Volume 1

Capítulo 2: Visitante de Outro Mundo

Depois de um tempo correndo, finalmente cheguei em casa. Passando pela parte debaixo, onde ficava o restaurante da família, subi para onde estava a casa de fato.

Queria ir direto para meu quarto pra deixar minhas coisas e me trocar, mas, antes que pudesse fazer isso, fui interrompido por uma voz irritante.

Ora, ora. Parece que finalmente chegou em casa, irmãozinho. — Essa voz era da minha irmã mais nova, Saki, que adorava me encher o saco. — O papai tá uma fera. Já tá te esperando com o rolo de massa. O que você fez pra demorar tanto, hein?

Tch. Não é da sua conta. Eu vou me entender com o velho, sozinho.

— Mas isso é jeito de falar com sua irmãzinha querida? Hein? Hein? Me diz o que você tava fazendo? Tava namorando, é? — Ela começou a rir da minha cara logo em seguida. — Como se alguém fosse te querer!

Virei meu corpo bruscamente para o lado oposto daquela peste e entrei no meu quarto, fechando a porta e ignorando as provocações idiotas que foram dirigidas a mim.

Ei, ei! Não fecha a porta na minha cara assim! Eu quero lanchar! Prepara alguma coisa gostosa para mim antes de ir lá apanhar. — A voz abafada do outro lado ressoou, aumentando minha raiva.

— Faz você sozinha, pirralha! Você quer que eu me atrase mais?

Com essas palavras, terminei de trocar minhas roupas para outras mais confortáveis e vestir meu avental. Estava na hora de botar a mão na massa.

Chegando na cozinha, já pude ver o velho esperando por mim com um rolo de massa na mão. Ele levantou sua “arma” de uma forma ameaçadora e então disse, em um tom calmo:

— Atrasado.

— Calma, calma, eu posso explicar — balbuciei, com um sorriso nervoso em meu rosto.

— Qual é a sua desculpa? — Ele se sentou na bancada da cozinha, ainda com o utensílio na mão, esperando que eu me explicasse.

Essa realmente era a parte mais difícil. Sabe, não era muito comum eu me atrasar para ajudar aqui, então era de se esperar que algo realmente fora do comum tivesse acontecido.

Acontece que descrever toda aquela cena para o meu pai era simplesmente impensável. Uma garota caindo do céu, nenhuma ambulância, uma mulher totalmente maluca imaginando coisas e um hospital que ignorava emergências.

Mesmo assim, não tinha como inventar outra história. Aquilo era a pura verdade e nada além da verdade. Então, foi isso que contei a ele, sem tirar nem pôr.

Mas, como esperado, não tive sucesso em convencê-lo e o peso do objeto de madeira tombou sobre minha cabeça. Apesar de parecer excessivo, esse tipo de castigo físico acontecia quando o velho estava especialmente irritado.

Ai, ai, ai.

— Você realmente espera que eu acredite que uma garota caiu do céu e você saiu correndo com ela quase morta pela rua até o hospital, onde teve que esperar na fila porque eles não atendiam emergências e, enfim, o médico internou ela?

Apenas acenei com a cabeça, com o rabo entre as pernas. Deixando de lado o quão incomum tudo isso havia sido, estava um pouco chateado em não receber nenhuma confiança do meu pai.

— Tudo bem se você não acredita. — Minha voz saiu um pouco cansada. — Eu vou compensar por ter chegado atrasado, está bem?

Naquele dia, o trabalho foi bem cansativo. Atendi todos os clientes da melhor forma que pude, mas fazia um tempo que não via nosso estabelecimento tão cheio assim.

Geralmente recebemos algumas poucas pessoas que já frequentam aqui faz um bom tempo. Me pergunto se tem algo de diferente para ter vindo tanta gente hoje.

Huff… Puff… Hoje foi agitado, hein? — Passei a mão em minha testa, limpando um pouco do suor. — Até demais para uma segunda à noite.

Hah. Vai tomar um banho. Você se esforçou demais hoje.

Uma toalha voou em direção à minha cabeça e eu a peguei antes que me acertasse.

— Bom, eu falei que ia compensar, né? — Sequei o resto do suor com a toalha. — Quer que eu te ajude a guardar as coisas?

— Sim… Uuuugh… Por favor.

No momento em que ele disse isso, corri pra pegar o saco de farinha pesado que ele estava tentando colocar em um dos armários.

Fazendo força com os braços, fui capaz de levantar tranquilamente. Apesar de não parecer tanto assim, sou um homem bem forte, sabiam?

— Aliás… Aquela sua história sobre a garota machucada era realmente verdade? — perguntou meu pai.

Hm? Agora você vai acreditar em mim? Não teria sido melhor pensar nisso antes de me bater? Haha.

Ele soltou um suspiro e fitou o chão, parecendo um pouco chateado. Pelo que parece, esse meu comentário não foi dos melhores.

Mas de alguma forma, isso combinava bastante com o velho. Fazer as coisas de uma maneira totalmente impulsiva e tomada pelas emoções e de repente perceber que não foi a melhor ideia.

Isso era ruim e bom. Por mais que às vezes o erro pudesse criar uma situação realmente complicada, meu pai não estava acima de pedir desculpas e começar de novo. Isso era algo que eu gostava nele.

Não estava realmente querendo fazê-lo ficar com isso na cabeça. Mesmo que não tivesse sido muito legal da parte dele, simplesmente assegurei:

— Am… Desculpa. Eu não me incomodo. Foi só uma piada mesmo.

— Não, você está certo. Eu estava estressado demais e acabei descontando em você. — Colocou a mão no meu ombro e assentiu com a cabeça. — Você costuma ser honesto. Eu não devia desconfiar de você.

— A minha história foi um pouco inacreditável mesmo, mas eu juro que é a verdade. — Cocei a cabeça por trás, ficando meio sem jeito. — Mas… O que é que tá te estressando tanto? É algo que eu possa ajudar?

— Não se preocupe muito com isso. Apenas vá descansar.

Fitei ele nos olhos com uma expressão desconfiada. Para alguém que sempre era tão direto querer mudar o assunto assim sem motivo… Com certeza tinha caroço nesse angu.

Mas no final das contas apenas dei um sorriso e passei direto. Seja o que for, não deve ser algo que valha a pena ficar questionando e discutindo. Todos têm seus segredinhos, certo?

Além disso, ficar cozinhando e andando para lá e para cá o tempo todo realmente tinha me deixado com os olhos pesados. Decidi aceitar o fim do dia de braços abertos e permitir que meu corpo desmaiasse na cama.

Depois de mais um dia na escola, fui conferir meu celular, que estava no modo silencioso, e percebi que tinha algumas ligações perdidas do hospital.

Isso só podia significar uma coisa: eles haviam ligado para me avisar sobre a pessoa que eu tinha socorrido ontem.

Fui até o hospital e conversei com a mesma moça que havia me atendido na primeira vez que fui até lá. Ela me confirmou que a garota que salvei recebia alta amanhã e já estava disponível para visitas.

Como precisava realmente conversar com ela, logo pedi para ser levado para o seu quarto. Na minha mente haviam diversas dúvidas que precisavam ser sanadas.

Assim que entrei, percebi que haviam trocado a roupa dela para uma vestimenta esverdeada de paciente e sua cabeça estava enfaixada.

O médico estava lá, aparentemente fazendo alguns exames, e se virou para mim assim que eu adentrei o quarto. Logo, fui apresentado pela mulher que me guiou.

— Doutor, esse aqui é o homem que socorreu a paciente. Ele veio aqui para visitá-la.

— Está certo, eu já havia terminado os exames mesmo.

A atendente concordou e se retirou da sala, me deixando sozinho com os outros três.

— Como ela está?

— Ela sofreu uma bela pancada na cabeça, mas por sorte não foi um traumatismo sério. Não precisamos de intervenção cirúrgica. — O médico gesticulou com a mão enquanto falava e então deu um sorriso, passando a mão na cabeça dela. — A mocinha aqui é cabeça dura.

— Eu já recebi pancadas piores do meu pai.

Assim que ela disse isso, nós dois a olhamos diretamente, com expressões curiosas e preocupadas. Eu, pessoalmente, estava com um sorriso de nervoso no rosto.

Foi nesse momento que o médico anunciou a sua saída, permitindo que tivéssemos um momento a sós. Não demorou muito para que a loira voltasse toda a sua atenção para mim, como se estivesse esperando para me ver.

— Você é o meu salvador, certo?

— Boooom… Salvador é um exagero. Eu só te socorri, sabe?

Aquela resposta parece ter mexido com a cabeça dela. O olhar que recebi naquele momento fez parecer que eu tinha sido a criatura mais insensível e desprezível da face da Terra.

— Não importa. Se não fosse sua atitude ágil, eu tava morta, sabia?

— Bom, eu só fiz o que qualquer um faria vendo alguém necessitado.

E então, a paciente começou a se agitar. Seu corpo estava tremendo por um momento por baixo da coberta antes de se levantar e sentar, gesticulando bastante com a mão enquanto disparava respostas discordantes:

— Não, não! Você fez algo incrível! Eu preciso te agradecer. — Depois de dizer isso, mexeu a cabeça apressadamente. — Eu sou obrigada a fazer isso. Se não, eu desonraria toda minha raça!

— Toda a sua raça? Você é de que país da Europa…? — Dei um sorriso meio sem graça.

— Não, não! Eu não sou daqui… Quero dizer, não do Japão! Eu não sou da Terra! — Ela levantou da cama, aproximando o rosto do meu, para garantir que eu ouvisse ela.

Instantaneamente pulei para trás para tomar distância, meio envergonhado. Me dá um pouco de espaço pessoal, por favor!

— Você é uma alienígena…

Prestei um pouco de atenção nas mãos dela e vi algo que não tinha percebido antes. Nas palmas, haviam discos acoplados que pareciam metálicos. Eram como se fossem saídas de caixa de som.

— Você vê? Eu tenho a marca de Mercúrio. — Percebendo para onde meu olhar havia ido, a loira apontou repetidamente para a própria mão.

Os alienígenas residentes em mercúrio… Todos eles possuem um desses dispositivos acoplados nas mãos. Mas não se tratam de implantes cibernéticos. Eles de fato nascem com eles.

— Dispositivos Biológicos!

— Isso mesmo! Todo mercuriano tem um. Onde aprendeu sobre eles?

Uhh — gaguejei —, na aula de biologia, claro...

Não é como se eu pudesse contar o motivo real para ela.

— Como pode ver, sou uma mercuriana.

Mercuriana… Ela diz que é uma mercuriana. Isso realmente é muito estranho.

— Bom… De qualquer forma, vamos mudar um pouco de assunto. Você meio que caiu de um lugar tão alto que criou uma cratera onde você caiu. Como diabos isso aconteceu?

— Eu não sei exatamente. Basicamente meu pai disse que eu finalmente ia poder tirar férias na Terra como eu sempre sonhei, então ele arrumou uma nave para eu ir.

Certo… Então ela veio aqui para turistar e viajou em uma nave. Até aí tudo bem, mas não não tem como isso ter a ver com o acidente, certo?

— Tudo bem, mas como você se acidentou?

— Então… Do nada a minha nave foi atacada por alguma coisa. Pelo que parecia era um objeto sólido em uma velocidade muito alta. Não deu pra esquivar.

— E então?

A garota parou para pensar em um minuto, parecendo um pouco confusa com algo. Sua cara era a de uma pessoa bastante boba.

— Eu não sei exatamente porque fiquei inconsciente depois disso. Eu só acordei aqui nessa cama do hospital.

— Entendi… — Mostrei uma expressão meio triste. A situação dela era certamente complicada. — Bom, eu não sei o que fazer, sinceramente.

— Eu sei! Eu preciso ficar com você até poder quitar minha dívida.

A loira veio se aproximando de mim, animada, e eu só fui afastando meu corpo, um pouco assustado.

— Como assim ficar comigo?

Bruscamente, ela trouxe o corpo de volta para encostar suas costas no travesseiro inclinado da cama.

— Quero dizer, talvez faça sentido um terráqueo como você não saber sobre o código de honra dos mercurianos…

— Que porra é essa? — questionei, um pouco exaltado pelas palavras dela.

— Bom, basicamente… Quando alguém salva sua vida ou de alguém muito querido para você, você tem que ficar ao serviço dessa pessoa até poder retribuir o favor.

É o quê? Estamos onde? Na era medieval? Esse tipo de coisa é suuuuuuuper atrasada. Ninguém mais faz isso!

Além disso, quer dizer que ela simplesmente vai me tratar como um mestre para onde quer que eu vá? Eu não sei se isso seria muito agradável… Na real isso parece muuuito desconfortável!

— De qualquer forma, vamos deixar isso de lado por enquanto.

Talvez mudando um pouco de assunto, eu possa fazer ela esquecer de toda essa história, né? Mas não é como se não tivéssemos mais coisas para tratar.

— Pra começar, eu gostaria de saber seu nome. É sempre bom começar com uma apresentação. Meu nome é Akazawa Jundou.

— Meu nome é Lyra! — exclamou, totalmente animada com as apresentações.

— Certo… Lyra, é o seguinte. Você se acidentou antes de chegar aqui e perdeu todas as suas coisas, incluindo seus documentos, né?

A garota abaixou a cabeça por um momento, olhando para a cama, e então levantou novamente, meio chateada.

— Entendo. Isso tornaria difícil de você voltar para a casa. Mas talvez podemos dar um jeito de…

— Não! Eu não posso voltar para casa! — A garota protestou totalmente, com suas mãozinhas levantadas e olhar intenso.

Arregalei meus olhos, um pouco surpreso com a ferocidade com o qual ela realizou essa afirmação.

Não é simplesmente o fato de ela ter dificuldades de conseguir uma nave, nem nada do gênero. O jeito como ela falou isso… parece que tem uma motivação maior.

Mas no final das contas, a razão para isso era bem mais profunda do que eu esperava e, pela primeira vez nessa conversa, senti algo além de confusão…

— Meu pai disse pra eu não voltar pra casa de jeito nenhum! Eu acho que ele realmente quer que eu aproveite essas férias. Hehe.

Nesse momento, foi como se meu coração tivesse parado. A forma como ela explicou a situação… Isso não faz sentido, certo?

No começo, achei que talvez essa garota fosse autônoma o suficiente e seu querido papai tivesse dado algumas férias em um planeta como um presente.

Mas ele expulsou ela de casa… Não, não só de casa. Isso é basicamente um exílio. Sem nada além de coisas que poderiam ser facilmente roubadas, sem conhecimento nenhum do lugar onde seria mandada, essa era a natureza dessa viagem.

E acho que a coisa que mais me ferve o sangue é ver a forma como isso foi dito. Uma risada casual, um pensamento otimista. Está na cara que essa garota é pura e tonta demais.

Ver injustiças sempre me deixou revoltado, então era natural que eu quisesse explodir e dizer nomes. Mas, pra essa garota, que acabou de sofrer um acidente quase letal… Eu não podia simplesmente jogar a bomba assim.

— Sim… sim. Com certeza! — Ainda meio afetado, tentei ser contagiado por seu entusiasmo. — E eu também quero… que você aproveite suas férias.

Eu salvei ela. Poderia me dar por satisfeito aqui. Minha boa ação do dia foi feita, certo?

Errado! Sozinha em um planeta onde ela não conhece ninguém. Nenhuma pessoa com quem contar. Sem documentos, pertences ou comida…

Eu salvei uma pessoa condenada. Agora é minha responsabilidade garantir que essa vida que foi socorrida valha a pena. Pelo menos, é assim que penso.

E então, no final das contas, apenas uma oferta restava a ser feita:

— Lyra, eu serei seu guia! Irei te mostrar nosso mundo como um bom anfitrião. — Permiti que meu sorriso mais gentil fosse solto. — Esqueça isso de ficar ao meu serviço. Você está convidada a ficar na minha casa por quanto tempo precisar.

Eeeeeh? Eu não posso esquecer isso! Você salvou minha vida, então eu tenho que…

— Certo… Certo… — Dei algumas risadas forçadas para acalmá-la. — Então, estando aos meus serviços, aqui está a minha primeira ordem.

Com antecipação, ela juntou seus braços e aproximou seu rosto, como se quisesse ouvir melhor a minha próxima fala.

— Se divirta aqui na Terra!



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