Volume 1 – Arco 1

Capítulo 2: O Livro Grimorn

Arco 1 - Fuga de Stygianthal

 

Era quase meia noite na cidade de Londres, onde Soren Ravenwood morava após perder as memórias pelo banimento. Vivia na casa da mulher que o resgatou no bar do primeiro andar de sua casa. O marido da mulher, dono do bar, acabou contratando Soren para fazer o trabalho geral do lugar em troca da moradia.

Descendo as escadas, vinha o jovem com algumas garrafas de bebida na mão, um avental preto e um pano branco pendurado no braço. Ele descia meio desengonçado, estava com pressa pois eram muitos pedidos ao mesmo tempo, e havia apenas dois garçons. O segundo garçom era um novo amigo de Soren, com cabelos loiros e olhos azuis, uma face angelical, pele branca, lisa e limpa. Aparência semelhante a um anjo, seu nome era Lucian. O que Soren não sabia era que conhecia Lucian antes mesmo de perder a memória, mas não com o nome atual. No submundo, Lucian era conhecido pelo nome de Lúcifer, mas acabou perdendo as memórias junto de Soren no banimento. No fim, os dois se tornaram amigos e companheiros de trabalho.

Dois homens estenderam seus canecos quando viram Soren passar, e ele logo os serviu com a bebida. Estava tentando fazer as coisas rápido demais, e sem querer acabou molhando as calças de um dos homens quando foi colocar bebida no outro caneco. O homem pareceu furioso por um instante, mas o outro homem ao lado riu de toda a situação, caçoou-o e ele se acalmou. Os dois estavam muito bêbados, afinal.

Soren soou frio, pensando que iria apanhar no meio do serviço. Deu dois passos para trás enquanto se tranquilizava, e se escorou em uma mesa vazia. Sentiu um pequeno remorso no peito, mas não sabia o motivo. Lucian teve que o acordar para a realidade, cutucando seu ombro de leve.

— Por pouco, hein? — caçoou. Lucian era tão belo, tão angelical e tão amado pelas mulheres que frequentavam o estabelecimento, era de se invejar. Soren por algum motivo, no fundo, sentia uma plena raiva por Lucian. Mas ao mesmo tempo sabia que não era inveja; era algo muito mais profundo que isso, algo que lhe acompanhava desde um passado distante. Porém, ele também não sabia o que poderia ser.

Mesmo com a madrugada chegando, o bar continuava bem movimentado. Um bardo estava sentado próximo ao balcão, com um bandolim em mãos. Cantarolava diferentes músicas e histórias, uma mais surreal que a outra. Mas uma delas acabou chamando a atenção de Soren, que atentou os ouvidos discretamente para ouví-lo.

— Nas calamidades do outro mundo, cinco eclipses se alinhavam na noite escura… Eles temiam, eles gritavam, quando ele emergia, seus corpos travavam… — Seus dedos passavam lentamente pelas cordas do bandolim. — Celestial, magnífico, poderoso… e carnívoro. Se espalhava o desespero, o desespero por onde passava. Invencível, as chamas da dor… Ele reinava, ele o honrava…  Não havia tréguas em sua presença! Nem espaço para tuas crenças…

— O Cauda-de-Aço?! — perguntou Soren, completamente do nada. Todos olharam para ele, inclusive o bardo, impressionado. Soren ficou envergonhado, nem ele sabia o que significava o nome Cauda-de-Aço.

— Então você conhece o dragão do outro mundo?! Haha! Não esperava que jovens como você ainda tivessem interesse em lendas assim.

— O quê… — Soren se sentiu confuso, constrangido. Logo se apressou para subir de volta à cozinha, e deixar os pedidos apenas para Lucian. A pia estava cheia de pratos, e alguém tinha que os lavar afinal. Soren estava constrangido demais para permanecer naquele ambiente.

Prato por prato, Soren continuou lavando e colocando-os para secar. Estava bem entediado, mas logo o bar fecharia e poderia descansar em paz. Sabia que teria que dividir o quarto e a cama com Lucian de novo, pois ele também estava morando naquela casa. Por isso, trabalhava de garçom também.

— Soren — disse uma voz jovem logo atrás enquanto ele lavava os pratos.

— Sim? — respondeu, sem tirar os olhos de sua tarefa.

Não houve mais respostas. Soren olhou para trás para tentar ver quem tinha chamado pelo seu nome, mas ele não viu ninguém. Secou as mãos no avental e saiu andando pela cozinha, procurando por alguém. Chegou perto do local onde ouviu a voz o chamando, e ali havia um livro negro, com títutlo vermelho. A capa era completamente preta, com apenas uma palavra no centro: “Grimorn”. — Quem deixou isso aqui?

Soren analisou bem a capa do livro, e notou que as letras vermelhas tinham um brilho forte. Lentamente se preparou para abrir o livro, até que sentiu uma respiração em seu pescoço. Com um susto olhou para ver o que era, e Lucian estava bisbilhotando bem por cima do ombro de Soren.

— Um livro… religioso, talvez? — palpitou Lucian, esfregando os dedos no queixo.

— Não faço ideia.

— Me parece… familiar… sente algo assim também, Soren?

Soren se virou para ver o livro mais uma vez, e de fato, teve uma sensação familiar ao observá-lo.

— Um pouco… mas não sei de onde.

Enquanto os dois analisavam o livro esquisito, que a cada segundo parecia mais facinante, ouviram passos descendo do terceiro andar. Soren se apressou ao enfiar o livro para dentro de uma das gavetas. Um homem alto, forte e barbudo se aproximou dos dois. O dono do bar, marido da mulher que lhes ofereceu abrigo.

— Não estou dando parte da minha casa pra vocês, só pra ficarem aí se paquerando. Viadinhos de merda. — Soren sentiu um ódio subir em suas veias. Lucian era um rapaz muito bonito e delicado, o que fazia o homem sempre insinuar que ele teria uma sexualidade duvidosa, e que Soren estaria tentando o paquerar. Nenhum dos dois gostava desse tipo de abordagem. — É só fazer a porra do serviço direito. Incompetentes, do jeito que vocês são, vão ficar aqui para sempre. Mas eu não vou aceitar esses ratos na minha casa por muito mais tempo. — Ele foi até a pia pegar um copo de água para beber. — Daqui alguns meses, vocês vão pra rua. Precisam aprender a serem homens de verdade.

Ele virou o copo d’água de uma vez só, e o colocou no fundo da pia. Lucian e Soren o olhavam com desgosto. — Tão olhando o quê? Falei pra trabalhar. Fazer a minha grana. A comida dos corvos não sai de graça.

— Eliza não ia gostar se visse como você nos trata — disse Soren, corajoso.

— Disse alguma coisa? — perguntou o homem, virando-se para os dois. — Não escuto essa sua voz fina.

— Eu disse… — Soren deu dois passos à frente, encarando-o nos olhos. — Que a sua esposa não vai gostar de ver como você nos trata.

O homem riu, seu corpo era significativamente maior e mais forte que o de Soren, que ainda era um jovem adulto.

— Você acha que por ter esses olhinhos… roxos… você é especial por acaso? Acha que é algum tipo de nobre donzela? — Os dois ficaram cara a cara, mesmo com a cabeça de Soren chegando na altura do peito do homem. — Você tá mais para uma vagabunda.

— Eu não sou uma mulher.

O homem o empurrou, quase quebrando as gavetas do armário com o empurrão.

— Pelo jeito que vocês ficam grudados, pensei que fosse.

Com um sorriso, o homem deixou a cozinha pelas portas dos fundos. Soren se apressou para tentar alcançá-lo, mas Lucian o impediu com algumas batidinhas no ombro.

— Deixa pra lá, você não o aguentaria.

Não faltou muito tempo para que o bar finalmente fechasse, e os dois pudessem subir ao segundo andar e acalmar os nervos. Lucian foi tomar um banho e Soren fez companhia para Eliza Whitmore, a mulher que os encontrou e lhes deu abrigo. Uma mulher gentil, que sempre tinha um sorriso otimista no rosto. Era como uma mãe para Soren, que morava naquele lugar já fazia um ano.

Eliza deixou Soren para ir atender a porta, e a atual namorada de Lucian chegou para visitá-los. Seu nome era Beatrice Thornhill, uma garota com uma aparência e jeito de se vestir que já diziam que ela era bem rebelde. Tinha cabelos castanhos, vestia uma saia carmesim com roupas pretas. No fundo, Soren tinha um sentimento especial por Beatrice. Mas Lucian já a tinha em mãos, o que era muito estranho, pois ela sempre parecia dar muitas “brechas”.

— Soren! — exclamou ela, um sorriso esquisito se abrindo no rosto. Ela se sentou muito perto de Soren ao ponto das pernas dos dois se encostarem. — Como está?

— Normal, eu acho.

— Que semblante triste… coloca um sorriso nesse rosto! — Ela segurou o queixo dele, trazendo o rosto de Soren para encará-la. Ela sorriu para ele, e forçadamente ele sorriu de volta antes de puxar o rosto para o outro lado.

— Lucian já vai chegar pra te dar atenção, então fica quietinha aí. Eu tô de luto hoje.

— Luto? Alguém morreu por acaso? — perguntou, passando o braço pelo pescoço de Soren. Mas logo saiu de perto dele quando ouviu os passos de Lucian vindo pelo corredor.

Lucian chegou na sala e se juntou a eles, um pouco confuso quando viu todo o clima, e meio desconfiado também. Soren parecia um pouco mais estressado que o habitual.

— Clima tenso aqui, hein. Mas já que ela chegou, vamos lá para cima…

Os três se apressaram para subir até o sótão, onde ficavam os corvos nas gaiolas. Havia uma mesa bem antiga com uma luminária no fim do cômodo, e Soren colocou o livro Grimorn em cima da mesa. O título ainda brilhava em vermelho.

— Que… coisa maluca. Nunca vi um livro que brilha — comentou Beatrice, entrando no meio deles e se escorando em Soren.

— Então… vamos ver.

Soren lentamente pôs as mãos para abrir o livro, e não só a primeira como a maioria das páginas começaram a passar rapidamente, como se um vento forte estivesse empurrando as folhas até a metade do livro. Mas não tinha nenhuma corrente de ar vindo de direção nenhuma.

— Se movendo sozinho… — murmurou Lucian.

— Credo! Isso é bruxaria?! — exclamou Beatrice.

— Não dá pra ler — disse Soren, quando as páginas finalmente pararam no meio do livro. A escrita estava em uma língua de símbolos que nenhum dos três nunca tinha visto na vida, ou não tinham memórias sobre. Mas ainda assim, aqueles símbolos pareciam familiares para Lucian e Soren. — Deixa eu ver…

Com a mão direita, a mão onde estava o anel prateado, Soren a passou por toda a página, sentindo o material estranho em que ela foi feita. Mas de repente o anel começou a brilhar, uma energia roxa, cada vez mais forte, que em um piscar de olhos explodiu e lançou fagulhas roxas por todo o sótão. Os três jovens caíram no chão, assustados, e as fagulhas roxas quebraram as paredes e as pequenas janelas, voando por todo o céu de Londres. Lucian se levantou e ajudou Beatrice, enquanto Soren engatinhava até uma das janelas. Notou que um dos cacos de vidro, estava energizado com rachaduras roxas. Foi contaminado por aquela força desconhecida.

— Olhem só isso aqui… magnífico…

— Isso é definitivamente bruxaria! — Beatrice estava encantada, assustada, curiosa e enojada ao mesmo tempo.

— A gente precisa esconder isso — afirmou Soren, tomando uma nova decisão. — Beatrice está certa, se descobrirem que temos algo desse tipo, vai ser péssimo.

— E o que fazemos com essa coisa então? — perguntou ela. — Não podemos jogar fora.

— Então nós escondemos… mas os Whitmore não podem descobrir. Então qual seria um bom lugar para deixá-lo…?

Sem escolhas, os jovens decidiram. Deixaram o livro embaixo da cama de Soren, apenas por uma noite, para que pudessem encontrar um lugar mais discreto no próximo dia. E assim aconteceu, a noite se passou, e na próxima tarde eles estavam nas ruas de Londres perambulando, procurando um local em que definitivamente nenhuma pessoa estaria interessada em bisbilhotar. Teria que ser também um local seguro, pois era um livro aparentemente muito perigoso.

— Se escondermos isso do jeito errado… e ele explodir do nada! E destruir as casas… e nós formos presos… — Beatrice estava alucinando. Lucian puxou-a para perto e acariciou os longos cabelos castanhos dela.

— Fica tranquila. O máximo que pode acontecer, é alguém ver aquele livro e querer culpar alguma mulher por cometer bruxaria.

— SOCORRO! — Um berro ecoou de longe. Soren e Lucian reconheciam aquela voz, era Eliza. Seu marido não estava em casa a essas horas, ela estava completamente sozinha. Os três voltaram correndo o mais rápido que podiam, mas quando chegaram, à porta já havia sido arrombada.

— Não é possível que já descobriram! Não faz nem vinte e quatro horas! — exclamou Soren.

— Olhem! Lá em cima! — apontou Lucian.

As paredes do sótão estavam ficando negras, com grandes rachaduras roxas que emanavam uma aura sombria. Aquilo, inconfundivelmente, era magia negra.

— Como não vimos aquilo?!

— Vão acusá-la por cometer bruxaria no sótão de sua casa, pela madrugada… moradores devem ter visto as fagulhas luminosas no céu naquela hora.

— E nós não vamos deixar!

Passou-se a tarde inteira, e os jovens rodaram toda Londres em busca de pistas. Nada, nenhum vestígio foi deixado, Eliza foi capturada e levada para qualquer lugar e nenhum dos três poderia fazer nada. O marido dela também desapareceu, ele sempre fazia esse tipo de coisa. Sumir por uma semana inteira e depois voltar completamente do nada.

— Nós… não encontramos nada… — Lucian parecia desapontado. Ele também era grato por aquela mulher que lhe deu abrigo por todo aquele tempo.

Soren foi o único que não desistiu. Lucian voltou para casa para verificar se Grimorn ainda estava lá, em segurança. Beatrice estava com medo demais, então apenas se escondeu em sua casa para ter certeza de que nada aconteceria a ela. E Soren, por fim, continuou a vagar pela cidade em busca de algum vestígio, qualquer pista, qualquer informação. O sol desapareceu, a lua subia ao céu escurecido.

— Merda… me perdoa, Eliza… — Ele se sentou no chão, sentindo-se derrotado. Até que uma grande agitação chamou sua atenção. O povo estava reunido para presenciar algum evento na noite. Soren se aproximou, e presenciou aquela cena terrível. Eliza, amarrada em uma árvore, com três arqueiros preparando o fogo para colocar em suas flechas, e incendiar a árvore junto com o corpo de Eliza. — NÃO! — berrou Soren, correu, atropelou todos pela frente, e chegou ao meio.

Era um grande cemitério com uma árvore no centro, a árvore em que Eliza estava amarrada. Os três arqueiros estavam nas três laterais do cemitério, e na quarta, estava o povo assistindo tudo.

— Queima! Queima! Queima! — eles gritavam, excitados.

— Ela é inocente! PAREM!

As flechas acenderam suas pontas com as chamas das tochas, e eles estavam prestes a atirar. Eliza dava um olhar sombrio a Soren. Ela sabia que ele seria o culpado de sua morte, ela nunca o perdoaria por isso. Lhe deu uma casa, um abrigo, uma mãe, comida, um amigo. E tudo que ele lhe deu em troca, foi a morte. Ele sentiu aquele olhar frio penetrar a sua pele, sua alma. Seus olhos lacrimejaram, Soren, era o verdadeiro culpado.

— Quando aquele homem judiava de nós e dos corvos… ninguém nunca dizia nada… — A mente de Soren estava colapsando. — E agora vocês querem nos queimar?! — Ele levou as mãos ao rosto, suas unhas arranhando sua pele, o brilho roxo do anel retornou mais forte do que nunca. — É melhor baixarem esses arcos…

— É um lunático! Queimem ele também!

— Se não vocês vão… — Soren começou a chorar, se sentia incapaz de fazer qualquer coisa. Aqueles homens estavam armados, e desde que perdeu as memórias, nunca foi capaz de fazer nada. — Vocês vão sentir… que venha Júpiter ou qualquer deus, eu juro que vou…

Ele ficou de joelhos, alucinando, chorando, enquanto recebia o olhar de Eliza, afiado como uma faca. Os três arqueiros atiraram suas flechas, o grito de Eliza ecoou por todo o cemitério. Logo ele não foi mais audível, o povo aplaudia e vangloriava o momento. Uma “bruxa” estava sendo queimada, bem diante de seus olhos. O olhar de Soren se ergueu, a árvore em chamas, o corpo de Eliza lentamente carbonizando, mas os olhos continuavam fixos nos de Soren.

— Agora queimem o lunático!! — gritou um dos homens que assistia. Os arqueiros carregaram mais uma sequência de flechas nas chamas das tochas, e apontaram ao jovem, caído, alucinando sozinho.

Mas ninguém esperava que de repente, uma energia roxa começaria a sobrevoar o local, se movendo em espiral. Por onde ela passava, as almas dos que ficavam no caminho eram recolhidas e arrastadas pelo vento. Os corpos caíam inertes no chão.

Soren não tinha mais palavras para dizer, estava fora de si. Olhou para um dos arqueiros, a flecha de fogo apontada em sua direção. Os gritos de Eliza mesclados com os gritos dos desesperados, o lugar inteiro se tornou um caos.

Como uma besta, ele avançou em direção a um deles. A flecha voou, Soren a segurou como se fosse uma bolinha de tênis. Pulou e cravou a flecha flamejante bem no olho do arqueiro ao mesmo tempo que espancava sua cabeça com a mão do anel. A cada soco, a cabeça do arqueiro se enchia de chamas roxas. Foram tantas batidas que ela acabou se desconectando do pescoço. Soren pegou a cabeça flamejante com a flecha cravada no olho e jogou como uma bola na direção do outro arqueiro, que caiu no chão quando a recebeu. O fogo roxo se espalhando pelo seu corpo também.

O terceiro atirador tentou correr pelas vielas, mas não era suficiente. Um braço transparente de magia roxa o puxou para perto de Soren, ele largou o arco no percurso. Quando chegou até Soren, ele o apunhalou no peito. O arqueiro foi puxado com tanta força que a mão de Soren atravessou seu corpo, e ele retirou o coração de dentro. Derrubou o corpo do arqueiro no chão, que caiu sem vida, e se aproximou lentamente do último com a cabeça de fogo em mãos.

Soren estava sorrindo, rindo da desgraça dos arqueiros que colocaram fogo em Eliza. Uma sensação tão satisfatória e nostálgica por algum motivo, era como estar no céu.

Com o coração do outro em mãos, enfiou-o na boca do arqueiro que pegava fogo no chão. Pisou com toda a força que tinha na boca com o coração enfiado, até que entrasse tudo de uma vez. O sangue jorrava a cada pisada, as mãos sujas de órgãos e carne, as vestes tingidas com o vermelho escuro daqueles que assassinaram a mulher que ele via como uma mãe.

O povo já não assistia a cena mais, estavam todos fugindo do jovem maluco e genocida. Até que viram um sol vermelho aparecer por trás da lua, ninguém viu de onde ele veio e nem como apareceu ali.

— O que é aquilo?! O sol em plena noite?!

Era um eclipse, de noite. O grande sol vermelho por trás da lua se parecia mais uma vez com um olho vermelho e uma pupila negra no meio. O grande olho celestial observou Soren, e a cortina de luz caiu sobre ele mais uma vez. Desta vez, era vermelha.

A cortina de luz celestial irradiou forte mais uma vez, mas não durou muito tempo. Quando ela sumiu, uma área circular no chão havia sido completamente pulverizada. Era uma viagem entre mundos, mais uma vez, mas que agora mandava para o submundo de volta.



Sua visão estava fraca, mas as memórias que adquiriu quando estava em Londres permaneceram. Quando abriu os olhos totalmente, estava acorrentado em uma cela de prisão escura. Seu corpo continuava sujo de sangue, as mãos com pedaços de órgãos e carne. Soren estava com um cheiro podre de carniça. O anel prateado também tinha sumido de seu dedo.

— Que… lugar é esse…

Estava começando a voltar a lucidez e se lembrar do que tinha feito em Londres. Ele ainda se sentia culpado, e lembrar do olhar profundo de Eliza ainda o deixava angustiado. Logo percebeu que alguém estava na frente de sua cela, do outro lado das grades.

— Cê tá em Stygianthal… ainda não recuperou suas memórias, eu suponho. As tropas de D. Balrik te encontraram em uma floresta próxima. Você tá com um cheiro podre…

— Stygianthal…? Você só pode estar brincando. Que merda de nome é esse?! E quem é você?

— Te explicar desde o início vai ser um saco… então vou te deixar descobrir sozinho. Mas saiba que você foi preso pelos cavaleiros, eles odeiam você por aqui. Inclusive, confiscaram o seu anel. Quando tentaram o colocar, o cavaleiro virou pedra na hora.

— Me odeiam? — Soren parecia tão perdido quanto um besouro no escuro. — Eu sou de Londres… eu tenho que voltar para Londres.

— Não, não, não. Você não se lembra de nada. Você declarou guerra contra eles no passado, eles odeiam você porque você era indestrutível. Agora que você não consegue usar o anel… eles querem tirar a sua vida o quanto antes.

Soren riu, uma risada de desespero e confusão.

— Você… você é maluco. Qual é o seu nome, afinal?

— Você já me conhece. Nos conhecemos a cem anos atrás… meu nome é Pierre — disse, e então se aproximou o suficiente da cela para sua face ser visível. Ele era um adolescente extremamente magro, tão magro que parecia um monstro. Com cabelos vermelhos e olhos amarelos, usava roupas desgastadas, definitivamente não era um nobre. — Quando você me conheceu, eu era uma criança. Eu tinha cinquenta e três anos… agora tenho cento e cinquenta e três — disse, com um sorriso.

— Você definitivamente é maluco! Não lembro quantos anos eu tenho, mas diziam que eu tinha cara de ter dezenove em Londres…

— Dezenove? Você seria um bebê. Você deve ter uns trezentos.

Soren achou que estava sonhando por um momento, mas percebeu que não estava quando relembrou do cheiro de carniça que suas roupas emanavam.

— Ok, ok… tanto faz. Eu preciso sair daqui.

— Não vai ser tão fácil assim. O rei decretou sua pena de morte hoje… na verdade, você vai ser executado daqui uns trinta minutos.

Notas:

Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.

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