Murphy Brasileira

Autor(a): Otavio Ramos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 16: Um Novo Amanhecer

Andrew permaneceu imóvel e quieto por uns instantes.

— Caralho. Então essa é a Ella Murphy que todos estão comentando? — Andrew riu. — Eu tinha um pote de ouro em mãos e nem sabia.

Ella ergueu sua cabeça e viu claramente. Ali estava seu irmão, um pouco mais maduro do que quando a deixou, mas ainda era seu irmão.

— Ethan... — falou Ella, com uma voz trêmula prestes a chorar.

Andrew se colocou diante de Ella.

— Ethan, não é? Eu deixo ela ir com você, mas eu juro por tudo que é mais precioso nesse mundo: se fizer isso, vou fazer você pagar da pior forma possível — ameaçou Andrew, com um tom de voz que faria qualquer um temer. — Você não será somente um oponente no meu caminho; você será a minha presa e eu serei seu caçador.

Ele reconhecia que naquele momento estava em desvantagem. Eram dois Murphy contra ele, as chances de ser derrotado eram consideráveis.

No entanto, o seu controle psicológico sobre os demais era um de seus pontos fortes.

— E eu juro pelo meu nome, que se tocar um dedo na minha irmã novamente, eu vou te caçar até no inferno. — Apesar do medo, Ethan não baixou a cabeça e respondeu à altura.

Andrew ficou parado por um instante, apenas encarando a Ethan.

Sua máscara de caveira dourada lhe conferia um aspecto soberano. Um silêncio perturbador prevaleceu.

Novamente, Andrew riu, uma risada maléfica ecoou no ar.

— Nos veremos novamente em breve, Ethan. — Andrew se despediu com um gesto e teletransportou para longe.

No mesmo instante, Ella correu em disparada até seu irmão e o abraçou com força. Um abraço forte como o de um urso.

— Ethan... — começou a chorar. — E-eu senti tanta sua falta, n-nem acredito que eu te encontrei.

— Eu também, Ella. Que bom que consegui chegar a tempo. — Ethan acariciava a cabeça de Ella enquanto a abraçava — Você mal chegou aqui e seu nome já está na boca de todo mundo, hahaha. Você não consegue fazer nada sem aprontar, né? Continua a mesma de sempre.

Ella riu amigavelmente.

— Eu passei por muita coisa até chegar aqui, mas é tão bom estar nos seus braços novamente.

— Digo o mesmo, maninha. Mas aí, me conta as novidades.

Ella contou para ele tudo que aconteceu nesses anos em que ele esteve fora da comunidade e todas as dificuldades que enfrentou até chegar ali.

— Caraca, sinto muito pelos seus dedos — disse Ethan, depois de ouvir a história do coliseu.

— Relaxa, são só dedos, quem sabe eles não crescem novamente — brincou Ella.

Os dois estavam sentados no topo de um prédio, observando a paisagem ruinosa de Rubra.

— Ethan, como você ficou sabendo de mim?

— Ah, tinha um espectador no torneio que viu você e perguntou se eu conhecia uma tal de Ella Murphy.

— Mas como ele chegou tão rápido na UCC? Quer dizer, a única passagem que tem é pelo coliseu.

— A gente se comunica por rádios. Foi uma tecnologia que ele mesmo criou. — Ethan tirou um rádio do bolso e mostrou para Ella. — Os rádios antigos usam baterias comuns, mas esses são abastecidos por uma nano-bateria de cristal de Neofásio.

— Caraca, ele que criou isso?! Que incrível.

— Sim, usávamos aqueles rádios walkie talkie, sabe? Mas teve um incidente e perdemos todos, aí encomendamos esses.

— E quem é esse cara que criou? É uma tecnologia até que bem avançada. Os rádios que o papai usava eram bem mais antigos.

— Ninguém sabe ao certo. Tudo o que sabemos é que ele é um engenheiro aeroespacial. Esse cara é um enigma, Ella, assim como quase todas as pessoas aqui — disse Ethan, rindo.

Ella conhecia bem pessoas enigmáticas; lembrou-se imediatamente de Quinn.

Nenhum dos dois tocou no assunto do pai deles, ambos estavam esperando o momento certo para falar sobre isso.

— Temos que ir, Ella. Estão nos esperando na UCC, tem alguém que quer te conhecer. — Ethan levantou-se e estendeu a mão para Ella.

— Quem?

— O mestre do nosso pai. — Ethan disse com imponência, mostrando um respeito imenso ao mencioná-lo.

O cabelo de Ethan balançou com uma forte brisa vinda do Sul; o anoitecer não tardava por vir.

— Depois de todo esse tempo ele ainda está vivo?

— Mais vivo do que nunca.

Ella agarrou sua mão e se levantou.

— E como ele é? — perguntou Ella, agitada e ansiosa.

— Bom, ele está meio velho. — Ethan riu. — Mas ainda daria uma surra em todos nós juntos. Você vai ver quando conhecê-lo.

Os dois correram rumo à UCC, tentando chegar o mais rápido possível, antes que a noite os alcançasse.

À noite, especialmente na superfície, era o horário mais perigoso. As criaturas do Vazio vagavam livremente pela cidade, em busca de presas.

Após uma hora, chegaram à UCC. A fortaleza lembrava o Pináculo das Montanhas Branca, com vastas muralhas que cercavam a comunidade. Talvez seu pai tivesse mais ligação com ela do que imaginava.

— Abram os portões! — gritou Ethan.

— Quem está com você? — perguntou um homem, olhando para Ethan através de um visor no portão.

— Minha irmã. Deixei claro que iria buscá-la quando saí.

— Mago ou imperador? — murmurou o homem do portão, num tom de voz que somente Ethan pôde ouvir.

— Imperador, ela está comigo.

Os portões se abriram imediatamente. Do outro lado, dezenas de homens aguardavam. Todos fizeram a saudação dos caçadores da CCV: braço esquerdo para trás, arma alinhada com o peitoral esquerdo e o queixo reto.

Ella ficou surpresa, mas Ethan continuou andando normalmente. Para ele, aquilo já fazia parte de sua rotina.

— Ignore, é só um protocolo bobo do Marc — falou Ethan, puxando sua irmã pela mão.

— Por que estão nos encarando tanto?

Havia centenas de civis no local. Eles olhavam para Ella com espanto, o que não era surpreendente. Estava totalmente coberta de sangue.

— Já olhou para suas roupas? Sua jaqueta está vermelha, a cor original era marrom. Tem noção disso?

— E daí? Quando o papai usava essa jaqueta, ela ficava ainda mais vermelha.

— É, mas o pai só andava ao lado de caçadores. A maioria dos civis aqui são humanos, mal conseguem matar um cervo.

Ella pensou em uma piada de mau gosto, mas preferiu não falar.

— Soltá-los lá fora é como soltar um cego em um tiroteio. Eles têm sorte de sermos gentis. Peter Murphy estava certo.

— Eu esqueci que você é tão politicamente incorreto quanto eu. — Ella gargalhou. — Não fala assim dos humanos, também somos como eles.

— Não, não, somos o upgrade.

Os dois caminharam até a central da comunidade, um enorme edifício futurista em formato espiral, branco e repleto de camadas de vidro temperado, com uma cúpula no topo.

— Onde está o Marc? — Ethan perguntou à recepcionista.

— O senhor Marc está na sala dele, Ethan.

— Esse velho... nem pra nos receber. Vamos, Ella.

Eles pegaram o elevador até o nono andar e caminharam reto por um tapete vermelho, como se estivessem indo ao encontro de um rei.

Uma música clássica ecoava da sala onde ele estava. Ethan abriu a porta e a música se intensificou.

Marc estava pintando um enorme quadro enquanto escutava Chopin. A música que tocava era a sua clássica “Nocturne, Op. 9, No 2”.

Ele estava em pé sobre uma escada, pintando o céu de sua obra, que tinha aproximadamente três metros de altura.

Ethan caminhou até a vitrola, uma relíquia da tecnologia antiga, e a desligou.

— Ethan! — exclamou Marc, sem parar de pintar. — Encontrou sua irmã?

— Aqui está ela, senhor. Ella, esse é o Marc. Marc, essa é Ella, minha irmã.

Marc desceu da escada e caminhou lentamente até a Ella.

— Você é igual a sua mãe, só que um pouco mais alta. — Ele a encarou sério, depois apertou sua mão e sorriu. — Seja bem vinda à comunidade.

— Obrigada, é um prazer te conhecer, senhor.

— Pode me chamar de Marc. Só o Ethan que insiste nessa besteira de senhor. — Ele riu.

— Velho ingrato, isso é uma forma de respeito, sabia?

— A propósito, Ella, é bom que você esteja aqui, estamos precisando de mais caçadores para a guilda.

— Guilda?

— Nossa comunidade é dividida por guildas — explicou Marc, retornando a pintar. — Temos a guilda de exploração, que mapeia toda Rubra, a guilda de defesa, responsável por proteger toda a comunidade, a guilda dos catadores, que conseguem suplementos para todos nós, e a guilda dos caçadores, da qual seu irmão faz parte.

— E qual é a função da guilda dos caçadores?

— Expurgar todo o mal de Rubra — afirmou Marc, com seriedade.

— É basicamente a mesma função dos caçadores do passado, Ella — disse Ethan. — Mas acho que atualmente enfrentamos mais problemas do que os antigos caçadores, não é, Marc?

— É, eu diria que sim. Lidar com as facções, Emissários e os seres do Rithan é barra pesada. Porém temos que ser cauteloso com o Vazio. — Marc pincelava suavemente no quadro. — Se pressionarmos demais o Chaos, temo que ele possa trazer alguns Emissários do passado de volta à vida. Tem vários que não queimamos.

— Pera aí, precisa queimar eles? Achei que era só decepar a cabeça.

— Sim, é só decepar a cabeça, Ella. No entanto, não sei se você já notou, mas quando uma criatura do Vazio morre, ela se desintegra em uma espécie de cinzas. Essas cinzas retornam ao vazio, e se a criatura tinha consciência, ela fica armazenada na Madre. Pelo menos é isso que acreditamos.

Uma pulga ficou atrás da orelha de Ella. Lembrou-se de quando matou Deathbringer. Ela não tinha certeza se suas chamas haviam queimado as cinzas dele.

— Chaos já trouxe algum Emissário de volta a vida? — questionou Ella.

— Já, já sim. Ele trouxe o Lyendell. Nós o matamos no passado, mas não o queimamos. Porém, não é ele que me preocupa. Tenho medo que ele traga de volta a Caçadora de Águias e o Kokosui.

— Quem são eles? — perguntaram os irmãos simultaneamente.

— Ah, vocês são curiosos hein?! Deve estar no sangue. — Marc riu. — A Caçadora de Águias foi a criatura do Vazio mais poderosa que já enfrentamos, mais forte que até mesmo o Chaos.

— O quê?! — exclamou Ethan, visivelmente surpreso. — Como que uma criatura pode ser mais forte que o Chaos? Ele é o epicentro do poder do Vazio.

— Só uma correção, acreditamos que o epicentro do poder do Vazio na seja a Madre, mas isso não vem ao caso agora. Não sabemos como essa criatura surgiu, e nem importa.

— Mas quem a derrotou? Foi meu pai? — perguntou Ella.

— Não, naquele dia seu pai estava ocupado com o Chaos. Quem derrotou ela foi o lendário Kousei. E é por isso que eu queria os dois Murphy aqui. Preciso que vocês o encontrem urgentemente. Uma guerra se aproxima e não temos força suficiente para derrotar todos os nossos inimigos

— E o Kokosui? — perguntou Ethan.

— Esse eu prefiro não comentar com vocês e peço que não insistam. Só precisam saber que ele é um Emissário excepcional. Mas enfim, vão descansar. Amanhã será um dia longo para vocês. Ethan, a tripulação chegará amanhã, você e o Raiden irão escoltá-los. Ella, quando acordar, venha à minha sala.

Os dois se despediram e foram para a casa de Ethan.

Um lugar calmo e organizado. Muito organizado. Não havia nada fora do lugar, tudo estava em perfeitas condições, sem o mínimo indício de sujeira.

Ella não lembrava de Ethan ser tão meticuloso.

— Esse é meu lar. Tento manter tudo sempre organizado. Sinta-se em casa.

— E eu me achava organizada. — Ella riu. — Sua casa está impecável!

Ethan puxou Ella pelo braço e a levou até seu quarto.

— Pode dormir aqui até arranjarmos uma casa pra você.

— Mas a cama é de solteiro, onde você vai dormir?

— Eu durmo no sofá, fica tranquila.

Ella tentou contestar, mas seu irmão a tranquilizou.

Deitada na cama, Ella sentiu uma felicidade genuína que há muito não sentia.

— Pai... mal posso esperar pelo amanhecer. Eu estou cada vez mais perto de você! — disse Ella em voz baixa, deixando uma risada escapar antes de fechar os olhos, pronta para dormir.

Pela primeira vez em meses, ela finalmente conseguiu dormir sem o medo de não acordar.

Uma noite de sono completa, como ela sentia falta disso. O dia seguinte prometia ser longo e o descanso era essencial.

A jornada de Ella estava apenas começando, mas cada vez mais ela sentia que seu pai estava mais próximo.



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