Volume -5
Capítulo 5: Oráculo
Era o limiar entre a noite e a manhã, o céu estava roxeado para o horizonte, mas levemente azulado acima da cabeça de Abigail, era a rota para o oeste, rota essa que Abigail pegava em cima de uma carroça sem teto, pegando carona com um velho homem levando feno para sua fazenda em um campo aberto.
Seu braço esquerdo estava completamente carbonizado, completamente molenga em algumas partes e com crostas rígidas em outras partes, mas mole ou rígido, seu braço basicamente se esfarelava conforme ela segurava ele com o braço direito.
Ela estava deitada de modo desleixado dentro de uma carroça repleto de feno e puxada por dois cavalos, que eram controlados por um senhor de idade fazendeiro, quando o fazendeiro a questiona.
— Mas me diz aí! Como que você queimou o seu braço? E como você não morreu ainda!?
Abigail, na parte de trás, suspirou de incômodo, mas respondeu mesmo assim, do jeito mais amigável que ela conseguia imaginar, diga-se de passagem.
— Queimado? Isso tá literalmente carbonizado, preto, eu nem sinto meu braço mais, isso agora é só um punhado de carne que eu preciso arrancar e trocar pra, sei lá, uma prótese steampunk ou um braço novo com um biomante.
O homem então questionou:
— E como que você conseguiu carbonizar seu braço?
Abigail suspirou novamente, e evitou falar por um momento pois a carroça passava por uma estrada terrosa cheia de buracos, que a jogavam de um lado para outro, a causando muita dor.
Abigail gemeu e berrou de dor, fechando os olho e mordendo a língua para não fazer muito barulho, e começou a questionar em pensamento: Como que meu braço tá doendo se eu sequer sinto ele? Onde que tá doendo isso?
O homem logo a repetiu a mesma dúvida, e Abigail, um pouco irritada, iniciou sua resposta com um berro que rapidamente se esfriou ao perceber seu próprio tom.
— ERVA-Ignição, isso, Erva-Ignição, eu sofri um acidente com ela e acabei perdendo o meu braço...
— Que tipo de acidente? — O homem questionou.
Irritada, ela se questionou à si mesma:
Ugh, por que esse velho quer tanto saber essas coisas? O que vai mudar? Enfim, não importa, em breve estaremos chegando na próxima vila e eu vou poder ver a minha situação com mais calma.
Abigail apenas se manteve deitada na carroça, segurando seu braço preto e apreciando os campos altos e montanhas no horizonte. O vento que descia pelas montanhas batia em seu rosto e a lhe deixava com uma enorme paz de espírito, então ela fechou seus olhos por longos segundos e respirou profundamente, se deixando mergulhar na imersão de seus outros 4 sentidos.
Ao abrir seus olhos, viu seu braço se esfarelar por completo e sendo levado pela ventania, mas não de um jeito bruto, mas completamente suave, deixando uma pequena rosa no lugar do braço arrancado. Abigail começou a contemplar com curiosidade essa flor.
Os farelos de podridão no ar se transformavam em lindos Pássaros-Garoa, pássaros que migravam do leste do continente até o oeste, e Abigail novamente apenas se pôs a olhar para eles em silêncio, os contemplando.
Uh…? Ela questionou à si mesma, apesar de não querer se importar
Ela largou a posição de barriga para cima para poder olhar aos arredores novamente, e viu que a carroça não estava sendo dirigida por nenhum humano, os próprios cavalos a dirigiam sozinho, cavalos não mais marrons, mas brancos e loiros, quase como os Unicórnios ou Pégasos que os bestiários tanto falavam sobre.
Intrigada, Abigail agarrou a aresta da carroceria com uma mão, pulando por cima dela se sentando no banco da carroça, apreciando a viagem e os cavalos que andavam para sempre na estrada de terra.
De repente, a carroça parou sem nenhum aviso prévio, os cavalos haviam se soltado do laço que os ligavam até a carroça e saíram correndo abruptamente até o fim da estrada de terra, onde os olhos não os identificavam mais, deixando Abigail em uma carroça imóvel, sem condutor e sem cavalos.
Abigail pulou para fora da carroça, e olhando pra o horizonte com o vento batendo em seu rosto, apreciou o momento por uns longos segundos
— …?
Ela se virou para trás, mas não havia mais sequer carroça. Algo em sua mente ordenou que ela deixasse a trilha, adentrando a grama alta e seguindo em direção eternamente às longas montanhas do horizonte.
E assim ela obedeceu, caminhando pacificamente entre a grama alta que chegava a bater em seu ventre.
Abigail fechou seus olhos e começou a sorrir, pensando sobre como obviamente nada daquilo fazia o menor sentido.
Será que eu morri por causa do braço carbonizado e estou no Elisio? Será que é um sonho? Oh céus… seja o que tiver acontecido… eu me sinto… tão feliz… na verdade não… tão… pura…. Isso...
Ainda de olhos fechados ela estendeu seus braços e caminhou cegamente até a frente, quando de repente…
Fuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu
O som de mato batendo um no outro, o som dos pássaros cantando, o som da grama sendo pisoteada, tudo parou, a atmosfera sonora havia sido reduzida à apenas um som de vento oco.
Abigail abriu seus olhos, e quando viu, estava em uma superfície completamente rochosa e plana de cor cinza, aos seus redores, no horizonte, não haviam nada além de montanhas rochosas e decadentes.
A sensação de paz de espírito que ela sentia logo foi substituída por uma sensação de dúvida, algo que em sua mente parecia percorrer uma rota mental até se tornar puro desespero, mas ainda não havia chegado lá.
Assim que olhou para trás, viu um homem encapuzado e extremamente velho, baixo, com sua pele parecendo estar vestida por cima dos ossos frágeis e amarronzados como uma pele recém-trocada de uma cobra. Sua postura corcunda deixava à mostra o formato das diversas pontas esqueléticas de sua espinha, quase perfurando o manto no qual ele estava vestido.
Sua boca, completamente torta e elevada em uma extremidade e caída em outra. Seus dentes, faltavam vários, e os que sobraram eram completamente podres e repletos de larvas entre os espaços dos dentes. Seu nariz, se descascava aos montes, seus olhos, com cores invertidas, seu globo ocular era preto e sua íris e pupila era branca. Sua respiração, apenas pela boca, fazendo quase que um som de uivo a cada respiração cansada que fazia.
E ele olhava fixamente para Abigail.
Apesar de todos esses traços, uma coisa era reconhecível à Abigail, era a mesma estrutura facial do homem que puxava a carroça. Algo fazia Abigail querer se aproximar do homem, pois mesmo dado essa situação, Abigail ainda se sentia tão impune, mas tão curiosa, ela sabia que algo aconteceria se ela se aproximasse do velho.
Ela olhou fixamente na direção do homem cadavérico, e caminhou em sua direção, sem temer o que viria por vir.
Chegando perto do velho, ele começava a falar.
— Traição…
— Traição Novamente…
— Genocídio…
— Arautos…
— Ganhos…
— Perdas…
— Curto Prazo…
Abigail se sentiu completamente paralisada quanto às palavras do homem. Sua boca, ao dirigir palavras, soltava um ar gelado e quase que venenoso em sua pele, o que era aquilo?
Abigail, sem conseguir se mover, apenas caiu sentada no chão, olhando para a imagem do velho homem, que antes era menor que ela, mas com ela caída, parecia ser do tamanho do mundo.
Ela começa a transpirar, de todas as direções, um vazio consumia a paisagem dos horizontes até o ponto central, a sua pessoa. A flor de seu braço arrancado começava a se encher de carne, crescendo e criando diversos rostos, sem olhos, mas facilmente reconhecíveis que estavam em um eterno sofrimento.
Assim que o vazio a alcançou, ela gritou, mas ninguém poderia a ouvir.
— Acorde! Acorde! Você não me pagou o dinheiro da viagem ainda! — disse o homem, após chegarem na vila de Miasma, também conhecida como “Refúgio dos Doentes”.
Abigail acordava babando e em cima de um bloco de feno, o condutor da carroça a chacoalhava para que entregasse o dinheiro da viagem, mas com ela desorientada, não conseguia entender nada.
— Uh..?? Que..? Pera… Calma… Calma… Eu… Uh… — Balbuciou ela enquanto se espreguiçava e caía da carroça e batia no chão com muita força. — Uh… foi mal… eu não dormi muito essa noite… sabe? — Disse enquanto continuava se debatendo no chão, como se estivesse tentando encontrar uma posição confortável para dormir, e logo em seguida, apagando.
— Mas que droga! Eu preciso do dinheiro do pagamento logo! — Disse o velho, irritado.
Nessa hora, um homem cujas roupas estavam ligeiramente manchadas de graxa, caminhou até o velho, removendo as suas luvas sujas.
— O que foi tio? — disse ele, colocando as luvas no bolso e parando de caminhar.
— Essa mulher prometeu me pagar quando eu a tirasse daquela província e a trouxesse para alguma civilização perto da aldeia!
— Oh, que pena, ela não foi claro quanto ao tipo de civilização que queria ser entregue, porque… essa aldeia viu… — disse o homem.
O homem olhou para o braço da mulher, e logo se surpreendeu:
— Caramba, o braço dela… tá literalmente preto! O que é isso?!
— Ela disse que foi um acidente com Erva-Infernal, mas enfim, preciso logo desse dinheiro. — disse o velho
— Sinceramente acho que deveríamos esperar ela acordar, não parece muito… religioso fazer isso.
— Hm, que seja, vou pegar o dinheiro eu mesmo, — disse o velho, colocando a mão logo em sua bolsa, mas logo seu braço fora agarrado pela mão do homem.
— Não. Vamos esperar ela acordar. — disse ele, com uma expressão irritada.
— Ugh… ok, que seja, mas eu quero o dinheiro.
O velho tio do homem seguiu o seu rumo, e o homem se pôs a ponderar, olhando para o corpo sonolento de Abigail.
Algumas horas depois, Abigail acorda em uma confortável cama de lençóis brancos, paredes de uma madeira bem envelhecida, uma mesinha de metal ao lado com diversos utensílios médicos levemente ensanguentados, e uma janela que deixava raios de sol entrarem, iluminando as partículas de poeira no ar.
Quando ela olha para os lados, não se dá conta apenas da estética do ambiente, mas também que já não possuía o seu braço carbonizado, no lugar, estava… nada, apenas uma atadura no ombro e cobrindo toda a área amputada.
— O… o que? — ela questionou em voz alta enquanto passava a mão do outro braço no vão do membro retirado.
— Que loucura… Uh… que nojo. — Disse ela, ainda sentada na cama
Um homem surge pela porta de seu quarto, é o mesmo homem que impediu o velho de tomar parte de suas economias.
— Oi! — o homem diz, balançando a mão esquerda em meio perto de seus olhos.
Abigail logo se irrita.
— ARGH, NÃO PRECISA ME LEMBRAR QUE VOCÊ TEM UM BRAÇO ESQUERDO E EU NÃO!
— Haha! Não precisa ficar irritada, eu meio que só te salvei porque você parecia ser alguém importante.
Abigail logo se deixou levar pelo egocentrismo.
Ha… especial… não sei onde ele quer chegar com isso… mas já comecei a gostar… não… isso é egocentrismo da minha parte, eu não posso me deixar levar por esse tipo de emoção, se controle Abby!
Abigail se levantou da cama, fazendo um enorme barulho de rangido, de tanto tempo que ela havia ficado ali, e em pé, logo se deu conta.
— Nossa… eu… perdi um braço, para… sempre — disse ela, enquanto uma enorme apatia crescia dentro dela.
Assim que o homem se preparava para dizer algo à ela, Abigail, com uma expressão apática, passou por ele e caminhou para fora de casa, observando o céu, já alaranjado. Estava se tornando noite novamente.
De… novo, eu só queria poder aproveitar um céu azulado e brilhante novamente como… antigamente, ela pensou enquanto encarava o céu fixamente e de modo apático.
Abigail sentiu um toque em seu ombro sadio, e assim que virou para trás, viu o homem, e ao seu lado, seu tio, com pouco mais que a metade de seu tamanho, mas ainda irritado.
O homem logo começou a suar de nervosismo, e disse:
— Oi! Meu nome é Fred, Frederick, e esse aqui… é o meu tio- — disse o homem, antes de ser interrompido pelo seu tio.
— Ei! Não vá dizendo o nome de todos os membros da nossa família só porque finalmente encostou em uma mulher! Eu hein, se fosse um homem você não estaria tendo todos esses papos! — disse o velho, acendendo um cachimbo e indo embora para cuidar de suas coisas.
— Ha… não se preocupe com ele, ele quando está de bom humor adora conversas. — disse o homem
— Eu sei, no caminho ela me enchia de perguntas, mas ei, diz aí, você realmente não tá interessado em mim, né? Eu meio que… literalmente tô de passagem, sem falar que… não seria muito seguro para você. — disse Abigail, mantendo uma expressão neutra durante toda a sua fala, exceto no fim, quando se mostrou ligeiramente triste.
— Oh, não! Eu não estou interessado em você!… — disse Fred
Sem nem esperar Fred terminar sua sentença, Abigail já fez uma cara de boba.
Que pena… eu confesso que realmente queria que ele gostasse de mim… droga! ela pensou, conforme Fred continuava sua frase.
— …Acontece que, você veio da Cidadela né?
— Como você sabe? Eu não tenho chapéu, nem varinha, nem cajado, nem manto, nem a sanidade!
— É porque na nossa cidade… quero dizer, vila, sempre passaram muitos exilados da Cidadela, então meio que a gente já acaba reconhecendo essas pessoas.
— Hm, então você me acolheu porque sabia que eu era uma maga? — Questionou Abigail.
— Sim, sinceramente, não estou com tempo agora para dizer essas coisas mais a fundo, preciso voltar para o trabalho, mas ei! Minha casa e a do meu tio fica… lá no fim daquela rua! — Disse Fred, acenando para uma das diversas ruas de pedregulhos da aldeia.
— Faça questão de ir lá para dormir, já está anoitecendo. — Disse Fred, indo embora e acenando.
Hm, vou ver o que tem nessa cidade, será que eu acho… algo para melhorar o meu braço? Ou melhor, melhorar a ausência dele? Veremos.
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