Murphy Brasileira

Autor(a): Otavio Ramos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 28: Estratégia Suicida

Ella, diante de Haldreth, observava seus próximos movimentos, ainda incerta se ele era um aliado.

— Então, garota loira, qual é o seu nome? — perguntou ele, caminhando em sua direção.

— Ella... — respondeu ela, desconfiada.

— Então, Ella. O que te traz até o bosque esquecido?

— Estou atrás do coração de espinhos, mas parece que você chegou primeiro.

Haldreth fitou seu olhar nos demais membros da guilda, surpreendendo a todos. Eles haviam ocultado sua presença com perfeição.

— Pode ficar com ele. Para quem já viveu mais de duzentos anos, esperar setenta e sete dias não vai significar nada.

— Tem certeza? Por que está fazendo isso?

— Vamos imaginar um cenário em que eu recusasse te entregar. Você provavelmente contestaria e seus amigos, escondidos em cima daquela árvore, tentariam me matar. Seria um risco desnecessário por algo tão trivial como o tempo. — Haldreth começou a rir amigavelmente. — Não sou tolo a ponto de arriscar por tão pouco. Fique em paz, Ella.

— Haldreth... como está vivo há tanto tempo? — indagou Ella, séria.

— Existem certas coisas que você nunca irá descobrir nesse mundo, Ella, e essa é uma delas. Agora, se me permite, o tempo não espera por ninguém, não posso ficar para trás.

— Espera! — interrompeu Ella, novamente. — Você tem alguma informação sobre o paradeiro de Aslan Murphy?

— O Lobo de Korsakov? Não, nunca me encontrei com ele. Se está o procurando, por que não rastreia sua alma através do Plano Espiritual? Se você for alguém próximo a ele, seus fios espirituais serão intensos, você irá encontrá-lo facilmente.

— Não faço a menor ideia de como entrar no Plano Espiritual. Poderia me ensinar?

— E o que eu ganharia com isso? Já estou lhe dando a flor, ainda não está satisfeita?

— Eu não dou a mínima para essa flor. Minha única razão para estar aqui é encontrar o meu pai, e você tem um conhecimento que pode me ajudar a encontrá-lo. Farei qualquer coisa — respondeu Ella, encarando-o seriamente, com seus olhos firmes.

— O que eu preciso, você não seria capaz de fazer. É uma missão suicida. — Haldreth deu as costas a ela, desinteressado.

— Eu faço! — gritou Ella. — Não importa a missão, eu só quero que me ajude a encontrar o meu pai.

— Logan Deckard e seus súditos vis invadiram a minha base enquanto eu estava em uma missão no Vazio. Roubaram um dispositivo tecnológico que me pertence e estou sendo caçado no Norte, não tenho como ir até lá pessoalmente.

— Isso está indo longe demais, Cedric — murmurou Ethan. — Vamos interferir, antes que minha irmã acabe fazendo merda.

— Não há necessidade — retrucou ele, rispidamente.

— Eu dou um jeito de recuperá-lo. Vou pensar numa estratégia, mas eu consigo. Só preciso que me dê detalhes de como é esse dispositivo — exclamou Ella, determinada.

— Tem certeza? Não garanto que você irá voltar viva dessa missão. Se por algum milagre sobreviver, pode acabar como uma escrava... talvez até como escrava sexual. Você é uma jovem bonita.

— Não se preocupe comigo, como eu falei, vou dar um jeito de pegar.

Haldreth se aproximou de Ella e retirou do bolso do casaco um desenho técnico do dispositivo que ela deveria recuperar.

O desenho mostrava uma esfera de metal polido com camadas interconectadas, cada uma em direções opostas. Gravuras arcanas semelhantes ao da malha de Cedric adornavam a superfície.

Ao longo da estrutura metálica, havia finas fissuras, que, segundo o desenho, emitiam uma luz dourada suave. Em seu centro, visível através das fissuras e das camadas rotativas, havia um núcleo esférico transparente, suspenso por campos magnéticos invisíveis.

Ao redor do dispositivo, três anéis translúcidos orbitavam a esfera em direções diferentes.

— O que exatamente é isso que você quer que eu resgate? — perguntou Ella, surpresa com a complexidade do objeto.

— É uma das minhas invenções. Eu a nomeei como “Catalisador Atemporal-Espiritual”. Como você deve imaginar, sua função está relacionada com o tempo. Logan tem em suas mãos um dispositivo tecnológico de manipulação temporal. Garanto que não é bom para vocês terem um inimigo com tal poder.

Marc e Cedric se entreolharam, preocupados.

— Imaginava que ele tinha algo desse calibre? — perguntou Cedric, alarmado.

— Agora tudo faz sentido. Antes de firmarmos o tratado de paz, tivemos um duelo onde eu quase o matei. Achei que ele tinha desviado do meu ataque por sorte, mas não. O desgraçado estava manipulando o tempo desde o início.

— Como posso te encontrar quando eu recuperar sua invenção? — indagou Ella, dobrando o desenho cuidadosamente e guardando-o no bolso da calça.

Haldreth inclinou-se e sussurrou no ouvido de Ella onde ela poderia encontrá-lo, deixando os outros curiosos.

— Temos um trato? — disse Haldreth, estendendo sua mão.

— Eu vou entrar na maior encrenca da minha vida, se estiver me enganando, eu juro que vou te caçar até no inferno — respondeu Ella, apertando sua mão com firmeza e um olhar sanguinário carregado de determinação.

— Eu jamais mentiria para uma caçadora, ainda mais para uma Murphy. Dizem que isso dá um azar terrível — retrucou Haldreth, rindo e soltando sua mão, demonstrando pouco caso pela sua advertência.

Haldreth virou-se e caminhou para longe, logo desaparecendo entre os troncos longos e sinuosos do bosque.

Cedric assobiou com dois dedos para revelar sua posição a Ella. A garota rapidamente se juntou a eles, com o coração de espinhos em mãos.

— Consegui, aqui está. — Ella entregou o coração de espinhos para Cedric, com um sorriso largo no rosto.

— Você conseguiu. Não do jeito que eu esperava, mas conseguiu. Meus parabéns. — Cedric a felicitou com um tom de aprovação. — Agora, vamos voltar para o portal. Você vai tomar um sermão dos grandes quando chegarmos à comunidade.

O grupo seguiu Cedric de volta, retornando à comunidade da mesma forma que partiram. Já no porão da Taverna Roxa, se acomodaram nas cadeiras desgastadas. Marc, Ella e o Vendedor ficaram de pé.

— Como você pode fazer um trato suicida desse jeito? Nem ao menos sabe quem é esse homem, e muito menos sabe quem é Logan Deckard! — explodiu Marc, extremamente revoltado com Ella.

— Você tem alguma outra sugestão? Eu vim para cá unicamente para encontrar meu pai e tudo o que eu fiz até agora foi trabalhar para você! — contestou Ella, aos gritos, ainda mais irritada. — Se você sabe onde meu pai está, então fale, caso contrário, não venha dar pitaco nas minhas decisões.

— Conte comigo nessa, Ella — declarou o Vendedor Viajante. — Tenho alguns contatos dentro dos Goldwings. Posso dar um jeito de entrar lá.

— Até você? Não percebe que isso é uma missão suicida? Estamos falando de roubar um dispositivo ultra poderoso, que com toda certeza, está bem guardado nos aposentos do Logan! Não é possível que só eu reconheço o quão merda é essa ideia.

— De fato, é uma missão arriscada, com muitas chances de dar errado, mas consegue imaginar outra opção, Marc? Desde a Guerra do Amanhecer, todo conhecimento sobre o Plano Espiritual foi classificado como crime de guerra e consequentemente foi completamente apagado da história — explicou o Vendedor, andando de um lado para o outro. — Mas, se o que o Haldreth disse for verdade, devido à sua idade, ele pode ter adquirido esse conhecimento antes de ter sido erradicado.

— Marc, a UCC foi construída em cima de uma cidade ou vocês construíram todos os prédios do zero? — indagou Ella, mudando o rumo da conversa.

— Construímos a muralha ao redor de uma lotação de prédios. Mas alguns prédios nós mesmos construímos, como a central da comunidade — respondeu Marc, levemente mais calmo.

— Percebi que tem bueiros pela cidade, o que indica a existência de um sistema de esgoto. A comunidade do Logan também deve ter, não é?

— Entrar pelos esgotos é uma boa ideia, mas o que garante que, quando você entrar nos aposentos do Logan, não irá dar de cara com ele?

— É aí que eu entro na história — disse o Vendedor, confiante. — Vou distrair Logan e seus homens com um novo carregamento de remédios e alucinógenos. Marc, você ainda tem aquela planta que mapeamos da base deles, não tem?

— Tenho sim, da última vez que estivemos lá, levamos o Owen para mapear ainda mais, praticamente a comunidade inteira está mapeada.

— E nós, o que vamos fazer? — questionou Ethan, inquieto.

— Vocês não precisam se envolver nisso, vai ser jogo rápido. Eu entro pelo esgoto, recupero o dispositivo e vazo, ninguém vai me ver.

— E se te virem? É sempre bom ter um plano B e uma retaguarda — complementou Cedric. — Hans e Zoe, vocês vão garantir que Ella chegue ao esgoto e volte viva.

— Pode deixar — disseram os dois ao mesmo tempo.

— Vou pegar a planta da comunidade deles, já volto — murmurou Marc, subindo as escadas do porão.

Com a planta em mãos, discutiram como entrar na fortaleza dos Goldwings e onde, possivelmente, o dispositivo estaria guardado.

— Você entrará por esse esgoto — apontou Marc, circulando-o na planta. — Ele fica numa região alagada do Norte. Pelo sistema de drenagem da cidade, acredito que pelo menos essa parte do esgoto estará seca, mas retirando a tampa, a água vai cobrir grande parte. Acredito que ela vai subir até a cintura de vocês, não será necessário equipamento de mergulho.

— E quando entrarmos dentro da comunidade? Onde essa tampa de bueiro vai nos levar? — perguntou Ella, pensativa.

— Aqui, numa rua próxima a um beco, um pouco distante do centro, onde há a maior concentração de pessoas — respondeu Marc, circulando outro ponto na planta.

— Mas aí entra uma falha no plano, e se alguém estiver perto dessa tampa do bueiro? — acentuou Ethan. — Precisamos de mais um com o Vendedor para monitorar essa área e dar o sinal verde.

— Não pode ser qualquer um, tem que ser alguém que nunca foi para o Norte... — acrescentou Raiden, olhando para um dos membros da guilda.

Em seguida, todos voltaram os olhos para ele.

— E-existe um motivo claro para eu nunca ter ido para o Norte — gaguejou ele, com o medo estampado em sua face.

— Johan, você vai com o Vendedor Viajante — ordenou Cedric. — Você será como o “vendedor aprendiz” dele.

— Perfeito! — exclamou o Vendedor Viajante, abraçando-o pelo pescoço e sorrindo. — Nós dois seremos a linha de frente.

— Cedric! Esse cara é maluco — sussurrou Johan, com medo dele.

— Então, recapitulando: Hans e Zoe irão acompanhar Ella até o esgoto e vão esperar por ela no subterrâneo da cidade. O Vendedor irá distrair o Logan e Johan se infiltrará na comunidade, vigiando a tampa do bueiro onde Ella irá sair. Matem qualquer um que virem vocês. Sem exceções — finalizou Marc, friamente.

— Marc, falta você me dizer onde ficam os aposentos do Logan.

— Não tem como eu afirmar com certeza, Ella, mas a minha dedução é que seja na base principal, aqui onde eu marquei em vermelho na planta, está vendo? — disse Marc, mostrando o enorme círculo na planta. — Alguma área desse prédio deve ser o quarto dele. Vasculhe com cuidado, sem chamar a atenção de ninguém.

— Agora a missão complicou ainda mais — observou Ella, apreensiva.

— Eu avisei desde o início que seria suicídio, mas você insistiu...

— Ella, me deixe ver o desenho que Haldreth te entregou. Talvez eu tenha alguma ideia — pediu Cedric.

Cedric analisou o desenho minuciosamente e, após refletir, chegou a uma conclusão.

— Os símbolos gravados na esfera são runas que garantem a fixação de uma alma num objeto. É uma forma digamos mais “tecnológica” de selar a alma de um ser espiritual. Acredito que esse dispositivo utiliza os poderes da alma de um primordial atemporal, ou seja, é uma alma, podemos rastrear!

— Como podemos rastrear uma alma? Achei que estivessem no Plano Espiritual.

— As almas interagem com o campo eletromagnético do mundo, criam pulsos de energias que podem ser vistos por certos dispositivos. Era assim que diferenciávamos humanos de transmorfos — explicou Marc. — Temos alguns desses óculos que enxergam as almas no arsenal.

— E como vou avisar vocês quando eu recuperar o dispositivo?

— Rádio, é assim que nos comunicamos normalmente. O Ethan pode te dar o walkie-talkie dele, já está sintonizado no nosso canal.

—Cedric, eu e o Raiden não faremos nada? — contestou Ethan.

— Essa missão é deles, não nossa. Iremos apenas dar o apoio que eles precisarem.

— Bom, se precisarem de mim, estarei na taverna bebendo. Mas vocês vão dar conta, tenho fé — disse Raiden, se levantando.

— Tem certeza que não precisa da minha ajuda, Ella? — reafirmou Ethan, preocupado. — Achar nosso pai também é um objetivo meu.

— Eu que estabeleci o tratado com Haldreth, Ethan, você não precisa arriscar sua vida por mim. Eu me sentiria culpada para sempre se algo acontecesse com você.

— Eu sei que disse que me preocuparia menos com você, mas não consigo, você ainda é a minha irmãzinha. Mas dessa vez, só dessa vez, vou confiar em você — exclamou Ethan, entregando o rádio para Ella.

Com o plano traçado, faltavam somente os preparativos. No dia seguinte, eles invadiriam a base da maior facção de Rubra. Se fossem descobertos, o tratado de paz seria quebrado e uma nova guerra se iniciaria.

A missão era extremamente arriscada, mas Ella estava disposta a apostar tudo para encontrar seu pai.



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