Volume 1 – Arco 1
Capítulo 6: Irrealidade da Torre Infinita
O touro bufante apareceu de novo, fazendo todo o ambiente tremer com sua fúria. Soren ainda não compreendia o porquê de aquela situação estar se repetindo. Talvez, tivesse apenas sonhado com ela anteriormente.
— Deixa esse cara comigo — disse Pierre, pomposo, indo para cima do touro.
— Pierre! Não!
Seraphina ergueu a mão no ar em sua direção, emanando magia para tentar impedi-lo de fazer uma idiotice. Mas por falta de experiência não conseguiu pensar em nenhum feitiço para mudar a situação. — Você não consegue estabilizá-lo indo pra cima dele assim!
— Ele tá indo sozinho de novo… — Soren analisou os eventos se repetirem, quieto.
Pierre ficou frente a frente com a entidade sombria e colossal. O touro bufou de raiva mais uma vez, e novamente meteu a mão no chão. Arrastou a pedra com o punho e jogou para o alto, os pedregulhos se tornaram fumaça negra.
— Parece até um dejá vù! — exclamou Pierre, observando a nuvem negra de pedras passando por cima dele e caindo no canto do salão.
Quando o amontoado negro caiu, deu origem a um pequeno exército de esqueletos de fumaça negra. Eles carregavam uma espada da mesma magia negra que compunha seus corpos, e avançaram em Seraphina e Soren.
— Eles estão vindo até nós!
Seraphina bateu as mãos e um livro de bruxaria foi conjurado flutuando sobre suas palmas. As páginas foram folheando sozinhas até a magia que ela desejava para o momento. Porém, não esperava que enquanto procurava o nome de uma magia, Soren iria avançar contra o exército de esqueletos. — Soren?!
O touro rugiu para o alto, fazendo as rochas do teto caírem ao chão. Pierre arrancou as faixas de seus pulsos de uma vez e formou o pequeno canhão com a mão. O touro observou a mutação de Pierre e decidiu replicar. Transformou seu punho de fumaça em um grande machado. Ergueu-o acima de Pierre, e rasgou o ar com tudo para acertá-lo. Pierre mirou o pequeno canhão também, mas antes de atirar, colocou a língua para fora enquanto arregalava os olhos esbugalhados por trás dos cabelos vermelhos. Havia uma pequena palavra na sua língua… “Flamma”.
A palavra na língua de Pierre brilhou em amarelo, o mesmo tom vibrante de seu sangue viscoso. Em vez de atirar um míssil gosmento, o pequeno canhão cuspiu uma rajada de chamas amarelas que engoliu por inteiro o braço e o machado do grande touro.
Enquanto isso, Sorne corria contra os esqueletos e Seraphina o observava espantada com o livro flutuando nas mãos. O primeiro esqueleto usou a espada para tentar partir o peito de Soren novamente, mas ele já sabia que isso aconteceria. Desviou e deslizou ao lado do esqueleto, segurou sua perna enquanto passava e o derrubou. Aproveitando que estava segurando o esqueleto de fumaça negra, o levantou como se fosse um grande chicote e chibatou os outros três esqueletos que vinham. Um deles soltou sua espada, e Soren a segurou no ar.
O resto do exército continuou avançando, mas bastou apenas um olhar feio de Soren para que eles parassem de se mover.
— Vocês são parte do meu poder… TÊM QUE ME OBEDECER!
Os esqueletos não pareciam exatamente intimidados, eles não tinham senso o suficiente para isso. A voz de Soren era o suficiente para controlá-los, de repente, eles o viam como um comandante.
Em seguida Soren lançou um olhar frio ao touro, que deu alguns passos pesados para trás depois de ter seu braço direito pulverizado. Mas logo a fumaça se expandiu e formou um novo braço musculoso. Pierre, abaixo, parecia orgulhoso.
— Afaste-se, Pierre — Soren se aproximou com calma.
— O que cê vai fazer?
Soren se juntou a Pierre, ficando ao lado dele.
— Eu vou… — E então, se lembrou de que não tinha um plano exatamente. — Eu não sei. Mas vai dar certo.
— Então esse é o plano A?
O touro não baixou o semblante, continuava enfurecido. Assim que seu braço se regenerou por completo, preparou-se e deu um arranco com o punho na direção dos dois. Logo, o soco destruiu o solo e as pedras voaram por toda parte. Pierre conseguiu se esquivar meio desajeitado, mas o ataque acertou Soren em cheio.
— Não! — gritou Seraphina, e então percebeu o quão inútil ela estava sendo ficando parada ali.
Mas em meio a fumaça do golpe, Soren apareceu correndo sobre a extensão do braço da entidade sombria. Os olhos azulados de Seraphina se arregalaram para acompanhá-lo.
A espada de fumaça que Soren conseguiu mudou sua propriedade. A lâmina se transmutou em chamas negras e foi crescendo, até virar um grande sabre incandescente. Com o outro punho o touro tentou acertar Soren enquanto ele corria em seu braço, mas foi necessário apenas um movimento do sabre estendido para que o braço do touro fosse decapitado e caísse ao chão.
Ele não tinha apenas coragem, mas maestria também. Soren saltou do braço até o ombro, do ombro deslizou pelo peito, e do peito ele saltou. Fez uma manobra estilosa no ar e cravou o sabre de chamas negras bem no medalhão incrustado no coração do touro. A lâmina atravessou a relíquia e se estendeu até a parede do outro lado, perfurando-a também.
Com isso, Soren ergueu o sabre lentamente fazendo um corte do medalhão até o ombro do touro. O corte se alastrou pela parede ao fundo também. E com sua derrota, o touro não apenas voltou para dentro da relíquia, e sim, explodiu em belos esporos cintilantes no ar. O medalhão dourado caiu ao chão, com uma rachadura no meio dele. A fratura emanava uma aura sombria, e o sabre de chamas de Soren acabou desaparecendo junto com o touro.
— Soren! — Seraphina e Pierre correram para ver como ele estava, e estava tudo bem.
— Aparentemente foi só a memória que ele perdeu… — ponderou Pierre, observando o medalhão rachado. — As habilidades continuam ocultas aí.
— Que bom… — Seraphina parecia aliviada.
Soren gentilmente pegou seu medalhão do chão, mesmo rachado, e o colocou no pescoço de volta. A relíquia amaldiçoada não reagiu.
— Eu praticamente destruí ele…
— Bom, podemos consertar no ferreiro quando voltarmos para Stygianthal — disse Seraphina, enquanto tomava um ar depois da situação tensa. — Inclusive, ainda temos que recuperar o seu anel prateado também.
— É, um ótimo motivo para a gente voltar.
Soren cruzou os braços, esperando Seraphina usar o feitiço para abrir a passagem de volta ao castelo. Mas quando os dois perceberam, Pierre não estava junto deles. Ele estava em cima das pedras monumentais, xeretando onde definitivamente não devia.
— Voltar?! Esse lugar é misterioso demais. Temos que explorar isso aqui! Procurar uns tesouros… talvez levar uma pedra dessas com a gente. Deve valer ouro…
— Você tem que controlar esses extintos! Não sabemos muito sobre esse lugar. O descobrimos por acidente naquele dia… — Seraphina pareceu hesitante por um momento, mas logo esse semblante desapareceu. — Viemos aqui apenas para mostrar ao Soren a importância que ele tem.
Seraphina tentou dar um sermão em Pierre, mas quando olhou para o lado, Soren havia desaparecido também. Ele e Pierre agora estavam vasculhando as paredes, curiosos.
— Será que isso é pedra mesmo? — perguntou Soren, sentindo a parede se esfarelar em sua mão enquanto a tocava.
— Se for valioso deve dar pra vender.
— Vocês querem mesmo ficar aqui?! — Seraphina levantou o vestido e correu até eles com passinhos delicados.
Soren percebeu que aquela parte da parede era porosa demais. Afundou a mão dentro dela como se fosse areia. Curioso, continuou tocando e se afundando na parede. Primeiro foram os braços, depois as pernas, e logo a cabeça.
— Acho que achei uma passagem…
— Sinceramente, eu não imaginei que você poderia ser tão imbecil quando ouvi histórias sobre você.
— Se você não tem instinto aventureiro, então o problema é seu.
— E eu só quero o ouro! — Pierre se apressou para entrar dentro da “parede movediça” também.
Seraphina, sem escolhas, se viu obrigada a se enfiar ali também. Ela já sabia que não era uma armadilha pois já conhecia um pouco daquele lugar.
Após atravessar a parede, Soren se segurou firme nas areias que estava para não cair do penhasco que estava à sua frente. A parede dava na metade de uma escadaria circular. Ela subia em espiral infinitamente, os degraus se estendiam além da escuridão acima. E abaixo, a escadaria também continuava infinitamente. Porém, em vez de escuridão, o que aguardava abaixo era um abismo azulado e brilhante, como um rio de nuvens azuladas. Os degraus eram muito pequenos e Soren quase caiu lá embaixo quando saiu da parede, mas foi segurado por Seraphina que já imaginava que isso aconteceria. Logo, Pierre saiu com cuidado da parede também.
Soren observou incrédulo o abismo abaixo e as escadas que desciam circulares para algum destino desconhecido.
— O que é esse lugar?!
A voz ecoava tanto para cima quanto para baixo. Era como uma torre infinita, e eles estavam no meio dela.
Seraphina suspirou, esperando não ter que explicar o que significava todo aquele lugar. Na verdade, nem ela sabia muito bem como tudo aquilo funcionava.
— É melhor a gente sair daqui. Não há nada de interessante para vocês nesse lugar, e eu te garanto que você não vai achar tesouro nenhum aqui, Pierre.
Soren encarou o abismo ao mesmo tempo que sentia um frio dominar seu corpo inteiro. Sussurros indecifráveis vinham de todos os lados, era um pesadelo, um presídio de almas. Ou algo mais profundo que sequer podia imaginar. Havia algo familiar na cor azulada do abismo abaixo… Era impossível que suas memórias viessem à tona, mas ele tinha certeza de que tinha memórias apagadas envolvendo aquele lugar e o próprio medalhão também.
— Há algo errado nesse lugar…
— Sim! Tem algo muito errado nesse lugar! E é exatamente por isso que não deveríamos estar aqui. Não era para termos ido além do salão monumental…
Quando se deu conta, Pierre já estava subindo a escadaria espiral. Mas não estava com a mesma excitação de antes, estava melancólico, entristecido. Seus pensamentos se afundaram em um mar de dúvidas e manipulação, não estava mais consciente. Mesmo assim seu corpo insistia em continuar subindo. — Merda! Espera aí, Pierre!
Seraphina subiu correndo atrás dele, e Soren estava hipnotizado com o abismo.
— Hã? — Finalmente, Soren voltou a realidade. — Para onde vocês estão indo?!
Ele se apressou para acompanhá-los enquanto subiam. Pierre estava subindo muito monótono e devagar, então logo a princesa o alcançou. Seraphina o agarrou pelo longo braço e ele tentou se soltar. Pela força de Pierre, acabou arrastando-a para fora das escadas. Ela ficou pendurada no braço de Pierre, quase caindo pela torre abaixo.
— AAAH! — ela gritou, apertando os olhos.
Com o grito da princesa, Pierre voltou à realidade.
— Seraphina! — a princesa se contorcia enquanto estava pendurada, o que fez Pierre se desestabilizar e tombar para fora da escada também.
Soren chegou correndo, e antes que Pierre caísse de vez, ele segurou o outro braço dele. Não aguentou o peso dos dois corpos juntos, e agarrou-se com a outra mão em uma das tochas que iluminavam o caminho da torre. Os três ficaram pendurados um no outro, formando uma corrente humana com a princesa desesperada embaixo.
— Fiquem calmos! — gritou Soren, olhando ao redor para tentar achar uma saída. — Vai… vai dar certo!
Assim que terminou de falar, a tocha que estava sustentando todos os três se desprendeu da parede e uma passagem azulada foi aberta no lugar onde a tocha estava. Mas como consequência, os três despencaram pelo abismo abaixo. Seraphina e Pierre caíram aos berros, enquanto Soren concentrou seu olhar no azul do abismo incessante, que parecia cada vez mais distante conforme caíam. Mais escadas iam surgindo de baixo, e a parte realmente azul de toda aquela queda parecia inalcançável.
— Não importa o quanto eu caia… nunca chegarei nas nuvens…
A visão de Soren foi se distorcendo e embaçando, os gritos dos outros dois foram ficando distantes, até que tudo à volta se afogasse na escuridão. Ele não podia nem ver e nem ouvir mais nada, e nem tinha aquela sensação de estar caindo livremente mais.
— Soren…? — a voz de Seraphina ecoou na escuridão.
— Estranho ele ter apagado assim tão do nada. Deve ter desmaiado de fome. — Era a voz de Pierre, sarcástico como da última vez.
— Soren — ele pôde sentir as mãos de Seraphina segurarem seus ombros. — Abra os seus olhos.
E mais uma vez, tudo voltou para o início. Estavam os três na sala monumental, e Soren estava no chão. Desta vez, Soren sentiu uma raiva crescendo.
— Não é possível que voltamos aqui de novo!
— Como assim? Nós acabamos de chegar aqui! — Seraphina pôs as mãos nos quadris, observando Soren por cima. — Você deve estar com muita fome mesmo.
E como Soren já esperava, o medalhão começou a levitar enquanto emanava magia sombria. Agora, estava completamente novo sem a rachadura da última vez.
— Olha! O medalhão dele… — Pierre se aproximou para ver de perto.
— Não! — Soren gritou, sua voz ecoando pelo salão. — De novo NÃO!
Ele segurou o medalhão. Soren praticamente começou a ser levitado junto, mas não desistiu. Seus braços estavam lentamente se corrompendo com a magia negra daquela relíquia…
VOCÊ NÃO É O VERDADEIRO-
— CALA A BOCA!! — Seraphina e Pierre olharam do chão, não entendiam nada do que estava acontecendo. — Você não tem permissão para fazer o que quiser… — Os olhos roxos de Soren brilharam em fúria. — Você não é nada além do MEU poder. E só vai se manifestar quando EU ordenar!!
Com estas palavras, Soren e o medalhão lentamente foram retornando ao chão. A magia negra parou de emanar, e o espírito selado naquela relíquia pareceu ter sido controlado. — Touro teimoso.
— Soren… o que diabos foi isso?! — questionou a princesa.
— Não foi nada.
— Falei que ele era especial mesmo! — comemorou Pierre, mesmo sem compreender exatamente o que tinha acontecido.
— Bem, de qualquer forma… é melhor a gente voltar para o castelo e… — Seraphina começou, mas Soren se recusou.
— Nós vamos voltar para a torre infinita. Quando caímos e eu puxei a tocha, uma passagem se abriu. Tem algo naquela coisa que está chamando a minha atenção… — Soren olhou para trás, encarando Seraphina de um jeito arrogante. Já estava de saco cheio de ter voltado no mesmo lugar pela terceira vez. — Acho que você sabe exatamente o que aquilo significa.
— Como… como você sabe sobre a torre?!
— Não me pergunte, não vou saber explicar. Não sei se eu estava sonhando ou… se tem algo a mais acontecendo aqui.
— Certo… — Seraphina se rendeu, respirando fundo. — Pelo que eu ouvi das histórias sobre você… deve ser algum espírito da torre que está tentando te levar para o vale Bleuélan. Mas, eu te garanto que é melhor nós voltarmos para o castelo, independente do que você tenha visto aqui antes! Confie em mim!
Notas:
Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.
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