Murphy Brasileira

Autor(a): Otavio Ramos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 26: A Taverna do Dragão Roxo

A Taverna do Dragão Roxo era um dos ambientes mais frequentados da UCC, possivelmente o estabelecimento que mais movimentava dinheiro na comunidade.

Além de ser a única taverna do local, servia como ponto de encontro e espaço para confraternizações. Seu porão abrigava a sede oculta da guilda dos caçadores.

Marc dirigiu-se ao balcão, com Ella ao seu lado.

— Senhor Marc, o de sempre? — perguntou o bartender, secando um copo.

— Sim, por favor — respondeu Marc, com um sorriso carismático.

O bartender pressionou um botão debaixo do balcão e retornou a secar os copos.

— Vamos.

Ella seguiu Marc até um cômodo secreto que se abriu com o acionamento do botão. Dentro, havia uma escada que descia até o porão.

— Por que vocês têm tantos códigos e coisas secretas? — perguntou Ella, enquanto desciam.

— Não é óbvio? Temos códigos para todos os tipos de situações: reféns, mentes tomadas pelo Vazio, armadilhas, invasões. Enquanto eu estiver aqui, esse lugar é uma fortaleza impenetrável.

Ao chegarem ao porão, Ella se deparou com um ambiente rústico, com paredes de pedras, adornadas com vigas de madeiras. No centro, havia uma enorme mesa redonda com seis cadeiras ao redor, uma para cada membro.

Ao fundo, em uma das quatro paredes, um portal de terras distantes.

Três homens e uma mulher estavam no porão, conversando casualmente. Quando Ella e Marc chegaram, toda a atenção se voltou a eles.

— Pessoal, esta é a nova membra. Deem as boas-vindas a Ella Murphy — anunciou Marc, pegando nos ombros de Ella.

— Então, você é a Ella — exclamou um homem com a voz imponente, dando um passo à frente. — Sou o Cedric, capitão da guilda dos caçadores.

Cedric Grimhart era um homem alto e robusto, o porte físico padrão da maioria dos caçadores. Seu cabelo castanho, de comprimento médio, caía um pouco abaixo dos ombros, longo o suficiente para se mover ao vento, mas curto o suficiente para não atrapalhar no combate.

Ele vestia uma couraça de Rubrannium infundida com grafeno, gravadas na superfície, estão runas misteriosas que brilhavam em um leve tom púrpura. Suas funções eram desconhecidas, exceto por ele.

Por baixo da couraça, usava uma camisa de seda bege. Complementando seu traje, vestia uma calça de combate preta e botas militares. Garantindo uma proteção adicional, seus braços estavam equipados com braceletes de couro reforçados com fibras de Rubrannium.

Aquele, sem dúvidas, era o homem mais preparado que Ella já havia visto.

— Marc me disse que você queria me conhecer, é um prazer. — Ella estendeu sua mão, com honra.

Cedric ignorou o gesto e respondeu com firmeza.

— Não vai achando que vai entrar na minha guilda tão facilmente. Você precisa passar pelo meu teste antes de se tornar uma de nós.

— Ei, Cedric, pega leve — interveio Marc. — Ela acabou de retornar de uma luta contra um Emissário, seus ferimentos ainda estão se cicatrizando.

— Marc, você mandava adolescentes para o Vazio para sobreviverem por uma semana naquele inferno. O que aconteceu com você? Amoleceu? — retrucou Cedric, com um sorriso convencido no canto da boca.

— Você acha que consegue lutar? — perguntou Marc, olhando para Ella.

— Consigo, mas estou um pouco lenta. Minhas pernas e costas ainda estão cicatrizando.

— Ótimo, já é o suficiente. — Cedric sorriu. — Bosque dos Espinhos, que tal? Essa prova não exigirá tanto do seu físico, mas testará sua resiliência, inteligência e foco.

— E o que eu preciso fazer nessa floresta?

— Você deve colher um coração de espinho, uma flor rara que floresce a cada setenta e sete dias no centro do bosque. Ela é fortemente protegida pelos Presas Roxas, eles detectam sua presença há mais de cem metros. Consegue ocultar sua presença, certo?

— Não, eu não consigo — admitiu Ella, envergonhada. Cedric imediatamente a fitou com um olhar de desdém. — M-mas eu consigo aprender rápido!

— Como você está viva até agora? Ocultação de presença é uma técnica básica para qualquer caçador, seja ele um Grimhart ou um membro da CCV. Bom, não importa, não vejo problemas em te ensinar.

— Capitão, eu não me importaria de ensiná-la — sugeriu uma mulher da guilda.

— Não, eu irei ensinar. Quero ver se ela realmente aprende rápido.

O clima estava um pouco tenso no ambiente; Ella sentia que Cedric não tinha ido com sua cara. Talvez estivesse correta.

— Só que tem um detalhe: se você não aprender até meia-noite, você está fora!

Cedric, acompanhado por Marc, levou Ella até o campo de treinamento dos caçadores, localizado no extremo da comunidade, próximo às muralhas. Os outros membros da guilda ficaram na taverna, bebendo e se divertindo.

— Seu pai me ensinou muitas coisas, Ella. Ele é um homem de honra, por isso te treinarei. Saiba que não faço isso por mais ninguém; estou fazendo para quitar minha dívida com sua família — explicou Cedric.

— Certo... e o que eu preciso fazer para aprender a ocultar minha presença?

— A ocultação da presença, apesar de ser uma técnica que todo principiante deve dominar, é relativamente complexa. Ela envolve vários conceitos — disse Cedric, andando de um lado para outro. — Primeiramente, a presença é um campo energético projetado por nossas almas. Se você não saber como ocultá-lo, alguém sensível a essa energia pode rastreá-la a muitos metros de distância.

— Além disso, é possível sentir as emoções de alguém através dessa presença. Se você está com ódio, será possível sentir isso — complementou Marc.

— Exato. Você precisa dominar três conceitos: o velamento da alma, a respiração espiritual e os passos de pluma. Masterizando cada um deles, você será capaz de ocultar sua presença pelo tempo que desejar.

— Entendi. Por qual eu começo a aprender?

— Pelo velamento da alma. Esse é o principal.

Cedric instruiu Ella a imaginar um véu envolvendo sua alma, ocultando-a completamente. Esse véu funciona como uma barreira que impede com que outros seres sensíveis detectem sua presença.

Além de ser um treinamento espiritual, também é mental, já que qualquer agitação interna poderia romper o véu e expor sua alma. Era uma técnica difícil de colocar na prática, mas com a orientação de Cedric e Marc, Ella gradativamente progredia.

Depois do velamento, veio a respiração espiritual, uma técnica que manteria a ocultação durante longos períodos. Semelhante ao controle da respiração física, Ella aprendeu a regular o pulso da sua energia, tornando-o quase imperceptível, como as ondas de um mar calmo.

Essa técnica fazia com que sua presença se fundisse naturalmente ao ambiente, não atraindo nenhuma atenção indesejada.

Após mais de quatro horas de prática intensa, Ella tirou um tempo para descansar e se alimentar.

Marc, Cedric e Ella estavam comendo um delicioso sanduíche de carne de porco, com alface, tomate e pepino, colhidos recentemente da estufa.

— Para que serve esse coração de espinho? — perguntou Ella, de boca cheia.

— Ele tem várias utilidades. É um ingrediente para poções de cura que fecham feridas graves em horas, alivia dores intensas, e os espinhos da flor podem ser usados para criar flechas, armadilhas e outros armamentos — explicou Cedric.

— Uau, eu não sabia que havia tantas possibilidades assim. Achava que os caçadores utilizavam apenas armas forjadas com Rubrannium — comentou Ella, surpresa.

— E só usam isso — intrometeu-se Marc. — Minha família, os Bresset, fundaram a CCV priorizando o assassinato de criaturas do Vazio pelo método de decapitação. De geração em geração, mantemos essa tradição. Cedric é um Grimhart, uma família de caçadores que surgiu junto com a minha, mas, ao contrário dos Bresset, eles nunca fundaram uma organização.

A família Grimhart, de fato, é a mais enigmática de todas. Segredos e lendas envolvem cada um de seus descendentes. Pouco se sabe sobre como surgiram ou como combatem o Vazio.

Suas táticas de combate e todos os conhecimentos que possuem sobre o Vazio permanecem restritos à linhagem familiar; nem mesmo Marc sabe muito sobre eles.

— É isso que vocês, Bresset, deveriam ter feito. Criaram uma organização, expuseram suas táticas para o mundo inteiro, e o que isso resultou? Centenas de caçadores se unindo ao Vazio — disse Cedric, mordendo o último pedaço de seu sanduíche.

— Nossa organização não é perfeita, eu sei. No entanto, mobilizamos uma força no mundo inteiro, criamos milhares de caçadores para combater o Vazio. Se tivéssemos mantido tudo restrito a apenas duas famílias, sem sombra de dúvidas a humanidade já estaria extinta — contestou Marc.

— De fato, mas não é à toa que nenhum Grimhart morreu para um ser do Vazio. Todos mortos por causas naturais. Eles não sabem o que conhecemos nem como atacamos. Essa é uma vantagem absoluta.

— Existem outros da sua família vivos? — indagou Ella.

— Não, eu sou o último — respondeu Cedric, friamente.

— Tá na hora de começar a pensar em ter filhos, então. Não tem nenhuma mulher que te interesse aqui? — brincou Ella.

Marc abaixou a cabeça e o olhar de Cedric tornou-se sério. Ella tocou em um assunto delicado.

— Minha mulher foi raptada pelos Goldwings... ela era uma coletora e teve a infelicidade de cruzar o caminho deles.

— O quê?! Ela foi raptada e vocês não fizeram nada? Está mais que na hora de agirmos! — exclamou Ella, indignada.

— Nós não podemos! — gritou Cedric, exaltado. — Há civis aqui, humanos, nosso dever é protegê-los. Os Goldwings estão em maior número e estão se aliando aos Puracionistas. Atacá-los iniciaria uma guerra, onde muitos daqui morreriam. Não podemos nos dar esse luxo.

— Infelizmente, Cedric tem razão, Ella — comentou Marc, com tristeza. — Já tentamos negociar a libertação dela, mas o Logan mantém escravos e não abre mão deles. Por agora, não podemos fazer nada.

— Mas...

— Chega desse assunto. Vamos voltar ao treinamento; você tem poucas horas restantes — interrompeu Cedric, levantando-se.

Despistando o clima tenso que ficara, Ella retornou a praticar o que já havia aprendido.

Finalmente, chegou a vez da última técnica, e também, a mais simples, os passos de pluma.

Essa técnica consiste em distribuir o peso do corpo cuidadosamente ao caminhar, tocando o chão com leveza e usando os músculos da perna para amortecer qualquer som.

Em terrenos complicados, como folhas ou pedras, Cedric ensinou formas de deslocamento que envolvem pisar nos pontos menos ruidosos e saltar de maneira controlada.

Ella passou horas correndo por diversos obstáculos e saltando entre pilares de madeiras, sempre ocultando sua presença, assim como Cedric a ensinou.

Às vinte e três e meia, faltando apenas trinta minutos, Ella finalizou seu treinamento, masterizando todas as técnicas que havia aprendido. Foram treze horas seguidas treinando, com uma única pausa para comer.

Seu corpo estava exausto, mas ela havia conseguido. Agora, precisava provar isso para Cedric.

Marc, Cedric e Ella seguiram até o centro da comunidade. A essa hora, todos já estavam dormindo, exceto por eles, Ethan, Raiden e os outros membros que Ella ainda não conhecia. Todos estavam presentes.

— O centro da comunidade é um lugar amplo, mas com muitos lugares para se esconder, como você pode ver. Seu objetivo é me tocar, sem que eu perceba sua presença. Se eu te ver, está fora. Entendido? — realçou Cedric.

— Beleza, estou confiante! — disse Ella, sorrindo.

Cedric se posicionou em um espaço aberto, cercado por diversos estabelecimentos. Seria uma tarefa árdua para Ella, mas estava confiante de que conseguiria. Ele deu a ela dez segundos para se esconder. Os demais torciam por Ella.

Ella estava desaparecida há pelo menos dois minutos.

— Você acha que ela vai conseguir? — perguntou uma membra da guilda.

— Não sei... mesmo sendo uma Murphy, ela teve apenas um dia para aprender. Eu levei dois meses para dominar essa técnica — respondeu outro membro.

Correndo pelos diversos becos que circundavam o centro da comunidade, Ella buscava a oportunidade perfeita. Cedric parecia estar atento a todos os cantos.

Quatro pedras foram arremessadas em cantos diferentes, gerando ruídos que atraíram a atenção de Cedric, mas isso não seria o suficiente. Ele já sabia que era uma distração.

No entanto, quando Cedric se virou rapidamente e olhou para trás, viu a figura de Ella, parada no escuro, observando-o. Sua calça branca contrastava com a escuridão do beco.

“Ela acha que eu ainda não a vi... isso é uma derrota, mas, de qualquer forma, ela conseguiu ocultar bem sua presença”, pensou Cedric.

— Eu já te vi, Ella, pode sair desse beco! — gritou ele.

Todos os outros ficaram surpresos, e realmente, no beco atrás de Cedric, era possível ver a silhueta dela.

No último segundo, Cedric sentiu um vento vindo das suas costas, mas era tarde demais para reagir. Ella tocou seu ombro com uma velocidade surpreendente.

— O quê?! Como? — surpreendeu-se Cedric.

— As calças que o Shan me deu são bem chamativas. — Ella sorriu, sem as calças, apenas com a camisa de manga comprida cobrindo suas peças íntimas. — Decidi deixá-las cima da lixeira, e claro, isso serviu para atrair sua atenção. Eu ganhei!

Marc, Ethan e Raiden riram, enquanto os outros caçadores ficaram boquiabertos. Eles já estavam relativamente acostumados com as artimanhas de Ella.

— Você é uma boa estrategista, não posso negar — disse Cedric, esboçando um leve sorriso. — Mas não, você ainda não ganhou. A provação verdadeira é amanhã.

— Tá legal, eu vou conseguir! — respondeu Ella, determinada.

“Seus olhos... são diferentes dos do seu pai. Olhos que emanam esperança. Por que você quer tanto entrar na guilda dos caçadores? Não percebe que estou tentando te salvar? Pobre garota, aqui não é um lugar para jovens como você. Se eu te aprovar na guilda, temo acabar com esse brilho nos seus olhos”, refletiu Cedric, com um olhar melancólico.

Por mais duro que ele fosse, ainda se importava com cada um daquela comunidade, especialmente com os mais jovens.

Mas a determinação de Ella era inabalável. Cedric sabia que não conseguiria detê-la.



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