Volume 1
Capítulo 9 - Encharcados
— Falta pouco — sussurrou Fernando para ela, ele percebeu pelo abraço fracassado de sua noiva que esse caminho estava cobrando muito dela e tentou confortá-la de alguma forma.
Fernando sussurrou, pois não queria fazer barulho, se eles acordassem aquelas criaturas eles estariam perdidos. Ele não deveria falar nesse lugar, pois além de uma escuridão total, aqui também era o lar de um silêncio mortal.
Qualquer humano normal enlouqueceria se ficasse ali por muito tempo, Fernando sabia disso, porém… se eles quisessem viver, eles não poderiam ser mais pessoas normais.
Ouvir a voz de seu noivo fez os olhos de Ana brilharem, sendo honesto, ela estava perto de começar a chorar e seus olhos já estavam marejados. Sorte dela que nessa escuridão total Fernando não podia ver isso, caso contrário ele teria algo para falar por um bom tempo.
Assim Fernando voltou a nadar, eles não estavam longe do lugar seguro, faltavam somente 5 paradas.
“Um, dois, três, quatro, cinco…”
Em meio a escuridão total, Fernando só tinha uma forma de chegar onde ele queria, e isso era contando. Ao se mover em uma velocidade contínua ele usaria o tempo gasto e descobriria a distância percorrida, assim ele sempre saberia quando estava perto de uma de suas paradas para respirar.
Jez o forçou a repetir esse caminho várias vezes, pois o lugar que eles estavam indo era importante para sua família, esse lugar era um cemitério onde aqueles que tivessem feito grandes feitos enquanto vivos foram enterrados.
Para os Rafaras ser enterrado neste cemitério era a maior honra que sua família poderia os dar, pois qualquer um que tivesse seu túmulo ali eram alguém que poderia suprimir uma geração inteira.
Muitas pessoas desconhecem isso, mas a família Rafara é pelo menos dez vezes mais antiga do que a União, do qual fazem parte. Esqueça mil anos, sua família esteve nessas terras por no mínimo dez mil anos, pelo menos foi o que Jez contou a Fernando um dia.
Durante esse tempo, gênios notórios nasceram na família, gênios que se provaram ser os mais fortes de sua era, gênios que criaram coisas que ninguém havia visto antes, gênios que receberam outro título, pois o título de “gênios” não era o suficiente para eles.
“ Trinta e seis, trinta e sete, agora!”
Com isso ele subiu e chegou na sua trigésima sexta parada, e depois de respirarem eles mergulharam novamente. Por sorte de Ana, ela começou a ver seus arredores novamente, as paredes estavam brilhando agora.
Ana ficou maravilhada, pois agora ela podia enxergar novamente, mesmo sendo pouco e muito mal, ela estava vendo!
Ao continuar a nadar, Ana pode perceber que não era exatamente a parede que estava emitindo luz, mas sim algumas pedras que estavam grudadas nas paredes. As pedras pareciam estar presas ali por muitos anos, uma vez que até mesmo algumas algas cresciam ao seu redor.
Isso a deixou interessada, a menina nunca havia visto pedras que brilhavam por si só antes. Porém, Fernando não deu a ela o tempo para apreciar sua nova descoberta e passou adiante.
Quanto mais tempo eles nadavam, mais pedras de luz apareciam pelo caminho, e assim, o caminho se tornava mais iluminado e cada vez mais menos escuro.
Depois de nadarem até o fim do caminho, Fernando subiu e eles saíram em um lago, semelhante ao que eles usaram quando entraram ali, no entanto, o lago era subterrâneo.
Diferente da vegetação que tinham em volta, ali havia pedras e areia, onde estava o céu e o sol, ali estavam pedras brilhantes que simulavam um céu noturno. Na entrada estava uma estátua, uma estátua de um anjo.
A paisagem era bonita, principalmente para um lugar enterrado debaixo da terra, mas Ana não se preocupou em observar a paisagem e simplesmente respirou fundo e se jogou fora desse maldito lugar.
— Fer, me lembre de nunca mais entrar em um lago profundo, — e respirando fundo novamente disse jogada no chão — e de entrar em lugares escuros, ou lugares muito silenciosos, ou em buracos…
Interrompendo sua noiva, que ele não sabia se estava reclamando para ele ou simplesmente reclamava em voz alta, disse — Certo, sem lugares apertados, escuros e silenciosos.
Ele então se jogou no chão ao lado de Ana e parou para descansar com ela, ambos estavam olhando as pedras brilhantes que estavam no teto da caverna, se olhassem de forma rápida qualquer um pensaria que era o céu noturno em uma noite estrelada.
— É um lugar bem bonito, onde estamos?
— Não vou te dizer, você vai ficar com medo.
— Fer, quem você pensa que eu sou? Eu sou sua noiva, eu não tenho medo de nada!
— Sabe, você me disse a mesma coisa quando eu perguntei antes se tinham medo do escuro.
Ao se lembrar disso, Ana grunhiu e se lembrou de sua péssima experiência recente, talvez ela devesse aprender a ficar quieta de vez em quando.
Fernando então pensou em algo e começou a falar novamente — Ana, eu pensei bem e acho que não posso te prometer isso.
— O quê? Me prometer o quê?
— Te prometer que não vamos mais entrar em lugares escuros, apertados e silenciosos.
Fernando estava deitado e não se preocupou em olhar diretamente para o rosto de sua noiva, mas ele sabia bem que ela tinha acabado de fazer uma careta de alguém irritado.
— Por quê? Eu sei que você gosta de me provocar, mas isso é demais!
— Ana, eu não disse isso pensando em te provocar em um lugar assim, veja–
— Não, eu não quero saber, Fernando Rafara, pelo bem do nosso casamento prometa para mim que não vai mais me levar nesses lugares horríveis!
Fernando amava assustar, provocar, brincar e incomodar Ana, que sempre reagia de uma forma interessante. Portanto, ela pensou que ele usaria isso para a assustar daqui para frente.
Entretanto, o pobre rapaz nem havia pensado em tal maldade, e de novo tentou falar o que queria — Ana, o detalhe é… só tem um caminho… em outras palavras, para sair vamos ter que refazer o trajeto…
— Fer, me dê um bom motivo para não cometer violência doméstica com você agora.
Fernando pode sentir a raiva de sua noiva em sua voz, ela estava deitada no chão parecendo exausta pelo trajeto, mas nada o convenceria que ela não tinha força para levantar e bater nele.
Por sorte, ele tinha a resposta perfeita para esse momento, e não, ele não pensou nessa resposta antes de tudo isso, essa era simplesmente a verdade.
— Ninguém vai nos achar aqui, somente minha família conhece essa caverna. Ouso dizer que é o lugar mais seguro que nós dois podemos ir.
Isso era verdade, a mais pura verdade, além de que a entrada não era uma porta, e sim um lago, o caminho era simplesmente horrível e era muito fácil de alguém se perder e morrer afogado.
Mesmo que por algum acaso alguém tenha os visto entrando no lago, essa pessoa nunca poderia os encontrar e morreria afogada se tentasse ir atrás deles. Sem conhecer o caminho, os perseguir dentro deste lago era morte certa.
Mesmo Escolhidos pelo Céus precisam respirar, claro, eles poderiam manter-se debaixo da água por muito mais tempo que as pessoas comuns. Porém, quanto tempo seria isso? Uma hora? Duas? Três? Eles certamente não poderiam ficar quatro horas sem respirar, quanto tempo eles demorariam para achar esse caminho?
O lugar não era uma linha reta, e junto de toda aquela escuridão havia um labirinto gigante que estava repleto de feras aquáticas, feras que poderiam fazer um Nobre da terra rezar por sua vida, mesmo os Escolhidos pelo Céus teriam dificuldade em lidar com essas feras, ainda mais em uma luta submersa.
Ana deixou isso de lado e perguntou novamente — Então, vai me dizer onde estamos ou não? — Ela já estava ficando curiosa, como Fernando podia decidir o que a daria medo e o que não a dava medo.
— Um cemitério, estamos em um cemitério, — disse ele sem se importar mais, se pensar bem, não era um lugar tão ruim… ao menos se mudasse o nome…
— Fernando, você tem que escolher lugares melhores para um encontro. — Ana aproveitou a oportunidade para o provocar um pouco, ela não se assustou com isso, Ana já esteve em alguns cemitérios antes, os mortos não a assustavam, eles estavam mortos.
Claro, se nossa querida Ana olhasse para alguém da Seita Nova Vida, ela sem sombra de dúvidas ficaria com medo, mas isso é uma história para outro dia.
— Sim, sim — murmurou ele, e depois de alguns minutos deitados no chão Fernando perguntou? — Pronta para continuar?
— Ainda não chegamos no seu lugar seguro? — perguntou ela, claramente desejando ficar deitada no chão por mais um tempo.
— Tecnicamente, sim, mas quem é que vai viver em um cemitério? Se bem que nem mesmo entramos nele ainda. — Eles ainda estavam perto do lago, eles não haviam entrado no cemitério de verdade.
— Justo, então, para onde vamos? Cruzar o cemitério?
— Sim, nosso destino está do outro lado.
— Então vamos logo! Essa roupa vai me matar antes que eu morra de fome. — Com isso ela se levantou e suas roupas, encharcadas, derrubar um pequeno rio de água. Seu cabelo antes feito para a festa virou uma confusão de fios embaralhados, sua maquiagem foi borrada e distorcida durante o mergulho dos dois.
— Você acabou de comer dois pudins, e um deles era meu, como continua com fome? — Fernando estava melhor que ela, mas ainda estava bem bagunçado. Suas roupas estavam encharcadas, ele estava descalço, pois seu sapato ainda estava com Ana, seu cabelo estava uma bagunça.
— Estou sem comer desde ontem, ok? Me dê um desconto. Vestir um vestido tão bonito assim não é fácil. — Ana parecia um pouco triste quando olhou seu outrora grandioso vestido, agora molhado, rasgado e sujo.
— Certo, tem isso. Meu irmão me disse um dia que algumas mulheres não jantavam na noite anterior para caber no vestido. — O terno de Fernando estava com alguns rasgos e sendo honesto, ele estava a um ponto de jogar esse colete fora.
— Isso é um insulto! Eu posso usar esse vestido sem problemas, mas minha mãe e as empregadas discordaram disso e não me deixaram comer, foi uma tortura.
— Faria de novo?
— Claro, valeu a pena ver sua reação, além disso, eu estou linda não é? — Ela acabou perguntando isso, mas se arrependeu no mesmo momento, ela sabia que estava um desastre nesse momento.
— Sim, você sem dúvidas é a mulher mais linda da minha vida — disse ele passando sua mão no cabelo vermelho de sua noiva, ele penteou um pouco com suas mãos e sorriu para ela.
— Seu idiota, é por isso que você noivou comigo. — Ela sorriu para ela também e organizou amarrou seu cabelo com um simples coque. Era melhor o deixar assim, do que como estava antes.
— Isso e outras coisas, onde mais eu acharia uma mulher que é provocada todos os dias e ainda não me bate? — Dessa vez ele tirou o colete e o jogou de lado, a peça de roupa caiu como um pano molhado e espalhou água por onde caiu.
— Agora parece que eu estou ouvindo o verdadeiro motivo de você ter noivado comigo. — Ana então puxou as bochechas dele e as esticou enquanto falava — Nem mesmo pense em ser igual ao meu irmão.
Fernando se libertou e respondeu a ela — Não se preocupe, eu não vou fazer cócegas em você quando tiver a chance, ou te enganar contando histórias sobre monstros nas sombras.
— Ele te contou sobre isso? Aquele maldito.
Esse episódio foi algo interessante na vida de Ana, ela foi enganada por seus dois irmãos por vários anos quando era mais nova. Ambos se esforçaram para fazer com que ela acreditasse que monstros existiam e que eles iriam embora sempre que ela dissesse algumas palavras mágicas.
“ Abracadabra, se afaste daqui! Monstros malvados vão embora, agora!”
Só de lembrar do seu eu menor e inocente repetindo essas palavras sempre que seus irmãos faziam um pequeno teatro a fazia ficar vermelha de vergonha. “ Era muito vergonhoso.”
— Sabe, um dia, se os monstros aparecerem, por favor me salve como salvava eles.
— Eu vou te bater se tocar nesse assunto novamente.
— Oh, parece que agora minha linda noiva está cheia de energia, pronta para continuar? — disse ele se esquivando de um puxão de orelha.
Ana riu um pouco e estendeu sua mão, Fernando a segurou com força e seguiu em frente. Ambos estariam entrando no cemitério assim que cruzassem a estátua do anjo.