos detalhes sobre o pacto que o governador de Solaria tá fazendo com o reino de Elliniká? — perguntou o senhor sentado ao meu lado.

— Não fiquei. Me conte sobre — respondi, genuinamente surpreso.

— Segundo os boatos, o nosso governador planeja abandonar o Império Central de Romaíoi e entrar em Elliniká.

— O governador ficou louco? — Coloquei minha mão direita sobre o ombro dele. — A última ilha que tentou realizar isso foi destruída pelo império há 200 anos.

— O governador ‘credita que isso pode dar certo por estarmos bem na fronteira com Elliniká.

— Mesmo assim, é loucura… — falei, confuso.

Antes que pudéssemos continuar a conversa, o navio chegou à ilha mineradora. Todos se levantaram e começaram a sair. A ilha era gigante, mas muito destruída, cheia de buracos no chão, as origens os minérios essenciais e valiosos. Não havia nenhuma árvore ou outra forma de vida além das pessoas, o ambiente era de apenas pedras e minérios.

Desembarquei do navio, peguei minha picareta e uma garrafa de água e caminhei até a zona sul da ilha. Era lá que se encontrava o mineral de chrysos, muito utilizado na fabricação de peças para iluminação e motores dos navios. Essas peças eram difíceis de serem retiradas, por isso sou o único capaz de fazê-lo manualmente, conveniência da minha perícia com a espada, imaginava.

O serviço era árduo e sob o sol escaldante.

Comecei a minerar e os outros trabalhadores se impressionaram com a cena. Como era possível retirar esse mineral apenas com a força das mãos?... Nenhum deles conseguia, mesmo com anos de experiência. Era sempre assim.

A localidade estava cheia de máquinas compostas de madeira e metal. Auxiliavam os trabalhadores a retirar os metais mais duros. Eram as garras de metal que principalmente arrancavam o chrysos.

Tornava-se não tão difícil retirar o minério, mas todos precisavam das garras de metal.

O chefe da obra — chamado Frederic — era um homem alto e ruivo, de cabelo curto. Usava sempre sua roupa de mineração: uma camisa listrada de vermelho e azul, calça jeans e botas pretas. Ele se aproximou para conversar.

— Como sempre se esforçando mais que os outros, David — exclamou, depois sorriu para mim.

— Sim. Como o único capaz de retirar chrysos manualmente, é minha responsabilidade me esforçar — brilhei, faltou apenas o nariz crescer.

— Ótimo! Mas, David, corte a brincadeira, hoje tenho uma pequena missão para você.

— Qual seria a missão?

— Sendo nosso único ex-aventureiro, só posso pedir a você: encontramos uma nova caverna, então  gostaria que a verificasse se é realmente segura para explorarmos.

— Eu não trouxe nenhuma arma aqui comigo, senhor.

Ah! Não se preocupe! Tenho uma aqui que você pode gostar… — Frederic jogou uma espada para mim. — O que acha dessa?

Segurei, por reflexo, firme a espada na bainha. Imediatamente verifiquei-a — ótima qualidade. Era natural, esbocei algumas poses de combate para testar seu fio.

Era uma espada feita de chrysos, com lâmina azul, seria ideal para combates na caverna com sua lâmina curta.

— Aceito sua missão. Irei agora mesmo — respondi ao colocar a espada na cintura e largar minha picareta.

— Perfeito! Sabia que podia contar com você! Haha! A caverna fica ao leste, embaixo da antiga cachoeira. Chegando lá, terá uma guia para acompanhá-lo.

Estava decidido. Segui para o local. Era interessante a ideia de conhecer uma nova veia de minérios.

A antiga cachoeira ficava a menos de dois quilômetros daqui… Estou perto.

Não acredito nesse cara, toda vez me manda para essas explorações e sozinho ainda. Se tiver um monstro que saiba usar magia, eu não vou conseguir derrotá-lo.

O caminho era horrível, estava todo cheio de lama e resíduos da mineração. Minhas botas afundavam e tinha que tirá-las constantemente para prosseguir.

Ufa!

Ao chegar perto da cachoeira, avistei uma jovem de cabelos claros e olhos-verdes. Era uma elfa parada na entrada da caverna.

Me aproximei dela e disse:

Olá! Acredito que você é meu guia nessa exploração, correto? —  Acenei com a mão.

— Correto, David. Sou Ana, uma maga da luz. — Ela estendeu a mão numa postura aberta cordial, parte da sua etiqueta, presumi.

Ora? Sabe meu nome? — Também levei minha mão para cumprimentá-la.

— Seu chefe me disse muitas coisas sobre você.

Hum! Me diga algumas delas.

— David, um aristocrata pobre, mestre em artes marciais de esgrima, mas incapaz de usar magia. Quando vê um monstro de mana, sai correndo… — Ana deixou escapar uma risada irônica.

— Aquele maldito...

— Mas ele também disse coisas boas: seu valor moral e intelectual inquestionáveis, que visam resolver os mistérios da Névoa Eterna.

Olhei para Ana e logo percebi um detalhe importante. Ao menos, eu achava.

— Eu não tinha certeza sobre, mas é fato, todos os elfos são uma raça de pequeninos. — Era minha vez de rir.

Essa garota devia ter 1,50m de altura no máximo.

— De fato, somos pequenos; conseguimos usar magia, já você: não.

Ambos nos entreolhávamos irritados. Enfim, iríamos precisar um do outro para entrar na caverna.

— Acredito que começamos errado… — fala ela. — Meu nome é Ana Daskalakis. É um prazer te conhecer, David Arcádia.

— Digo o mesmo, Ana. Conto com você, afinal não posso usar magia.

— Então vamos lá. — Ana apontou sua varinha para a caverna.

A entrada da caverna era sombria, impossível de ver o interior… Nas laterais, apenas rochas sólidas cobertas em lama e pedaços de minerais. Ana acendeu uma pequena luz na ponta da varinha, nossa tocha para a exploração.

Com passos rápidos entramos na caverna.

A caverna, além de escura, ficou úmida. Éramos pressionados pelo negrume, não gostaria de imaginar como seria a viagem sem a magia de luz. O chão era coberto de pedras soltas e rachadas enquanto o teto era alto e irregular, com estalactites penduradas. O ar ficava denso pela distância do lado de fora e a intimidação crescia.

Cheiro de morte.

Andamos alguns metros sem encontrar nada, mas logo achamos um cadáver de lobo-sangrento morto. Os lobos-sangrentos são animais que possuem veneno nos dentes, capazes de numa mordida fazerem a vítima escorrer sangue por todos os seus orifícios até a morte.

— Será que está aqui há muito tempo? — Ana ficou preocupada.

— Não…. Acredito que logo à frente existam mais alguns deles. Se dermos o azar, talvez até uma matilha com 40. — Olhei sério para ela. — Eles são muito inteligentes e podem criar armadilhas, por isso tome cuidado, Ana.

— Farei… isso.

Passamos mais vinte minutos dentro da caverna.

Encontramos uma pequena veia de cobre no final, que valia a pena ser minerada.

Decidimos sair da caverna e avisar os outros.

De repente, parei. Meus sentidos não mentiriam! O peso da escuridão caiu como um desabamento em nossas consciências. Havia uma ameaça próxima.

— Escuta isso: toc, toc, toc! Sons de pegadas — disse, seco. 

— Espera, o que você… está brincando, né, David? Está tentando me assustar.

— Queria que fosse, mas… estou escutando. Eles vêm… na nossa direção!….

— Vamos fugir, então! 

Ela tentou correr de volta para a entrada, porém a segurei pelo braço.

— É tarde demais, escuto os passos da entrada. São aproximadamente dez deles.

Puxei-a para trás. Poucos instantes depois, os lobos-sangrentos aparecem por trás de nós. 

Eram seres grandes — com presas afiadas. Cercavam-nos. Usavam seus números ao redor para selar nossa esperança.

— Vamos morrer! — Ana caiu no chão chorando em desespero.

— Sim, nós vamos… — Segurei a espada na cintura.

Encaravam-nos; os gritos da Ana ecoaram enquanto os lobos estavam prontos para atacar.

— Só que não será hoje, Ana! — Apontei a lâmina desembainhada para os lobos. — Se levante e me dê suporte mágico para sairmos vivos.

Empurrada pela liderança, ela levantou-se e preparou-se — chorona — para o combate.

Conjurou uma magia de luz ainda mais forte, que deixou todo o local iluminado. Ganhamos real visibilidade.

Um dos lobos atacou.

Começou nossa batalha pela sobrevivência.

Segurei minha espada, coloquei-me com firmeza à frente e apontei para a direção da abertura do lobo que nos atacava.

Induzido, o animal caiu de barriga na lâmina, tentando nos morder enquanto latia de dor.

No empurrei que dei, estoquei-o na parte de cima da cabeça do lobo, matando-o.

Os outros lobos também atacaram simultaneamente. Vendo a situação, finquei minha espada no chão e peguei Ana com meus dois braços, jogando-a por cima dos lobos. Ela caiu do outro lado, rumo à entrada da caverna.

Foi repentina a mudança.

Ana mal conseguia raciocinar o que aconteceu devido à velocidade. Eu gritei com ela neste instante:

— Corra! — 

Bastava eu aqui.

Sem pensar, Ana correu para fora da caverna.

Como poderia dizer? Ah! Sim! Me lasquei… Eu contra os nove no escuro. Que assim seja.

— Venha, malditos! — Os lobos pularam na minha direção mostrando suas enormes presas.

Ana Daskalakis

 

C-cheguei lá fora! Cai após perder as forças nas pernas por conta do medo e desespero. Sei que fui covarde, abandonei o David sozinho no escuro da caverna, mas não tenho coragem de retornar.

Eu o abandonei!... Abandonei… lá sozinho.

Awoooooo!

O que foi esse som? 

Grrrrrrr!

Foi dentro da caverna?... Os lobos estavam esbravejando e rosnando muito ferozmente.

Quase gritei para me desculpar, tentando chamar a atenção das criaturas…, mas não tinha coragem de voltar. Nem conseguia me levantar, minhas pernas estavam sem forças.

Huh?

Esses sons de rosnados e os sibilos de espada continuaram!... Fiquei paralisada e hipnotizada.

O tempo passava…

Quando me dei conta, foram-se minutos de combate barulho frenéticos — sem pausa alguma. Minhas forças voltaram. Tinha me decidido.

Vou entrar lá novamente!

E acabou.

Tudo se tornou silêncio. O que…? David? Ele morr…. Não, não poderia ser o pior!... 

Estava preparava para entrar, quando alguns mineradores armados com picaretas chegaram onde eu estava. Vinham apressados, um grupo de quinze pessoas mais Frederic, em rumo a essa caverna.

— Onde está o David? — perguntou um deles.

— Fomos emboscados por uma alcateia de lobos-sangrentos! O David me s-salvou para eu conseguir fugir… — Coloquei as mãos no rosto e chorei.

— Faz quanto tempo que você saiu da caverna? — Frederic mostrou-se preocupado.

— Alguns minutos apenas; eram 10 lobos-sangrentos!

— Mesmo sendo monstros de classe baixa, o David não deve conseguir lutar, já deve estar morto — anunciou Frederic.

Todos ficaram em silêncio, imersos em pensamentos sobre o que deveriam fazer. Em maioria, negativo. Nenhum deles sabia lutar; se entrassem, seriam apenas mais comida para os lobos.

Após esperar alguns minutos, decidimos ir embora… Fazer o certo, chamar por uma patrulha de resgate que talvez trouxesse os restos do corpo do David para que ao menos tivesse um enterro respeitável.

Assim que nos viramos para partir…

Thud, thud, thud.

Escutávamos ruídos vindo de dentro da caverna. Eram passos pesados, com o som de algo sendo arrastado. Logo pensamos que eram os saindo para nos atacar.

Os mineradores empunharam suas picaretas e olharam para a porta. Frederic pegou o pequeno punhal que carregava e eu me coloquei atrás de todos eles.

— Já estão anunciando minha morte assim tão facilmente? — Ecoou de dentro da caverna.

Fiquei espantada e animada ao mesmo tempo.

Então, David apareceu.

Estava todo sujo de sangue, suas roupas ficaram rasgadas e sua perna direita estava ferida severamente. Ele vinha se apoiando com a espada e carregando a cabeça do líder dos lobos na mão esquerda.

A jogou nos nossos pés.

— Para o azar de vocês, não vou morrer tão cedo assim, viu? — disse ele, depois sorriu.

Fomos na sua direção. David caiu no chão extremamente cansado, mas consciente.

Ele explicou depois que um dos lobos conseguiu morder sua perna, mas que fez um corte para expelir o veneno antes que se espalhasse para o restante do corpo. Não era tão ruim quanto aparentava, mas a hemorragia era terrível. 

Me aproximei dele e o abracei forte.

— Seu idiota, por que você fez isso? — perguntei, chorando e abraçando-o.

— Sendo sincero, não faço ideia, talvez porque não queria ver mais ninguém morrer perto de mim… Agora, se me der licença… 

David desmaiou.

Todos nós o pegamos e corremos para o centro médico na ilha. Acompanhando-o antes, achava que ele era apenas um minerador meio idiota, mas desde então o admirava profundamente. Ele arriscou sua vida para me salvar.

Chegamos ao centro médico, os mineradores explicaram a situação e com urgência David foi levado para a sala de cirurgias. Me sentindo responsável, queria acompanhá-lo, mas os médicos barraram.

Todos nós nos sentamos na sala de espera, um grupo notável. O hospital era pequeno, com apenas alguns quartos de emergência para caso de acidente nas minas.

Depois de 20 minutos, um médico sozinho veio à sala de espera falar conosco.

— Graças à velocidade de vocês, ele está salvo.

— Ótimo! Como ele está agora?!

— Bem. Por sorte cortou a perna antes que o veneno entrasse no seu corpo, mas por conta disso, perdeu muito sangue. Fora isso, o rapaz já até acordou e em breve poderá andar com um suporte apropriado. Rapaz forte esse, diga-se de passagem.

Principalmente os companheiros de longa data do David comemoraram. A notícia de um amigo poder seguir em frente para esses senhores era motivo de festa. Sendo mais reservada, me contentei em suspirar aliviada ao invés dos brados ensurdecedores.

Tempos depois, avistamos David pelo corredor, agora recuperado.

David nos contou tudo o que aconteceu.

Após me jogar para fora da batalha, todos os lobos avançaram sobre ele. Disse que atacou logo o líder deles, assim os outros se dispersariam, porém, antes de conseguir, o líder mordeu sua perna.

“Satisfeito” com as muitas aventuras desse dia, era chegada a hora dele ir embora.

Ao se despedir do Frederic e seus companheiros de trabalho, me chamou para fora do hospital — para conversar em particular.

— Ana, eu não sei se você é aventureira ou não, mas se for, saia desse trabalho. Situações como hoje acontecem sempre, e na próxima posso não estar lá.

— Para sua sorte, eu não sou. Sou filha do Frederic e moro nessa ilha com ele, por isso me pediu para guiá-lo.

— Como é possível? Você é uma elfa, e ele não.

— Minha mãe era uma elfa, uma sacerdotisa da luz, que abandonou a igreja por meu pai.

— Então os boatos são reais. Frederic é mesmo um pecador, huh?

Ambos começamos a rir da situação e, ao mesmo tempo, de alívio por estarmos vivos.

David se despediu de mim, falando que voltaríamos a nos ver novamente. Ele se virou e partiu rumo ao porto da ilha, que já escurecia sob o pôr do sol.

— Um belo rapaz, não é, filha? — perguntou Frederic, se aproximando de mim enquanto olhamos David indo embora. Eu não fui criada chamando de pai, então é realmente uma surpresa aos outros quando descobrem.

Fiquei com a cara vermelha de vergonha, mas respondi que sim. Ambos ficamos ali, vendo o embarque do David para voltar a Solaria.

Podia não admitir, mas gostaria que voltasse para me ver logo.

Quero o conhecer melhor.

 



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