Volume 1 – Arco 1
Capítulo 4: O Andarilho
Após uma hora de uma longa caminhada, chegaram até a casa do Andarilho. Era um lar reconfortante, organizado e cheiroso; estava consideravelmente isolado do centro de Vigon.
O homem preparou um quarto para que Ella pudesse descansar e se recuperar durante os dias em que ficaria hospedada ali.
No dia seguinte, começaram o treinamento.
Ella já tinha todas as bases das habilidades necessárias para ser uma caçadora, mas precisava fortificá-las.
Aslan não pôde fazer isso, pois havia partido, mas agora, com a ajuda do Andarilho, isso se tornou possível.
Treinaram durante quinze dias consecutivos, diferente dos treinos solitários que Ella costumava fazer, agora estava acompanhada de um mentor mais forte e experiente.
Nos primeiros três dias, focaram em fortificar a parte espiritual de Ella. Por mais habilidosa que fosse manipulando sua vontade, ainda não era o suficiente.
Passaram incontáveis horas meditando; o Andarilho a ensinou diversas técnicas e encantamentos.
A cada dia que passava, sua manipulação de vontade estava mais fluída e consistente.
Do quarto ao oitavo dia, se concentraram apenas nas artes marciais, fortalecendo todo o aspecto de combate corporal de Ella.
Ella já tinha uma noção básica do Kuroshin, uma arte marcial ensinada aos caçadores.
Misturava as essências do kung-fu, krav magá e aikidô.
A garota perdeu a conta de quantas vezes foi derrubada ou levou socos na cara. Era um treinamento árduo, mas essencial.
— Você deixa a guarda muito aberta, é por isso que eu te acerto tanto. — O Andarilho estendeu a mão para Ella levantar.
— Se você pegasse um pouco mais leve comigo, talvez eu conseguiria me defender...
— Mais leve? Você acha que seus inimigos pegarão mais leve com você? Nós só iremos parar de treinar no dia em que você me acertar, agora vamos, tente de novo!
E essa rotina pendurou por dias, até que no final do oitavo dia, Ella finalmente conseguiu acertar um soco nele.
Foi um soco de raspão no ombro dele, mas ainda sim foi um soco.
E do nono ao décimo quinto dia, o Andarilho a ensinou o que ele chamava de Caminho da Lâmina Ancestral.
— O Caminho da Lâmina Ancestral é mais que apenas um conjunto de técnicas, é um estilo de vida que escolhemos abraçar. Criado pela minha família, legítimos caçadores do Vazio, fomos pioneiros nesse campo. Nós adotamos a crença de que é nossa espada que nos guia em nossas missões, foram feitas exclusivamente para nós e destinadas a permanecer conosco até a nossa morte. Entregue-se a sua lâmina e ela se entregará a você. Como espera que seus ataques sejam verdadeiramente eficientes, se você nega o propósito de sua espada? Quando a sacamos da bainha, ela não retornará até que nosso inimigo esteja morto.
No fundo, ele não estava errado.
Ella, de fato não atacava para matar, mas sim para se defender, assim como seu pai lhe ensinou. O autocontrole era uma peça essencial em sua vida.
Todo Murphy porta consigo uma maldição, uma ira avassaladora que, quando descontrolada, toma conta de seu corpo e seu poder atinge níveis colossais.
Uma das consequências é destruir a tudo e a todos em sua frente, desde inimigos até aliados.
Lendas contam de um Murphy, que quando perdeu o controle de sua fúria, destruiu uma cidade inteira.
Esse é um fardo deixado por Peter Murphy que todos seus descendentes são obrigados a carregar.
— O seu objetivo é se defender de um ataque meu. Não irei te cortar, pararei minha espada antes de te atingir, então, não tenha medo.
— É só isso? Só bloquear?
— Sim, só isso, mas eu quero um bloqueio bem sucedido. Do que adianta bloquear um ataque e perder todo seu equilíbrio?
O Andarilho desembainhou sua espada e Ella fez o mesmo.
Uma investida rápida como um tiro; somente um ataque dele foi o suficiente para derrubar Ella no chão.
— Está vendo? Você até consegue se defender, mas isso custa todo o seu equilíbrio, é nessa caída sua que seu inimigo te finaliza. — Ele estendeu sua mão para ela levantar.
No final do décimo quinto dia, após dez horas de treinamento, Ella estava exausta, mas ainda concentrada em vencer seu oponente.
O Andarilho investiu nela com demasiada força, levantando sua espada para um golpe vertical.
Quando sua espada estava prestes a acertar Ella, como uma flecha ela desembainhou sua rapieira e combateu a espada em um corte horizontal.
Ambas espadas se colidiram.
A espada do Andarilho foi jogada um pouco para trás, enquanto Ella permaneceu imóvel em sua posição; ela finalmente conseguiu bloquear perfeitamente seu ataque.
Ella subitamente caiu no chão, ajoelhada, devido ao cansaço extremo.
Uma brisa de vento tomou conta do local. Balançando os cabelos da Ella e do Andarilho.
— Você conseguiu. — O Andarilho guardou sua espada em sua bainha e estendeu sua mão para Ella.
— Eu vou ficar, um pouco aqui no chão — disse Ella, arfando. — Finalmente, eu consegui...
— Estou orgulhoso, você foi minha única aluna que conseguiu fazer isso.
— O que? Se defender de um ataque seu?
— Não só isso, conseguir acertar um soco em mim e ter um ótimo controle mental durante as meditações. Geralmente eles evoluem, mas não assim.
— Consegue se levantar? Vai descansar na sua cama, vou preparar o jantar. — Ele estendeu sua mão novamente. Dessa vez, Ella levantou.
No dia seguinte, acordaram cedo e foram para fora da casa.
Em apenas quinze dias de treinamento, Ella demonstrou uma evolução surreal, impressionando até mesmo o Andarilho
— Parece que chegamos ao fim do treinamento, você evoluiu muito mais do que eu esperava, isso é… intrigante.
— Por que seria intrigante? Eu me dediquei ao máximo nos treinamentos — respondeu Ella, um pouco incomodada com a afirmação do Andarilho.
— Eu já tive outros alunos, alguns até mais fortes que você, mas nenhum evoluiu no seu ritmo. Ah, hahaha, acho que sei o porquê. Se minha teoria estiver correta, você é realmente única.
Ella acenou com a cabeça, indicando para que ele prosseguisse com o que estava prestes a dizer.
— Sabe, o Apolo, um homem muito sábio, me contou algo que eu nunca me esqueci. “Todo ser vivo nasce com uma Restrição de Infinidade, ela limita o crescimento do seu poder, isso para manter o equilíbrio do universo. Uma vez que você atinge um limite, não há nada que possa fazer para ultrapassá-lo, a menos que tenha uma motivação infindável para quebrar essa restrição. Essa é a maneira mais árdua de superar seus limites“. Pouquíssimos humanos conseguiram conquistar tal feito, e um dos mais memoráveis foi seu pai. O que me intriga não é apenas isso, mas se você realmente não tiver mais uma Restrição de Infinidade, como você a quebrou?
— Eu também não sei, pra falar a real, nem sabia que existia essa tal de Restrição de Infinidade. Meu pai nunca me contou isso. Será que eu não herdei isso dele? — Ella se empolgou.
—Talvez, eu sei pouco sobre esse assunto. Você deveria falar com Apolo, acredito que ele seja o único homem que eu conheço e, que ainda está vivo, que não possui uma Restrição de Infinidade. Certamente, ele saberá mais do que eu.
— Bom, depois da minha jornada eu posso fazer uma visita a ele. Mas por agora, minha única prioridade é encontrar o meu pai. — Sorriu amigavelmente.
— Sim, você tem razão, estou fugindo do assunto principal. Conforme nosso trato, você concluiu o treinamento. Agora só falta eu te levar até a superfície.
— Não precisa me levar até lá, não quero ocupar muito do seu tempo, sei que tem muitas responsabilidades. Só marca no meu mapa o trajeto que devo seguir e eu chego lá sozinha — disse Ella, retirando o seu mapa da mochila
O Andarilho desenhou no mapa de Ella a exata rota que ela deveria seguir para chegar a outro laboratório abandonado, sendo ele o único com um elevador que a levaria diretamente à superfície de Rubra.
— Pegue isso também. — O Andarilho a entregou o cristal de Neofásio.
— Mas… isso é seu, esse foi o nosso trato — falou Ella, um pouco confusa.
— Parece que você terá mais uso para ele em Rubra do que eu. Se o cristal estiver com você, será melhor. Use-o para ativar os diversos portais desativados, assim você criará uma rede de conexão, facilitando o acesso dos sobreviventes de Vigon à Rubra.
— Entendi… mas que portais são esses? — respondeu Ella pegando o cristal, ainda confusa.
— Caramba, o Aslan não te ensinou quase nada sobre o mundo moderno mesmo hahaha. O portal de terras distantes é a melhor forma de transporte já criada pela humanidade, mas requer uma fonte de energia colossal para funcionar. Ele teletransporta você de um lugar para outro quase que instantaneamente. Se você ativar todos os portais em Rubra, isso irá ajudar muito os sobreviventes.
Do lado de sua casa, havia um desses portais, ele a ensinou na prática como ativá-lo e escolher a rota.
Era uma tecnologia surpreendente. Ella nunca imaginaria que algo assim poderia existir. Estava encantada.
— Essa é a nossa despedida então... espero que volte mais vezes quando puder. Sua companhia foi boa. Ficar sozinho por essas terras é meio… chato — disse o Andarilho, meio constrangido, revelando aos poucos seu lado mais carismático para Ella.
— Pode deixar que voltarei e te apresentarei meu pai. Você nunca o conheceu né? Tenho certeza de que vocês vão se dar bem.
— A propósito, qual é o seu nome? Você nunca me falou. Andarilho não é um nome muito bonito – brincou Ella.
— Revelarei quando voltar com seu pai. Temos mais um trato. — O Andarilho sorriu.
Ella sorriu de volta e se virou para seguir adiante em sua jornada.
Havia um objetivo traçado, e seu tempo era valioso.
De volta ao centro de Vigon, agora com o cristal de Neofásio, Ella pôde energizar tudo o que precisava, permitindo que usasse os diversos elevadores espalhados pela cidade, facilitando sua ida até o laboratório.
O que Ella não sabia, e não pôde sentir, era que durante toda sua viagem até o laboratório, estava sendo seguida por um grupo de mercenários.
Eles foram enviados a mando de Chaos para capturá-la. Estavam apenas esperando a oportunidade perfeita para agir.
Num ato covarde, injetaram em Ella, enquanto ela dormia, uma dose de veneno do guepardo da meia-noite, uma criatura mística da Terra Prometida.
Extremamente mortal para humanos, mas um sonífero inigualável para Primordiais.
Com Ella adormecida, foi extremamente fácil capturá-la.
Sua vida naquele momento, estava à mercê de um bando de mercenários.