Volume 1

Capítulo 3: Uma Oportunidade!?

Trim! Trim!

O despertador tocou e mais uma vez abri meus olhos. Meu sono era pesado, então apenas nesse momento pude sentir a luz do sol entrando pela fresta da cortina, esquentando meu rosto.

Assim que cocei a minha vista, soltei um bocejo e olhei para a direção da porta, percebi que havia algo bem grande bloqueando minha visão.


No pequeno espaço do meu quarto, fui surpreendido com a parte trás de uma mulher, seus cabelos loiros amarrados em um rabo de cavalo e um movimento forte e consistente de agachamento. 

Ela ruminava uma contagem enquanto se exercitava. Pelo que parecia, já estava no centésimo. Isso significa que fazia um bom tempo que havia despertado.

Mas para ser sincero, isso não me incomodaria muito, se não fosse pelo fato de que o pijama que eu havia emprestado estava jogado no chão e a garota usava apenas roupas íntimas.

— Lyra! O que diabos você tá fazendo? — repreendi a garota enquanto virava meu rosto para trás, com o intuito de não ser indelicado.

— Agachamentos. — Sem interromper o seu exercício, deu uma resposta seca. — A parte inferior do corpo é a arma mais poderosa de uma guerreira.

— Mas por que você tirou a roupa pra isso!? 

Soltando um grande suspiro de cansaço, Lyra parou sua contagem e se sentou no chão. Não havia modéstia naquela garota, mas também nenhuma malícia.

Pelo que parece, meu pijama era largo demais, então ele ficava escapando o tempo todo quando ela fazia movimentos mais intensos. Apesar de não ser uma mulher pequena, era esperado que um pijama masculino não fosse servir.

Aquele vestido que a alienígena usava no dia do acidente estava em um estado deplorável. Todo rasgado e destruído pela explosão, era impossível que continuasse sendo usado.

— Entendo que a situação das roupas seja complicada, mas você não pode simplesmente tirar elas na minha frente! Eu sou um homem!

Ué? — Um som de dúvida e uma expressão de julgamento foi lançada até mim. Claramente ela pensava que eu estava louco. — Que diferença isso faz? Eu tirava a roupa na frente do meu pai o tempo todo.

E nesse momento a preocupação invadiu minha mente novamente. Já havia percebido que o pai dela não era flor que se cheire, mas… será?

Não! Não! Deve ser só uma questão de família mesmo! Exato… Não sou da família dela e sim um homem estranho. Preciso deixar claro que esse tipo de coisa é totalmente diferente.

Se bem que… dormir no mesmo quarto que uma mulher da minha idade também é esquisito. Acabei aceitando porque o quarto de Saki era menos espaçoso, mas se terei que lidar com esse tipo de estímulo todo dia, preciso repensar.

—Tá, tá! Eu vou comprar roupas novas pra você hoje, certo? Só não saia de casa de jeito nenhum. Não quero ninguém te vendo desse jeito.

— Está certo, mestre! — Com um olhar sério, ela bateu uma continência.

— Só Akazawa está bom, beleza!? — Meu rosto se enrubesceu ao ouvir isso. Ainda mais tendo uma visão dessas na minha frente. — E-eu vou me arrumar no banheiro. Fica aí…

Não aguentando ficar mais nenhum momento nessa situação, fui até a porta para me libertar da pressão, mas a língua rápida e curiosa de Lyra novamente me deixou sem palavras:

— Akazawa, por que você tem um punhal escondido embaixo das suas calças? É a sua arma?

Incrédulo, me virei e a encarei, com a maior expressão de terror na minha cara. Não sabia o que era pior: o fato de ela ter percebido o volume nas minhas calças, não saber o que era ou falar isso na minha cara.

Mais vermelho que um pimentão, meu corpo começou a esquentar. Aquilo era a coisa mais constrangedora que já tinha acontecido em toda minha vida. Nem aquela vez que eu me mijei na escolinha supera!

— Isso… isso é só uma reação bio… — Tropeçando nas palavras, tentei explicar o que era aquilo, mas o desconforto subiu em meu cérebro e simplesmente gritei: — Aaaaaaaah, deixa quieto! — Saí correndo para o banheiro.


Depois de um tempo, arrumado, fui até a cozinha preparar o café. Decidi que faria um pouco de comida a mais para o almoço de Lyra.

Enquanto fritava alguns omeletes para acompanhar o arroz, minha irmãzinha Saki desceu coçando os olhos. Claramente havia acabado de acordar.

— Atrasada hoje, hein? Te cuida.

Ah, cala a boca.

Com tudo pronto, fiz com que minha irmã me ajudasse a arrumar a mesa e preparei três pratos de café da manhã comuns, com arroz, omelete e sopa missô.

Me sentei à mesa e comecei a comer. Saki me acompanhou, mas logo percebeu que algo estava faltando naquele lugar.

Sim, a nossa mais nova hóspede estava faltando. Nunca chamei ela para tomar café, então provavelmente ainda estava se exercitando no quarto sem se preocupar com nada.

E aquilo era bem melhor para mim! Afinal de contas, a garota provavelmente viria vestida da mesma forma que antes.

Por isso, logo que acabei de comer, deixei as louças na pia e chamei Saki, que ainda mal havia começado:

— Eu vou sair… Depois que eu já estiver fora daqui, chama a Lyra pra tomar café, beleza?

— Você está evitando ela? Por quê? 

Ao explicar toda a situação, minha irmã simplesmente riu da minha cara. Aquilo para ela era a coisa mais engraçada do mundo. Obviamente, eu não pensava o mesmo, então dei um cascudo nela.

— E por causa disso, tenho que comprar roupas novas pra ela. Preciso que você me faça um favor.

Eh? Tá me pedindo coisa? O que vai me dar em troca, hein?

— Que tal você só fazer o que eu mando se não quiser levar outro desses. — Mostrei minha grande mão para ela, já incomodado com seu jeitinho irritante.

— Beleza, beleza. O que é esse favorzinho que você quer me pedir então?

Bom, considerando que as minhas roupas tinham sido um completo desastre no corpo de Lyra, era óbvio que precisava ter certeza de que estava comprando as certas.

Por isso, não havia nada mais importante nesse momento do que tirar todas as suas medidas para 100% de exatidão. Era isso que eu precisava que Saki fizesse.

— Mas eu sou muito menor que ela, sabe? Não seria melhor você tirar?

— Nem fudendo que eu vou tocar no corpo dela desse jeito! — Fiquei irritado de ela sugerir uma coisa dessas. — É indecente!

— Você tem tanto medo do corpo de uma mulher assim? — Saki balançou sua cabeça em desaprovação. — Desse jeito você nunca vai se graduar da sua virgindade.

— Cala a boca!


Trazer a Lyra para a minha casa foi uma decisão de última hora. Algo que pensei de maneira impulsiva, sem saber direito quais seriam os resultados.

Apesar de meu pai ter prontamente concordado, as nossas condições não estão boas o suficiente para aceitarmos mais uma pessoa na nossa casa assim fácil.

No nosso restaurante temos uma cota de clientes fiéis que sempre aparecem, mas não são muitos, apesar de sempre lucrarmos o suficiente para nos mantermos no negócio.

Então, com essas informações em mente, eu tinha que achar alguma fonte de renda extra para manter a nossa convidada alienígena tranquila. Talvez até mesmo encontrar algo para ela se ocupar.

— Mas achar um trabalho de meio-período é difícil… — Terminei meu desabafo e voltei a mexer o caldo que estava preparando para minha próxima receita.

— É uma situação bem estranha essa que você se meteu, hein? 

A garota do meu lado, que também estava cozinhando, respondeu sem se virar para mim, pois estava muito concentrada em socar um polvo vivo dentro de seu enorme caldeirão.

Dando uma olhada dentro daquele conteúdo, parecia uma espécie de caldo, roxo da mesma cor que aquele polvo. Era possível perceber que estava borbulhando e o odor que saía de lá fazia mal para o nariz.

— Isso aí tá vivo…?

— Não por muito tempo. — Após porradas muito fortes, o polvo parou de resistir e entrou dentro do caldeirão, sem se mover novamente. — Viu? — Colocou a tampa e voltou o olhar para mim.

Minha companheira, Kirari Kurosawa, era conhecida por suas receitas exóticas que frequentemente utilizavam ingredientes alienígenas e desafiavam o senso comum.

Toda vez que enfrentava ela, eu sentia que não tinha como aquelas receitas fazerem sentido, mas toda vez isso se provava incorreto. Afinal de contas, essa garota não era a Presidente do Clube de Artes Culinárias à toa.

Estava especialmente confiante no prato que iria apresentar para a nossa batalha de hoje. Era uma receita nova de lámen picante que utilizava um caldo diferente.

Por isso, minha decepção foi enorme quando, novamente, perdi a batalha por voto unânime.

Estava pessoalmente incrédulo, considerando que a sopa que a Presidente havia preparado parecia especialmente nojenta hoje. Quase como se estivesse brincando comigo.

— Como diabos você matou um polvo dentro da sopa e ela ficou boa? Eu preciso experimentar isso!

— Fique à vontade. — Sem cerimônias, ela me passou uma concha para que eu tirasse a prova.

Observei de cima o caldeirão. O caldo, que antes era roxo, agora possuía algumas manchas negras e o polvo morto não estava para ser visto em lugar nenhum. Parecia mágica.

Engoli em seco e enchi minha concha de comida, levando até a minha boca e sentindo o gosto atingir em cheio minha língua. Aquilo era… era…

— Incrível! — Não fazia sentido. Não fazia sentido nenhum, mas aquilo era melhor do que qualquer coisa que já havia experimentado antes. 

— Você realmente tem muito o que aprender… — resmungou, com um tom paternalista. — Mas enfim, sobre o problema que estava me falando, acho que tenho a solução.

— Você vai me dar um emprego? — Olhei para ela com antecipação. 

— Eu estava parando para pensar, Akazawa. Essa garota alienígena que você trouxe pra sua casa não tem documentos, o que faz dela uma imigrante ilegal.

Enquanto mexia em suas tranças exóticas com uma mão, a Presidente alcançou o seu celular no bolso de sua jaqueta com a outra. 

— Para conseguir documentação nova para ela aqui… Você vai precisar de alguém com os contatos certos. As autoridades podem te colocar em diversos problemas se você não tiver alguém assim. 

— Eu não tinha pensado nisso… Achei que se eu só deixasse ela na minha casa, não teria problemas.

Era um pensamento válido da minha parte. Afinal de contas, a polícia praticamente cagava para lugares menos bem de vida como o meu. Traficantes e agiotas faziam a festa lá sem sofrer retaliação alguma.

— E eu sei quem é a pessoa perfeita nessa escola para te ajudar com isso e ainda te dar um emprego.

— Você está falando da…

— Sim. Ikkitousen Kuroda.

Ao ouvir aquele nome, senti um certo arrepio percorrer minha espinha. Essa garota com nome totalmente absurdo possuía uma fama em tanto nessa escola.

Sendo a herdeira da KuroDIX, uma das três grandes do Japão, a influência que ela tinha realmente não era nada para se ignorar.

Mas o seu comportamento na escola era o que a tornava especial. Ao contrário de todos os outros estudantes que estão inscritos em um clube, Kuroda não está em nenhum.

Isso seria proibido normalmente, pois aqui no Colégio Ishikawa, você é obrigado a estar inscrito em algum clube que corresponda às suas melhores habilidades.

Mas não é apenas isso. Essa estudante tem um hábito estranho de aparecer em diversos clubes e desafiar os melhores membros para uma batalha de conhecimentos.

O objetivo quase sempre é humilhar completamente os membros e mostrar que eles ainda têm muito o que aprender. Ter Ikkitousen Kuroda aparecendo na sua sala é a coisa mais assustadora para um Presidente.

— Naquela vez que ela apareceu aqui… Eu não estava. — Fiquei pensativo por um momento. Apesar de terem me dito que aconteceu, não fazia ideia dos detalhes.

— Bom, não é nada de especial. Não é como se ela tivesse ganhado de mim no final das contas. — Mexendo seus cabelos, a Presidente finalmente mostrou seu celular.

Aquilo que estava na tela era um anúncio de emprego. A pessoa em questão estava procurando um serviçal e os requisitos eram ridículos.

A pessoa precisaria ser um garoto entre 15 e 18 anos, estar estudando no Colégio Ishikawa e saber fazer todo tipo de serviço doméstico. 

— Você sabe, certo? Desde o primeiro ano, a Kuroda coloca essa vaga para anúncio e absolutamente todos que foram contratados não aguentaram e pediram as contas.

— Eu lembro. E você sugeriu que eu fosse assim que viu o anúncio pela primeira vez. 

Nunca pensei em me candidatar para essa vaga por um simples motivo: esse trabalho exigia que a pessoa fosse morar na casa onde iria trabalhar. E abandonar meu lar quando meu pai precisa de ajuda era algo que eu simplesmente não queria fazer.

— Mas agora é diferente, certo? — Seu tom ficou bem mais sério, como se estivesse me repreendendo. — Você aceitou cumprir uma responsabilidade e precisa de um emprego que pague bem. Além de que, essa garota pode aceitar te ajudar com os documentos da alienígena.

— Sim, mas… Quem vai cuidar do restaurante? Meu lámen picante é um dos mais vendidos lá e o velho…

A Presidente me encarou com um olhar de desprezo. Parecia que estava muito decepcionada comigo. Como se eu tivesse cometendo um grave erro em dar esses pontos.

— Até quando você vai ficar se limitando, Akazawa? 

— Oi? — Fiquei surpreso com a súbita interrupção e dei um passo para trás.

— Você quer passar o resto da sua vida trabalhando em um restaurante simples e escondido do olhar do público? — Respirou fundo após aumentar o tom de voz. — Todos aqui estão se esforçando para ser os melhores, entendeu? Para serem grandes chefs no futuro.

Franzi as sobrancelhas. Ela estava querendo humilhar o lugar onde nasci e cresci minha vida toda? Não importa o quanto fôssemos amigos. Não iria aceitar isso.

— Aquele restaurante é minha vida! Eu devo tanto para aquele velho que nem sei como começar a pagar… — Cerrei os punhos. — É melhor você não se meter nisso, ouviu?

— Faça como quiser, mas saiba de uma coisa… A Kuroda possui o paladar mais aguçado que eu já vi. Se você puder cozinhar para ela, seu talento será muito melhor aproveitado. — Cruzou os braços e terminou sua fala: — É só isso que eu espero. Quero ver todos aqui fazerem o melhor que puderem.

Por mais que eu não gostasse nada do que estava sendo dito, o motivo pelo qual ela reclamava não era nem um pouco detestável.

— Se você não buscar novos horizontes, Akazawa, esqueça sobre me derrotar. Em breve você nem poderá ser considerado o segundo melhor aqui. Talento puro só pode te levar até um certo nível. Depois disso só depende do seu próprio sacrifício.

— Já acabou? — resmunguei, já um pouco cansado de ouvir sobre isso.

— Sim. Faça o que quiser com essa informação. — A presidente pegou suas coisas e saiu da sala do clube.

Sozinha com meus pensamentos, só pude refletir se talvez tudo que ela tivesse dito na verdade estava certo. Será que… já não estava na hora de pensar mais sobre meu futuro?


Ao conferir meu celular, percebi que Saki havia me mandado as medidas de Lyra por mensagem.

> Medidas da Lyra

Altura: 169 cm

Busto: 99 cm

Cintura: 58 cm

Quadril: 90 cm 

> Aqui está, seu pervertido nojento. 

Francamente, por que a Saki precisa ser assim o tempo todo? Não é como se eu precisasse dessas medidas para nada além de comprar roupas.

Enfim, julgando pela forma como a Lyra se comporta, acho que gostaria mais de roupas que a dessem uma boa liberdade de movimentos.

Só que ao mesmo tempo, o vestido que estava usando quando a encontrei era muito bonito, então não sei se ela também não gosta esse tipo de coisa.

Bom, para garantir, comprei um vestidinho com estampa floral, camisetas mais justas, shorts esportivos e algumas calças de abrigo. Também comprei algumas roupas íntimas, porque ela só tinha uma.

Satisfeito com as minhas compras, decidi encerrar o dia por hoje e voltar para a casa. 

Estava bastante cansado e um pouco para baixo depois da discussão com a Presidente, então não conversei muito com ninguém. Apenas dei as roupas para que Lyra provasse, trabalhei com meu pai e subi.

Não estava afim de dormir, então decidi usar o computador por um tempo, aproveitando que Saki já estava dormindo e não havia ninguém para incomodar.

Joguei alguns jogos, acessei fóruns e conversei um pouco com meus amigos. Mas aquilo não foi o suficiente para distrair minha mente dos pensamentos intrusivos.

Quando entrei no Colégio Ishikawa como bolsista, após vencer uma competição tão disputada, meu pai se orgulhou muito. Parecia que eu estava destinado a ir longe.

Mas será que é verdade? Será que ficar em casa está me atrasando? Me impedindo de despertar todo meu potencial? 

Sem pensar muito, acessei a página da vaga que a Presidente havia me mostrado. Sem dúvidas aquilo havia sido feito para mim. Conhecia apenas uns outros 5 garotos que se encaixavam nessa descrição.

Olhei para os dois lados, como se estivesse procurando alguém que pudesse me assegurar que aquilo era certo. Não havia ninguém. No final das contas, apenas eu poderia tomar uma decisão assim.

— Eu poderia apenas… ver como é…

E então, escrevi um currículo e mandei para o e-mail que aparecia como forma de contato.

Desliguei meu computador, um pouco estressado mentalmente por ter voltado atrás com a minha palavra. No final das contas, eu realmente queria ser maior…

Deitei na minha cama e meus olhos não cerravam, apenas a ansiedade tomava conta de mim. Não sabia se aquilo havia sido um erro ou não.

— No final das contas, talvez eu nem seja chamado…

Sem se importar com meus sentimentos, um som estridente, que até acordou minha companheira de quarto, deitada no colchão ao lado, soou do meu celular. Era uma mensagem.

Hm… O que foi isso? — questionou Lyra com voz de sono.

Mas não respondi. Porque no momento meus olhos estavam vidrados na tela do celular. Não havia como acreditar nisso.

— Tão rápido…



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