Mosmos Brasileira

Autor(a): Sharikov


Volume -5

Capítulo 4: Erva-Ignição

Me desculpe, Auster, mas… não existe um mundo onde eu vá tomar esse lixo. — Pensou Abigail, enquanto derramava o caldo de ossos no mato, já dentro da floresta, longe da vista de qualquer pessoa da Cidadela.

O céu estava alaranjado, estava para ficar de noite, e bem, Abigail sabia bem que passar a noite fora de algum domínio de civilização era uma ideia terrível, ainda mais naquela região aonde a Cidadela havia sido construída, com bestas mágicas, monstros, possíveis mortos-vivos, e em casos mais raros, até aberrações mágicas, de origem desconhecida ou oriunda de experimentos nefastos que arcanistas fizeram no passado.

Abigail arrancou a parte do tecido da túnica do joelho pra baixo, pois já estava completamente ferido devido ao arrastão que havia sofrido, e com o tecido, amarrou em volta do seu olho afetado pelo frio extremo ao abraçar Auster.

Isso provavelmente vai infeccionar, será que lavar só com água vai dar certo? Uh, eu precisava encontrar alguma estrada de terra e alguma sinalização, minha casa fica em outra região do continente. — pensou Abigail, tentando enxergar o céu em meio às folhas das árvores. Já havia ficado de noite.

Olhando atentamente para trás, Abigail pôde ver pequenas iluminações que chegavam na floresta, A Cidadela já havia acendido suas luzes, e era uma coisa absurdamente tentadora de querer se ver, mas Abigail se segurou, e continuou à caminhar para longe do local. Conforme se afastava da Cidadela, as luzes cessavam e tudo se tornava cada vez mais escuro, até que tudo se tornasse uma completa escuridão que não permitia nada de ser visto.

Abigail se deu conta que a única coisa que seus 5 sentidos captavam eram o som de galhos no chão quebrando com seus passos e o cheiro das ervas medicinais que ela tateava no escuro para pegar, colocando dentro do jarro do antigo caldo de ossos.

Entre as diversas ervas que Abigail coletava, lá estava a famosa “Erva-Infernal”, ou a versão do nome feita pra parecer mais intelectual e criativa, a “Erva-Ignição”, uma erva extremamente quente capaz de literalmente pegar fogo e iniciar incêndios.

Muito usado em ações criminosas, poções de resistência à fogo, poções de causar dano incendiário, ou apenas na gastronomia para dar um sabor absurdamente picante aos paladares desensibilizados dos jurados, tipo, sério! O mercado de pimentas no Continente Estelar era tão lucrativo como o de qualquer tipo de droga perigosa!

Abigail almejava acender a chama da erva na sua ferida no joelho para cauterizá-la e evitar que infeccionasse, mas depois que se recordou dos inúmeros acidentes fatais envolvendo pessoas usando essa erva com esse fim, ela desistiu do plano, colocou a erva de volta na jarra e decidiu só acender uma fogueira para se aquecer e dormir até o dia seguinte, que seria quando ela tentaria tratar sua ferida.

Assim que parou os seus passos para se alojar, pôde-se ouvir o som de passos continuando, mas poucos segundos depois, parando sem que Abigail percebesse.

Hm… e se eu, fizesse uma fogueira com o uso de símbolos e runas? — Questionou Abigail em sua mente enquanto se agachava para começar a desenhar os símbolos no chão com o dedo.

Uh, eu lembro de ter visto um manual que ensinava magos a como sobreviverem em ambientes assim, mas… eu sempre achei tão contraditório e sem sentido um mago precisa aprender a sobreviver na mata. — Pensou Abigail, prostrada e olhando fixamente para o chão para não errar o símbolo.

Abigail pegou o pote com ervas, e colocou próximo de onde ela estava desenhando, algumas ervas possuíam bioluminescência, que iluminavam o símbolo e evitavam erros.

— Uff, pronto, eu acho que isso vai ser o bastante — disse Abigail, em voz alta enquanto olhava orgulhosa para o símbolo circular carregado de runas, aguardando a ativação de fogo no chão.

— …?

Nada acontecia, a terra era fofa demais, e os desenhos empurravam partes de terra, que acabavam interferindo nos desenhos ao redor.

— Uh… merda… merda… mas que saco! — exclamou Abigail em voz alta, voltando a se prostrar para meticulosamente remover a terra excedente dos vãos entre os desenhos e escritas.

Alguns minutos depois, com a cara quase batendo no chão para que pudesse enxergar os desenhos, o “código arcano”, como alguns magos chamam, havia sido atendido, criando uma enorme chama que assustou Abigail e a jogou para trás. Assustada, mas feliz que finalmente havia conseguido criar fogo, e também por se auto-validar como maga.

Abigail logo tirou a bandagem do olho esquerdo, se ajoelhou bem perto do fogo, e começou a aquecer seu rosto, fazendo o rosto deixar de ser quebradiço, a dando uma enorme sensação de prazer e também iluminando os arredores e aquecê-la no geral.

— Hmmmm~~~~~ — Ela murmurou com prazer, enquanto ficava de olhos fechados com o rosto arriscadamente perto do fogo.

Após alguns minutos se aquecendo, Abigail tirou sua túnica e a colocou no chão, ficando apenas com sua camisa branca de manga cumprida e uma calca roxa com diversos desenhos de estrela, que Abigail sempre usava por debaixo da túnica.

Ela bocejou e se preparou para dormir, usando sua túnica como uma espécie de colchão, mas quando deitou a parte de seu rosto contra o “colchonete”, sentiu logo uma tremenda dor aguda em seu rosto, se levantando rapidamente logo em seguida e colocando a mão na parte esquerda do rosto.

— Arrhhhhh… o que é isso… — questionou Abigail, logo tirando a mão do rosto e vendo que estava com alguns pingos de sangue.

Meu rosto… ainda está quebradiço? O que? Questionou, se atentando à olhar aquela fogueira.

— O… quê? — questionou Abigail em voz alta, pois havia se dado conta de algo peculiar.

A jarra com as ervas dentro não fazia sombra com a luz vindo da direção da fogueira, como se a luz estivesse na verdade vindo de cima, mas nem a luz vir por cima era um bom palpite, pois a jarra, no lado oposto à fogueira, estava com a cor preta, como se aquilo fosse pra ser uma sombra, mesmo sem ter a própria sombra no chão.

Ao perceber aquilo, Abigail se calou completamente, lentamente se levantando do chão sem fazer um único ruído.

Crack

Era o som de um galho se quebrando, mas quando Abigail olhou para os seus pés, não havia nenhum galho, mesmo com o som claramente tendo vindo de baixo de seus pés.

Uh… nem pra ser um som de galho quebrado em outro lugar pra eu poder dizer que é alguém me perseguindo… não que eu quisesse isso… mas isso me deixaria menos confusa que agora. — Pensou Abigail, recuando lentamente para trás até se encontrar com uma árvore, na qual seria sua cobertura.

Será que é uma magia de ilusão? Um uma magia de encantamento ? Ah não… eu tô tão cansada… agora não… agora não…!!! — Berrou Abigail internamente, enquanto começava a olhar aos arredores, vendo apenas o fogo da fogueira e as árvores ao redor fechando tudo, e logo percebeu que não haviam TANTAS árvores cercando tudo daquele jeito exagerado, quase que sendo como uma prisão de árvores.

UH! SE ISSO FOR UMA MAGIA DE ILUSÃO, A ÚNICA COISA QUE EU PRECISAREI FAZER É… — Pensou Abigail antes de…

CORRER insanamente até uma árvore que ela julgava ser falsa.

Eu só preciso… acredi…TAR! — Ela pensou.

TUMB

— AAAAAAAAHHHHH!!!!

Gritos ecoaram pela floresta, assustando todos os pássaros. Abigail havia brutalmente dado de cara com uma árvore e caído no chão, com as duas mãos na testa e rolando para os lados.

— Será que… será que eu não acreditei o suficiente!!?? Magias de ilusões não deviam funcionar se você simplesmente acreditar cegamente que tal coisa é uma ilusão!!! — disse Abigail em voz alta, pois sua mente estava repleto de pensamentos mais focados na dor de dar de cara com uma árvore.

Uma gargalhada ecoou pela floresta com a mesma intensidade que o grito de Abigail:

— HAHAHAHAHAHAHAHAAAAA!!! Assim eu não consigo! Hahahahaha — Abigail ouviu do alto das árvores.

Um homem com uma máscara em formato de rosto de leão e um gibão roxo surgiu do alto dos galhos das árvores, se agarrando ao galho pelas pernas e falando com Abigail de ponta cabeça. Aquela era a roupa típica de um caçador de elite da Cidadela, e até uma varinha em um coldre ele possuía. Ele começou logo a falar com Abigail por trás da máscara.

— Eu confesso, te tirar da Cidadela por causa de uns místicos cretinos… isso dói, é um baita desperdício, mas… sabe, maga, ou melhor,  agora seria “pseudomaga”, certo?

Abigail, com uma mão na cabeça, se levantou e saiu correndo, mas a floresta cada vez mais a cercava em uma espécie de prisão.

— Enfim, como eu ia dizendo, é um baita desperdício, mas você precisa ver o quanto eles estão me pagando para arrancar a sua cabeça! — disse o caçador, descendo do galho e caminhando lentamente em direção à Abigail.

— Ei ei ei!! Parou! Para trás! Quem que tá te pagando o que?! — questionou a maga, acuada no chão e com o braço para frente, querendo o afugentar

— Todo mundo, garota! Arcanistas! Místicos! Feiticeiros! Clérigos! Psions! Garota.. você é quase como uma celebridade! — disse o mascarado, se aproximando e abrindo os braços como se fosse uma pessoa amigável.

Muitos pensamentos borbulharam na cabeça de Abigail, mas apenas 1 era importante agora.

Não… esse cara… não é real! Ele é uma ilusão! Ele quer que eu reaja pra baixar a guarda! O verdadeiro deve estar por aí em algum lugar! Ou… ou é isso que ele quer que eu pense! — Pensou Abigail, antes de jogar a jarra com ervas no caçador, que apenas ultrapassou seu corpo e o dispersou no ar como se fosse um gás denso, acertando na árvore e quebrando.

Vozes ecoaram do céu, zombando da maga:

— E o motivo disso? Porque você foi muito arrogante, muito orgulhosa, mexeu com as elites da Cidadela, à troco de que? Querer estar certa sobre tudo? Esta é a sua penitência, garota, eu sou o seu juiz!

Abigail estava ignorando tudo que o caçador dizia, apenas centrada em si mesma e questionando sobre como poderia escapar daquela situação.

“Vamos Abigail, isso é magia de ilusão, não de encantamento, eu tenho total chance de escapar disso se eu sequer pensar!” Ela pensou, enquanto pressionava as têmporas com as mãos.

De repente, uma pedra bateu em sua cabeça, a causando uma dor tremenda e a fazendo-se atordoar no chão, e as vozes logo voltaram a ecoar do alto da árvores.

— Como se não bastasse orgulho e arrogância, mas também é tão egocêntrica e centrada em si mesmas que não consegue sequer ouvir as outras pessoas!? Eu não vejo a hora de descer até aí e matá-la com minhas próprias mãos!

Ah! É isso! Ilusões não tem efeito fisico a não ser que eu inconscientemente queira! — Alguma hora ele irá descer pessoalmente para me matar! Não que.. isso seja bom… mas já é algo!

De repente, uma rajada de eletricidade desceu sob as árvores, acertando próximo à Abigail, que mesmo assim instintivamente rolou para o lado, se agachando e começando a rastejar para o outro lado da prisão circular de árvores.

— Você não achou que eu desceria aí pessoalmente pra fazer algo, não é? Ilusão não é o único tipo de magia! Eu também sei… EVOCAÇÃO! — exclamou o homem, enquanto disparava um feixe de ar pressurizado que perfurou uma árvore, o explodindo de dentro pra fora e fazendo a tora cair sobre Abigail, que ainda rastejava.

Abigail gemia de dor, completamente esmagada por um tronco enorme e com os braços estirados para fora, que nem se ela quisesse ela poderia os recolher, pois os ossos de seu ombro estavam presos nessa posição.

Foi nessa hora que um som de mato sendo esmagado permeou o lugar, algo ou alguém, de preferência bem real, havia descido aos chãos para verificar Abigail, e com ela presa na posição de bruços, ela apenas conseguia ouvir o som de mato sendo esmagado aumentar, e em questão de alguns segundos, o som alcançou seu tom mais alto, e o barulho cessou.

 O caçador estava em pé, olhando fixamente para ela, seu futuro assassino.

— O-o… o que foi? Inteligentão… você acha que e-eu não sei que… o som da grama sendo pisoteada também é ilusão? — disse Abigail, cuspindo sangue na grama.

— Nah, eu realmente queria ver de perto essa sua forma deplorável, além de que, para eu pisotear e esmagar a sua cabeça, eu preciso estar BEM perto de você e ser BEM real. — disse o caçador.

Um som de grama se levantando lentamente pôde ser ouvido, era o caçador, que já estava levantando sua enorme e dura bota para esmigalhar o crânio de Abigail, sem mais nenhum teatrinho. Abigail apenas lamentou:

— Uh… então você é direto… né? Sem cerimônia? Oh, assim que eu gosto… algumas vozes… eu… realmente preferiria ouvir o mínimo possível, de tão… FINAS que são! — disse Abigail, cuspindo mais sangue no mato.

O caçador cessou o pisoteamento de Abigail, e com um sorriso nervoso por trás da máscara apática, apenas disse:

— Ha… você quer é me enrolar… certo? Atrasar a sua morte… criticando a masculinidade de um homem? Se é que…há algo para criticar… em MIM! — disse o caçador, conforme seu sorriso nervoso se tornava uma expressão de desgosto sem precedentes.

— Não… eu… só queria ver se… era você mesmo, e não uma… ilusão… E…

O caçador fez uma expressão de nojo, mas ainda assim, quis esperar a maga esperar de falar para que pudesse a esmagar.

— …E eu estava… ganhando TEMPO — exclamou a maga, rapidamente movimentando o braço até os cacos da jarra que havia sido atirada na árvore, pegando entre as diversas ervas, a Erva-Ignição, e com o outro braço, pegou um dos cacos quebrados, e com a parte áspera do vidro quebrado…

— AAAAAARRRRRGHHHH COMA MERDAAAAAAAAAAAA!!! — gritou a maga, acendendo a Erva-Ignição com a parte áspera do vidro quebrado, a fazendo quase que explodir em chamas violentas, liberando uma quantidade abismal de fogo para cima.

— UH?! O QUE?! SUA VADIA! — gritou o caçador enquanto partes de seu corpo eram instantaneamente incinerado pelas chamas.

O caçador recuou para trás, se contorcendo e se debatendo entre as chamas, buscando apagá-las. Em menos de alguns segundos, só foi possível enxergar uma silhueta preta se debatendo entre um fogo alaranjado fortíssimo que o acompanhava por onde ia. Até que finalmente parou de se mexer e caiu no chão, carbonizado, estirado e incendiando toda a mata e troncos ao redor!

O braço de Abigail que estava segurando a Erva-Ignição, estava sendo completamente carbonizado pelo fogo, mas aquilo, apenas deu mais energia para que Abigail se esforçasse para sair debaixo do tronco, e ao invés de se sentir fraca, sentiu uma força nunca antes experimentada em toda a sua vida, se arrastando para fora do tronco com uma mão e apagando o fogo da outra na metade congelada de seu rosto.

— AAAARRRRGHHHHHH — Gritou Abigail enquanto saia debaixo do tronco e se levantava, com um braço carbonizado, mas com o fogo apagado por causa do frio extremo do seu rosto.

A mata e floresta estavam começando a se incendiar por inteiro, com galhos em chamas caindo para todos os lados, mas Abigail apenas corria, corria segurando o braço carbonizado e agradecendo à Auster por ter deixado metade de seu rosto congelado.

 

 

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