Volume 1 – Arco 1

Capítulo 5: O Touro Bufante

O espírito que habitava o medalhão dourado de Soren se libertou. A magia da escuridão emanava e voava por toda a sala ancestral, até que se juntou ao medalhão de novo, e toda a magia negra tomou a forma de um animal. De início se pareceu um ogro… Era grande, musculoso, com apenas uma saia de guerreiro escondendo suas partes íntimas. Mas o resto do corpo não se parecia nada com o de um ogro. A cabeça tinha grandes chifres, e o rosto era o de um touro.

Todo seu corpo era constituído pela nuvem negra da magia, como se uma neblina tivesse tomado a forma daquela criatura. Apenas seus olhos tinham uma cor diferente, que no caso, eram prateados. A argola em seu focinho também tinha uma cor prateada.

O touro rugiu, e Soren se estremeceu. Pierre ficou admirado com aquele espírito exótico, e Seraphina demonstrava determinação. Mas no fundo, não fazia nem ideia de como iria enfrentar aquela entidade.

ONDE ESTÁ O VERDADEIRO PRÍNCIPE?! TRAGAM-NO AGORA!!

Ele bateu os punhos no peito como um gorila antes de rugir majestosamente para o alto. A sala de pedras, que era semelhante a uma caverna, estremeceu por completo. O medalhão dourado era visível incrustado bem no meio do peito do touro.

— Isso é… absurdo… — Soren sequer tinha sanidade para ter uma reação genuína sobre o que estava acontecendo.

— A gente vai ter que enfrentar ele, até ele ceder e aceitar você como seu mestre! — exclamou Seraphina, a magia dourada envolveu suas mãos suavemente. De cara, ela parecia boa com essa coisa de feitiços.

— Xá comigo, galera — exclamou Pierre, indo todo pomposo para cima do touro, que tinha pelo menos cinco vezes o tamanho de Pierre. Isso que por si só, Pierre já era bem alto. — Alguém tem que proteger vocês.

— Não! — Seraphina se esqueceu de como Pierre era precipitado em seus atos. — Pierre, você não vai conseguir sozinho!

— Já te falei que eu sou forte. Cê vai ver! Seus olhos vão até brilhar.

Pierre nunca teve uma noção precisa de força ou nível de poder. Ele acreditava que tudo se baseava em ter convicção ou alguma coisa do tipo. No fim, ninguém entendia realmente o motivo de ele ser tão confiante independente da situação. Talvez, fosse apenas inocência. Ou talvez, algo mais profundo que ninguém nunca teve interesse em tentar compreender.

Soren, porém, simplesmente não sabia o que dizer.

Pierre foi se aproximando do touro que não parava de bufar de raiva. Quando Pierre já estava próximo o suficiente, o touro meteu a mão no chão e levantou o máximo de pedras que pôde. Lançou todas no ar, e uma a uma elas foram ficando obscuras. Estavam desfazendo seus estados físicos e fazendo-as se tornarem bolas de magia negra…

— Nooossa! — exclamou Pierre, boquiaberto com as bolas negras passando por cima dele até chegar do outro lado da sala.

Quando elas se chocaram com o chão, a fumaça obscura formou vários pequenos esqueletinhos, um pouco menores que Soren. Carregavam uma espada de fumaça negra, e um escudo da mesma propriedade. Os olhinhos prateados, assim como os do touro colossal.

Os esqueletos vieram avançando na direção dos três. O primeiro chegou ao Soren com a espada negra nas mãos. Soren, por estar completamente desnorteado com tudo aquilo, acabou sendo apunhalado bem fácil. A espada de fumaça mesmo sem ser sólida, partiu o ombro de Soren e seguiu cortando até o centro da barriga. Ele gritou com a dor e caiu para trás no chão.

— Soren! — Seraphina exclamou. Bateu as duas mãos juntas no ar, e um livro encantado simplesmente apareceu em suas mãos. As páginas foram virando sozinhas até chegar na que ela queria. — Encontrei! — Após ler o nome do feitiço, apontou a mão com o anel dourado para o grupo de esqueletos negros. — Expulsio Lunae Abyssalis!

Seraphina recitou o feitiço, a magia amarela saiu de seu anel dourado e traçou um longo caminho até alcançar todos os esqueletos que vinham. Quando adornou a todos, a magia tomou uma nova cor, algo mais obscuro, melancólico. Os pequenos esqueletinhos largaram suas armas e lentamente queimaram com a própria magia negra que constituía seus corpos, até deixarem de existir completamente.

— Isso não pode tá acontecendo! — Soren exclamou, quando viu o estado de seu corpo após o corte. O sangue escorrendo pela barriga, ele deixou que escorresse um pouco em sua mão.

— Desculpe, demorei um pouco para encontrar o feitiço — explicou Seraphina, correndo para socorrer Soren. — Não tenho costume de decorar essas coisas.

— Eu ficaria mais impressionado se você tivesse decorado isso — disse Soren, praticamente ignorando o corte no corpo. Só percebeu a dor quando o corte da espada negra começou a pegar fogo.

— Sua ferida está queimando! — Seraphina segurou Soren nos braços, passou levemente a mão pelo rastro da cicatriz flamejante aberta do ombro até a barriga. O fogo foi diminuindo, a cicatriz sendo coberta pela magia dourada da princesa.

O touro gigantesco bufou mais uma vez, furioso. Caminhou na direção dos dois enquanto Pierre pensava no que fazer. Cada passo daquele monstro causava um tremor em cada estrutura daquela sala monumental.

Pierre olhou para Soren, e então para o touro. Se desesperou mas logo decidiu agir. Puxou de uma vez só as faixas em seu pulso, o sangue amarelo viscoso escorreu até a palma de sua mão. A carne e os tecidos da mão de Pierre se contorceram até tomar a forma de um pequeno canhão. O sangue se juntou na boca do canhãozinho, e quando estava cheio o suficiente, ele atirou.

A gosma amarela voou rápido até a cabeça do touro. Ele era completamente feito de magia negra, que era semelhante a uma fumaça negra. Por causa disso, o tiro gosmento de Pierre apenas passou direto como uma gaivota passando por uma nuvem.

— Num deu certo!

— Pierre! — Seraphina ficou indignada. — Óbvio que não iria grudar nele! Você tem que atirar no medalhão para explodi-lo!

— Faz sentido… — Pierre preparou um segundo tiro de canhão com o próprio sangue. Mas quando percebeu, o tourão já estava bem diante dele. Os cabelos vermelhos de Pierre balançavam quando o touro respirava. — Eita!

O touro ergueu o punho e deu apenas uma chibatada em Pierre. Foi suficiente para ele voar e ficar praticamente enterrado na parede.

— Que imbecil… — murmurou Seraphina.

— O quão ferrado a gente está?! — perguntou Soren, tocando a própria barriga para sentir a ferida que aos poucos se fechava com a magia de Seraphina.

— Ferrados?! A gente praticamente já morreu.

O touro estava enfurecido, não focou em alvo nenhum para atacar. Após despachar Pierre para um belo encontro com a parede, saiu socando todas as colunas e pedaços de pedra que via pela frente. Toda a estrutura que sustentava aquela sala estava indo por água abaixo.

— Você não tem aquele livro dos feitiços?! Seria uma ótima hora para procurar algum útil! — exclamou Soren.

— Você tem razão…

Seraphina bateu as mãos mais uma vez, e o mesmo livro de antes apareceu flutuando. As páginas foram folheando sozinhas. — Onde está… onde está…

— A gente não tem muito mais tempo! — berrou Soren, quando viu os pedacinhos de pedregulho caírem de cima. O lugar estava prestes a desabar.

— Então, que se dane!

Seraphina jogou o livro ao ar, e com um pequeno estalo, ele desapareceu. Apenas deixou um rastro de pequenos esporos dourados. Após ele desaparecer, a princesa delicadamente começou a dançar em meio aos terremotos e socos descontrolados do touro. Dançava como uma bailarina experiente. Os olhos de Soren se fixaram nela o tempo inteiro. A cada rodopiada que Seraphina dava, uma nova bola de fogo era conjurada em volta dela. Em poucos segundos, ela já estava cercada destas pequenas bolas de fogo que rodopiavam junto dela enquanto dançava.

A dança terminou, e Seraphina se curvou em uma reverência ao touro. As bolas de fogo reagiram a isso e avançaram todas ao mesmo tempo até o touro, na direção do medalhão em seu peito. Todas as bolas de fogo se chocaram com a relíquia sombria… mas nada aconteceu. O medalhão apenas brilhou um pouco mais forte, mas não houve danos reais.

— Não… não deu certo…

Soren acordou do transe que estava enquanto observava a princesa dançar, e resolveu se levantar do chão.

O touro continuou andando e batendo. Cada movimento de seus braços soltava uma grande quantidade de fumaça negra. Destruiu a maior parte dos pilares, e sem querer, acabou pisoteando os monumentos da sala. (as rochas com símbolos azuis brilhantes) Destruiu a rocha com o símbolo da cobra, das chamas e das ondas. Eram os três monumentos que representavam as sete pérolas do caos.

E mesmo após destruir alguns dos monumentos de pedra, nada aconteceu. Ele seguiu em direção ao Soren, imponente e bufando.

Estava prestes a dar um murro diretamente no garoto. Soren não sabia o que fazer então apenas tapou o rosto com os braços cruzados à frente. Porém, quando o touro foi tentar dar o soco, algo o impediu.

Soren estava de olhos fechados esperando o impacto, mas quando notou que o soco estava demorando demais, abriu levemente uma fresta em suas pálpebras para observar. Era alguma coisa azul… extremamente brilhante. O brilho entrava em seus olhos através do espaço entre os dedos na frente do rosto de Soren. De início não pôde ver muito bem, mas quando abriu completamente os olhos pôde enxergar a cena. Uma figura azul, iluminada, com a mão estendida segurando mágicamente o soco do touro gigante.

— O quê…? — Soren lentamente tirou os braços da frente para poder ver melhor.

Não era apenas uma figura azul que segurava o soco do touro. Outros dois espíritos semelhantes estavam com as mãos estendidas ao redor do touro, lançando algum feitiço para mantê-lo estável.

— Estes são… os guardiões dos monumentos? Eles só aparecem quando uma grande ameaça aparece neste lugar — explicou Seraphina, ignorando o fato de que Pierre ainda estava tentando sair de dentro da parede.

A força combinada das três criaturas juntas foi suficiente para isolar a magia negra do touro. Ele lentamente foi perdendo tamanho, como se o medalhão estivesse engolindo o touro para dentro. Logo, restou apenas a relíquia dourada com algumas nuvens de magia negra restantes se espalhando pelo ar. O medalhão caiu e girou no chão como uma moeda.

Soren, hesitante, tentou se aproximar das três figuras azuis. Passou entre elas até chegar em seu medalhão caído no chão. Segurou-o, e quando estava prestes a repor ao pescoço, sentiu um par de mãos frias segurarem suas bochechas. Ele olhou para cima, e era uma das figuras azuis. Ela não possuía rosto, e brilhava demais para saber se seu formato era de fato humanoide. Mas Soren podia sentir como se estivesse sendo observado por aquela coisa.

Grimorn… — sussurrou a entidade. Um sussurro que não veio de frente, não parecia ter vindo da criatura… O sussurro veio do fundo da alma de Soren.

— Grimorn?

Grimorn… — repetiu a figura.

De repente, Soren começou a ter visões que vinham de dentro do brilho azul daquela coisa. As visões estavam bem embaçadas e distorcidas, era impossível decifrar o que estava acontecendo. Parecia ser algum momento tenso e agitado, algo similar a uma guerra.

Os gritos de agonia vinham de todas as direções naquela visão. O som de estalos de fogo… Soren deduziu que realmente o lugar estava pegando fogo. Mas por quê? E que lugar era este? Esta visão não parecia ser algo aleatório. Na verdade, parecia familiar. Os gritos continuaram, uma risada maligna ecoou ao longe. Um rugido traçava o céu como se fosse um trovão. Apenas uma coisa fazia sentido naquela visão distorcida. Havia uma mulher ruiva à frente de Soren. Ela estava tentando fugir de alguma coisa, mas ao mesmo tempo, carregava um semblante triste. Soren pôde ouvir a mulher gritar o seu nome…

— Soren! — gritava a mulher familiar.

— Ella…? — Soren respondeu, mas ao mesmo tempo não sabia que nome era aquele.

— Soren! SOREN!

As chamas aos poucos foram engolindo aquela mulher. Mas não eram chamas comuns, cada fagulha daquele calor parecia ter vida própria. Cada essência daquelas chamas parecia rir da situação… rir do sofrimento de Ella, do sofrimento de Soren.

— Ella! — ele estendeu a mão, mas já era tarde demais. A mulher foi completamente puxada pelas chamas até que não restasse mais nada. — Ella… — Soren tentou entrar dentro da visão, entrar dentro da figura azul, mas tudo o que conseguiu fazer foi atravessar o corpo da entidade que lhe mostrava a visão. — Mas quem é… Ella…?

Soren se sentia vazio, a tristeza consumiu suas emoções. Nada mais fazia sentido, seu raciocínio se tornou instável. A própria realidade começou a se distorcer. Ele tentou olhar para trás, encarar as três figuras azuis que os salvaram do grande touro, mas a realidade já estava distorcida demais. Tudo foi ficando escuro, cada vez mais escuro… até que só restasse a escuridão total.

— Soren…? — a voz de Seraphina ecoou na escuridão.

— Estranho ele ter apagado assim tão do nada. Deve ter desmaiado de fome. — Era a voz de Pierre, sarcástico como sempre.

— Soren — ele pôde sentir as mãos de Seraphina segurarem seus ombros. — Abra os seus olhos.

De repente, os olhos de Soren se abriram de uma vez. Assustado, olhou em volta, e ainda estava na mesma sala monumental de antes. Porém, ela estava intacta. Da mesma forma que estava quando os três chegaram naquele lugar. As sete rochas com os símbolos das bênçãos da pérola do caos estavam intactas. Como se tudo que aconteceu antes, fosse completamente irreal.

— O que aconteceu? Por que tudo voltou ao normal? — Soren se levantou e correu para olhar as rochas de perto. — Podia jurar que ele destruiu três dessas pedras!

— Ele… quem? — perguntou a princesa.

— Ele tá alucinando. A fome faz isso mesmo — caçoou Pierre. — Ele num quis comer o prato de guloseimas que eu trouxe pra ele antes da execução… isso que dá!

Soren estava confuso. Se as coisas não faziam sentido antes, agora faziam menos ainda. Tocou as rochas monumentais, uma por uma, e estavam todas perfeitamente organizadas. Os pilares que sustentavam a caverna também estavam intactos.

— Que coisa. Eu devo ter caído no sono mesmo…

— Isso acontece com frequência? — perguntou Seraphina. — Tipo… você cair no chão e dormir assim do nada.

— Definitivamente não.

Soren pensou que agora as coisas tinham voltado ao normal. De alguma forma teria dormido no meio do caminho e sonhado com toda aquela situação. Mas ainda assim, tudo isso foi estranho demais.

O medalhão de Soren começou a brilhar. Lentamente flutuou e saiu de seu pescoço sozinho. O medalhão ficou parado no ar entre os três jovens, irradiando magia negra.

— Ah não… de novo não! — murmurou Soren, dando alguns passos para trás.

— De novo o quê?! — exclamaram Pierre e Seraphina juntos.

ESTE NÃO É O VERDADEIRO HERDEIRO DE MORKHOLT?!

A voz do touro ecoou por toda a sala monumental mais uma vez.

“Mas por quê…?” pensou Soren, enquanto a sala voltava a se estremecer. “Nós acabamos de passar por isso. Por que está tudo acontecendo... de novo?"

Notas:

Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.

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