Volume 1 – Arco 1

Capítulo 3: A Execução

Soren havia sido capturado pelos cavaleiros de Stygianthal, provavelmente pelas tropas de D. Balrik. Agora estava acorrentado dentro de uma cela fria, escura e deteriorada. Do outro lado das grades, uma pessoa com uma aparência um tanto peculiar. Cabelos vermelhos, olhos amarelos e um corpo alto e magro. Seus braços eram longos e haviam faixas enroladas nos pulsos.

— Eu vou ser executado daqui trinta minutos?! Como você pode falar isso com tanta tranquilidade?

— É, por aí. D. Balrik prometeu que ia cortar a sua cabeça com aquela coisa que ele chama de espada.

Soren rangeu os dentes. Não fazia ideia de quem seria D. Balrik, mas ouvir aquela frase junto daquele nome lhe trazia um desgosto interno.

— Você precisa me ajudar a sair daqui, Pierre. Ainda temos tempo para tentar alguma coisa…

— É — ele cruzou os braços. — Mas não vai rolar.

— Por que não?!

— Não tem muito o que eu possa fazer, na verdade. Meio que eu estou aqui justamente para garantir que cê não vai fugir…

Soren suspirou, desapontado. Olhou para as correntes presas no seu pulso, aquilo lhe dava uma sensação de impotência.

— Você cuida dessa prisão, então?

— É — Pierre se sentou na frente da cela de Soren. — Depois que você se baniu, eles queriam me prender aqui… mas a princesa por algum motivo teve pena de mim. Ela é uma mulher muito doce… Aí, me deram uma promoção. Para que nenhum nobre tivesse que passar a eternidade cuidando dos confinados aqui embaixo, deixaram essa tarefa pra mim.

Pierre levou seus longos braços para um canto do lado da cela, arrastando um prato pelo chão.

— Me pediram para trazer sua última refeição, já que cê vai morrer. Não sabia o que cê ia gostar de comer, então… resolvi escolher meu prato favorito! — Pierre colocou o prato para dentro da cela de Soren. Era uma tigela de insetos vivos, asquerosos e pernudos. Bem diferentes dos insetos que ele já viu em Londres. Coisas parecidas com baratas, lacraias, aranhas e larvas cascudas…

— Você só pode tá brincando.

— Eu sei! Eles são bem generosos em te deixar comer uma refeição requintada antes da morte… você não vai poder comer de novo depois, né.

Soren olhou bem para aquele prato. Os insetos mexiam as patinhas em desespero, todos virados de barriga para cima. Pierre pegou um e levou até a boca, mastigou, parecendo estar bem satisfeito. Soren sentiu o vômito subir um pouco na garganta.

— Eu acho que… eu já tô cheio.

— Aah, deixa de gentileza. Cê vai morrer, não precisa sentir vergonha de comer.

Ele olhou para o prato, e então para Pierre. Os longos braços pegaram mais uma baratinha e levaram até a boca. Ele realmente estava degustando aquela coisa.

Hesitante, Soren pegou uma lacraia negra. Ela deu alguns gritinhos bem agudos, mexendo as patinhas no ar.

— Essas são boas, tem bastante creme dentro.

— Deve ter mesmo…

Ficou oito segundos segurando a lacraia, pensando em como decaiu tanto ao ponto de estar numa situação assim. Soren decidiu parar de pensar, fechou os olhos e enfiou o bicho na boca. Ele mastigou e sentiu o líquido estourar na sua boca, aquilo foi suficiente para fazê-lo gorfar. Um momento depois, vomitou no prato de insetos que Pierre trouxe.

— Caralho! Vomitaram na minha comida. — Pierre pareceu indignado e recolheu o prato com vômito. Os pequenos insetos se apressaram para tomar aquele vômito misturado com pedaços de lacraia. — Seu nojento, você vai comer isso depois.

— Depois, eu vou tá morto — disse Soren, cuspindo e então limpando a boca pelo vômito.

— Vai naaada. Duvido que cê morreria pra espadinha do D. Balrik.

— Você só pode ser maluco!

— E caso morra mesmo, pode ter certeza que eu e a princesa não perdoaremos ele por isso.

Pierre foi indo embora pelos corredores, levando o prato de insetos consigo.

— Onde é que você vai?!

— Vou dar isso aqui pra outro prisioneiro. Se for pra te esperar depois da execução, tem risco dos insetos fugirem!

No topo do castelo, uma princesa aguardava sozinha em seu quarto. Olhava a vista de todo o reino de Stygianthal fora do castelo. A cidade era dividida em duas partes, os plebeus e os nobres por um rio extremamente verde. A princesa tinha cabelos brancos e olhos azuis, usando um belo vestido branco. Enquanto observava a vista da janela, ouviu toques na porta de seu quarto.

— Pode entrar.

Um homem vestindo roupas pretas entrou, era um mordomo. Tinha curtos cabelos pretos jogados para trás e um bigode fino.

— Trouxe seu jantar, senhorita D’Arcy.

Seu nome era Seraphina D’Arcy, filha do rei. Mas estranhamente, ela não era nada parecida com o grande rei de Stygianthal, Mortimer D’Arcy.

— Obrigada Túlios. — O nome do mordomo era Túlios Belmont, um dos cidadãos nobres do reino.

— Deixarei aqui, quando quiser comer.

Ele colocou a refeição em uma pequena mesa ao lado da cama. A comida, diferente da oferecida por Pierre, parecia bem apetitosa. Um peru gordo e suculento, com frutas em outros pratos e salada acompanhando. Junto do peru, havia outras carnes menores e molhos em uma pequena tigela ao lado na bandeja. Túlios colocou uma tampa de prata por cima da refeição.

— Antes que vá, Túlios… como foram os testes com o anel?

— Continua preocupada com este assunto, minha donzela? — ele juntou as mãos em frente ao corpo, em sinal de respeito. — Bem… todos que tentaram colocar o anel Morkholt nos dedos, foram totalmente petrificados. Aquele anel infelizmente é bem mais poderoso do que esperávamos… e bem mais poderoso que o de minha princesa.

Seraphina também tinha um anel amaldiçoado. O dela, porém, era dourado e não prateado. Ela passou os dedos acariciando o próprio anel com cuidado, sentindo um pouco de remorso.

— Vocês… precisam mesmo executá-lo?

— Foram ordens do rei, minha princesa. A persistência da vida de Ravenwood é fatal para todos os reinos, inclusive a vossa excelência. Temos que aproveitar a oportunidade para dar um fim antes que ele recupere os poderes e… o problema se torne bem maior.

— Se não fosse por ele, eu estaria morta naquele dia…

— Nós sabemos, mas não podemos arriscar vossa segurança apenas por gratidão. Espero que algum dia você possa entender…

Túlios se preparou para deixar o quarto, mas Seraphina se apressou para acompanhá-lo.

— Será D. Balrik quem fará a execução?

Túlios parou de caminhar por um instante, pensou bem, e decidiu não responder. Continuou seguindo até a escadaria do castelo em silêncio. A princesa desistiu de acompanhá-lo e correu para os corredores um pouco mais à frente. Havia uma abertura que deixava visível toda a entrada do castelo, onde os guerreiros e o capitão D. Balrik se preparavam para adentrar o calabouço.

— Ei, você! — ela gritou. O capitão olhou, mas então desviou o rosto. Sabia exatamente o que a princesa iria tentar dizer a ele. — Cretino!

Seraphina se apressou para descer as escadas. Discutir com o capitão não faria efeito algum, então teria que partir para outros meios. Avançou pelo castelo furtivamente, tentando evitar atenção quando passava pelos cômodos. Um dos três quartos da rainha ficavam no andar de baixo, e era lá que estava guardado algo secreto…

Porém, quando estava no corredor para entrar no quarto, avistou uma pessoa vindo do outro lado. Era um jovem, da mesma idade da princesa, com longos cabelos azuis escuros e olhos marrons-avermelhados. Era o duelista do reino.

— Ah! O-olá, Adrian... — O duelista, Adrian Blackthorn.

— Oi.

Ele seguiu direto, sem dar atenção nenhuma para a princesa. Em sua cintura, estava a bainha de uma katana.

A princesa deu um passo em frente, prestes a continuar, mas foi agarrada pelo braço por Adrian. No último momento, ele desconfiou. Encarou a princesa com um olhar frio e mortal, e ela não teve coragem de dizer nada. Ficaram parados ali por alguns segundos, mas ele decidiu ignorar e a soltou, continuando seu caminho.

Seraphina verificou para ter certeza de que ninguém estaria vendo, e entrou no quarto. Era requintadíssimo, com inúmeras decorações e móveis de ouro, paredes vermelhas e uma cama tão elegante que dava pena de se deitar.

Ao lado da cama havia uma estante, e em cima da estante, um espelho com adornos dourados. A princesa se apressou para ficar de frente a ele.

Encarou a própria imagem por alguns segundos e então começou o seu plano. Moveu as duas mãos em frente ao espelho lentamente, os braços cruzando-se, revirando-se no ar e fazendo curvas. Lentamente seu corpo começou a dançar junto dos braços, uma dança elegante, lenta e um pouco sensual. O anel dourado começou a brilhar mais, emanando uma magia amarela.

Quando a dança acabou, ela estendeu o braço ao espelho, como se estivesse tentando puxar algo lá de dentro. Uma abertura amarela, um buraco mágico, como uma passagem secreta foi aberta no reflexo do pequeno espelho. Era como um cofre selado por magia.

Estava tão perto de retirar o que queria lá de dentro, até que ouviu passos chegando até a porta. Rapidamente tirou a mão e a passagem dourada se fechou. Ela se virou para ficar na frente do espelho e ninguém desconfiar dos seus atos.

A pessoa que entrou no quarto, era a própria rainha. Mãe de Seraphina. Tinha cabelos loiros e olhos vermelhos. Ela era um pouco velha, mas não ao ponto de ter os cabelos grisalhos. Seu rosto era bem quadrado e definido, com um nariz pontudo e curvo. Seus olhos puxados para cima, observando a princesa com desdém.

— O que faz no meu quarto, Seraphina?

— N-nada, mamãe… estava apenas sentindo o aroma fresco de seus perfumes de bergamota…

A rainha suspirou, apenas a posição da princesa em frente ao espelho já revelava o que ela veio fazer.

— É proibido o uso da Sphaíra sem que seja um caso extremamente necessário. Você não vai usá-la para tentar salvar aquele garoto.

— Mas… mãe!

— Sem “mas”, Seraphina. Agora saia do meu quarto e volte para sua refeição.

Soren continuava preso, e já faziam alguns minutos desde que Pierre tinha saído com o prato de insetos. Não era possível que aquele calabouço era tão grande para que demorasse tanto.

— Merda! — exclamou Soren, batendo o punho no chão. — Aquele nojento me abandonou aqui.

Soren olhou ao redor, procurando um plano de fuga. Mas não havia absolutamente nada que pudesse fazer aparentemente. Não importa para que lado olhasse, apenas via grades de aço, e atrás, uma parede de tijolos cinzas. As correntes estavam presas nas paredes, talvez se conseguisse partí-las…

Ele se levantou e começou a forçar o corpo para frente. Seus pés se arrastavam no chão, os pulsos começaram a doer e marcar pelas algemas, e as correntes permaneceram intactas. Ele continuou tentando, não tinha nada melhor que pudesse tentar mesmo. Gritou com a dor, e então não resistiu mais. Seu corpo foi empurrado para trás e ele caiu no chão.

— Que droga!

Com raiva, Soren pegou a corrente na mão e tentou partí-la com o dente. Uma ideia besta, mas ele não estava pensando direito.

— Se estava com tanta fome, poderia ter comido ao invés de botar tudo pra fora — disse Pierre, assistindo-o tentar partir a corrente com a boca. — Tentando quebrar os dentinhos, né? Hehehe.

— Pierre! — gritou, a esperança voltando. — Escuta… você precisa me ajudar. Eu não vou sobreviver a uma execução, eu não sou nenhum deus que nem vocês pensam! Eu sou uma pessoa completamente normal. Você não pode deixar eles fazerem isso comigo…

— Por que não?

Soren sorriu, e estendeu uma mão a ele, um pouco desesperado ainda.

— Porque eu não deixaria ninguém fazer isso com você.

— Se cê não tivesse vomitado no meu prato, eu até poderia ficar comovido.

— Vai a merda.

Soren cruzou os braços e chutou o chão.

— Mas… talvez eu possa te ajudar. Eu também não vou com a cara daquele gordão… muito menos com a do rei D’Arcy.

— Sério?! — Soren ficou um pouco mais animado. — Quanto tempo nós temos?

— Cê deve ter uns dez minutos.

D. Balrik e seus homens se moveram para frente do grande portão que levava até os calabouços. Dois deles começaram a puxar as correntes dos dois lados do portão, e as grades foram subindo. D. Balrik e os outros desceram a escadaria de pedra até o subsolo, um deles andava com uma tocha na mão para iluminar o caminho.

— Que barulho foi esse?! — perguntou Soren.

— Devem tá abrindo o portão lá em cima.

— Já chegaram?! Você não disse que eram dez minutos?!

— Errei os cálculos, hein. Errei feio. Cê tem uns três minutos até eles chegarem aqui…

Pierre abriu a cela e entrou, analisando o que poderia fazer para tirar Soren dali.

— Anda logo! Podem chegar a qualquer momento…

— Acho que já sei.

Pierre começou a desenrolar as faixas nos seus pulsos, seus longos braços quase raspando no chão. Quando as faixas saíram, um líquido amarelo e viscoso escorreu de feridas em seu braço. O líquido escorreu até sua mão, e ela mudou de forma. A carne por baixo da pele se transmutou até se tornar uma espécie de mini canhão. O líquido viscoso escorreu até o meio do canhão, e ele atirou na parede. Grudou como se fosse uma meleca, e então explodiu. Um pequeno buraco se abriu e as correntes se soltaram.

— Que… porra foi essa?!

— Sangue explosivo. Falam que sou esquisito porque meu sangue é assim… mas eu acho que estranho são ocês. Sangue vermelho se eu não me engano era pra ser dos bois…

— E você é humano por acaso?

— Num sei, devo ser.

— Aqui está o prisioneiro — disse um dos homens quando o grupo de guerreiros chegou em frente a cela de Soren. D. Balrik estava na frente, dessa vez sem o seu elmo. Seus cabelos eram longos e ondulados, pretos, e sua pele parda. Seu corpo era meio gordo dentro da armadura.

— Merda! — exclamou Soren, se preparando para correr pelo buraco.

— Segure-o, Pierre.

Pierre ergueu seu braço comprido e agarrou Soren pela camisa, impedindo-o de fugir.

— Não, me solta!

— Agora já era, cê devia ter fugido quando eu abri o buraco. Mas cê decidiu ficar parado aí…

— É sério?!

— Muito bem, Pierre. Vamos aproveitar as correntes soltas para levá-lo com elas. Vamos, segurem as correntes.

Um tempo depois, Soren estava sendo arrastado no meio de vários cavaleiros. Os braços acorrentados enquanto eles o puxavam como se fosse um cavalo. D. Balrik comandava a marcha, e estavam todos indo para fora do castelo. Furtivamente, a princesa saiu também e acompanhou o grupo. Eles passaram pelo centro da cidade, os nobres olhavam com desgosto e ninguém ficava perto. Atravessaram a ponte do rio verde e tóxico, indo para o lado dos plebeus. Eles olhavam indignados, não sabiam quem era o príncipe de Morkholt e pensavam que Soren apenas estava sendo julgado injustamente, como a maioria dos sentenciados à morte.

Bem no meio da cidade no lado dos plebeus, estava o campo em que Soren seria executado. O jogaram em cima de uma mesa de madeira, com a cabeça flutuando do outro lado. Os plebeus e nobres se juntaram para observar, e a princesa abriu caminho para ver de perto. Ela tentava gritar para que parassem, mas já era tarde demais.

D. Balrik puxou sua espada ornamentada, com símbolos estranhos gravados nela e apontou para o pescoço de Soren, que estava completamente incapaz de fazer qualquer coisa em cima da mesa.

— Eu te avisei que se voltasse, eu te mataria… e agora, aqui estamos. Alguma última palavra?

Soren se esforçou para virar a cabeça e olhar bem no fundo dos olhos do capitão.

— Vai ser uma honra ficar bem longe de você. Você fede a hidromel e gordura…

Sem esperar muito mais, D. Balrik ergueu a espada. A princesa clamou por socorro, e os céus começaram a trovejar. Havia uma coisa que todos tinham esquecido… o dragão Móying ainda estava a solta nos céus.

— Ande rápido! O dragão desse desgraçado está vindo!

— Eu já sei. Mas ele não será capaz de fazer nada.

A espada desceu, partindo o ar no caminho. Os plebeus gritavam em protesto junto da princesa, enquanto os nobres arregalavam os olhos para ver com atenção. Mas no fim, com apenas um ato, a promessa foi cumprida. A cabeça de Soren caiu rolando pelo chão, os olhos arregalados em uma expressão inerte.

— Está feito… Soren Ravenwood, executado pelas mãos de D. Balrik.

Notas:

Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.

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