Murphy Brasileira

Autor(a): Otavio Ramos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 30: Lágrimas De Um Inocente

Ella, envolta pela capa negra, avançou sorrateira pelos becos da comunidade, alerta a qualquer movimento ao seu redor.

Em questão de minutos, chegou à base principal da comunidade, o local que abrigava os aposentos de Logan Deckard.

Diante da porta da principal, dois homens estavam posicionados, seria burrice tentar forçar a entrada por ali, Ella reconhecia isso. Procurou por outra alternativa nos fundos.

Uma janela entreaberta e vozes próximas atraíram a atenção de Ella. Aproximando-se com cautela, espiou pelo vão da janela, observando o interior. Aparentemente se tratava de uma cozinha, com uma panela de água fervia no fogão.

Silenciosamente, Ella entrou no cômodo e se escondeu próximo ao fogão, esperando quem quer que estivesse lá se aproximasse. Abaixando as lentes de véu, pôde ver a silhueta de uma única alma se aproximando. Sua execução seria rápida e fácil.

Quando a figura cruzou a porta, Ella, em um movimento rápido, agarrou a panela de água fervente e jogou no rosto da pessoa, que recuou gritando de dor enquanto o líquido escaldante queimava sua pele. No mesmo instante, Ella largou a panela e desembainhou sua rapieira, executando um golpe fatal contra a garganta dela.

Era uma mulher, ela resistiu por alguns segundos em pé, lutando contra o inevitável com a mão na garganta, tentando tampar o sangramento, mas logo desabou, sem vida.

— Isso deve ter doído... — murmurou Ella, olhando desconfortavelmente para o corpo morto. — Me perdoe, Deus.

Com frieza, arrastou o corpo da mulher e o escondeu em um armário debaixo da pia. Através das lentes, pôde ver a próxima alma, mas não só uma: duas. Encontravam-se no próximo andar.

— Você ouviu isso? — perguntou um homem, deitado em um sofá, fumando tranquilamente.

— O quê?

— Passos, o chão rangeu...

— Esse prédio deve ser mais velho que minha bisavó, é normal que as tábuas façam barulho.

— Mas a sua bisavó está morta, cabeça oca! — zoou ele, fumando o baseado outra vez.

— É mesmo — respondeu o segundo, rindo. — Aí, essa maconha é da boa. Sorte nossa ter um jardineiro na comunidade.

— Que mané jardineiro, ele é só outro maconheiro que sabe plantar — respondeu o primeiro, rindo também.

Estavam deitados em sofás diferente, loucos demais para se preocuparem com alguma coisa. Pelo menos a maconha não afetou a audição de um deles.

Ella se esgueirou até o sofá mais próximo e furtivamente enfincou sua faca na lateral do pescoço do homem. Uma morte rápida e instantânea, sequer fez barulho.

— Aí, Joe, aquela escrava do bundão, tá afim de ir nela hoje?

Nenhuma resposta veio de Joe. Ele estava morto demais para formular uma resposta.

— Joe? — chamou o homem, erguendo-se e vendo seu amigo morto.

Brutalmente, Ella o atacou com sua faca pela lateral, no entanto, ele desviou instintivamente, caindo de costas do sofá.

Sem hesitar, Ella saltou sobre o sofá e caiu em cima dele, tentando enfiar a faca em seu pescoço. Ele, surpreendentemente forte, segurou suas mãos com toda sua força, mesmo chapado, tinha uma força enorme.

— Sua vadia... você matou o Joe! — gritou ele, empurrando a faca pouco a pouco para longe do seu pescoço.

— E vou matar você também, seu puto! — rosnou Ella, colocando ainda mais força em suas mãos.

A testosterona era uma grande aliada para o homem. Ele torceu o pulso de Ella para o lado e com sua outra mão, desferiu um soco violento em seu queixo, jogando-a para longe.

Ele se levantou tonto e imediatamente correu até o sofá, onde estava sua arma. Antes que pudesse apontá-la contra a garota, Ella deu uma coronhada em sua testa com seu revólver, derrubando-o.

Caindo de costas, em um movimento brutal e preciso, cravou sua faca em sua espinha vertebral, finalizando-o instantaneamente.

Ella observou seu corpo com desprezo. “Você é forte, se não fosse um chapado de merda teria me dado problemas.”

Abaixando as lentes novamente, percebeu três novas silhuetas acima: duas humanas e uma esférica. Indubitavelmente, aquele era o dispositivo que procurava!

Apressou-se para alcançar o terceiro andar, sempre de forma cautelosa. Em frente a ela, uma porta grande bloqueava sua passagem. Do outro lado, era possível ouvir uma voz feminina e o soar insistente de um sino de hotel.

Ella empurrou a porta suavemente, sem emitir nenhum som. Olhando pela fresta da porta, viu uma mulher alimentando um idoso cadeirante.

— Vamos, pai. Sei que o senhor não gosta de brócolis, mas faz bem para os seus ossos, se esforça! — disse a mulher, levando uma colher de sopa até a boca dele.

O idoso, entretanto, percebeu a porta se abrir lentamente e começou a tocar o sino freneticamente. A mulher, de costas, não percebeu.

— Tá bom pai, tá bom. Não precisa sentar o dedo no sino — murmurou a mulher, levantando-se e levando o prato até a mesa.

Ao se virar, seus olhos encontraram o de Ella, que se ocultava nas sombras do canto da sala. Sua capa a ocultava praticamente por inteiro, somente seus olhos esmeraldas visíveis sob o capuz.

— Ugh... um intruso? Q-quem é você? — gaguejou a mulher, recuando. — E-eu não tenho nada de valor.

— Eu sei que não — respondeu Ella, fria. — Você só deu azar de cruzar o meu caminho. Sinto muito...

— Espera, você é uma mulher? — indagou ela, surpreendida.

A mulher, apavorada, estava olhando ao seu redor incessantemente, mais do que Ella gostava.

Ao se aproximar, num ato de desespero, arremessou pratos que estavam na mesa na direção de Ella e correu em direção a uma espada decorativa na parede.

Ella correu contra ela e desferiu um golpe direto, que foi bloqueado pela mulher. Mas, logo em seu segundo ataque, Ella rasgou sua garganta com um corte horizontal impiedoso.

Com a garganta rasgada e a beira da morte, a mulher cambaleou e agarrou a capa de Ella.

— N-não mate... o meu pai — suplicou ela, morrendo logo em seguida.

Nesse curto período de tempo, o idoso não parou de tocar o sino em nenhum momento. Para se prevenir, Ella foi até sua cadeira de rodas e tirou o sino de seu alcance.

— Você não fala? Nem anda, e nem se mexe? Que merda... preferiria morrer a viver assim.

Abaixando as lentes novamente, Ella seguiu até encontrar a invenção de Haldreth. Estava escondida dentro de um baú, atrás de livros em uma estante enorme.

Ao guardá-la em sua mochila, ouviu a porta se abrir lentamente. Esgueirou-se até o lado da porta, esperando a pessoa entrar no local.

A pessoa abriu a porta completamente, entrando com passos hesitantes, mas parou antes de adentrar o cômodo. Um silêncio perturbador pairava no ar.

— Mãe? — perguntou.

Ella, sem piedade, arremessou a porta com o ombro, atordoando a pessoa recém-chegada. Antes que pudesse reagir, Ella ferozmente correu e estocou seu peito, no entanto, mirou em seu estômago.

Sendo atingido em cheia pela rapieira, o impacto a lançou contra a parede e a lâmina perfurou seu coração. Poderia Ella ter errado o ataque? Não, ela não cometeria tal deslize.

Ella entrou em choque quando seus olhos encontraram o rosto de sua vítima. Ela de fato não errou o ataque, a pessoa era uma criança. Sua baixa estatura influenciou o ponto de impacto.

A pobre criança começou a chorar de dor, lágrimas escorriam dos seus olhos ao passo que sangue saia da sua boca. A rapieira de Ella perfurou o coração em cheio, uma morte brutal e trágica para alguém tão inocente.

— Não, não, não, merda, merda — gritou Ella, desesperada, enquanto abaixava o capuz e a máscara. — Aguenta, eu vou estancar o sangramento.

O garotinho escorregou pela parede até sentar no chão, havia perdido a força em suas pernas. Com isso, a rapieira saiu de seu peito, agravando ainda mais a hemorragia.

— Cedric! Merda, o que eu faço? — clamou Ella pelo rádio, o desespero em sua voz evidente. — E-eu atingi uma criança. Eu, eu não queria, não sabia que era uma criança. Porra!... Me ajuda Cedric, responde essa merda!

A beira da morte, sem conseguir expressar qualquer palavra, apenas os sons de seu sofrimento, a criança estendeu sua pequena mão trêmula para Ella. Sem hesitar, ela a segurou, com lágrimas escorrendo de seu rosto.

— M-me perdoa, por favor — sussurrou Ella, chorando.

— Você o quê? — gritou Cedric. — Merda, você não levou kit de primeiros socorros, né? Onde você a atingiu?

A criança, já sem forças, vomitou mais sangue antes de soltar a mão de Ella, sem mais forças para continuar com o braço erguido, seu braço caiu inerte, assim como sua cabeça para o lado. No lugar errado, na hora errada, uma vítima inocente encontrava seu fim.

Ella ficou estática, olhando para o corpo sem vida, sem saber o que fazer e chorando sem parar. Suas mãos estavam manchadas de sangue — sangue puro, de uma criança inocente. O choque foi tão intenso que ela acabou vomitando.

Do outro lado, Marc e Cedric tentavam incessantemente se comunicar com ela, mas Ella estava em outro mundo. Um zumbido ensurdecedor tomava conta de seus ouvidos e seu estômago revirava de uma forma inimaginável. Após alguns minutos, o ruído desapareceu e ela conseguiu retornar a respirar com dificuldade.

— Ella! — gritou Marc pelo rádio. — Me responde, sou eu, Marc, cadê você?!

— Estou... estou aqui — respondeu Ella, encostada na parede, recuperando-se após vomitar.

— A criança, como ela está? — perguntou Marc, tão desesperado quanto ela.

— Morta — constatou Ella, com a voz trêmula e cara de choro. — Era só um garotinho... ele não merecia morrer...

— Ella, me escuta, você não teve culpa de nada, tá bom? Isso tudo foi um acidente, cai fora daí o mais rápido possível. Já pegou o dispositivo? — tentou consolar Marc.

— Eu... eu matei uma criança... o que foi que eu fiz? — repetiu Ella, ainda em choque, evitando olhar para o corpo morto do garotinho.

De repente, vozes ecoaram pelo corredor à direita. Os guardas enfim detectaram a presença de um invasor.

— Giovanni?! — exclamou um dos guardas ao avistar o corpo.

— Tem um invasor, avise os outros! — gritou o outro guarda, olhando para trás.

Ella ergueu seu capuz e máscara novamente, e, como um relâmpago, avançou para cima deles. Seus movimentos eram rápidos e letais, tão velozes que os guardas não tiveram tempo para reagir, muito menos de disparar suas armas.

Com um único ataque horizontal, dilacerou a garganta dos dois. Continuou descendo as escadas com pressa, mas ao chegar no segundo andar, foi recebida com uma rajada de tiros. Instintivamente, recuou para trás, desviando por pouco.

“Fodidos, encontraram os corpos. Eu estraguei tudo, não sumi com o corpo dos dois últimos... fui descoberta. Que se foda, tá na hora do plano B”.

Explosive Flammae — gritou Ella, sacando sua Colt Python do coldre e acionando um gatilho especial.

Ela se jogou para o lado, disparando acima dos inimigos, fazendo com que o teto desmoronasse sobre eles.

A explosão ecoou por toda a comunidade, alertando a todos, inclusive Logan. Um dos seus homens correu até ele, ofegante.

— L-Logan! — gritou ele, sem fôlego. — Tem um invasor na comunidade, e-está dizimando todos os nossos homens!

— Merda! Eu pago vocês pra quê? Pra não conseguirem dar conta de um simples invasor? Imprestáveis de merda — rugiu Logan, furiosos. — Vocês dois, fiquem aqui. Eu mesmo vou dar um jeito nisso.

Antes de Logan se retirar, uma nova explosão sacudiu o primeiro andar, arremessando um homem robusto para longe.

Seus soldados, fortemente armados com fuzis, miraram na direção da fumaça, aguardando a aparição do invasor. Ele apareceu, mas não como esperavam.

Ella emergiu da fumaça com uma refém — uma mulher loira e magra, de aparência frágil e vestes surradas.

— Um passo a mais e eu atiro nela — gritou Ella. — Abaixem as armas!

— É a escrava favorita do Logan... o que fazemos? — cochichou um dos homens.

— Abaixem as armas agora! — ordenou Logan, aproximando-se deles.

— V-você pode sair dessa ilesa, não precisa acabar assim, por favor eu... — suplicou a refém, mas foi interrompida bruscamente por Ella.

— Cala a porra da boca! — gritou Ella, pressionando o revólver com mais força contra a cabeça dela.

— Vamos acalmar os ânimos — disse Logan, com as mãos erguidas em rendição. — Solta ela, ninguém precisa se machucar.

Distantes do conflito, o Vendedor e Johan acompanhavam a cena.

— É melhor darmos o fora daqui cara. Isso vai se tornar um banho de sangue — murmurou Johan, apreensivo.

— Não, ainda não... — respondeu o Vendedor, observando Ella friamente.

— Vocês vão abrir caminho para eu sair daqui e qualquer passo em falso eu estouro os miolos dela — ameaçou Ella, movendo-se lentamente na direção do buero.

— Joguem as armas no chão e afastem-se. Agora! — ressaltou Logan.

Os homens obedeceram a ordem, largando suas armas e recuando lentamente. Ella caminhou de costas até o bueiro, sempre olhando ao seu redor.

Ao chegar, Ella lançou a escrava para longe e saltou no esgoto, desaparecendo de vista. Logan correu até a escrava imediatamente.

— Você está bem? Ela te machucou? — perguntou ele, apressadamente.

— Estou... só um pouco arranhada.

— Vocês, atrás dela, agora! Metade entra no bueiro e a outra metade vá até o cinema. É de lá que essa vadia deve ter vindo!

Os homens se mobilizaram rapidamente, inclusive o Vendedor, alertando-os pelo rádio.

— Hans, Zoe, saiam daí imediatamente! Eles descobriram a Ella e estão indo até o cinema. Ella, tenta achar um túnel à esquerda, ele leva até uma estação de tratamento. É sua única saída!

— Porra, que merda, Ella! Qual parte da “missão furtiva” você não entendeu? — reclamou Hans, irritado.

— Eu fui furtiva, porra! Eles encontraram os corpos. Saiam logo daí, vou seguir o caminho que o Vendedor indicou — respondeu Ella, correndo freneticamente.

— Merda... Zoe, pegue o cavalo da Ella e vamos!

— Ella, aguenta firme e vai para a estação de tratamento. Estou indo até aí — declarou Cedric. — E o mais importante, não morra.

— Não vou. Estou escutando passos, vou desligar o rádio, até mais.

Ella desligou o rádio e virou à esquerda, enquanto mais passos frenéticos vinham de todas as direções. Ela já sabia da enrascada que havia se metido, mas algo dentro dela queimava — uma fúria silenciosa, dirigida tanto a si mesma quanto a eles.

O acidente que levou a tirar a vida de uma criança inocente pesava como chumbo em seu coração, mas para ela, a culpa deles por serem saqueadores e mercenários era inegável. Eles eram a razão para o caos, e a vingança agora era seu maior desejo.



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