Murphy Brasileira

Autor(a): Otavio Ramos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 18: Território Inimigo

Raiden se aproximou da mesa e deu um tapa nas costas de Ethan, enquanto soltava uma gargalhada.

— Então você que é a filha da Giulia? Vocês são idênticas — brincou ele.

— É, hehe, todo mundo fala isso — respondeu Ella, sem jeito, coçando a cabeça.

— Aí, ô cotonete, falei com o Marc e estou de boa amanhã. Vamos partir cedo pra casa do Marcos. Eu era bem amigo dele, quem sabe eu não consiga convencê-lo.

— Cotonete é sua bunda, eu tenho nome — murmurou Ethan.

Raiden riu, era o apelido favorito dele. Ethan detestava.

— Você sabe o que aconteceu com o Marcos? — perguntou Ella, enquanto comia.

— O Marc não te contou? O Marcos se mandou depois que seu pai apareceu por aqui, mais ou menos uns cinco anos atrás.

As datas coincidiam. Aslan veio para a UCC após deixá-la. Era mais uma pista para descobrir a trajetória de seu pai.

— E para onde meu pai foi?

— Ninguém sabe, ele não disse para ninguém. Mas eu acredito que somente uma pessoa saiba onde ele está.

— E quem é?

A pergunta de Ella foi ofuscada pela chegada de um garoto. Pela primeira vez em sua vida, o coração de Ella bateu diferente.

Era um jovem de pele clara, cabelos negros como a noite, alto e magro, mas visivelmente forte, com um peitoral largo que indicava um físico excelente.

Ele vestia uma estilosa camisa social branca com as mangas dobradas e calças pretas. Dois brincos de argola masculino complementavam seu visual.

A katana embainhada em sua cintura indicava que ele também era um caçador.

— E aí, Tristan. — Os dois deram um aperto de mão firme. — Essa é a minha irmãzinha, Ella.

Ele estendeu a mão gentilmente para a Ella. A garota, timidamente, apertou sua mão. Talvez, pela primeira vez em sua vida, estivesse experimentando a sensação de atração por alguém.

— Finalmente eu te conheci, Ella. — Ele riu. — Ethan sempre falava de você.

— Espero que sejam coisas boas. — Ela riu de volta, corada.

— Eram boas, fica tranquila — assegurou ele. — Mas aí, tenho que ir, pessoal. Preciso ajudar meu pai, se cuidem.

Ele se despediu acenando e todos retribuíram, especialmente Ella, que sorriu. Ethan percebeu as reações da irmã.

— Tá afim do Tristan, é? — Ethan sussurrou no ouvido dela, rindo. — Ele é meu parceiro, mas não tenho ciúmes.

— Cala a boca, eu só achei ele bonito — disse Ella, timidamente.

— Mas agora, falando sério, se prepara que amanhã cedo já partimos. Vou reservar uma carroça e uns cavalos, o caminho é um pouco longo.

— Sempre quis andar a cavalo, essa vai ser minha primeira vez. — Ella sorriu.

Ethan sorriu de volta.

No dia seguinte, Ethan já havia preparado a carruagem. Ella e Raiden embarcaram. Cavalgar era a melhor opção naquele cenário; carros eram inviáveis nas ruas destruídas, e motos faziam muito barulho.

Por algum motivo desconhecido, as criaturas do Vazio não atacavam animais, o que oferecia uma certa proteção.

A carruagem estava abastecida com suprimentos suficientes para pelo menos uma semana fora.

Ethan e Ella estavam na parte da frente da carruagem, enquanto Raiden descansava no interior.

— Raiden, temos problemas! — gritou Ethan, ao avistar um grupo de homens à frente.

Raiden saltou imediatamente do interior da carruagem, enquanto Ethan a freava lentamente.

— Ethan, Raiden, esqueceram do tratado entre Marc e Logan? Aqui é nosso território — disse o homem, friamente.

Ethan desceu da carruagem, enquanto Ella permaneceu.

— Um dos nossos homens foi visto no seu território, estamos atrás dele — respondeu Raiden, de maneira imponente.

— Olha só, Florian, só queremos investigar a região oeste e tentar encontrar um dos nossos — disse Ethan, tentando apaziguar a situação.

— Temo que não será possível — retrucou Florian, com um sorriso arrogante em seu rosto.

Raiden deu um passo à frente; sua altura imponente superava a de todos os presentes.

— E por que não será possível? — perguntou Raiden, de forma ríspida.

Os homens atrás de Florian apontaram suas armas para ele. Ethan interveio, tentando evitar um possível confronto.

Ella, ainda na carruagem, estava com a arma engatilhada em sua mão, pronta para atirar, se necessário.

— Olha só, Florian, estamos em vantagem aqui, tá legal? Estamos tentando ser civilizados, sem partir para à violência. Só queremos encontrar um dos nossos, nada mais — disse Ethan, de forma pacífica.

— E se eu me recusar? — perguntou Florian, ainda com o sorriso arrogante no rosto.

— Então nós mataremos todos vocês — respondeu Ethan, friamente, prestes a perder a paciência.

— Isso significaria declarar guerra contra nós.

— Marc começaria uma guerra para salvar um simples civil, imagine por um de seus pupilos. Nos deixe passar! — Ethan olhou-o com um olhar mortal.

— Você é forte, Florian, mas não pode contra nós três — exclamou Raiden.

— Quem é a loirinha aí? Nunca a vi antes.

— Não te interessa — respondeu Ethan, rispidamente.

Florian riu, enquanto o vento balançava seus cabelos loiros.

— Eu quero lutar com ela. Se me vencer, vocês passam e eu não reportarei ao Logan. Se eu vencer, eu fico com a carruagem e vocês saem daqui. — Florian desembainhou sua rapieira.

— Ella, você não precisa fazer isso! — disseram Ethan e Raiden ao mesmo tempo.

— Pois bem... — Ella saltou da carruagem e desembainhou sua rapieira. — Vou tirar esse sorriso arrogante do seu rosto, loirinho.

Todos os homens se afastaram para poderem duelar.

— Quais são as regras? — perguntou Ella.

— Isso é um duelo de rapieiras, o primeiro que estocar o oponente vence! — respondeu Florian.

Florian era um homem branco, com uma franja loira que cobria toda a testa. Seu sorriso arrogante transparecia sua soberba.

Raiden, no meio dos dois, contou até três e declarou o início da batalha.

Ambos mantinham a distância, avançando cautelosamente.

Ella avançou ferozmente com várias estocadas, mas Florian desviou de todas e, na última, repeliu e desferiu um corte horizontal contra ela.

Ella inclinou seu corpo para trás, desviando do ataque. Florian, em seguida, realizou uma estocada contra seu pescoço.

A rapieira de Ella colidiu com a dele. Florian aproveitou o impacto para girar seu corpo e atacar seu flanco.

Ella bloqueou sua estocada, repelindo-o para longe. Sem hesitar, Florian avançou freneticamente, atacando diversas vezes.

Os dois lutavam como em uma dança, cada passo era preciso e calculado, mas também sereno e belo. Ambos eram oponentes formidáveis.

Florian correu pela parede de um prédio, pegando impulso e desferindo uma estocada direta contra a cabeça de Ella, sem intenções de poupá-la.

Ella usou sua rapieira para bloquear seu ataque; as duas rapieiras colidiam intensamente. O mais forte cortaria a garganta do mais fraco.

A rapieira de Ella tinha um suporte para uma segunda mão, permitindo usá-la como uma espada convencional. Florian perderia nessa competição de força, era injusto.

Mas ele não jogava limpo. Sem hesitar, chutou a genital de Ella com toda a força e empurrou sua rapieira para longe.

— Ei! Isso é golpe baixo — gritou Ethan, enfurecido.

Ella contorceu seu rosto de dor, mas nada se comparava à dor de ter seus dedos decepados, ela conseguia suportar.

Em seguida, Florian tentou estocar o peito de Ella. Ela não tinha tempo para reagir à dor e se jogou para trás no chão, desviando do ataque.

Ele continuou tentando estocá-la no chão. Ella fez uma cambalhota para trás, desviando de um ataque, mas logo foi seguida por outros, dos quais ela desviava habilmente. Cada vez mais se aproximava de onde sua rapieira tinha caído.

Uma rocha impediu que Ella continuasse desviando; estava encurralada, no entanto, sua rapieira estava ao alcance de sua mão.

— Não vai conseguir desviar mais, ratinha? — disse Florian, apontando sua rapieira para ela com um sorriso de vitória. — Quais são suas últimas palavras?

Ethan, ao ouvir isso, se preparou para interferir, mas Raiden o segurou.

— Espera, olhe a mão da Ella — sussurrou Raiden, segurando os ombros de Ethan.

— Florian... você não é o único que sabe jogar sujo! — Ella pegou um punhado de terra do chão e jogou nos olhos de Florian.

Ele tentou estocá-la último segundo antes de perder sua visão. Ella desviou para a direita e agarrou sua rapieira, executando uma estocada certeira no abdômen de Florian.

Ela tomou cuidado para não fazer uma estocada fatal, perfurando apenas a superfície de seu abdômen.

— A vitória é minha! — proclamou Ella, retirando a rapieira do abdômen dele e chutando Florian para trás, fazendo-o cair no chão.

Os dois homens que acompanhavam Florian rapidamente limparam o rosto dele com água de um cantil. Raiden e Ethan levantaram Ella, comemorando sua vitória.

— Você conseguiu! — disseram os dois ao mesmo tempo.

Já recomposto, Florian se levantou, pressionando a mão contra a ferida para estocar o sangue.

— Em breve, irei querer uma revanche, Ella — disse Florian, mesmo ferido, sorrindo arrogantemente, como sempre. — Aproveitem sua estadia em nosso território.

Quando Ethan e Raiden passaram por Florian, o encararam no fundo dos olhos.

— Fiquem tranquilos, não irei reportar ao Logan — assegurou Florian, rindo.

Os três subiram na carruagem e continuaram seu percurso. Florian e seus homens deixaram o perímetro.

Os dois cavalos galopavam pelas terras desoladas de Rubra; ruas quebradas, trechos alagados e armas militares futuristas largadas pela cidade. A natureza havia tomado conta de tudo novamente.

Onde não há a presença humana, a natureza floresce livremente.

Continuaram seu trajeto até o entardecer, numa parte bem mais distante da UCC. Pararam e todos entraram na parte de trás da carruagem para comerem alguma coisa, estavam famintos.

— Aí, os catadores podem vir tão longe assim no território daquele tal de Logan? — perguntou Ella.

— É claro que não. — Raiden riu. — Ninguém respeita esse tratado, já vimos vários deles no nosso território

— E ninguém faz nada a respeito?

— Nem, guerra de comunidades é a última coisa que queremos arranjar — respondeu Ethan.

Todos terminaram suas refeições e trocaram de turno. Ethan e Ella foram para a parte de trás da carruagem descansar, enquanto Raiden conduzia os cavalos.

Era aproximadamente cinco horas da manhã, ainda estava escuro, mas o sol começava a emergir no horizonte. Os irmãos dormiam na parte de trás, enquanto Raiden permanecia atento como uma coruja, a qualquer sinal de perigo.

Explorar Rubra na madrugada era algo tenebroso; os bramidos das criaturas do Vazio ecoavam por todos os cantos da capital. Os animais ofereciam uma barreira contra os monstros, mas isso significava que eles não estavam à espreita.

A carruagem foi desacelerando lentamente; os cavalos estavam inquietos, até que chegou um ponto em que eles se recusaram a continuar.

Algo à frente que os intimidava, e Raiden também sentiu. Uma presença vil e maligna, próxima a um casebre, provavelmente a casa do Marcos.

— Acordem. — Raiden bateu na carruagem com as costas da mão. — Estou sentindo uma forte presença do Vazio.

Uma intensa névoa cobria todo o horizonte e um frio congelante dominava o ambiente.

Uma silhueta caminhava lentamente, atravessando a névoa. A presença vil se aproximava cada vez mais. Raiden puxou suas duas lâminas das costas e as portas da carruagem se abriram lentamente. Ethan e Ella estavam prontos para um iminente ataque.

Das névoas, uma garota emergiu. Sua pele era pálida e seus longos cabelos loiros, eram mais claros que os de Ella. Seus olhos roxos, iguais aos de um Emissário.

Seria ela a presença vil que Raiden havia sentido?

— Quem são vocês? — perguntou ela, timidamente, com uma voz serena.

Os olhos dela brilhavam em meio a escuridão da noite.

Raiden cerrou os olhos, algo não parecia certo. Ele permaneceu imóvel na carruagem, atento a qualquer movimento.

— É só uma garota — disse Ella.

Uma risada maligna ecoou atrás da garota. Uma silhueta imensa, maior que Raiden, surgiu atrás dela. Com um movimento brusco de seu braço, a criatura dissipou toda a névoa., revelando-se por completo.

Seu corpo ainda mantinha a coloração humana, mas no centro do seu peito havia uma esfera do Vazio. Seu rosto permanecia praticamente intocado pelas transformações do Vazio, exceto por uma linha grossa de sangue que escorria abaixo dos olhos até o maxilar.

Todos conheciam essa marca aterrorizante: a temida marca de um anfitrião do Eclipse.

Ele tinha longos cabelos roxos e um chifre na esquerda da testa.

— Saiam dessa carruagem, ou eu mesmo os tirarei à força — gritou ele, com uma voz grossa e imponente.

— Ele sentiu nossa presença — afirmou Ethan. — Ele não é qualquer um.

Os irmãos saíram da parte de trás da carruagem com suas espadas empunhadas e caminharam até Raiden, que saltou da carruagem.

Eram três caçadores excepcionais contra duas criaturas do Vazio; a vantagem parecia estar com o trio.

Um sorriso maléfico e debochado surgiu no rosto do homem. Seus olhos roxos, assim como os da garota, reluziam na escuridão.

O quão forte era aquela dupla, eles ainda iriam descobrir, mas um confronto mostrava-se iminente.



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