Volume 1 – Arco 1
Capítulo 3: O Caçador de Águias
Vigon finalmente estava livre das amarras de Deathbringer, mas os olhos de Chaos pareciam estar em todos os lugares, já cientes da presença de Ella Murphy.
Ella continuou a explorar Vigon em busca de uma saída para a superfície. Foi então que avistou um elevador, porém, desativado.
Sem alternativa, precisou adentrar ainda mais nas entranhas da cidade. À medida que descia, mais difícil era de se respirar.
A garota ansiava pela hora de sair daquele local sufocante.
Um doce soar de uma flauta de bambu fez Ella mudar sua rota e começar a seguir tal som.
Era tão suave e sua melodia tão cativante, quebrava totalmente o clima sombrio que havia em Vigon. Tudo ao seu redor se tornava pacífico.
A fonte da melodia era um homem de aparência despojada, com cabelos negros presos em um coque samurai, o que o deixava um tanto quanto estiloso.
A bainha com uma espada em sua cintura indicava que também era um caçador.
Mesmo ao notar Ella, ele não interrompeu sua melodia, aparentemente não se preocupava com a presença dela.
— É uma bela melodia. Ela deixa tudo aqui muito tranquilo — disse Ella, tentando parecer amigável.
— Obrigado. Eu que compus, a chamo de “Cantiga dos Bosques Verdejantes“.
— Você é um caçador? — indagou Ella, olhando sua espada em sua bainha.
— Eu sou apenas um andarilho — respondeu o homem misterioso com um olhar frio.
— Estou tentando achar uma saída para a superfície, acredito que você deva conhecer bastante por aqui. Eu encontrei um elevador, mas estava desativado. No meu mapa aponta uma saída em um lugar no meio do nada, mas não sei como chegar até lá. Você sabe como eu posso sair de Vigon?
— Você é uma caçadora? Parece ser só uma garota que brinca de ser espadachim — provocou o homem misterioso, contrariando sua pergunta.
— Como é? — Ella ficou surpreendida com uma resposta que contrariava totalmente a sua pergunta.
— Neste exato momento, há mais de quinhentas maneiras diferentes de eu te matar. Mesmo que esteja na defensiva, sua postura não seria capaz de resistir a um ataque meu. Seu saque não é rápido o suficiente para se defender de uma estocada minha. Mais da metade dessas possibilidades são graças a minha vontade. Embora você seja boa usando a sua vontade, num duelo de encantamentos você facilmente morreria. O que te faz pensar que pode sair desbravando Rubra como se fosse uma caçadora?
Ella ficou totalmente em choque, sem saber o que responder. Apenas permaneceu em silêncio encarando o Andarilho que a encarava de volta.
— Você tem sorte eu de ser um homem bom. Se eu fosse um daqueles lunáticos mascarados da superfície, você provavelmente já estaria morta. Eu vi você lutar contra Deathbringer, você não é fraca, mas também não é forte, não há motivos para você subir à superfície — acrescentou o homem misterioso.
— E o que eu devo fazer para ficar mais forte?
— O que está disposta a fazer para ficar mais forte?
— Qualquer coisa.
— Pois bem, descendo mais em Vigon, você encontrará uma gruta de cristal, lá vive um serzinho extremamente arrogante e cabeçudo, porém ele possui uma coleção das boas de cristais de Neofásio. Ele é fraco, mas é muito ágil, o máximo que ele vai fazer é te estressar. Não estou com a mínima vontade de perseguir ele. Me traga um cristal de Neofásio, e então, eu te ensinarei o Caminho da Lâmina Ancestral. No final, te levarei até a única passagem que ainda está ativa para a superfície.
— Tá bom, eu acho… — falou Ella, retirando-se do local em busca da sua próxima missão.
— Não se esqueça, Ella, deixe que a natureza te guie, é isso que diria Apolo.
— Como é que você… esquece — murmurou Ella.
Estava prestes a perguntar como ele sabia seu nome, mas ele sabia de muitas coisas sobre ela. Era melhor não arriscar para não ser humilhada de novo.
E então, tornou a descer em Vigon.
Depois de trinta minutos de uma longa caminhada, avistou a entrada da Gruta de Cristal.
Cautelosamente, adentrou o local, e lá estava ele, o pequeno serzinho mencionado pelo Andarilho.
Estava dormindo de barriga pra cima, realmente, ele era bem cabeçudo, com orelhas desproporcionalmente grandes para um corpo que não havia nem um metro de altura.
Apenas um passo de Ella foi suficiente para fazê-lo acordar.
Sem dúvidas ele era uma criatura do Vazio, mas aparentava ser inofensivo, com inúmeras joias adornando seu corpo, em forma de correntes, anéis e pulseiras, além de uma pequena foice feita de osso coberta de cristais.
Era uma criatura extremamente extravagante.
— Você acaba de invadir a toca do Icrow, o fantástico, incrível, lindo, respeitado, majestoso colecionador de joias. Você tem sorte que estou de bom humor, saia da minha toca e não te atacarei! — disse a pequena criatura com uma voz fina se vangloriando de seus títulos.
Ella ficou surpresa, não esperava encontrar uma criatura do Vazio tão fofa e inocente. Isso era extremamente cômico.
—Ei, seu tampinha, eu quero o seu cristal de Neofásio, me dê logo e eu te poupo de umas boas bofetadas. Não quero ter que usar violência com uma criatura tão minúscula como você. – Riu Ella.
— O quê?! Você ficou maluca? Levei onze dias e onze noites para achar um único cristal de Neofásio e você quer tirá-lo de mim? Se você quisesse qualquer outro tipo de joia eu te daria, mas o meu bem mais precioso? Nunquinha! — respondeu Icrow puxando sua pequena foice da cintura.
Icrow avançou em direção a Ella balançando sua foice ofensivamente, revelando sua falta de habilidade em combate.
Um único chute de Ella foi suficiente para fazer a criatura voar para longe e bater nas paredes da gruta, fazendo com que ele fugisse e obrigando Ella a persegui-la.
Assim como o Andarilho havia dito, Icrow realmente era bem ágil.
Ella adentrava cada vez mais nas profundezas de Vigon, seguindo-o até que ele entrou em um buraco escuro numa parede.
Sem opções, teve que entrar no lugar e continuar a perseguição.
No final do túnel, uma luz branca brilhava, proveniente das lâmpadas ainda funcionais de um corredor de um laboratório abandonado.
Ella havia perdido Icrow de vista, mas ficou fascinada com as mais diversas salas e compartimentos, composta pelas mais futuristas e avançadas tecnologias já criadas pela humanidade.
Ao perder Icrow, Ella foi obrigada a explorar o laboratório por inteiro, até chegar no andar mais profundo.
Foi nesse momento que avistou Icrow, atrás de uma janela, pressionando desesperadamente vários botões em uma mesa cheia de botões.
Acidentalmente, Icrow acionou a abertura de uma cápsula criogênica atrás de Ella, liberando um vapor congelante.
De dentro da cápsula, emergiu um homem.
Ele era alto como um gorila, com cabelos pretos desgrenhados, olhos castanhos claros e um olhar frio como o vácuo do espaço.
Estava sem camisa, vestindo apenas uma calça preta.
A placa em sua cápsula revelava sua identidade, “Samuel Oliveira. Projeto Caçador. N°10“.
Ella deu dois passos para trás e desembainhou sua rapieira, podia sentir uma enorme força vindo do homem recém-liberado.
— Ei!!! Grandão! Fui eu que te libertei, essa caçadora está tentando me matar. Você é o grande Caçador de Águias, não é? Me ajude!!! — gritou Icrow, atrás da janela.
— Caçadora? — sussurrou Samuel, com a voz rouca.
Após todo o vapor se esvair do ambiente, a primeira visão de Samuel, foi Ella empunhando sua espada com ambas mãos em posição de ataque.
Ficou óbvio para ele o que deveria fazer.
Suas mãos estavam presas por um dispositivo que o impedia de usar sua vontade, mas, mesmo assim, ele avançou contra Ella com uma confiança inabalável.
Ele era incrivelmente mais rápido que Deathbringer. Ella corria para trás de costas enquanto ele a perseguia pela frente, não demonstrava ter a intenção de atacá-la, estava apenas estudando o comportamento da garota.
No instante em que ergueu seus braços ofensivamente, Ella decepou-os com um único golpe.
Era exatamente o que Samuel queria.
Em questão de segundos, seus braços se regeneraram, enquanto um sorriso perverso surgia em seu rosto.
— Um golpe preciso na diagonal. Você é habilidosa, certamente recebeu treinamento de um caçador — disse Samuel, pegando as correntes do seu braço decepado.
Ele enrolou as correntes em seus braços e as encantou com a vontade sagrada, a temida luz angelical que inspirava pavor em todos.
Ninguém jamais esqueceria o potencial destrutivo de um Primordial de vontade sagrada.
Em menos de um segundo, com uma velocidade sobre-humana, Samuel atravessou toda a arena e golpeou Ella com um soco capaz de matar facilmente um humano comum.
Ela se defendeu com sua espada, mas o homem logo desferiu uma sequência de socos implacáveis.
A defesa constante estava custando o seu equilíbrio, e no último ataque do Samuel, conseguiu desequilibrá-la, abrindo brecha para um soco perfeito em seu rosto.
A força foi tanta que a garota foi arremessada violentamente na parede. Samuel rapidamente a cercou e jogou sua espada para longe.
— Vamos lá, me dê um motivo para eu não te matar agora, quero algo convincente. — Samuel enforcava Ella violentamente.
— Argh… merda... se-se me matar, condenará a humanidade à extinção — disse Ella, enquanto era enforcada.
— E por que exatamente matar você, condenaria a humanidade à extinção? — Samuel disse dando ênfase no “você”.
— Eu sou filha do único homem capaz de matar Rithan... Eu estou procurando por ele. Se você me matar, nunca poderei trazê-lo de volta, logo a humanidade... será extinta.
— Espera aí, quem diabos é Rithan? — falou Samuel, soltando o pescoço de Ella.
— E-eu não tenho certeza do que exatamente ele é, na verdade, ninguém sabe ao certo — disse Ella, nervosa. — Só sabemos que ele veio de fora da Terra e é tão forte quanto o Chaos. Ele espalha uma espécie de infecção que tira a consciência dos humanos, transformando-os em criaturas selvagens.
— Tão forte quanto o… Chaos? Espera, o único homem que já derrotou o Chaos foi… não me diga que você é a filha dele — disse Samuel, com uma expressão de choque.
— Meu pai é o Aslan Murphy, você o conhece?
Seu pai foi sem dúvidas o maior caçador do Vazio dessa geração. Alguns dizem que foi até mesmo o maior da história.
— O lendário caçador do Vazio… o lendário homem que derrotou os caçadores de Águias. Ah… o lendário Aslan Murphy que me prendeu. — Samuel franziu seu cenho para Ella.
— Esqueça o que meu pai fez pra você no passado, não há mais sociedade e muito menos alguém para te prender. Você está livre! O destino da humanidade depende de eu encontrar ele.
— Calma ae, não tem mais sociedade? Como assim?
— A quanto tempo você está aqui? Lá fora, a humanidade está quase extinta.
Samuel ao terminar de ouvir o que Ella disse, ficou em choque. Continuou quieto por alguns segundos.
— Seu pai, e se você não o encontrar? Ou pior, e se esse tal Rithan tiver matado ele?
— Eu… eu não sei. Eu acho que eu continuaria o legado do meu pai, pelo menos era isso que ele gostaria que eu fizesse.
Samuel suspirou e deu um pouco mais de espaço para Ella.
— Beleza, darei a você o meu voto de confiança, espero não me arrepender. A propósito, trilharemos caminhos semelhantes, agora que estou livre, irei atrás do meu irmão, acredito que ele ainda esteja vivo, um cara forte como ele não morreria tão facilmente. Você o conhece? Seu nome é Dante, Dante Oliveira. Nesse fim de mundo, ele é a única pessoa que me restou.
— Não faço ideia de quem seja, desculpa. É... eu sou a Ella, provavelmente nos veremos na superfície em breve — disse ela de forma amigável, estendendo sua mão para um aperto de mãos.
Antes que pudesse responder, Icrow interrompeu a conversa com um grito para Samuel, indignado com sua nova amizade.
— Isso é uma afronta sem igual ao grande Icrow! Eu te libertei para me proteger, como ousa se aliar a essa caçado… — Icrow foi interrompido com Samuel agarrando seu pescoço e o enforcando.
— Eu mereço... Você é insuportável cara, puta merda — disse Samuel enquanto o enforcava violentamente.
As mãozinhas de Icrow tentavam se soltar enquanto ele emitia barulhos parecidos com uma súplica.
— Quer fazer as honras? Esse merdinha aqui não é um Emissário, não teremos problemas em matá-lo. — Apontou ele, para o pescoço de Icrow.
— Somos melhores que isso… solta ele.
Ella sentiu pena da pobre criatura. Ele não emitia maldade como os outros.
— Você tem certeza? — reafirmou Samuel.
Ella assentiu com a cabeça e Samuel o soltou.
Icrow caiu no chão chorando e implorando por piedade. Ele era uma criatura do Vazio diferente das demais, parecia não ter qualquer resquício de maldade dentro de si.
— Icrow, né? Eu salvei sua vida, acho que mereço um cristal, não acha? — Ella se agachou para ficar numa altura rente a ele.
Icrow entregou o cristal de Neofásio pacificamente a Ella e foi embora correndo.
Ella se despediu do Samuel e retomou seu caminho, enfrentando uma longa subida até chegar ao Andarilho.
— Que demora em… o bichinho realmente te deu trabalho. — O Andarilho riu.
— Nem te conto tudo que passei lá embaixo. Mas aqui está, o cristal de Neofásio, agora cumpra sua parte do acordo — exclamou Ella, enquanto o entregava tal artefato.
— Ótimo. Me siga.
— Para onde vamos?
— Para minha casa. Está na hora de fortificar suas habilidades, Ella — declarou o Andarilho enquanto olhava para trás.
Ella não sabia para onde ele estava a levando, mas estava determinada a pagar qualquer preço para ficar mais forte. Infelizmente, precisava depositar sua confiança nele.