One Shot

Capítulo 2

   Caminhando para casa lado a lado com Rin. No caminho da escola para a estação, notei uma mudança familiar.

   A distância física entre nós havia diminuído novamente para a largura de um punho.

   Perto o suficiente para que nossas mãos ocasionalmente se roçassem.

“Hum.”

“Eu não sou uma substância composta.”

“Você está se precipitando um pouco, considerando que eu nem disse nada ainda.”

   Rin afastou o corpo suavemente.

“É só sua imaginação, pura coincidência, você está pensando demais.”

“Nossa, esse é o corte mais óbvio que já ouvi.”

“Não me lembro de ter pegado uma lâmina com as duas mãos.”

“Isso não é negação, é só esquiva.”

   Cocei a nuca e disse claramente.

“Eu não me importo, sabia?”

   Rin olhou para mim com olhos arregalados e infantis.

(Tohru) “Na verdade, eu meio que... gosto quando você está por perto.”

   Eu disse isso, meio que por impulso. Rin ficou em silêncio por um momento, como se estivesse pensando em algo, e então respondeu baixinho:

“Isso me faz... feliz.”

[Kura: Olha a fofura aparecendo…]

   Apertando a bolsa com mais força e suavizando os lábios em um sorriso, Rin se aproximou de mim novamente.

   Como uma gatinha se aconchegando ao dono, buscando um calor além do que um aquecedor sozinho poderia proporcionar.

   Eu me peguei pensando: o que exatamente mudou?

[Kura: Olha, você meio que deu a permissão para ela se aproximar, além de outra coisa…]

   Rin vinha agindo de forma diferente nos últimos dias.

   Mais especificamente, desde cerca de três dias atrás. A maneira como ela diminuiu a distância entre nós, o abraço no almoço... estava claro que algo havia mudado. Ela sempre manteve uma distância constante, mas agora era Rin quem se aproximava. Será apenas um capricho? Foi o que pensei no início, mas agora não tinha tanta certeza.

   Não parecia aleatório. Parecia deliberado, como se ela estivesse agindo por vontade própria.

     Seria possível que isso fosse... aquele tipo de coisa?

   Uma tênue esperança surgiu. Se fosse verdade, como eu ficaria feliz.

   Meu coração disparou. Mas, ao mesmo tempo, me vi resistindo à ideia.

   Havia dois motivos principais. Primeiro, a dúvida — alguém como eu não poderia ser objeto de afeição de alguém como Rin, uma beleza impecável. Essa proximidade era só porque éramos amigos de infância, não porque ela me via assim. Esse tipo de suposição. O segundo motivo era...

“A propósito, Tohru-kun.”

“Hã?”

   Meus pensamentos foram interrompidos pela voz de Rin.

“Você já viu The Cake Girl?”

   Eu soube imediatamente o que ela queria dizer. Era o filme mais recente da diretora Shinkai Usokayo, que causou um fenômeno cultural com seu sucesso anterior, Your Nose. Conhecido por visuais de tirar o fôlego e histórias comoventes, este filme já havia arrecadado mais de 10 bilhões de ienes nas bilheterias.

[Del: Your Nose kkkkkkkkkk. / Kura: Li Your Name kkkkkkk.]

“Eu queria assistir, especialmente como alguém que cria coisas, mas ainda não tive a chance.”

“Então... você gostaria de ir neste sábado?”

   Observando Rin. Ela olhava fixamente para a frente, com sua expressão inexpressiva de sempre, como se dissesse: ‘Não há nenhum significado especial por trás disso.’ Mas, olhando mais de perto... a mão que segurava sua bolsa tremia levemente.

   Ela piscava mais do que o normal e suas bochechas estavam na cor de tomate.

   Esse comportamento... definitivamente havia algo incomum acontecendo. Esta não era a Rin que eu conhecia. Mas, mais do que isso...

   Eu estava feliz por Rin ter me convidado para um encontro.

   Aceitei de bom grado e, assim, tive meu primeiro encontro em sei lá quantos anos.

 

 

 

 

   Sábado, pouco depois das 10 da manhã. Rin e eu pegamos o trem para o cinema na cidade vizinha.

“Finalmente chegou o dia!”

“Qual é a dessa badalação? Você não é criança. Você está me assustando.”

“Que bom ver você como sempre, mesmo no fim de semana.”

   Rin estava ao meu lado, com sua expressão indiferente de sempre. Não consegui evitar encará-la.

   A primeira coisa que me chamou a atenção foi a boina vermelha vibrante em sua cabeça. Fofa.

   Ela usava um moletom branco enorme e puro que emitia uma vibe suave e relaxada. Absolutamente adorável.

   Suas pernas brancas e esbeltas se estendiam de uma saia marrom, terminando em meias e mocassins brancos. Ridiculamente linda.

“...Por que você está me encarando?”

“Ah, eu só estava achando você super linda.”

“L-linda...”

   O rosto de Rin corou com o comentário sincero que escapou da minha boca.

“N-não diga bobagens! Vamos logo!”

“Certo, certo. Aqui.”

   Estendi minha mão para ela, tão naturalmente quanto respirar.

“Para que é isso?”

“Bem, costumávamos fazer isso o tempo todo, lembra?”

   Eu disse isso sem nenhuma vergonha ou segundas intenções. Rin arregalou os olhos, apertou os lábios e murmurou:

“...Você realmente é injusto às vezes.”

“Injusto?”

“Não é nada.”

   Ela olhou para minha mão estendida por um momento — como se quisesse pegá-la, ou assim parecia.

“Eu não sou mais uma criança.”

“Aww, que pena.”

   Observando Rin se virar suavemente, senti uma estranha melancolia, como quando o parque onde costumávamos brincar se transformou em um salão de pachinko. Mas acho que é assim que o tempo funciona.

[Kura: Acho que pachinko é o que chamamos de cassinos. Já que se refere a “jogos de azar”.]

“A propósito, ouvi dizer que o filme de hoje tem alguns momentos bem comoventes.”

   Quando nos sentamos nas poltronas do cinema, toquei no assunto casualmente.

“O que você está tentando dizer?”

“Bem, Rin, você tende a chorar facilmente, certo?”

“Tohru-kun.”

   Na penumbra, Rin franziu a testa levemente e me encarou.

“Você não deveria subestimar meus canais lacrimais. Já vi inúmeros animes lendários e suportei onda após onda de impacto emocional. Agora sou invencível.”

“Essa parece a bandeira da morte mais óbvia que já ouvi. Tem certeza de que vai ficar bem?” Quando perguntei, Rin lançou um olhar como uma criança desafiada em seu jogo favorito e respondeu:

“Bandeiras só são acionadas e resolvidas em histórias. Você leu tantas novels que se esqueceu de como separar a ficção da realidade?”

   E com essa fala, o filme começou.

 

 

 

 

Sniff... hic...

“Nunca vi alguém levantar bandeira de forma tão perfeita na minha vida.”

   Depois que o filme terminou, saí com Rin, que fungava como uma criança que acabou de tomar uma injeção.

[Kura: Rapaz, esses dois são absurdos em questão de personalidade kakaka]

   Havia algumas outras pessoas ao nosso redor com os olhos vermelhos também, mas nenhuma de suas caras de choro chegava perto da obra-prima de uma cara de soluço de Rin.

“A-aquela cena... hic... aquela reviravolta foi... trapaça total... sniff...”

“Okay, okay, acalme-se. Vamos sentar um pouco.”

   Sentamos juntos em um sofá no saguão.

“Aqui.”

“M-muito obrigada...”

   Ela pegou o lenço que ofereci e enxugou os olhos como um gato se limpando. Isso despertou em mim um estranho instinto de proteção — especialmente porque ela costuma ser tão fria e indiferente.

   Depois de um tempo, os soluços de Rin começaram a diminuir.

   A vermelhidão nos olhos dela provavelmente também desapareceria em breve, como a maré baixando.

“Obrigada pelo lenço. Vou lavá-lo e devolvê-lo mais tarde.”

“Está tudo bem. É só um lenço barato.”

“Não, não vai dar. Se eu devolvê-lo como está, temo que você possa... usá-lo para algo estranho.”

“Que tipo de tara você acha que eu tenho!?”

   Rin riu baixinho. “Brincadeira.”

“Mas eu vou lavá-lo e devolvê-lo.”

   Como ela insistiu, concordei obedientemente. Ela pareceu um pouco tímida.

“Obrigado por hoje.”

   Depois que saímos do cinema, agradeci a Rin.

“O filme foi realmente incrível. Estou muito feliz que você me convidou.”

   Era realmente um filme fantástico — e incrivelmente educativo também. Durante a exibição, fiquei pensando: “Nossa, então foi assim que eles conseguiram!” repetidamente. Como alguém que também cria histórias, isso me deu uma nova camada de apreciação.

“E... que bom que pude assistir com você.”

   Meu primeiro encontro com a Rin em séculos. Passar um dia de folga com alguém de quem gosto... foi simplesmente, genuinamente divertido.

“Que... bom ouvir isso.”

   A Rin sorriu suavemente, como uma semente de dente-de-leão flutuando. E naquele momento, eu percebi — algo nela parecia sutilmente estranho.

   Como se ela quisesse dizer algo, mas não conseguisse encontrar o momento certo e estivesse se sentindo inquieta com isso.

   Minha intuição de amigo de infância sussurrava isso.

“Que foi?”

“Fweh?”

“Parece que você está com alguma coisa na cabeça.”

   Quando perguntei, Rin arregalou os olhos, surpresa, e então, como se estivesse se decidindo, fez uma sugestão.

“É por volta da hora do almoço agora... então, se você estiver livre, gostaria de ir comer em algum lugar?”

“Ah, uh, almoçar. Certo.”

   Levou um segundo para meu cérebro se atualizar. Cocei a bochecha, sem jeito.

“É, acho que estou com um pouco de fome.”

   Ao dizer isso, percebi que Rin tinha me convidado para almoçar, e só isso já fez meu coração disparar.

“Vamos. Ou melhor, eu quero ir. Eu ficaria entediado em casa de qualquer maneira.”

   Saiu um pouco forçado, como se eu estivesse tentando definir o plano antes que Rin pudesse mudar de ideia.

   A expressão de Rin se iluminou.

   Era como assistir a um time-lapse das luzes da cidade piscando no horizonte noturno — tão repentino e vívido.

   Aquele sorriso deslumbrante dela quase me fez desmaiar, e senti o calor subir pelo meu rosto.

“B-bem, então vamos.”

“Sim.”

“Mm.”

   Naturalmente, estendi a mão. Rin piscou para mim, surpresa.

“Ah... desculpe. Força do hábito.”

   Mesmo que ela tivesse ignorado antes, eu fiz de novo. Tentei retraí-la às pressas.

   Mas não consegui. Rin havia agarrado minha mão com força.

“Eh—?”

   Não era um entrelaçamento romântico de dedos, mas ela pressionou a palma firmemente contra a minha, dedos cruzados.

   Olhei para o rosto de Rin. Nele — havia sinais claros de constrangimento e felicidade.

“Não há nenhum significado especial nisso. Eu só estou... de bom humor hoje. Então é... um caso especial.”

   Ela virou a cabeça e olhou ligeiramente para baixo.

“Entendo... Então, se eu mantiver a Rin de bom humor, posso ficar segurando a mão dela para sempre, né?”

“Se você ficar convencido, eu vou ficar brava.”

“Eita, desculpa.”

“Mas, bem...”

   Rin cobriu a boca com a mão livre e acrescentou: “Se for só dar as mãos... você pode fazer isso quando quiser.”

   Meu medidor de alegria quase explodiu.

   Apertei a mão dela, e ela apertou de volta — como se estivesse dizendo “não pense que você ganhou ainda.”

“Então, o que você quer comer?”

“Vamos ver...”

   Rin tocou o queixo com o dedo indicador, pensando profundamente.

   Depois de um momento, ela se iluminou de repente e olhou em uma direção. “Faz um tempo, mas eu quero ir lá de novo.”

 

 

 

 

“Tem certeza de que este lugar é bom?”

   Perguntei a Rin do outro lado da mesa, na mundialmente famosa rede de hambúrgueres MacSato-Naldo.

“Só tive uma vontade repentina de comer hambúrguer teriyaki.”

“Ah, é, você adora.”

   Rin deu uma mordida em seu hambúrguer teriyaki, suculento e apetitoso.

   O jeito como ela segurava o pão com as duas mãos me lembrou de um pequeno animal feliz devorando sua comida.

“Tohru-kun, você sempre pede hambúrguer teriyaki também.”

“Bem, no fim das contas, este é o melhor!”

“Concordo plenamente.”

   Os olhos de Rin se estreitaram de contentamento.

“O MacSato está nostálgico.”

“O primeiro lugar que fomos juntos também foi o MacSato, não foi?”

“Foi.”

   Rin olhou para seu hambúrguer teriyaki com certo carinho.

“Isso foi... logo depois que nos conhecemos, não foi?”

“É, mais ou menos. Na verdade, você também estava chorando naquela época.”

“E-essa lembrança deveria ser apagada imediatamente!”

   Rin se inclinou para a frente com um estrondo alto, seu rosto vermelho vivo se destacava.

“O quê, você está tentando me chantagear com meu passado vergonhoso só para conseguir meu hambúrguer teriyaki? Inacreditável. Você é o pior. Que nojo.”

“Eu não sou tão mesquinho assim!”

“E, além disso, eu não choro mais, então pronto.”

     ‘Então pronto,’ ela diz.

“Fofa demais.”

   O pensamento escapou da minha boca antes que eu pudesse impedi-lo. O rosto de Rin ficou ainda mais vermelho, e ela cobriu a boca com o hambúrguer.

“Ah, Tohru-kun.”

“Oi?”

“Você tem molho no rosto.”

“Espera, é sério?”

   Peguei um guardanapo no dispenser em cima da mesa.

“Aqui, vire para cá.”

Mmgh—”

   Antes que eu percebesse, Rin já tinha um guardanapo na mão e estava limpando minha boca delicadamente. Para ela, provavelmente foi apenas um gesto casual, mas para mim, foi um ataque surpresa totalmente injusto.

“Tudo limpo.”

   Rin disse isso como se tivesse acabado de arrumar tudo. Enquanto isso, fiquei ali sentado, atordoado, incapaz de dizer um simples “obrigado”. Em vez disso, toquei o ponto da minha boca onde o molho estivera. Estava quente. Levei os dedos à minha bochecha. Ainda mais quente.

“Ah... uh... isso é, hum...”

   Como fiquei em silêncio, Rin pareceu perceber também. De uma perspectiva externa, o que acabara de acontecer provavelmente parecia... meio casal. Seu rosto ficou vermelho e ela começou a se debater em pânico. Isso finalmente me tirou do meu transe.

“O-obrigado.”

“De nada.”

   ...Silêncio constrangedor.

“Já que estamos aqui, por que não conversamos sobre o filme ou algo assim?”

“S-sim, é uma boa ideia. Afinal, compartilhamos uma experiência tão comovente.”

   Quase como se tivéssemos ensaiado, nós dois conduzimos a conversa na mesma direção. Sincronia clássica de amigos de infância.

“Tohru-kun, de qual cena você mais gostou?”

“Para mim, tem que ser a cena final. Quando o Monaka-kun corre pelos trilhos para resgatar a Kinako-chan.”

“Ahhh, sim. Essa! Essa cena definitivamente entrará para a história da animação japonesa.”

“E você, Rin?”

“Eu... hmm.”

   Rin fez uma pausa e olhou para o teto. Cerca de dez segundos se passaram antes que ela falasse novamente.

“Bem, houve algumas, mas... a que mais me impactou foi quando o Monaka-kun e a Kinako-chan foram separados à força.”

“Ahhh, sim, eu entendo. Quando duas pessoas que se amam são separados — isso realmente te atinge, né?”

“Me atinge mesmo.”

   Rin virou os olhos diretamente para os meus. Olhando fixamente, como se estivesse tentando me espiar.

   Espera aí — ela está com molho no olho agora!? Peguei um guardanapo só por precaução...

   ...mas antes que pudesse, notei um brilho surgindo nos cantos dos olhos de Rin.

“E-e-ei, você está bem!?”

“A-aah, n-não, isso é só...”

   Rin esfregou os olhos, agitada, parecendo completamente sobrecarregada.

“Você está bem?”

“D-desculpe, eu só... lembrei de uma coisa...”

   Ela pressionou o dedo indicador sob o olho, e as lágrimas escorreram suavemente. Parecia que algo se apertava em volta do meu peito.

   Que criatura é essa que me faz querer protegê-la? Eu queria abraçá-la forte, acariciar suas costas e estancar suas lágrimas naquele momento. Mas me contive.

   Em vez disso, peguei um guardanapo.

   Eu queria enxugar as lágrimas dela, mas os olhos são delicados, então entreguei a ela. “O-obrigada...”

   Ainda fungando, Rin pegou o guardanapo e enxugou as lágrimas.

“Chorou, afinal, né?”

   Assim que ela se acalmou, joguei a frase na cara dela, rindo.

“Cala a boca. Foi só um choro de memória, então não conta.”

“Você está chorando de verdade.”

   Quando Rin virou o rosto, irritada, fiz uma sugestão.

“Que tal um milk-shake de sobremesa?”

“Que tipo de timing é esse?”

“Bem, eu só acho que a melhor cura para o choro é comer algo delicioso.”

   Meu comentário descuidado fez os olhos avermelhados de Rin piscarem de surpresa.

   Ela sorriu suavemente e disse:

“Você realmente não mudou, Tohru-kun.”

“Hug? O que você quer dizer?”

   Inclinei a cabeça, confuso, e Rin voltou à sua expressão habitual.

“Baunilha, por favor.”

 

 

 

 

   Dez anos atrás, no início do verão do segundo ano. Foi quando conheci a garota da sala ao lado — Asakura Rin. Ela leu a primeira história que escrevi. Desde então, ela começou a se sentar ao meu lado na biblioteca depois da aula. Enquanto eu escrevia minhas histórias, Rin lia mangás ao meu lado. Pouco antes do sinal final para a saída da escola tocar, eu a fazia ler o que eu havia escrito naquele dia. Isso se tornou nossa rotina.

   Quanto mais tempo passávamos juntos, mais eu entendia Rin — e, gradualmente, fui atraído por ela.

   Mas, naquela época, eu não entendia muito bem coisas como sentimentos românticos ou relacionamentos. Então, para mim, Rin era simplesmente “uma amiga com quem eu passava um tempo na biblioteca depois da aula,” e nada mais.

   Então, um dia, algo mudou. Naquela tarde, Rin não apareceu na biblioteca.

   Esperei, mas ela nunca apareceu. Preocupado, parei de escrever e saí para procurá-la. Dei uma espiada nas salas de aula, uma por uma, sem nenhum plano específico.

   Mas ela não estava em lugar nenhum. O tempo continuava passando. Comecei a entrar em pânico. Talvez ela já tivesse ido para casa? O pensamento deixou um vazio enorme no meu peito.

   E então, eu a encontrei em uma sala multiúso vazia.

   O alívio me inundou, mas foi rapidamente substituído por surpresa e confusão.

   Ela estava no canto da sala, chorando sozinha.

“O que houve?”

   Rin não respondeu. Ela estava agachada, cobrindo os olhos com as mãos, soltando soluços suaves. Coloquei a mão delicadamente em sua cabeça. Eu só queria aliviar sua tristeza de alguma forma.

   Comecei a acariciar sua cabecinha. Continuei fazendo isso até que ela parasse de chorar.

“...Desculpe.”

“Por que você está se desculpando?”

   Perguntei, mas ela apenas balançou a cabeça fracamente. Senti algo frio percorrer minhas costas. Eu estava com medo — com medo de que Rin simplesmente desaparecesse da minha frente.

   Eu tinha que fazer alguma coisa. Motivado pelo impulso, segui uma linha de pensamento simples e fiz uma sugestão.

“Vou te levar para um lugar legal!”

“Um lugar... legal?”

   Concordei. Então, agarrei a mão de Rin e dei um grande sorriso.

 

 

 

 

“Okay, aqui está!”

   Na hamburgueria perto da escola, entreguei a bandeja para Rin, que estava sentada à minha frente.

“Isso é...”

“Hambúrguer teriyaki! Você já ouviu falar?”

   Rin balançou a cabeça modestamente.

“É muito bom. Experimente.”

   Instigada por mim, ela deu uma pequena mordida hesitante.

   Naquele momento, seus olhos, antes abatidos, se arregalaram.

“É... delicioso!”

“Incrível!”

   Dei um suspiro de alívio. Talvez ela estivesse com muita fome — Rin deu mordidas ávidas no hambúrguer.

   Eu também mordi o meu.

“Por que... você me trouxe aqui?”

   Na metade do hambúrguer, Rin olhou para cima e perguntou.

“Porque quando você está triste, comer algo gostoso é a melhor coisa que você pode fazer!”

[Kura: Você é legal.]

   Na época, eu realmente acreditava nisso. Certa vez, quando levei uma bronca por ter me saído mal numa prova, acabei chorando. Mas depois disso, minha mãe me levou ao MacSato. O hambúrguer teriyaki que comi lá estava incrivelmente bom. Minha tristeza desapareceu e me lembro de pensar que me sairia melhor da próxima vez.

   Essa experiência ficou profundamente gravada na minha mente jovem. Eu tinha certeza de que, se Rin comesse um hambúrguer teriyaki, ela também se sentiria melhor — por isso a levei lá. Pensando nisso agora, é incrível que dois alunos do segundo ano tenham decidido parar em uma hamburgueria no caminho da escola para casa, sozinhos. Mas, naquela época, tudo o que eu queria era animar Rin. Não sei exatamente como ela se sentiu em relação ao que fiz.

“Muito... obrigada.”

   Mas uma coisa eu sei: naquele dia, Rin sorriu para mim pela primeira vez.

   Mais uma vez, lembrei-me de quão poderosa uma comida deliciosa pode ser.

“Hum... o dinheiro...”

[Kura: Fofinhos. | Del: Uhum.]

   Depois que saímos da loja, Rin ofereceu timidamente, estendendo sua carteira rosa dobrável.

“Tudo bem. Não se preocupe com isso.”

   Dois hambúrgueres teriyaki — 600 ienes.

   Uma grande despesa para um aluno do ensino fundamental, com certeza. Mas se fez Rin sorrir, foi dinheiro bem gasto.

“M-mas... me sinto muito mal com isso.”

   Ela olhou para baixo, agarrando a carteira com força.

“Então, que tal isso? Me faça um favor!”

“Um... favor?”

   Rin inclinou a cabeça levemente, e eu lhe dei minhas palavras — puras e diretas, sem significados ocultos ou segundas intenções.

“Da próxima vez, vamos sair juntos para algum lugar!”

   Seus olhos claros se arregalaram e, em seguida, se estreitaram lentamente.

   E com um sorriso tão radiante quanto fogos de artifício de verão iluminando o céu noturno, ela respondeu com uma voz alegre:

“...Okay.”

 

 

 

 

“Você é meio que secretamente incrível, Onii.”

   Na segunda-feira de manhã, na sala de estar de casa.

   O comentário da Karen quase me fez derrubar minha xícara de café.

“Espera aí. Eu... acidentalmente encomendei uma irmãzinha de aluguel ou algo assim?”

“Rude! Eu só falei sério — como é impressionante você lançar capítulos todos os dias!”

“E-espera, você acabou de elogiar minha escrita!? Estou tão feliz como se tivesse acordado e encontrado a Syrup enrolada debaixo das cobertas comigo!”

“Bem, considerando que a Syrup não gosta nem um pouco de você, sim, isso seria incrível.”

“Você consegue não me esmagar com a realidade!?”

“Até o Ishikawa-kun da minha turma disse que você é incrível! Ele disse que é raro uma web novel não entrar em hiato, mas sua história é atualizada todos os dias!”

“Convide o Ishikawa-kun para vir aqui um dia desses. Vou recebê-lo como um membro da realeza.”

[Kura: Rapaz, cuidado com ele…]

   Eu provavelmente deveria comprar um peru ou algo assim. Dito isso, atualizações diárias não são exclusivas desta série atual. Postagens frequentes são praticamente essenciais para ganhar leitores, então criei o hábito. Honestamente, atualizar todos os dias exige muita força de vontade, e houve muitas vezes em que quase desisti.

   Mas fiz uma promessa: que me tornaria escritor de novels, não importa o que acontecesse.

“A razão pela qual consegui manter as atualizações diárias é, claro, graças a leitores como a Nira-san e todos os outros. Mas o maior motivo... é a promessa que fiz com a Rin.”

“Nossa, o poder da Rin-taso, hein? Isso é impressionante.”

“Eu juro... não vou parar de escrever até o dia em que meu livro for publicado!”

“Okay, esse é um nível de determinação meio assustador.”

As Aventuras Melosas de Momo é uma obra-prima. Leitura obrigatória.”

   Naquele momento, a campainha tocou na casa.

“Parece que sua amada Rin-taso está aqui, Onii.”

Amada não—”

“Não é?”

“...Não vou negar.”

[Kura: Contra fatos não existem argumentos.]

   Ultimamente, Rin e eu temos nos aproximado — tanto física quanto emocionalmente. E com isso, meus sentimentos por ela só ficaram mais fortes. A ponto de que, mesmo quando Karen me provoca, me pego concordando sem hesitar.

   Tentando me distrair da sensação de cócegas no peito, corri para a porta da frente.

 

 

 

 

   Nossa escola, que adora se autodenominar “de elite,” segue um sistema cruel: classificar as notas dos testes de todos e afixá-las no quadro de avisos da entrada. Hoje era o dia em que os resultados das nossas últimas provas do segundo ano foram afixados, e a entrada estava com a mistura habitual de alegria e desespero.

“145º, hein.”

   Parado um pouco afastado da multidão que comemorava ou chorava pelos resultados, encontrei meu nome e murmurei para mim mesmo.

   De 220 alunos do nosso ano, isso me colocava diretamente na faixa intermediária inferior. Não era boa o suficiente para comemorar, nem ruim o suficiente para me desesperar. Mesmo assim, ano que vem é o nosso último ano — temos provas chegando. Eu realmente preciso começar a levar isso a sério.

“Ei, a Asakura-san está em primeiro lugar de novo.”

“Ela é louca, sério.”

   Olhei para o topo da folha, onde encontrei um nome muito familiar.

   1º Lugar: Asakura Rin

   Só de ver isso acendeu algo ardente no meu peito.

“A Rin-chan ainda é incrível, né?”

   Uma voz familiar cutucou meus tímpanos ao meu lado.

“Representante.”

“Pode me chamar de Yuumin, sabia?”

   Hashimoto-san, a representante da turma, riu com a mão sobre a boca.

“Em que lugar você está?”

“220º!”

“Hã... espera, esse é o último lugar!”

“Representantes de turma nem sempre precisam ser os melhores alunos, sabe?”

“Ehe~” ela riu com seu sorriso despreocupado de sempre.

“Época de provas do ano que vem, sabe?”

“Sem problemas! Eu só não atingi meu limite ainda!”

“Esse é exatamente o tipo de pessoa que nunca atinge seu limite.”

   Mesmo assim... Olhei de volta para a folha de classificação e murmurei para mim mesmo depois de ver o nome de Rin novamente.

“Ela é mesmo incrível.”

   A Rin que eu conhecia — que era péssima em estudos e esportes — desapareceu completamente. Não é surpresa. Eu a vi trabalhar duro, de forma constante e consistente, mais do que qualquer outra pessoa.

   É por isso que eu deveria me orgulhar, como seu amigo de infância, de vê-la tendo tanto sucesso. E, no entanto... essa sensação latente no meu peito continua crescendo. O que é exatamente?

“Yonekura-kun.”

   Eu me virei. A expressão de Hashimoto-san estava estranhamente séria.

“A Rin-chan não se importa, sabia?”

   As palavras dela me atingiram profundamente.

“...Eu sei.”

   Eu sei. Melhor do que qualquer pessoa. E é exatamente por isso que — ao me comparar a ela tão claramente assim — parecia que alguém tinha pressionado um fósforo aceso dentro do meu peito.

 

 

 

 

“Rin, você cozinha muito bem.”

   Pausa para o almoço. Como de costume, terminei o bento caseiro especial da Rin e compartilhei meus pensamentos sinceros.

“Tenho recebido algumas dicas ultimamente.”

“Ah? De quem?”

“Da Hiyorin.”

“Ah, Arimura-san.”

   Arimura Hiyori — uma das poucas amigas da Rin.

   Minha impressão pessoal? Uma beleza alegre, enérgica e animada.

“A Arimura-san cozinha bem?”

“A Hiyorin é basicamente nível profissional. Se ela abrisse um restaurante, ele atingiria uma classificação 4+ no MealLog em uma semana.”

“Ela é um monstro.”

   A maneira mais rápida de melhorar em algo é aprender com alguém que domina o assunto.

   Por essa lógica, Arimura-san deve ter sido a mentora perfeita.

“Se a sua comida é tão boa mesmo depois de estar embalada em uma caixa de bento, nem consigo imaginar o quão boa deve ser fresca.”

[Del: Sua próxima ação será convidá-lo para comer em casa, mesmo sendo um comentário casual. | Kura: Entendeu o que ele quer não é?]

   Foi apenas um comentário casual. Mesmo depois de horas sentado, a comida dela era boa o suficiente para me fazer sorrir sem pensar. Se eu pudesse comê-la fresca, minhas bochechas poderiam até cair de alegria. Não havia intenções ocultas no que eu disse.

“...Você gostaria de vir comer?”

“Eh?”

   Deixei escapar um som de perplexidade. Embora seus olhos se desviassem um pouco, Rin perguntou novamente, desta vez com uma clara determinação na voz.

“Você gostaria de almoçar... na minha casa?”

 

 

 

 

“Obrigado por me receber!”

[Kura: Isso é o que chamo de rapaz safado…]

   Sábado, por volta do meio-dia. Entrei pela porta da frente da família Asakura pela primeira vez em anos.

“Bem-vindo!”

   A mãe de Rin, Kaoru-san, foi receber na porta. De rosto gentil, mas com um ar sereno e digno — bem o tipo de mãe “afiada e correta”.

   Se bem me lembro, ela é uma espécie de mestre de kendo.

[Del: Kendo, ou “caminho da espada”, é uma arte marcial de espadas clássica japonesa, e, diferente do Kenjutsu, uma arte mais ampla e tradicional, ligada aos tais samurais, o Kendo é mais esportivo e moderno.]

“Faz tempo, Kaoru-san.”

“Faz mesmo! O quê, cinco anos?”

“Já faz tanto tempo?”

“Mhm. Você cresceu tanto — você é um jovem de verdade agora.”

“Você não mudou nada, Kaoru-san.”

“Nossa, que coisa mais fofa de se dizer!”

[Kura: Ganhar a sogra  (✓) CONFERE.]

   Ela segurou a bochecha com um sorriso radiante. Com uma expressão tão animada, era difícil acreditar que ela era a mãe da Rin. Isso, sinceramente, me fez questionar tudo o que eu tinha acabado de aprender sobre a genética mendeliana.

   Tirei os sapatos e pisei no chão de madeira. O aroma familiar da casa de Asakura trouxe uma onda de nostalgia.

“Obrigada por vir hoje.”

“Não, obrigado! Quer dizer, eu vou poder comer a comida da Rin hoje!”

“Hehe, que bom ouvir isso. A Rin está trabalhando duro na preparação desde cedo, hoje de manhã—”

   Barulho! Pisoteio pisoteio pisoteio! Rin veio correndo de algum lugar da casa.

“Mãe! O que você está dizendo? Eu não estava me esforçando nem nada! De jeito nenhum!”

“Mas você estava animada, não é? Você ficava olhando para a sacada, tipo: ‘Ele já chegou?’”

“V-você pode ir se preparar para o seu treino agora! Por favor!”

   Rin levou Kaoru-san pelo corredor, praticamente a empurrando.

“Nossa, nossa. Alguém está tímida hoje. Pois bem, Tohru-kun, sinta-se em casa~!”

   Com isso, Kaoru-san desapareceu nos fundos, deixando apenas Rin e eu parados no corredor.

“Ei, Rin.”

“...O quê?”

“Obrigado por acordar cedo.”

   Coloquei minha mão delicadamente em sua cabeça.

“...Não se preocupe. Você está tirando um tempo do seu precioso fim de semana, então é claro que eu tive que me preparar completamente. É justo.”

“Entendo, entendo.”

   Sentindo-me estranhamente feliz, continuei afagando-lhe a cabeça delicadamente.

“Mm...”

   Rin estreitou os olhos como se estivesse se aconchegando em um cobertor quentinho — como uma criança sonolenta.

   Quando puxei minha mão, Rin de repente voltou à vida como uma protagonista que saltou no tempo e voltou do futuro.

“A-aham! V-vamos comer logo!”

“‘Aham’?”

   Não consegui conter uma risada.

“Ca-cala a boca. Acordei cedo e só estou um pouco cansada, okay? Não é como se os tapinhas na cabeça tivessem me relaxado nem nada... nya...”

   Ela mordeu a língua novamente.

“Se você rir mais, vou tirar seus hashis.”

“Isso não é... um castigo surpreendentemente severo!?”

   Eu estava perigosamente perto de ser arremessado de volta à era Jomon. Com minha cara mais séria, segui Rin obedientemente como um assistente pessoal.

[Kura: Jomon foi o período pré-histórico do Japão.]

 

 

 

 

“Uau! Isso parece incrível!!”

   No segundo em que vi a variedade de pratos divinos e radiantes dispostos à minha frente, não consegui conter minha voz de alegria.

   Uma panela quente cozida no vapor com repolho e barriga de porco, cebolinha e ovos refogados, daikon desfiado cozido e takikomi gohan de broto de bambu. Cada prato estava fervendo — o vapor subindo como uma coroa de glória — e o aroma que emanava deles me embrulhava o estômago em antecipação.

“Isso é incrível! Estes são todos os meus favoritos!”

“Bem, eu sou sua amiga de infância.”

   Rin estufou o peito orgulhosamente, o nariz ligeiramente empinado.

“Você já comeu?”

   Perguntei, curioso.

“Sim, já comi um pouco. A degustação me deixou satisfeita.”

“Você fez tanto teste de degustação?”

   Rin estremeceu visivelmente. Dez anos de amizade de infância acionaram minha intuição.

“Não me diga... você ficou provando de novo e de novo até ficar satisfeita com o resultado?”

“P-por favor, coma logo! A temperatura é crucial para saborear pratos fresquinhos!”

“C-certo. Okay então — obrigado pela refeição!”

   Juntei as mãos e peguei meus hashis. Primeiro: a panela quente. Enrolei uma tira de barriga de porco em volta do repolho, mergulhei-a no ponzu de cebolinha e dei uma mordida. Num instante, meus olhos se abriram.

“Isso é incrível!”

   Assim que o sabor do ponzu me atingiu, sucos saborosos explodiram na minha língua. A doçura da carne de porco, a textura do repolho, o sabor da cebolinha — todos os sentidos foram tomados por ondas de umami. Não consegui evitar inclinar a cabeça para trás em êxtase. Incapaz de resistir, peguei um pouco do arroz quente de broto de bambu também.

“...Estou tão feliz.”

   Do outro lado da mesa, ouvi a voz de Rin — cheia de alívio e alegria. Mesmo enquanto ela falava, meus hashis continuavam se movendo. A cebolinha refogada tinha um amargor suave, perfeitamente suavizado pelo ovo mole.

   O daikon ralado cozido era simples, mas seus ingredientes brilhavam com sabor. Tudo estava delicioso.

“Delicioso, delicioso,” repeti como um papagaio enquanto saboreava cada pedaço da comida de Rin.

“Isso é realmente incrível — obrigado.”

“De nada.”

   Rin deu um sorriso radiante, com seu rosto se iluminando.

   E ao lado dela, continuei saboreando cada pedaço de sua refeição caseira.

 

 

 

 

“Quer vir para o meu quarto?”

“Hã?”

   Aquela oferta surgiu do nada, logo depois de eu ter comido até o último grão de arroz do meu prato. Minha reação foi como quando todo mundo começa a entregar uma tarefa de casa que você nem sabia que existia.

“Você veio em um precioso dia de folga, então pensei em providenciar um espaço agradável e tranquilo para conversarmos. É simplesmente um capricho de deusa, nada mais.”

[Kura: Suspeito…]

“Rin-sama, a essa altura, seus caprichos são basicamente o comportamento padrão.”

“Nop. Caprichos. Apenas caprichos.”

[Kura: Não sei se “nop” está certo, mas vou deixar porque resume o Del kkk]

   Claramente não era um capricho. Rin queria um tempo aconchegante comigo no quarto dela.

   No ensino fundamental, costumávamos ficar no quarto dela o tempo todo. Isso parecia uma extensão natural disso.

   Sem nenhum significado oculto — provavelmente.

“Só para você saber, ao contrário de alguém, eu não guardo nada constrangedor no meu quarto.”

“E-ei! Eu também não tenho nada indecente!”

“Eu disse constrangedor, não indecente. Foi você quem pulou direto para o indecente, o que me faz pensar que tipo de coisas indecentes seu cérebro imundo estava imaginando.”

“N-nada! E só para constar, eu também não tenho nada constrangedor!”

“E aquele caderno que você apagou completamente com caneta permanente?”

“Espera — como você sabe disso?!”

“Importa?”

“Claro que importa! Era um item confidencial de alto nível, proibido de tocar! Praticamente o documento do meu último desejo!”

   Brigando o tempo todo, entramos no quarto de Rin.

   Cortinas rosa. Uma cama com um bichinho de pelúcia de gato. Tapete limpo com uma almofada fofa, do tipo que destrói humanos. Enfeites fofos arrumados em uma estante.

[Del: Aspira*! É o sofá do diabo. | Kura: Kkkkkkk Dessa vez o Yoru não invocou ele com aquele feitiço lá.]

   Era inconfundivelmente o quarto de uma garota. E, de alguma forma, o espaço me deixou um pouco inquieto.

“Ah... droga. Este lugar pode me arruinar.”

   Como o nome prometia, a almofada “que te arruína” me fez afundar nela, pronto para desistir da vida de vez.

[Del: Eu disse! Ele te fará sucumbir.]

   Rin, sentada com a postura recatada na cama, me lançou um olhar frio.

“Você já não estava arruinado para começo de conversa?”

“Obrigado pela resposta clássica. Mas, falando sério, isso não é incrível? É como tirar um cochilo em uma nuvem.”

“É muito mole. Você vai cair e virar um Buda em segundos.”

“Provavelmente é uma daquelas nuvens densamente compactadas!”

“Uma cúmulo-nimbo, então? Você será carbonizado até virar cinzas por um raio dentro dela.”

“Eu consigo sentir sua forte vontade de me apagar da existência.”

“Se você ascender, vai ficar mais perto das nuvens e fazer amizade com elas, certo?”

“Isso se chama morrer, não é?”

   Estávamos retomando nossa brincadeira de sempre quando meus olhos pousaram em algo familiar.

“O que houve?”

“Ah, não...”

   Apontei em uma direção, e Rin instintivamente seguiu meu olhar.

“Você... ainda tem aquele charme, hein.”

   Na mesa de Rin, pendurado ao lado do abajur, havia um omamori rosa pastel.

“...Ah.”

   Rin rapidamente cobriu a boca com o punho. Sua expressão dizia tudo:

Droga.”

   Aquele pingente foi algo que eu dei a ela dez anos atrás, por um motivo específico. Naquela época, meu eu bobo do ensino fundamental não fazia ideia de que era esse tipo de pingente — especificamente, um pingente de amor.

   Eu não conseguia ver o que estava escrito dali, mas sabia que devia dizer algo como “Sucesso em Realizar o Desejo do Seu Coração”. As bochechas de Rin coraram profundamente. E um ar estranho se instalou na sala.

“V-você realmente guardou esse tempo todo, hein!”

   Tentando quebrar o silêncio constrangedor, deixei escapar algo seguro.

“...É muito importante para mim.”

   Rin falou com a emoção transparecendo em sua expressão, abraçando um bichinho de pelúcia com força contra o peito.

   Então, sem aviso, ela se levantou e caminhou até mim.

“Uhm, Rin?”

“Se importa se eu sentar ao seu lado?”

   Ela disse isso com tanta naturalidade que instintivamente me virei para o lado.

   Rin se acomodou delicadamente no espaço ao meu lado. A almofada “arruína-você” foi, como anunciada, feita para arruinar vidas — com espaço suficiente para duas pessoas sentarem ombro a ombro.

“Tohru-kun.”

   Um calor pressionou meu braço esquerdo — um que não era meu.

“Acordei cedo hoje e fiz o meu melhor.”

“S-sim. Obrigado. Agradeço muito.”

   Rin se remexeu ao meu lado, balançando levemente.

   Eu podia ouvir sua respiração irregular, o suave farfalhar do tecido. A tensão que emanava dela era palpável.

“E... estou me sentindo um pouco cansada agora.”

“...Oh?”

“Você sabia, Tohru-kun?”

   A vermelhidão em suas bochechas se espalhou por todo o rosto.

“Dizem que um abraço pode aliviar um terço do seu cansaço.”

   Rin abriu os braços desajeitadamente em minha direção — um gesto claro para um abraço.

“...Hum, Rin-san?”

“Não me entenda mal. Estou sugerindo um abraço apenas como um meio de recuperação rápida e eficiente da fadiga. Só isso. Nada mais profundo, sério.”

“Você disse isso duas vezes, então eu entendi essa parte.”

[Del: Diabetes intensifies. | Kura: Por isso o Amane se gruda na Mahiru e virse versa.]

   Essa foi praticamente a única parte que entendi. Eu não fazia ideia do que se passava na cabeça dela.

   Ela olhou para mim, os lábios tremendo, os olhos implorando silenciosamente: anda logo.

   Será que algo a desanimou? Ou talvez ela só precisasse de conforto, como disse. Seja qual for o motivo... Rin claramente queria um abraço.

   Não havia universo onde eu pudesse rejeitá-la agora. Rin havia me pedido um abraço.

   E mais do que por quê, o que eu sentia era simples: felicidade.

   Sem dizer uma palavra, envolvi meus braços em volta das costas de Rin, puxei-a para perto e a abracei com força.

“Fuaa...”

   Um som suave e comovente escapou dos lábios dela, tremendo em meus ouvidos. Mais macia que a almofada, mais quente que eu, mais doce e reconfortante que qualquer coisa — seu cheiro, seu cabelo delicado roçando meu nariz, tudo me envolvia.

   Eu conseguia ouvir tudo — o batimento cardíaco de Rin, sua respiração, o farfalhar de nossas roupas, até mesmo o tique-taque do ponteiro dos segundos no relógio. No entanto, os sons do mundo exterior não me alcançavam. Era como se este quarto tivesse sido isolado da realidade.

   Envolto em uma suave sensação de êxtase, a sonolência puxou suavemente minhas pálpebras.

   Então Rin aninhou o rosto no meu ombro. O jeito como ela se aconchegou em mim, como uma gatinha, me inundou de carinho. Quase por reflexo, coloquei a mão em sua cabeça e passei os dedos por seus cabelos.

“Nn...!”

   Ela soltou um pequeno suspiro de surpresa, mas continuei passando os dedos delicadamente por seus cabelos macios.

   Como acalmando um bebê, a acariciei suavemente.

“Obrigado... por guardar o pingente.”

   Embora eu tenha deixado a frase no ar, ela pareceu entender.

“...Eu deveria ser a pessoa que te agradece.”

   Rin agarrou minha camisa com força — como uma criança se agarrando em busca de conforto.

“Será que... funcionou?”

   No segundo em que disse isso, meu rosto queimou por dentro, como se tivesse pegado fogo. Eu disse isso porque queria saber o que Rin sentia por mim. Me arrependi um pouco.

“Talvez… na metade?”

“Na metade...?”

   O sussurro perto do meu ouvido carregava tantas camadas: constrangimento, vulnerabilidade, felicidade, culpa. Eu não conseguia entender o verdadeiro significado por trás daquelas quatro sílabas vagas que Rin havia me deixado.

   Continuei acariciando sua cabeça. Por um tempo, simplesmente ficamos ali, corpos próximos um do outro.

“...Desculpe, Tohru-kun.”

   Seu suave pedido de desculpas quebrou o silêncio. Ao mesmo tempo, os braços em volta das minhas costas se soltaram lentamente.

   Bem na minha frente, seu pequeno corpo subia e descia a cada respiração.

   Com as bochechas coradas como o sol da manhã, Rin falou com uma voz cálida e carregada de emoção.

“Mais do que isso... e eu posso desmoronar.”

   Meu coração disparou.

   A expressão em seu rosto — uma que eu nunca tinha visto antes — fez o sangue correr por mim como se estivesse fervendo. Aquele rosto... parecia o de uma garota apaixonada.

     ...É. Isso mesmo. Não há mais como negar.

   As memórias das últimas duas semanas passaram pela minha mente em um flash. Quando ela me convidou para irmos para casa juntos. Quando ela me fez um bento. Quando ela me convidou para ir ao cinema.

   Quando ela me convidou para almoçar. Quando ela me fez uma refeição caseira. Quando ela me deixou fazer carinho na sua cabeça. Quando ela me deixou abraçá-la.

   Algo claramente havia mudado. Por que Rin de repente se tornou tão atrevida?

   Por capricho? De jeito nenhum.

   Minha intuição de amigo de infância insistia — havia uma intenção clara por trás de tudo o que Rin fizera recentemente.

   E então, uma conclusão começou a surgir claramente em minha mente.

   Uma hipótese que eu mantinha selada no fundo do meu coração.

   Que — assim como eu sentia algo por Rin... Rin também sentia algo por mim.

“Rin.”

   Ela olhou para mim. Sim? Seus olhos diziam.

   Abri a boca e depois a fechei. Abri novamente e depois a fechei mais uma vez.

“...Não é nada.”

   Rin inclinou a cabeça, confusa. Sem jeito, estendi a mão e a coloquei em sua pequena cabeça.

   No final, não consegui me forçar a perguntar.

   Mas, naquele momento, só havia uma resposta possível.

   Tudo o que Rin fizera ultimamente — era sua maneira de se aproximar de mim.

   Em outras palavras, Rin também sentia algo por mim. Não havia outra maneira de interpretar.

   E se isso fosse verdade... então eu estava feliz. Tão feliz.

   Tão feliz que eu queria pular, correr e gritar para o mundo. Mas ainda assim.

   ...Eu não podia dizer a ela como me sentia. Ainda não.

   Porque eu ainda estava—

   Cerrei meu punho.

   Sem que Rin percebesse, apertei-o com tanta força que meu braço inteiro tremeu.

 

 

 

 

“Tohru-kun, você quer ser escritor, certo?”

   Um dia, na terceira série. Depois da escola, na biblioteca, Rin me perguntou isso enquanto eu estava escrevendo.

“Sim! Quero sim!”

   Respondi imediatamente. Rin apertou os lábios, como se estivesse se preparando, e então abriu a boca nervosamente.

“Isto é...”

   Ela me estendeu algo com a rigidez de um robô mal lubrificado. Reconheci imediatamente.

“Um amuleto?”

   Um pingente azul bordado com kanjis intrincados.

“Sim. Acho que se pronuncia shingan jouju? Dizem que é um pingente que realiza sonhos, e... bem...”

   Seu olhar, que estava vagando sem rumo, fixou-se no meu.

“Eu só pensei que... talvez pudesse ajudar, mesmo que só um pouco.”

   Sua voz era quase inaudível. Suas bochechas estavam vermelhas como o sol matinal, e seus olhos redondos brilhavam de inquietação.

“Obrigado! Estou bastante feliz!”

   Rin me deu um presente para apoiar meu sonho. Claro que eu estava feliz.

“Com isso, combinamos!”

   Lembrei-me do pingente rosa pastel que havia dado a Rin antes e sorri ao dizê-lo.

“Sim. Combinamos.”

   Rin repetiu a palavra suavemente, como se estivesse saboreando, e então deu um sorriso tímido.

“Farei o meu melhor. Vou me tornar um escritor, não importa o que aconteça.”

“Sim. Vou torcer por você.”

   A garota de quem eu gostava estava torcendo por mim. Isso significava que eu tinha que fazer acontecer.

   Eu acreditava de todo o coração que eu poderia me tornar um grande escritor de novels.

   Nem uma vez considerei a possibilidade de não conseguir.

“Você é formidável. De verdade.”

   Rin sussurrou isso com um olhar de pura admiração.

   Apertando os punhos, ela falou com uma voz baixa, mas apaixonada.

“...Eu também preciso me esforçar.”

   Se bem me lembro, foi no dia seguinte.

   Que Rin começou a trocar seus mangás por livros didáticos durante nosso horário de biblioteca depois da escola.

 

 

 

 

“...Eu realmente não sou formidável.”

   Depois de saborear a refeição caseira de Rin, voltei para casa.

   Enquanto olhava para o item guardado na gaveta da minha escrivaninha, as palavras escaparam de mim.

   Um pingente azul com a inscrição 心願成就 — “desejo realizado”.

   Sua cor havia desbotado bastante.

“Mas ainda assim...”

   Agarrando o pingente com força, deixei as palavras saírem dos meus lábios, cheias de vida.

“Eu tenho que continuar.”

   Prometi a Rin. Que me tornaria um escritor, não importa o que acontecesse.

   Então eu tenho que fazer. Não importa o que aconteça, eu preciso fazer acontecer.

   Eu tenho que me tornar um escritor de novels para poder ficar ao lado de Rin.

     Do jeito que estou agora... não é o suficiente.

   Apoiei as mãos na mesa e olhei por cima do ombro.

   Havia dois motivos principais pelos quais eu não conseguia aceitar completamente os sentimentos de Rin.

   Uma era minha baixa autoestima — a crença de que alguém tão perfeita e bonita quanto Rin jamais poderia se apaixonar por alguém como eu. Mas isso se provou errado por suas palavras e ações recentes.

   A outra... era que eu não conseguia me perdoar. Porque do jeito que estou agora, não sou bom o suficiente para ficar ao lado dela.

   Asakura Rin — a melhor da turma, ótima nos esportes, habilidosa nas artes. Uma beldade de alto nível em todos os sentidos.

[Kura: Parou para olhar que ela se tornou assim por você?]

   E eu? Academicamente e atleticamente abaixo da média, e quando se trata de artes? No fundo do poço.

   Todo o tempo que eu deveria ter dedicado a essas coisas — eu o dediquei totalmente à escrita.

   E, no entanto, ainda não há sinal de que algo esteja florescendo.

   Fiz essa promessa à Rin, e olhe para mim. Não realizei nada.

   É por isso que eu não queria me confessar para ela assim. Eu não queria ficar ao lado dela assim.

   De repente, a voz de Hashimoto-san ecoou em minha mente:

“A Rin-chan não se importa com isso, sabia?”

     Eu sei disso. Eu me importo.

   Mas sou eu quem não consegue aceitar — eu não consigo me perdoar.

   Pendurei o pingente no meu abajur, onde sempre podia vê-lo. Sentei-me na cadeira, abri meu laptop, liguei meu processador de texto e mergulhei silenciosamente no mundo da minha história.

   O sol se pôs. Mesmo quando me chamaram para jantar, continuei escrevendo.

   Continuei girando a história, palavra por palavra.

 

 

 

 

“Yonekura-kun, você não parece um pouco cansado hoje?”

   Hora do almoço. Quando me levantei da minha cadeira, a representante da turma, Hashimoto-san, veio até mim e falou.

“Estou com uma aparência tão ruim assim?”

“Hmm... Seus olhos parecem meio caídos, sabia?”

“Sério?”

   Esfreguei os olhos, grogue. De fato, minhas pálpebras estavam mais pesadas do que o normal — secas e caídas.

“Provavelmente privação de sono.”

   Eu tinha escrito até tarde ontem à noite, então essa provavelmente era a causa.

“Entendo.”

   Hashimoto-san bateu palmas em sinal de compreensão e assentiu.

“Você não deveria ficar acordado até tão tarde, sabia?”

   Ela ergueu o dedo indicador bruscamente, me repreendendo como uma criança desobediente do jardim de infância.

“Farei o meu melhor.”

“Isso é código para ‘não vai acontecer,’ não é?”

   Com as mãos na cintura, Hashimoto-san me lançou um olhar irônico e severo, tipo, o que eu vou fazer com você? Mesmo assim, ela era apenas uma representante da turma — sem obrigação ou autoridade para gerenciar os horários de sono dos colegas, então não insistiu no assunto.

“A propósito, como estão as coisas com a Rin-chan ultimamente?”

“Hã? Como... estão?”

“Exatamente o que disse.”

   Com um sorriso radiante e puro, ela me pegou completamente desprevenido, me deixando sem palavras.

“Sei lá... acho que está tudo bem normal?”

“Ei, sem desviar o olhar.”

“E-eu não estou desviando o olhar, okay? Espera, por que você está dizendo isso de repente?”

“Hmm? Sem motivo específico, na verdade. Só...”

“Só?”

   Com um sorriso, Hashimoto-san respondeu:

“Você tem parecido bem feliz ultimamente, Yonekura-kun. Então eu estava me perguntando se as coisas estão indo bem com a Rin-chan.”

     O que “indo bem” significa neste contexto?

   Eu conseguia adivinhar o que ela queria dizer, mas preferi não me aprofundar. O que mais me chamou a atenção foi a primeira coisa que ela disse.

“Eu realmente tenho parecido tão feliz assim?”

“Sim, você parece tão cheio de vida.”

   Ao ouvir suas palavras, toquei meu queixo, me perguntando se era verdade. Pensando bem, eu provavelmente estava me sentindo mais otimista do que o normal ultimamente.

“Ei, representante.”

“Pode me chamar de Yuumin, sabia?”

“Isso é uma hipótese, okay?”

   Mesmo sabendo muito bem que o que eu estava prestes a dizer era tudo menos hipotético, decidi tocar no assunto.

“Se uma garota, digamos... preparasse o almoço para um cara, ou o convidasse para sair, ou o convidasse para a casa dela... isso não é exatamente normal, certo?”

   Minha pergunta constrangedora fez Hashimoto-san piscar, obviamente confusa. Mas ela rapidamente bateu palmas em sinal de compreensão.

“Ah, entendi.”

   Depois de fazer uma cara pensativa e exagerada, ela respondeu em um tom relaxado.

“Bem, você sabe, o que é considerado ‘normal’ varia de pessoa para pessoa, então não posso dizer com certeza, mas...”

   Ela me deu o sorriso mais caloroso.

“Pelo menos para mim... eu só faria essas coisas por alguém de quem eu gostasse.”

“...É, faz sentido.”

   Obviamente, pensei enquanto coçava a nuca. Era tão óbvio que me fazia sentir idiota.

   Acho que, mesmo agora, eu só queria um pouco de segurança.

“Obrigado, Hashimoto-san.”

“Ooh, você mudou a forma como me chama!”

“Prefere que eu continue com ‘representante’?”

“Por que você está andando para trás?”

   Ela riu baixinho, cobrindo a boca com a mão.

“Bem, eu tenho um lugar para ir.”

“Vai ver a Rin-chan e seu almoço de novo hoje?”

“Você sabia?”

“Bem, sim, dã?”

   Ela sorriu, um sorriso cúmplice que pareceu me penetrar.

“B-Bem, então, até mais.”

“Okay~”

   Sentindo uma pontada no peito, saí rapidamente.

 

 

 

 

“Aqui está.”

“O-Oh, obrigado.”

   Na sala multiúso. Como sempre, Rin me entregou seu almoço feito em casa.

“O que houve? Sua voz está um pouco mais aguda do que o normal hoje.”

“Você consegue perceber algo assim?”

“Claro. Somos amigos de infância.”

   Assim que ela disse isso, Rin se inclinou e se pressionou suavemente contra meu braço.

   Um gesto completamente natural, como se ela fizesse isso o tempo todo. E foi exatamente por isso que minha voz ficou um pouco mais aguda.

   A distância entre nós — finalmente havia se tornado zero.

   Na semana passada, ainda havia espaço para um punho cerrado entre nós.

“O que houve?”

“Hã... não, não é nada...”

   Ela me olhou como se dissesse: Não fiz nada de estranho, fiz? Me vi sem palavras.

   Eu sabia que, se tocasse no assunto, ela responderia exatamente como eu esperava, então engoli o pensamento.

“...Obrigado pela comida.”

   Fazendo o possível para manter a calma, juntei as mãos. Seu calor familiar e seu aroma doce fizeram meu coração disparar enquanto eu pegava sua refeição caseira. Como de costume, estava repleta de todas as minhas comidas favoritas... e, no entanto, por algum motivo, eu não conseguia sentir o gosto de nenhuma delas.

   Depois que terminamos de comer, Rin e eu nos sentamos em silêncio, para variar, apreciando o silêncio.

   Uma brisa quente de primavera farfalhava as cortinas e roçava suavemente nossas bochechas.

   Os sons cotidianos que ecoavam pela escola pareciam mais altos do que o normal contra meus tímpanos.

   Rin permaneceu pressionada contra mim, imóvel.

   Era como uma gata perdida, finalmente reunida com sua mãe, agarrando-se a mim e dizendo: sinto sua falta. Eu tinha uma boa ideia do motivo pelo qual Rin havia diminuído a distância entre nós daquele jeito.

   Na verdade, eu só tinha bons palpites. Suas recentes mudanças de comportamento em relação a mim — isso parecia uma continuação daquilo.

   No momento em que eu pensava nisso, minhas pálpebras começaram a pesar.

   Era uma combinação de sonolência pós-almoço, causada por um pico de açúcar no sangue, e a simples e velha privação de sono. Mas, mais do que tudo, era porque alguém que eu amava muito estava bem ao meu lado, me permitindo experimentar um momento de calma.

   Era como vestir um pijama confortável e me sentir envolto em calor.

“Você está com sono hoje?”

   Enquanto eu esfregava os olhos, Rin me perguntou:

“Dá para perceber?”

“Afinal, somos amigos de infância.”

   Ao ouvi-la dizer aquela frase familiar, acrescentei:

“Fiquei acordado até tarde ontem à noite.”

“Entendo. Seu delinquente.”

“Só ficar acordado até tarde já me torna um delinquente?”

“Aposto que você estava vagando por aí à noite com um cosplay de Australopithecus, né?”

“Isso é só estar nú! Isso não é cosplay!”

“Nunca pensei que você fosse tão pervertido, Tohru-kun. Que decepção. Mas ainda não é tarde demais — vamos nos entregar juntos, okay?”

“Que tal você tentar resumir como é ser tratado como um criminoso sem nem sair de casa — em 15 caracteres ou menos.”

Minha vida inteira arruinada de uma vez?

“É, exatamente isso!”

   Rin cobriu a boca enquanto ria, claramente se divertindo.

   Mas foi só por um instante. Sua expressão rapidamente voltou ao normal quando ela perguntou:

“Você estava escrevendo?”

“...Sim.”

   Desta vez, me senti um pouco culpado.

“Entendo.”

   Sua voz, um pouco mais monótona do que o normal, carregava um toque de melancolia.

“Por favor, não se esforce demais.”

   Ela está preocupada comigo. Só esse pensamento encheu meu peito de calor.

“Obrigado.”

   Dei um tapinha gentil na cabeça de Rin. Ela fechou os olhos, satisfeita.

   Uma leve sensação de culpa cresceu dentro de mim.

 

 

 

 

“Tudo bem... e postado.”

   Quarta-feira de manhã, na sala de estar em casa.

   Depois de terminar a atualização do meu romance, tomei um gole de café preto para acalmar minha boca seca.

“Bom trabalho, Onii.”

   Karen disse do outro lado da sala, com a boca cheia de sanduíche quente.

“Ufa...”

“E aí, Onii? Você está meio sem energia hoje.”

“Sério? Me sinto como sempre.”

“Seus comentários estranhos de sempre não têm graça.”

“Então esse é o padrão agora? Se estou me sentindo bem ou não depende de quão estranho eu pareço?”

   Dito isso, Karen não estava errada. Desde o início da semana, eu estava preso em um estado crônico de exaustão.

“Aumentei minha agenda de lançamento, então tenho ficado acordado até um pouco mais tarde ultimamente.”

   Até agora, eu só fazia postagens matinais. Mas, a partir desta semana, mudei para duas atualizações por dia — manhã e noite.

   O que significava que eu estava indo dormir cada vez mais tarde só para cumprir a atualização noturna.

“Não exagere, Onii.”

“Você é mesmo a Karen?”

“Se você disser algo como ‘irmãzinha de aluguel’ de novo, vou arrancar a maçaneta do seu quarto.”

[Kura: Oloco meu, preciso de uma irmã dessas. | Del: Masoquista?]

“Okay, isso seria um problema — por favor, não faça isso!”

   Ping!

“Ah, lá vamos nós de novo.”

“Nira-san?”

“Muito grata, como sempre.”

   Aliás, a Nira-san sempre me manda um feedback assim que eu posto o capítulo da noite também.

     Quando a Nira-san dorme, sinceramente...?

{“Este capítulo também foi ótimo! O Ryosuke realmente provou seu valor — dar um anel para a Maika foi um momento de derreter o coração. (Embora eu esteja curiosa para saber por que o anel era feito de bambu.) A história vai terminar em breve? Vou aproveitar até o final. Obrigada, Autor-sama! P.S.: Agradeço o ritmo rápido das atualizações, mas, por favor, não se sobrecarregue demais.”}

“Ahh... Nira-san, obrigado de novo...”

   É verdade que aumentar a frequência das atualizações tornou as coisas mais estressantes. Mas, mesmo assim, o que me manteve firme foram mensagens como esta — palavras de incentivo da Nira-san e de todos os leitores. Eu é que deveria estar agradecido, sinceramente.

“Ei, Onii, sua história vai acabar logo?”

   A pergunta da Karen me fez estremecer.

“E-E-Espera, Karen!? Não me diga que você leu minha história até o último capítulo...!”

“Eu tentei, mas tropecei na metade da segunda linha da sinopse.”

   Agora me sinto como se tivesse tropeçado ouvindo isso.

“Ah, você quer dizer o Ishikawa-kun?”

“Sim, sim. Ele disse que parece que está chegando ao fim.”

“Aquele garoto sendo capaz de sentir o ritmo da história nessa idade... ele tem potencial.”

   Eu estava começando a querer conhecê-lo. Assim que eu terminar de escrever, vou decidir a data da festa.

“Você já tem uma ideia para a sua próxima história?”

“Claro!”

   Dei um firme sinal de positivo para ela.

“A próxima vai ser um isekai hardcore! Um protagonista azarado é expulso do grupo, desperta uma habilidade superpoderosa e se reergue!”

“Ah, então você vai voltar para a fantasia de novo?”

   Ela perguntou, e o polegar orgulhoso que eu havia levantado lentamente perdeu a confiança.

“É... senão, ser publicado é praticamente impossível.”

“Hmmm...”

“O que foi?”

“Não sei... Você parece estar se divertindo mais escrevendo o seu atual, então acho que me sinto meio confusa.”

   Entendi exatamente o que ela quis dizer.

   É verdade. Quando se trata de quanta diversão estou tendo enquanto escrevo, esta série de comédia romântica tem sido, de longe, a mais agradável.

“Mas eu meio que cheguei ao ponto em que não posso mais ser exigente...”

   Aquela promessa que fiz com Rin — me tornar escritor. Isso significava ter minha história publicada pelo Vamos Ganhar a Vida Escrevendo Novels!

   E para ser publicado, tudo se resumia a quanta repercussão eu conseguiria no Vamos Ganhar a Vida Escrevendo Novels!

   Uma olhada nos rankings deixa claro: a maior demanda da plataforma é por histórias isekai — especialmente aquelas com habilidades de trapaça, protagonistas poderosos e clichês de harém.

   Se eu quiser almejar uma publicação eficiente, preciso escrever esse tipo de isekai.

   Quanto maior for a demanda por uma história, mais ela é lida, favoritada e avaliada.

   Com classificações mais altas, vêm classificações melhores, o que aumenta a probabilidade de chamar a atenção de uma editora.

   É uma equação simples.

   Até então, só escrevi isekai. Mas, seja por um estilo de escrita ruim ou por falta de habilidade, nunca cheguei a ultrapassar o limite necessário para publicação. Sempre cheguei perto, mas nunca tive notícias de uma única editora.

   Isso me deixava meio vazio. É por isso que, quase por impulso, decidi tentar escrever uma comédia romântica desta vez.

   Embora as comédias românticas tenham menos demanda em comparação com os isekai, algumas ainda conseguem ser publicadas. Estudei o gênero, escrevi algo que se encaixasse nessas tendências e publiquei.

   Parte de mim até esperava — talvez desta vez funcione... Mas, bem, você pode imaginar como isso acabou.

   Visualizações de página, favoritos, avaliações — nada disso chegou perto do que minhas histórias isekai receberam. Foi aí que percebi: a pura demanda sempre vence.

   Suspirei, cerrei o punho e olhei para Karen.

“Diga isso ao Ishikawa-kun: a próxima história pode acabar sendo completamente diferente do que ele acha ‘divertido’.”

   Karen ficou em silêncio por um momento antes de assentir discretamente.

“...Okay.”

   Ela não parecia particularmente satisfeita.

   E junto com sua expressão, uma nuvem pairou no meu peito.

 

 

 

 

   Acho que foi em algum momento no outono do meu primeiro ano do ensino fundamental.

“Estou pensando em publicar minha novel online!”

“Online?”

“É! Tem um site de postagens gratuito chamado Vamos Ganhar a Vida Escrevendo Novels! Onde você pode postar suas histórias!”

   Eu continuei digitando no meu celular e inclinei a tela para Rin, que parecia confusa.

“Nossa, existe um site assim?”

   Como uma gata vendo um recém-nascido pela primeira vez, Rin olhou curiosa para a tela.

“Se eu ficar popular neste site, talvez eu possa virar escritor!”

“I-Isso é incrível!”

“Sério? Sato Maple-sensei também virou escritor através deste site! Não tenho escolha a não ser seguir os seus passos!”

   Eu nem tinha postado nada ainda, mas já estava agindo como um autor publicado.

   Na minha cabeça, o sonho de ter uma história popular publicada e transformada em livro já se desenrolava como um conto de fadas.

“Faça o seu melhor! Estarei torcendo por você.”

   Com as mãos firmemente entrelaçadas na frente do peito, Rin sorriu como um girassol em plena floração.

“O-Oh... obrigado.”

   Meu rosto ficou quente e desviei o olhar. Desde que comecei o ensino fundamental, a fofura de Rin só tinha se tornado mais refinada. Ela havia se tornado uma garota ainda mais charmosa.

   Para alguém da minha idade, que estava apenas começando a se conscientizar do sexo oposto, essa mudança foi avassaladora.

   O suficiente para me deixar inquieto sempre que conversávamos ou andávamos lado a lado.

“Me avise quando postar, okay?”

“Ah... sobre isso...”

   Em contraste com os olhos cheios de expectativa de Rin, minha resposta foi tudo menos entusiasmada.

“Prefiro que você não leia minhas histórias por um tempo.”

“Eh... por que não?”

   O rosto de Rin se virou como se ela tivesse acabado de sair de casa e descoberto que o mundo havia acabado. Nosso hábito de eu escrever histórias e ela lê-las continuou no ensino fundamental. Não é de se admirar que ela tenha ficado chocada com meu pedido.

“Tenho recebido tanta ajuda sua, Rin. Você é a razão pela qual comecei a querer me tornar escritor. Consegui continuar escrevendo todo esse tempo por sua causa. Mas...”

   Olhei-a diretamente nos olhos.

“Em outras palavras... acho que estive me apoiando em você o tempo todo.”

“Isso é... algo ruim?”

   Neguei com a cabeça.

“Se eu levar a sério a ideia de me tornar profissional... não posso continuar dependendo de você. Acho que preciso cortar essa dependência e encarar as coisas sozinho. Lutar contra isso em solidão. Então...”

   Coloquei a mão no ombro de Rin. Com a expressão mais séria que consegui, declarei minha determinação.

“Até eu me tornar um escritor de verdade, quero que você espere. Se eu ficar popular no Vamos Ganhar a Vida Escrevendo Novels! e acabar publicando um livro... quero que você seja a primeira a lê-lo.”

   Naquela época, eu era um pouco perturbado. Um pirralho chuunibyou de verdade, agarrando um caderno preto contra o peito.

[Kura: Se ele não tiver o nome de ninguém é ótimo…]

   Eu realmente acreditava que, para me tornar um profissional, precisava me isolar e escrever histórias isoladamente, como um lobo solitário.

   Mas esse não era o único motivo.

   Ultimamente, eu tinha começado a sentir uma estranha cócega ao enviar minhas histórias para Rin. Eu não tinha percebido isso na escola primária, mas agora tê-la lendo meus textos me deixava... estranhamente constrangido.

   Em outras palavras, eu estava apenas envergonhado.

   Mas, na época, eu não queria admitir isso. Eu era apenas um pirralho teimoso.

   Olhando para trás agora, esse orgulho não valia nem um saco de umaibō.

“...Entendido.”

   A expressão de Rin parecia a de um bolo sem morango.

“Vou ficar ansiosa pelo dia em que você, Tohru-kun, se tornar um autor de verdade.”

“Sim! Pode deixar!”

   Rin sorriu corajosamente, e eu fiz um sinal de positivo com o polegar para ela.

 

 

 

 

“Você ficou acordado até tarde de novo?”

   Pausa para o almoço. Na sala multiúso. Enquanto eu cutucava meu almoço com um par de hashis excepcionalmente pesado, disse:

“Não, acho que não?”

“A que horas você dormiu e acordou?”

“...Fui para a cama às nove e acordei às cinco?”

“Você é algum aluno exemplar que mantém uma rotina perfeitamente regular e se mantém entre os primeiros da turma?”

“Sempre tem um desses em cada série.”

“Mas você é um delinquente, Tohru-kun...”

“Eu não estava vagando nú pelas ruas, okay?”

“A julgar pela sua expressão, eu diria... das duas da manhã às seis da manhã?”

“Ei... isso é assustadoramente exato.”

“Afinal, somos amigos de infância.”

   Mas ela não estava com o sorriso maroto de sempre. Em vez disso, suas sobrancelhas bem-feitas se uniram em preocupação.

“Você estava escrevendo?”

   Levantei as duas mãos e assenti. Provavelmente estava com um sorriso tímido.

“Entendo...”

   Rin baixou o olhar, com sua voz carregada de tristeza.

“Você gostaria de usar meu colo?”

   Depois do almoço. Do nada, Rin ofereceu isso com uma cara séria.

“Huh?”

   Os sons saíram de mim como um balão furado — eu não fazia ideia do que ela queria dizer.

   Olhei para a expressão dela. Seu rosto era uma mistura de tensão e constrangimento.

“Espera... você está falando de... um travesseiro de colo?”

“Por favor, não me entenda mal. Isso é simplesmente um capricho espontâneo da minha bondade divina, com o objetivo de reduzir um pouco a privação de sono de uma certa pessoa que fica acordada até tarde.”

“Não, estou bem. Vou me deitar em algum lugar por aqui.”

“O chão é duro. Você vai machucar o pescoço.”

“Sério, uma deusa da bondade.”

“Apenas aceite.”

   Rin desviou o olhar com um suspiro.

“Você me deixou descansar e me recuperar outro dia... Então pense nisso como minha maneira de retribuir o favor.”

   Aquela vívida memória sensorial de antes voltou à tona.

   Meu cérebro fervilhava e todo pensamento lógico fugia.

“Então... você vai ou não?”

   Pressionada assim, meus olhos se fixaram em suas coxas cor de creme aparecendo por baixo da saia.

   Qualquer vestígio de razão me dizendo para dizer não havia desaparecido.

“B-Bem... neste caso...”

   Decidi aceitar a oferta.

   Com a cautela de alguém empilhando um castelo de cartas, deitei-me em seu colo, apoiando a cabeça suavemente em sua lisa coxa. Certifiquei-me de ficar de costas para sua barriga — provavelmente o último resquício do meu autocontrole fazendo o possível para resistir.

[Kura: Não julgo kkkk]

   Uau... Suas coxas esbeltas tinham a firmeza na medida certa, mas eram macias como marshmallows. O calor de sua pele penetrou pela saia e aqueceu lentamente minhas bochechas. O aroma combinado de amaciante e a doçura natural de Rin me derreteram. Meu coração disparou instantaneamente e meu corpo inteiro congelou.

“Está nervoso, hein?”

   A voz suave de Rin chegou aos meus ouvidos lá de cima.

“...Um pouco.”

“Percebo.”

   No momento em que pensei que sua voz soasse calma...

“Eu também estou um pouco nervosa.”

   Ela acrescentou timidamente, e então algo macio tocou o topo da minha cabeça.

   Rin colocou a mão em mim e começou a acariciar meu cabelo delicadamente. Como se estivesse manuseando algo frágil.

   Ela continuou, suave e lentamente. Seus dedos finos deslizavam pelos meus cabelos com um sussurro reconfortante.

   Foi a primeira vez que descansei a cabeça no colo de uma garota e a ouvi acariciar meus cabelos. Foi tão reconfortante que a tensão de antes gradualmente se dissipou.

“Por favor...”

   Ela colocou a mãozinha sobre meu peito.

“...não se esforce demais.”

   O tom suplicante em sua voz provocou uma dor aguda em meu coração.

“Desculpe... por fazer você se preocupar.”

“Você deveria. Reflita bem sobre isso.”

   Ela voltou a acariciar meus cabelos. Desta vez, com um toque um pouco mais firme.

“Se sentindo melhor?”

   O sinal sonoro, cinco minutos antes do fim do intervalo para o almoço, soou exatamente quando ela perguntou.

“Foi tão bom, eu poderia ter ficado assim para sempre...”

“Eu vejo.”

   As palavras em si soaram simples, mas sua voz tinha um certo tom.

“Se você, Tohru-kun, quiser... posso fazer de novo algum dia, quando tiver tempo.”

“Isso é... ridiculamente, irresistivelmente tentador.”

   Deixei escapar um suspiro profundo. Até o último minuto, permaneci descansando no colo de Rin.

 

 

 

 

    Não se esforce demais. Ela havia dito isso.

   E, ainda assim, continuei com meu estilo de vida irregular.

   Mais do que me preocupar com a minha saúde, a pressão de terminar esta história e passar para a próxima era o que dominava minha mente.

   O cansaço continuava a aumentar dia após dia, mas eu me esforçava para parecer alegre na frente de Rin.

   Ainda assim, seus olhos — os olhos de Rin — não eram algo que eu pudesse enganar.

   Alguns dias depois. Enquanto caminhava para casa com Rin, conversando casualmente sobre como as férias de primavera estavam chegando...

   Rin de repente disse algo inesperado.

“Tudo bem... se eu fosse à sua casa hoje?”

 

 

 

 

“...Cheguei.”

“Bem-vindo, e-espera, Rin-taso!?”

   O grito de choque de Karen ecoou pela sala de estar de Yonekura.

“Faz um tempo, Karen-chan.”

   Rin fez uma reverência educada.

“Uwow! Quanto tempo, Rin-taso!”

   Karen correu como uma criança avistando um mascote fantasiado em um parque temático.

“Rin-taso, você cresceu tanto!”

“Você também cresceu, Karen-chan.”

“Hehehe, estou no meu pico de crescimento agora!”

   Observando a conversa delas, me vi tomada por uma onda de nostalgia.

   No ensino fundamental, Rin costumava nos visitar com bastante frequência e tinha sido uma ótima companheira de brincadeiras para Karen, que ainda estava no início do ensino fundamental na época.

“Rin-taso, você está aqui para passear hoje?”

“Algo assim, sim.”

“Hmmm, entendi.”

“Você poderia não fazer essa cara como se sua colega de quarto tivesse acabado de voltar de uma passagem de vergonha?”

“Onii... você não fez isso.”

“Não é bem assim.”

Ainda não é assim, eu acho.”

“É, exatamente... espera, o quê?”

   Assim que percebi que provavelmente não deveria ter deixado essa última parte passar...

Miau~,” disse uma voz estranhamente melosa quando Syrup, a gata, passou por mim.

   Ela foi direto até Rin e começou a esfregar o rosto carinhosamente nas pernas dela.

“É bom te ver de novo, Syrup-chan.”

   Rin se agachou e colocou sua mão elegante na cabeça de Syrup, acariciando-a gentilmente. Com o rosto cheio de afeição maternal — como se estivesse cumprimentando sua filha amada — Rin sorriu docemente e estreitou os olhos.

   Uma linda garota brincando com uma gata branca... a cena parecia tão sagrada, como algo que você nunca veria no Museu Britânico.

“A Syrup realmente gosta mais da Rin-chan, hein?”

“Não. Isso dói de verdade.”

   Ela é fria com a própria família, mas quando Rin aparece, é em modo de afeição plena.

   Hoje, o reencontro delas foi tão carinhoso que você pensaria que elas foram amantes em uma vida passada.

   Rin fez cócegas em seu queixo, e Syrup começou a ronronar alto. Olha, ela já está mostrando a barriga.

“Que pena, servo.”

“Não me chame assim.”

“Que tal... subalterno?”

Amakusa, me salve.”

   Piro~rin♪

“Desculpe, não entendi.”

“Eu sabia, droga!”

Meow.” Quando me virei, Syrup estava me encarando com um olhar satisfeito e presunçoso.

“Servo-san, acho que a Syrup-chan gostaria de comer agora.”

“Isso não é um pedido — é uma ordem silenciosa.”

   Engolindo minhas emoções tristes, prossegui com o ritual sagrado de abrir a comida de gato.

   Eu realmente me sentia o pai mais baixo na hierarquia da casa.

“Karen-chan, o Tohru-kun está sempre assim ultimamente?”

   Assim que Syrup começou a mastigar, Rin perguntou a Karen.

“Hmm, talvez um pouco mais nojento do que o normal?”

“Que coisa horrível de se dizer.”

“Acho que ele está muito animado com a sua visita, Rin-taso, depois de tanto tempo!”

“Ei! Não diga isso em voz alta!”

     Isso é demais!

“Entendo... então acho que é aceitável.”

“Espera, isso é... aceitável?”

“Que tipo de padrão é esse?

“Mas ainda assim, fico feliz.”

   A voz de Karen se iluminou com alívio.

“O Onii anda meio deprimido ultimamente. Então, fico muito feliz que você tenha vindo, Rin-taso.”

“Ultimamente, ele anda meio deprimido...”

   Uma nuvem passou pela expressão de Rin. Seu delicado lábio inferior se apertou levemente.

“Karen-chan, me desculpe.”

   Rin fez uma reverência educada.

“Tudo bem se o Tohru-kun e eu passarmos um tempo sozinhos no quarto dele hoje?”

“Eh... espera, Rin?”

   Eu nem tive tempo de reclamar antes que as coisas começassem a andar.

“Entendido!”

   Com uma saudação e um brilho de total compreensão nos olhos, Karen deu uma resposta ríspida.

“Então, Onii, eu vou sair com o Ishikawa-kun!”

“O Ishikawa-kun e você estão saindo casualmente agora!?”

“Se eu ligar para ele, ele virá correndo a qualquer hora, em qualquer lugar!”

[Kura: A irmã deixa os dois sozinhos… E ainda vai em um encontro kkkk Essa obra é um esplendor.]

“Isso não faz dele o seu criado!? Espera, não, essa não é a questão aqui!”

“Não é isso!”

   Antes que eu pudesse impedi-la, Karen saiu pela porta como um demônio da velocidade.

   Os únicos sons que restavam na sala eram a minha respiração e a de Rin, e Syrup mastigando sua comida ali perto.

“Bem, então.”

   Rin se virou para mim e falou em um tom que deixava bem claro que eu não tinha nada a dizer sobre o assunto.

“Vamos para o seu quarto?”

     O que exatamente vai acontecer comigo...?

 

 

 

 

“Este é facilmente o quarto mais... diferente que eu já vi.”

“Só diga logo que está uma bagunça.”

   Suspirei e comecei a arrumar a bagunça. Eu não esperava uma visita repentina, então meu quarto estava exatamente no estado que se esperaria de um adolescente saudável.

“Mas não mudou tanto assim, na verdade.”

   Rin, sentada na beira da cama, olhou ao redor do quarto com curiosidade.

   Como se estivesse olhando com carinho para um brinquedo antigo da infância.

“Quer dizer, ainda estou fazendo as mesmas coisas que fazia naquela época.”

   Eu não participava de nenhum clube esportivo nem praticava hobbies que exigissem equipamentos especiais.

   Então meu quarto era simples. Se tivesse uma característica distintiva, seria...

“Ah, mas você adicionou outra estante.”

   Rin apontou para as três prateleiras grandes encostadas na parede. Uma estava abarrotada de livros de referência, manuais de escrita e dicionários. As outras duas estavam abarrotadas de novels, a maioria light novels. Lombadas brancas, vermelhas, azuis, verdes — todos os tipos de etiquetas e impressões se misturavam como um arco-íris.

“Pelo menos acumulei bastante conhecimento.”

   Era a prova dos dez anos que uma pessoa comum havia investido tentando se tornar escritor de novels.

   Até eu ficava surpreso por ter persistido tanto tempo.

“É realmente formidável.”

   Uma declaração sincera — completamente livre de bajulação. Uma pontada aguda percorreu meu peito.

“...Não é formidável. De jeito nenhum.”

   Se ela ouviu minha resposta murmurada ou não, eu não sabia dizer.

“...O amuleto.”

   A voz de Rin embargou levemente ao notar algo.

“Você ainda o guarda, Tohru-kun.”

   Na terceira série, Rin me dera um amuleto da sorte com a inscrição Sucesso em Realizar o Desejo do Seu Coração. Coincidentemente, o meu estava pendurado perto do abajur — bem ao lado de onde Rin tinha o dela.

   A coincidência me fez sentir uma pontada no peito.

“Eu fiz uma promessa.”

   Me forcei a parecer calmo, não querendo que ela percebesse que eu estava nervoso.

“Entendo.”

   A resposta dela foi como pressionar a mão contra uma tela de papel — não houve resistência. E sua voz carregava um leve traço de melancolia.

     ...O que está acontecendo?

   Rin não parecia ser ela mesma hoje. Não — pensando bem, não tinha sido só hoje. Ela parecia estranhamente contida nos últimos dias. Assim como meus comentários grosseiros haviam perdido o fio da meada, a língua afiada de Rin também não tinha mais a mesma força.

   Meu peito estava inquieto. Terminei de arrumar tudo rapidamente e me sentei ao lado dela. A cama rangia ruidosamente sob nosso peso combinado.

   Agora, ombro a ombro, minha mente estava em branco — não sabia dizer se era por falta de sono ou por nervosismo.

“Tohru-kun.”

   Rin puxou minha manga delicadamente.

   Quando me virei para ela por instinto...

“Huh...?”

   O som de tecido farfalhando. Um aroma doce. Uma sensação suave. E a distância entre nós desapareceu. Dois braços envolveram minhas costas delicadamente, me puxando para um abraço apertado. Nossos corpos se pressionaram.

“Você está se esforçando, não é?”

   Sua voz se transformou em um sussurro bem ao lado do meu ouvido, e parecia que meu coração estava apertado.

“Do que você está falando?”

“Ficar de bobo não vai funcionar. O Tohru-kun atual é uma bagunça ambulante de rotina de sono. Até os delinquentes parecem melhores em comparação.”

“Bagunça ambulante...?”

‘Idiota’ seria mais preciso?”

   Engoli em seco. Não era seu tom de provocação habitual. Havia um toque de raiva em sua voz.

“Não quero que você se esforce demais, Tohru-kun.”

   Uma voz que parecia ver através do meu peito. Permaneci em silêncio e escutei.

“Tohru-kun, você me fez uma promessa. Que se tornaria um autor e me deixaria ser a primeira a ler seu livro.”

   A lembrança retornou — nossa caminhada para casa no primeiro ano do ensino fundamental. Eu estava em pleno modo chuunibyou naquela época, dizendo coisas constrangedoras que agora me davam vontade de enterrar o rosto nas mãos. E ainda assim...

“Eu estava muito feliz. E ainda espero sinceramente que esse dia chegue. Isso não mudou.”

   Um calor se acendeu em meu peito como uma lareira de inverno. Rin guardou minhas palavras com carinho todo esse tempo, como uma criança guardando sua primeira passagem de trem como uma lembrança preciosa.

“Mas—”

   Com uma leve pressão, os dedos de Rin amassaram minha camisa desajeitadamente.

“Mais do que qualquer outra coisa, eu quero que você, Tohru-kun, seja saudável. Se você continuar se esforçando assim e acabar desmaiando, eu...”

   Sua voz sumiu.

   Como se estivesse se agarrando a mim, como se tentasse se apegar ao meu calor, ela me abraçou ainda mais forte.

“Então, por favor...”

   Com desespero silencioso e vontade inabalável, Rin implorou.

“Só não se esforce demais.”

   Foi como levar uma pancada na cabeça com uma viga de aço.

   Meu Deus, como sou idiota. Culpa e autocensura me invadiram como uma inundação.

   Sem pensar, envolvi meus braços em volta das costas de Rin. Seu corpo, mais delicado do que qualquer pessoa que eu já tivesse segurado, parecia incrivelmente leve em meus braços.

“Sinto muito... Sinto muito, muito mesmo.”

   Essas foram as únicas palavras que consegui dizer.

“Nunca parei para pensar em como você estava se sentindo. Eu só estava focado em mim mesmo...”

   Eu estava em pânico. Não tinha margem de manobra. Eu não conseguia ver o que estava ao meu redor.

   Mas tudo isso é só uma desculpa. Eu fiz a garota que amo mais do que qualquer outra pessoa se preocupar.

   Eu deixei Rin triste. Essa é a verdade simples e imutável.

   Mordi o lábio inferior com força até sentir gosto de sangue.

   Cerrei os punhos com tanta força que parecia que meus dedos iriam estalar.

   Aquela frustração, aquela raiva de mim mesmo, queimava meus membros como combustível.

“Não seja tão duro consigo mesmo.”

   A voz dela, agora gentil novamente, sacudiu meus tímpanos.

“Eu sei que você sempre se esforça muito. E eu sei que, quando você entra na onda, perde de vista tudo ao seu redor.”

   A gentileza dela só fez minha culpa pesar mais.

“E, honestamente... ver você se esforçando tanto também me deixou feliz. Então estamos quites.” Mesmo agora, ela estava me colocando em primeiro lugar. Mesmo eu sendo o único completamente errado.

   A culpa farfalhava dentro de mim como folhas ao vento da noite.

“Mas mesmo assim... eu te fiz se preocupar...”

“Não se preocupe comigo.”

   Sua voz suave cortou suavemente minhas palavras de autoculpa.

“Eu vou esperar. Não importa quantos anos leve... mesmo que eu seja uma vovózinha, ainda estarei aqui.”

   Uma mãozinha se estendeu e tocou minha cabeça delicadamente.

“Então, por favor, não se preocupe comigo.”

   Ela começou a acariciar meus cabelos suavemente.

“Não se apresse. Não tenha pressa.”

   Delicadamente, suavemente, sua mão continuou a se mover.

“Antes de pensar em mim... por favor, persiga seu sonho para seu próprio bem, Tohru-kun.”

   Suas palavras atingiram meu coração. Elas penetraram e me encharcaram, como chuva em terra seca.

“...Sim.”

   Apoiei-me no corpo de Rin por conta própria.

“Você tem razão.”

   Afundei meu rosto em seu pequeno ombro. Um aroma calmante preencheu meu nariz.

“Acho que eu estava me apressando demais.”

   Enquanto me absorvia no calor de Rin, pronunciei as palavras em voz alta.

“Se eu tivesse continuado assim, provavelmente teria arruinado minha saúde.”

   Até eu senti os sinais. Rin também estava preocupada. E, ainda assim, continuei com aquele estilo de vida imprudente — como ela disse, assim que liguei o interruptor, não consegui mais parar. Perdi a noção de tudo ao meu redor... inclusive de mim mesmo. Se isso tivesse me levado ao colapso, teria realmente frustrado todo o propósito.

“De agora em diante, vou escrever no meu próprio ritmo.”

   Eu disse isso como uma promessa a mim mesma — e para tranquilizar Rin.

“...Certo.”

   Foi a primeira vez hoje que sua voz soou leve. A tensão em seus braços diminuiu.

“Obrigado, Rin.”

“De nada.”

   Puxei Rin para um abraço firme.

   E por um tempo depois disso, ficamos assim em silêncio, compartilhando o calor um do outro.

 

 

 

 

“Parece meio nostálgico.”

“O quê?”

   Depois de um longo abraço, o céu do lado de fora da janela começou a brilhar em um laranja suave.

   Quando murmurei isso, Rin — sentada ao meu lado — olhou para mim com curiosidade.

“Quer dizer, faz desde o sétimo ano do ensino fundamental que você não me repreende.”

“Ah.”

   Só isso pareceu reavivar sua memória.

“Ah, sim... isso aconteceu.”

   Seus olhos claros se estreitaram suavemente com nostalgia.

“E eu esqueci como a Rin sem espinhos soava bem.”

“Quer que eu volte a falar, seu pervertido?”

“Nossa — surgiu do nada!”

“Mas... você gosta, né?”

“Guh... Quer dizer, é, se você me perguntar se eu gosto, eu diria que sim, mas não é como se eu estivesse feliz porque você está me insultando de um jeito masoquista ou algo assim, quer dizer... tá, dizer que não estou nada feliz seria mentira, mas mesmo assim...”

“O que você está tentando explicar agora? Foi você quem disse, lembra?”

   Pela primeira vez, Rin usou suas palavras deliberadamente para me despistar.

“Você me implorou — ‘me insulte, Rin!’ — com uma voz alta e descarada, nada menos.”

Gnnngghhh, me mata loogooo…”

   Eu agarrei minha cabeça e me contorci enquanto Rin acrescentou um golpe de acabamento frio:

“Que repugnante.”

   Mas, apesar das palavras, ela deu um sorriso travesso e infantil.

“Mas...”

   A mão de Rin tocou meu ombro.

“Eu estava muito feliz.”

   Aquele sorriso fugaz, como a luz do sol filtrando-se pelas árvores. Envergonhado, sentei-me ereto.

   Então, Rin apoiou a cabeça no meu ombro.

“O que foi?”

“Posso pegar seu colo emprestado um pouco?”

“Eu não me importo... você está com sono?”

“Só um pouco.”

“O quê, você também ficou acordada até tarde?”

“Ah... hum... bem...”

   Os olhos de Rin se moveram de um lado para o outro, claramente evasivos.

“De jeito nenhum... vagando tarde da noite!?”

“Eu não! E por que você está de repente todo animado de novo com seus comentários grosseiros de volta com força total — sim, sim, muito grosseiros!”

“Sua língua afiada também voltou com tudo, hein!?”

“Não é grande coisa... Eu só... acabei ficando acordada assistindo algo bom na Ama-izon Prime...”

   Isso é mentira. Percebi em menos de um segundo — seus olhos estavam se movendo para todos os lados.

“E talvez eu só... tenha baixado um pouco a guarda.”

   Essa parte é definitivamente verdade. Endireitei as costas e dei um tapinha no meu colo.

“Meu colo está sempre disponível para você.”

“Qual que é a dessa oferta?”

“Expiação.”

“Você está exagerando.”

   Rin deu uma risadinha.

“Bem, então... eu aceito a sua oferta.”

   Com uma leve rigidez nos movimentos, Rin pousou a cabeça delicadamente na minha coxa. Um calor concentrado, uma leve pressão. Um arrepio de tensão percorreu minha espinha.

“É mais firme do que eu esperava.”

“As coxas masculinas não são exatamente conhecidas pela maciez de um wagyu.”

“Você quer dizer, como chifres de touro?”

“Isso não é carne — é osso.”

“Mas mesmo assim...”

   Como um cachorro grande se aconchegando na barriga de alguém, Rin esfregou a bochecha na minha perna.

“Está quente...”

   Sua voz era suave e doce como chantilly. Suas pequenas pálpebras começaram a baixar lentamente.

   Sua expressão estava completamente relaxada. Como uma criança, inocente e desprevenida.

“Se aproveitando dela enquanto ela dorme, huhh? Que abusivo.”

“N-Não, eu não estava—!”

   Retirei minha mão bruscamente no momento em que ela começava a alcançar o cabelo de Rin.

“Brincadeira. Eu sei muito bem que você, Tohru-kun, não é do tipo que ataca alguém enquanto dorme.”

“Agradeço o voto de confiança.”

“Mas é claro.”

   Rin ergueu os cantos da boca levemente e disse a frase de sempre.

“Afinal, somos amigos de infância.”

   E com essas palavras, uma respiração suave logo se seguiu.

   Seu rosto adormecido e desprotegido me fez sorrir sem pensar.

   Ainda assim... para ela adormecer tão rápido, devia estar muito esgotada emocionalmente.

“...Desculpa.”

   Sussurrei, quase inaudível. Mais uma vez, jurei a mim mesmo não forçar mais as coisas.

   Enquanto relaxava, uma pergunta começou a se formar em minha mente.

     Quando exatamente a Rin começou a diminuir a distância entre nós assim?

   Assim como eu sentia algo por ela, Rin demonstrava que sentia algo por mim também.

   Foi por isso que ela começou a tomar mais iniciativa — e essa parte fazia sentido.

   Mas o que desencadeou isso?

   Conhecendo a personalidade de Rin, não parecia provável que ela agisse por um capricho aleatório.

   Algo tinha que ser o catalisador. E eu tinha... uma vaga ideia do que poderia ser. Nenhuma prova — apenas um palpite.

   Refleti. As coisas tinham mudado quando ela se ofereceu para fazer o almoço para mim.

   Lembrando do dia anterior — e do anterior a esse — nada em particular se destacou. Bem... se eu tivesse que escolher algo incomum...

     Oh, certo.

   O ranking do Vamos Ganhar a Vida Escrevendo Novels! Tinha sido completamente superado por histórias do tipo “amiga de infância recebe o castigo merecido.”

   Eu fiquei tão irritado que acabei disparando uma resposta sarcástica para Nira-san no calor do momento. É mais ou menos isso, certo?

   Mas isso não deve ter nada a ver com Rin...

“...Espere.”

   Um fio de pensamento amargo, quase amargo demais, começou a se conectar na minha cabeça. Pressionei a mão na têmpora, tentando me agarrar à sombra de uma compreensão, mas qualquer clareza que eu tivesse momentos antes já havia se esvaído.

“O que... foi isso?”

“Nn...”

   Rin se mexeu levemente, movendo a cabeça. Rapidamente fechei a boca. Foi por pouco — quase a acordei.

   Depois de esperar cerca de um minuto em silêncio, voltei a pensar.

   Mas a centelha de compreensão de antes havia desaparecido sem deixar vestígios.

   Continuei tentando até Rin acordar, mas no final — eu ainda não tinha nenhuma resposta.

 

 

 

 

“Por quê... por quê...?”

   Uma noite, durante meu sexto ano do ensino fundamental, sentei-me no meu quarto, agarrando meu celular, com a voz e as mãos tremendo.

   Fazia uma semana desde que comecei a postar no Vamos Ganhar a Vida Escrevendo Novels!, a maior plataforma de web novels do Japão.

   E já — eu havia batido em uma parede tão alta que nem conseguia ver o topo.

   O site tinha um sistema de classificação de popularidade.

   Ser listado lá era o primeiro passo para a publicação. Mas—

“Por quê... por que não está crescendo nada!?”

   Minha novel de estreia, que eu havia declarado com confiança um best-seller garantido, nem sequer chegou aos rankings — muito menos foi publicado.

   Naturalmente.

   O título era autoindulgente, a sinopse era uma bagunça, o conteúdo ignorava tudo o que os leitores realmente queriam e eu não fiz nenhuma promoção nas redes sociais ou em qualquer outro lugar.

   Com tudo isso contrariando, tentar superar as dezenas — centenas — de novas histórias postadas todos os dias no Vamos Ganhar a Vida Escrevendo Novels! Entrar nos rankings era otimista demais.

   Na época, eu era apenas um calouro do ensino fundamental. Eu não tinha conhecimento, nem experiência — nada.

   Eu acreditava que, se escrevesse o que eu gostasse, como eu gostasse, os leitores naturalmente me procurariam e eu me tornaria popular.

   Mas a realidade era diferente. Para se tornar popular, você precisava de habilidade real — e do poder de se promover.

   Essa verdade simples nunca me ocorreu.

“Isso não era para ter acontecido...”

   Deixei-me cair sobre a mesa, com o rosto enterrado nos braços. As palavras de Rin do outro dia ecoavam na minha cabeça.

   Depois de fazer aquela promessa ousada a ela, e agora isso...

“Preciso consertar isso...!!”

   Convencido de que algo estava errado, comecei a revisar meu manuscrito.

     Essa parte deve ter sido fraca. Se eu ajustar essa cena, com certeza ficará melhor.

   Continuei reescrevendo e republicando várias vezes. Mas não adiantou.

   Deixe-me repetir: eu estava perdendo tudo o que precisava naquela época.

 

 

 

 

“O romance está indo bem?”

“Ugh.”

   No caminho da escola para casa, Rin fez a pergunta — e eu soltei um som como um sapo esmagado.

“Uhmm...”

   Cocei a cabeça, sem jeito.

“Bem... é, mais ou menos... seguindo em frente, eu acho?”

   Eu estava claramente me debatendo. Meu peito estava frio de ansiedade.

   Rin piscou com a minha reação e depois ficou pensativa.

“Certo.”

   Ela não insistiu mais.

“Faça o seu melhor, okay?”

   Foi tudo o que ela disse — e então sorriu.

   Havia um leve toque de tristeza naquele sorriso. Eu percebi.

“S-Sim... obrigado.”

   Eu provavelmente tinha uma expressão bastante miserável no rosto. Por dentro, eu estava me afogando em vergonha e frustração.

   Mas eu disse a mim mesmo que tinha que seguir em frente.

   Mesmo assim, não importava o quanto eu postasse dia após dia, nada mudava.

   Um mês inteiro se passou desde que comecei a publicar, e minha novel ainda não estava ganhando força. Apenas o número de palavras continuava aumentando. O que se acumulou foi uma crescente sensação de vazio e impaciência. Eu havia declarado que almejava a publicação, mas não havia nem sinal de que estava chegando perto. Era óbvio que eu havia entrado em uma crise.

“Talvez eu simplesmente não tenha talento...”

   O pensamento começou a surgir. Ao longo daquele mês, tentei encontrar maneiras de melhorar. Li guias sobre como aumentar a visibilidade no Vamos Ganhar a Vida Escrevendo Novels!, como escrever histórias envolventes, como criar títulos e resumos atraentes e como se promover nas redes sociais.

   Para alguém como eu, que nunca tinha aprendido nada disso, foi tudo incrivelmente revelador.

   E, ao mesmo tempo, percebi o quão pouco eu sabia — o quão completamente ingênuo eu tinha sido.

   Eu era apenas um sapo em um poço.

   Eu... provavelmente era apenas mediano.

   Havia pessoas cujo primeiro trabalho alcançou os rankings imediatamente e depois foi publicado. Esse tipo de prodígio existia.

   E as pessoas sempre gostaram de imaginar que eram um desses talentos raros.

   Eu não era diferente — eu também caí nessa.

   Mas agora eu sabia mais.

   Eu não era um gênio. Eu era uma pessoa comum.

   O que significava que eu precisaria investir uma quantidade incrível de tempo e esforço no futuro.

   Isso estava claro.

   E se isso fosse verdade...

“...Posso mesmo continuar escrevendo?”

   A motivação humana prospera na validação — na aprovação dos outros.

   Escrever um romance exige muito tempo e energia. É por isso que as respostas dos leitores são uma força motriz tão grande.

   Mas desde que comecei a postar, minha história mal tinha sido lida — e eu não recebi um único comentário.

   Foi... difícil.

   Eu admirava pessoas como Sato Maple-sensei, que pareciam se destacar e se destacar ainda mais.

   Eu realmente admirava.

   Mas a verdade é que esse tipo de solidão só funciona quando você já é reconhecido como escritor.

   Eu tinha entendido completamente errado a diferença entre solitude e solidão.

   Quando ninguém reage a algo em que você se dedicou de corpo e alma—

   Quando você tem que continuar escrevendo sozinho, sem saber quando — ou se — algum dia terá sucesso —

   ...É meio brutal, não é?

[Kura: É tenso tentar e fracassar diversas vezes, quando ninguém está olhando ou ajudando.]

   Tudo à minha frente começou a escurecer. Percebi o quanto o feedback de Rin me ajudava a continuar escrevendo. E, no entanto, eu mesmo tinha jogado tudo fora — por algo tão inútil quanto aparências e tentar parecer descolado. O que eu estava fazendo? Arrependimento e culpa me atormentavam.

   Ping!

   Meu celular tocou com uma notificação do Vamos Ganhar a Vida Escrevendo Novels! — alguém tinha comentado na minha história.

   Uma usuária chamada “Nira” enviou esta mensagem:

“Desculpe pelo primeiro comentário repentino. Gostei muito da sua história. Por favor, continue! Meus agradecimentos ao autor.”

   Um único raio de luz rompeu a escuridão que ameaçava engolir minha visão.

 

 

 

 

“Você parece estar de bom humor hoje.”

   No caminho para a escola, Rin disse isso, e percebi que estava sorrindo.

“Então você percebe, né?”

“Você é fácil de ler, Tohru-kun. Aconteceu alguma coisa boa?”

   Depois de hesitar um momento, decidi contar a verdade.

“Na verdade, ontem...”

   Contei a ela que tinha recebido meu primeiro comentário e como fiquei tão feliz que quase pulei de alegria. Como fiquei tão animado que bati o dedinho do pé na cabeceira da cama e doeu pra caramba.

   Rin ouviu minha explicação sem nem fazer uma careta — na verdade, ela parecia meio feliz.

“Fico feliz em ouvir isso.”

   Rin me deu um sorriso gentil, como uma flor da primavera, e eu falei novamente.

“Na verdade, sabe...”

   Disse a Rin que as coisas não estavam indo muito bem no site.

   Ela descobriria logo de qualquer maneira, não adiantava esconder. Eu não queria que ela se preocupasse.

“Eu me empolguei. Para ser escritor, não tenho habilidade, vocabulário ou experiência suficientes. Nem perto disso.”

   Coloquei em palavras o que havia percebido no último mês.

“Então eu acho... que provavelmente vou te fazer esperar um bom tempo, Rin.”

   Sou um cara comum, então preciso me esforçar. E até que esse esforço dê resultado, vai levar tempo.

“Mas não importa o que aconteça, vou me tornar escritor. Não sei quantos anos vai levar, mas juro que vou.”

   Esta foi uma promessa a mim mesmo. Primeiro, jogar fora minha arrogância, admitir que sou apenas uma pessoa comum. Ao declarar isso para Rin, eu estava bloqueando qualquer caminho para a saída mais fácil.

   Eu não sabia se Rin havia entendido o que eu queria dizer. Mas sua resposta foi simples.

“Está tudo bem.”

   Foram palavras gentis.

“Você com certeza vai se tornar um escritor, Tohru-kun. Eu garanto.”

   Eram palavras cheias de convicção.

“Eu sempre estarei torcendo por você.”

   Rin sorriu suavemente, deixando aquelas palavras flutuarem suavemente no ar — uma mensagem que me apoiaria nos dias que viriam.

“Então, faça o seu melhor.”

   Assim começou minha longa, longa jornada em direção ao meu sonho.

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