Volume 1 – Arco 2
Capítulo 25: Bradley, o Alquimista
Após algum tempo em busca do Pé de Pano, finalmente o encontraram escondido e acuado dentro de um prédio abandonado.
— Pé de Pano, sou eu, vem cá — disse Tristan, com a voz mansa.
O cavalo relinchou e, relutante, voltou até seu dono. Tristan o abraçou, acariciando sua crina.
Sem hesitar, retomaram a sua trajetória; precisavam chegar à casa de Bradley o quanto antes.
Chegando ao local, Ella ficou surpresa. Não era uma mera casa, mas sim uma enorme mansão vitoriana.
— É aqui que ele mora? Parece meio... abandonado — observou Ella, reparando o jardim repleto de plantas mortas.
— Sim, ele é meio estranho, mas é uma boa pessoa. Eu acho — respondeu Tristan, enquanto abria o portão de ferro, enferrujado.
Ella entrou no jardim, logo atrás de Tristan e juntos adentraram no salão principal da mansão. Um grande candelabro de ferro, iluminado por velas, lançava sombras dançantes pelas paredes.
Retratos antigos de alquimistas adornavam as paredes, mas um em particular era enorme: o retrato de Nicolas Flamel.
— Ora, se não é meu pirata favorito. Bem-vindo, Tristan. Sua amiga, quem é? — disse Bradley, descendo lentamente as escadas, com uma taça de vinho na mão.
— Essa é a Ella, uma nova sobrevivente da comunidade.
— Prazer em conhecê-lo, senhor, sou a Ella — respondeu Ella, estendendo a mão.
— Pode me chamar de Bradley. — Bradley sorriu, apertando sua mão.
Bradley era um homem esguio, com uma grande cicatriz que descia do olho direito até o maxilar, coberta por um tapa-olho preto.
Vestia um terno vermelho sobre uma camisa social preta, complementado por uma gravata roxa estampada com caveiras brancas em miniatura. Finalizando o traje, usava calças e sapatos sociais. Uma vestimenta um tanto quanto excêntrica para um mundo apocalíptico. Ella o estranhou.
— Veio buscar o vinho, não é, Tristan? Me siga, separei eles numa caixa para você.
Tristan acompanhou Bradley e Ella seguiu logo atrás. Desceram até o porão da mansão, cujas paredes eram adornadas por adegas repletas de vinho.
— Aqui está, leve esta — disse Bradley, pegando a caixa e entregando nas mãos de Tristan. — Tem uns doze vinhos aí, só não vão beber tudo de uma vez, hahaha.
— Hehe, pode deixar. Aí, Bradley, se não for pedir muito, teria como me dar uma garrafa de vinho? É pra mim e para Ella.
— Ah, claro, claro.
Bradley dirigiu-se à adega e selecionou um vinho em especial.
— Esse está aqui há bastante tempo, deve estar uma delícia. — Bradley se aproximou de Tristan e sussurrou. — Preciso falar com você a sós, sem a garota por perto. É sobre meu experimento...
— A Ella é de confiança, fica tranquilo, não tem problema ela ouvir — sussurrou Tristan.
— Não... prefiro manter isso entre nós.
Os três subiram de volta para a sala de estar da mansão.
— Ella, se importaria de ficar aqui um instante? Bradley quer me mostrar algo, prometo que vai ser rápido — pediu Tristan, sorrindo.
— Tudo bem, vai lá. — Ella se acomodou no luxuoso sofá.
Bradley conduziu Tristan até o segundo andar, onde entraram em um cômodo que servia como biblioteca.
— Sente-se — sugeriu Bradley, sentando numa cadeira giratória diante de uma mesa.
— Então, o que precisa?
— Preciso de mais uma dose do seu sangue.
— Mas eu já te dei uma dose semana passada! — protestou Tristan.
— Eu sei, mas o experimento com aquela amostra fracassou...
— Fracassou em que sentido? Você disse que conseguiria replicar meu sangue em outro organismo.
— E de fato eu consegui, mas eu matei a criatura... — disse Bradley, deprimido, apoiando a cabeça nas mãos.
— Você o quê?! Por que fez isso?
— Como você espera que eu descubra se uma criatura é imortal se não for tentando matá-la? — defendeu-se Bradley.
— Olha só, Bradley, você prometeu que encontraria uma resposta para a minha condição, mas tudo que vi até agora, foi você criando e matando criaturas — resmungou Tristan.
— Você tem ideia do quão difícil e complexo é criar uma forma de vida a partir do seu sangue? Tem noção do tanto de conhecimento que eu acumulei? É algo que você não teria nem se passasse o resto da sua vida estudando. Você deveria ser grato por alguém como eu estar te ajudando! — gritou Bradley, batendo na mesa, exaltado.
Tristan ficou espantado, sua expressão era de choque. Bradley se recompôs.
— Desculpa, eu estou sem dormir a noite toda, virei a noite trabalhando nisso. Tristan, estou quase lá, só preciso entender qual propriedade do seu sangue te traz de volta à vida.
— Não, tudo bem, pode pegar mais um pouco do meu sangue... você tem me ajudado bastante, seria ingratidão não colaborar. Além do mais, você está fazendo isso por mim. — Tristan sorriu, estendendo o braço.
— Gostaria que você me explicasse o que acontece, de forma detalhada, quando você morre — pediu Bradley, enquanto colocava um garrote no braço de Tristan.
— É difícil explicar, eu não morri tantas vezes como você imagina. É como se eu desmaiasse e, segundos depois, acordasse completamente tomado pela adrenalina, com uma sede de sangue insaciável. E então, lá está ela, sempre diante de mim, a morte.
— E como é a morte? Nunca cheguei a perguntar — questionou Bradley, enquanto inseria a agulha na veia de Tristan, colhendo seu sangue.
— A morte... ela se parece com uma figura feminina. Tem longos cabelos brancos e uma pele tão pálida quanto a neve. Parte do seu rosto não tem pele, na área da boca, dá pra ver alguns dos seus dentes — descreveu Tristan.
— A morte é branca então? Que irônico. Sempre acreditei que fosse algo sombrio, talvez preto ou vermelho. Nunca pensei que teria uma forma humanoide — comentou Bradley, colocando um curativo na dobra de seu braço.
Um dos maiores defeitos de Ella, sem dúvidas, era sua curiosidade tão grande quanto a de um gato. Ela estava escutando toda a conversa atrás da porta.
— Eu nunca vi uma espada tão bonita como a sua — disse uma criatura de voz sedutora, que surgiu repentinamente das paredes.
— Que porra é essa?! — surpreendeu-se Ella, desembainhando sua espada.
A criatura se assemelhava a um gato, com uma pelagem roxa e listras pretas. Seus olhos roxos eram penetrantes, e seu sorriso, largo e inquietante.
— Sua rapieira é tão bela — exclamou o gato, circundando Ella e esfregando seu rabo em suas pernas. — Essas rosas no pomo e na guarda lhe conferem uma elegância que eu nunca vi. Será que poderia doá-la para mim?
— O quê? Claro que não, eu... eu preciso dela — sussurrou Ella, recuando do gato.
— Por favor. Prometo que a manterei sempre brilhando. Lavaria a lâmina de Rubrannium com água das fontes termais. Eu a usaria somente uma vez, ou talvez duas — disse o gato, com um sorriso astuto.
Tentando evitar chamar atenção, Ella deixou o gato falando sozinho e desceu as escadas de volta à sala de estar.
Mas o gato a surpreendeu ao surgir novamente atrás dela, flutuando.
— Sabe contra quem eu a usaria? — perguntou o gato, sorrindo maliciosamente.
— Quem? — murmurou Ella, desconfiada.
— Contra o Doutor Yersin! Aquele cabeça de corvo petulante! E sabe quem mais? Esse você vai gostar.
O gato ficou em silêncio, esperando que Ella perguntasse quem mais.
— Quem mais?
— Adivinha, vai, tenta adivinhar! — insistiu o gato, eufórico.
— Hã... eu não sei, sequer sei seu nome. Me dá uma dica.
— Uma dica? Tá bom, tá bom. Ele é uma criatura ignóbil, muito ignóbil, e tolo, e tosco, e roxo, roxo como eu! Ah, ele é muito alto e muito temido no Vazio!
Quanto mais conversava com o gato, mais confusa ficava; nada do que ele dizia parecia fazer sentido.
— Muito temido? Chaos? Eu acho.
— Isso! Isso, isso, isso! — exclamou o gato, dando piruetas no ar, radiante. — Percebe? Eu usaria sua rapieira melhor do que você. Eu realmente acho que você deveria doá-la para mim.
— Nem a pau, essa espada é minha. Tristan! — gritou Ella, chamando seu amigo.
O ranger da porta da biblioteca ecoou pela mansão, indicando que Tristan e Bradley estavam a caminho.
— Sua rapieira um dia será minha. — Sorriu o gato, antes de desaparecer como um vulto.
Tristan desceu as escadas rapidamente, indo até Ella.
— Me chamou? Está tudo bem?
— Estou... eu só quero ir embora — respondeu Ella, olhando para baixo.
— O que aconteceu? — perguntou Bradley.
— Ah, nada, é só que a Ella me lembrou que não posso chegar atrasado na comunidade.
— Beleza, vou te ajudar a levar a caixa de vinhos. Onde você amarrou seu cavalo?
Tristan levou Bradley até onde Pé de Pano estava amarrado, acompanhado por Ella.
Depois de se despedirem, retornaram a cavalgar de volta à UCC.
— Aquele gato era muito estranho, sério! Ele ficou encarando minha espada esse tempo inteiro. Não quero voltar pra lá nunca mais — reclamou Ella, contando a Tristan o que havia acontecido.
Tristan riu muito da situação.
— É o Vesper. Ele deve ter se encantado com sua espada. Nas poucas vezes que o vi, ele reclamou do quão feia e sem graça minha espada era. Ele é um gato que realmente aprecia espadas.
— Gato? Nunca vi um gato falar, aquilo lá é uma criatura do Vazio, e bem maliciosa! Aquele olhar dele era penetrante demais, só de lembrar já me arrepio.
— Ele é os dois, um gato do Vazio, basicamente. O próprio Bradley o criou, acredita? Um ser racional... impressionante, né?
— Ele está brincando de ser Deus. Não confio nele, e você também não deveria confiar.
— Não se preocupe, eu sei me cuidar.
— Não pretende me contar sobre esse curativo? — indagou Ella, reparando em seu braço direito.
— Ah, isso? É só um pequeno corte — disfarçou Tristan.
— Não minta pra mim. Eu escutei tudo — acusou Ella.
— Escutou tudo? O que exatamente você escutou?
— O suficiente. Por que você entrega seu sangue para o Bradley? Isso é bizarro, sabia? Imortalidade, ajudando um lunático a fazer experimentos. Quantas coisas você ainda vai esconder de mim? Achei que fôssemos amigos.
— Nós somos! Olha só, primeiro, eu não sou imortal, e segundo, não estou ajudando ele a fazer experimentos. Estou apenas tentando encontrar uma resposta para a minha condição.
— Eu gosto de você e me preocupo muito. Sei que nos conhecemos há pouco tempo, mas me apego fácil às pessoas, é um dos meus defeitos... — disse Ella, abraçando Tristan. — Não quero que você morra de forma besta.
Tristan ficou corado, um tanto sem jeito.
— Eu não vou morrer, prometo.
— Você disse que sempre enfrenta a morte, não é? Então, se perder pra ela, você morre de verdade?
— Provavelmente sim, mas não quero testar pra saber.
— Cada dia que passo aqui, mais confusa eu fico... — murmurou Ella, repousando a testa nas costas de Tristan.
— Vai se acostumando. — Tristan riu, enquanto segurava as rédeas do cavalo.
Após mais algumas horas de cavalgada, chegaram aos portões da UCC. Tristan desceu do cavalo e informou a senha, seguindo o procedimento padrão.
O sol nascia no horizonte; Ella, ainda montada no cavalo, contemplava sua beleza. Tristan voltou ao cavalo e o conduziu até à comunidade.
Ella nunca havia reparado o quanto as muralhas da comunidade eram fortemente protegidas, com dezenas de guardas no topo, todos conjurando domos com a vontade sagrada. Era, de fato, uma defesa impenetrável.
Ao avistar Ella, Ethan correu imediatamente em sua direção. A garota rapidamente desceu do cavalo e abraçou seu irmão com força.
— Eu fiquei tão preocupado com você. Estava me recuperando e não consegui ir, mas não parei de pensar um dia sequer em como você estava — disse Ethan, abraçando-a como um urso.
— Não se preocupe, nada disso importa agora... É tão bom te ver de novo.
— Você é realmente muito forte. Nem sei porque me preocupo tanto assim. — Ethan sorriu.
— Ferro quente não entorta fácil, em — brincou Raiden, rindo e dando um abração em Ella.
— Raiden! Que bom ver que você está bem. E seus ferimentos, como estão? — perguntou Ella, genuinamente preocupada.
— Estou bem, já passei por coisa pior, mas o Marc insistiu que eu ficasse de repouso até me recuperar completamente.
Marc, vindo do prédio principal da comunidade, aproximou-se do grupo.
— Como vai essa força toda, Ella? Vejo que Tristan fez um excelente trabalho — disse ele, sorrindo.
— Marc! — exclamou Ella, animada ao vê-lo. — Preciso falar com você sobre o Marcos. E quanto ao Tristan, ele foi excelente. Sem ele, eu não estaria viva.
Todos se surpreenderam quando Ella citou Marcos. Acreditavam que ele ainda estava desaparecido.
— Mesmo nessas condições, você ainda conseguiu encontrá-lo? Haha, você é incrível, Ella — elogiou Marc, dando um abraço de ombro nela. — Tem alguém que quero te apresentar. No caminho, você me conta o que descobriu sobre o Marcos.
— Quem você quer que eu conheça?
— O capitão da guilda dos caçadores. Você provou seu valor na comunidade, está na hora de se tornar uma verdadeira caçadora!
Marc sorria de forma gratificante. Um lampejo de nostalgia percorreu sua mente; tal pai, tal filha, mais uma vez ele guiava um Murphy pelo caminho certo.