Volume 1
Capítulo 4 - Pudim
— Então é isso que querem dizer quando falam “resolva seus problemas antes que eles venham morder sua bunda.”
— Irmão, tenho certeza que o ditado não é assim.
— Quem se importa? Funciona da mesma forma — disse novamente Jez, que conversava com seu irmão perto o suficiente para Liam escutar, na realidade, se eles virassem a cara e olhassem para Liam, qualquer um acharia que eles estavam conversando.
— Isso não é justo — comentou o injustiçado — eu nem sequer me lembro de quem era ele, como eu esperaria que um peixe pequeno, do qual eu nem mesmo me lembro, viesse causar problemas? — Tanto a família Rafara quanto a família Vitrela, como as outras famílias importantes, enviam seus herdeiros para explorar e passear pelo mundo em busca de oportunidades e experiência.
Não era estranho fazer inimigos e amigos nesse processo, era comum a jornada durar alguns anos, talvez uma década; houveram até mesmo casos de o herdeiro da família retornar para casa com uma mulher e filhos.
Obviamente pontas soltas seriam deixadas e diversos desentendimentos aconteceriam no caminho, alguns leves e outros mortais. Portanto, havia algumas recomendações que eram dadas pelas suas famílias antes deles partirem.
“Se possível, não ofenda as pessoas sem as conhecer.”
“Não provoque tudo e todos sem motivos.”
“Não deixe pontas soltas.”
E mais algumas séries de dicas que passavam para eles, entretanto, eram só recomendações, nunca foi feito regras e desde que os herdeiros não trouxessem problemas para a família, tudo era permitido.
Logo o código moral básico era seguido, mas há uma regra em todo o mundo marcial que todos os Cultivadores seguem “não tocar nos civis.” Os problemas dos Cultivadores viveriam e morreriam no mundo dos Cultivadores.
Independente de quem fosse, desde que seguisse essa simples regra e a moral básica, seria considerado um cultivador ortodoxo, ou justo, aqueles que desobedecessem esse básico seria os cultivadores heterodoxos, ou demoníacos.
Atualmente Liam e Jez deveriam estar explorando o mundo em suas jornadas, no entanto, como hoje era um dia especial, eles vieram participar da festa.
— Bem, pela força que ele demonstrou, ele não deveria ser um peixe tão pequeno assim — comentou Jez, é verdade que o invasor não foi alguém memorável no combate, mas isso não significava que era fraco, pelo contrário, ele era bem forte.
— É com isso que estou indignado, haviam alguns guerreiros fortes que podiam me odiar e usavam um machado como arma, mas aquele machado não pertence a nenhum deles e eu garanti o fim de todos eles.
Naturalmente, depois de resolver o empecilho da festa, Liam começou a se perguntar quem era o maldito que veio o desafiar em um dia importante assim. Mas todos os que ele sugeriu como possibilidades estavam mortos ou desaparecidos.
A menos que algum de seus inimigos tenha mudado de arma, não havia ninguém em sua lista que batesse com o invasor. O que não fazia sentido, pois ele começou sua jornada há dois anos. Dois anos não é tempo o bastante para um peixe pequeno crescer tanto, não deveria ser.
“Vou investigar isso depois. Por agora vou me concentrar na festa e tenho que dar um jeito de tirar esses dois da minha cola.” Pensou Liam, tudo o que ele não queria era ser vítima de bullying durante toda a festa.
— Ei, já não se passaram seus quatro minutos? — perguntou ele querendo se livrar dos dois diabinhos. Liam era tão forte quanto Jez, ele também viu o sinal de sua mãe, qualquer um que estivesse no seu nível poderia ter visto se desejasse, independente do ângulo que olhasse.
— Provavelmente, mas estava tão divertido que eu nem percebi — comentou Jez rindo um pouco, era raro ele conseguir uma brecha como essas para rir de seu amigo.
As palavras de Liam ressoavam como um trovão na mente de Fernando, ele estava ali para noivar, não estava ali para ver seu irmão espantando alguns invasores, muito menos tirar sarro de Liam.Agarrando Jez pelos braços, ele disse — Venha irmão, temos que ir — e, sem dar outra oportunidade, começou a puxá-lo pelo salão. Seu irmão era um ótimo divisor de multidões; sempre que se aproximavam, os convidados abriam espaço, uma cena bem diferente de sua primeira visita ao local.
Jez se deixou ser guiado, lançando um olhar para Liam e percebendo seu esquema — Boa jogada, amigo.
Liam deu de ombros enquanto desviava o olhar. Ele havia se livrado de Fernando e Jez com sucesso; agora, só precisava aproveitar a festa. Um pouco antes de ela acabar, quando todos estivessem bêbados, ele sairia antes que seus pais o encontrassem.
“Talvez eu deva escrever um bilhete para eles, algo como ‘Mãe, pai, sinto muito por não me despedir, mas tenho uma jornada para completar.’ Sim, isso deve funcionar,” pensou Liam, já animado, seu cérebro trabalhando a mil para escapar de uma bronca.
Escolhendo uma mesa afastada do centro da festa, Liam se sentou, considerando aquele seu esconderijo até o fim da celebração. Com sorte, ninguém o encontraria ali. “Droga, quem estou tentando enganar? Eles vão me ver num raio de dez quilômetros. Por favor, não venham falar comigo, pai, mãe, finjam que não existo por hoje.”
— Posso me sentar aqui?
Perdido em pensamentos, Liam mal percebeu a pessoa que se aproximava. Por reflexo, disse sim, pois a voz não pertencia nem ao seu pai, nem à sua mãe. No entanto, arrependeu-se imediatamente.
— Ti-tia Carol, o que faz aqui? — perguntou, claramente com medo na voz. Seu pai e sua mãe certamente o puniria mais tarde, mas eles não eram os únicos que podiam puni-lo por suas ações.
Carol Rafara, mãe de Fernando e Jez, estava ao seu lado. Como Laura estava ocupada arrumando Ana e seu marido conversava com o pai de Ana em outro canto, Carol passava a maioria do tempo conversando com seu próprio pai.
Assim, com muito tempo livre, decidiu começar a resolver alguns problemas futuros: — Liam, veja bem e me diga, quem é o bastardo que veio atrapalhar a festa do meu filho?
Ela lançou o machado sobre a mesa, que quase desabou com o impacto. Liam, assustado, olhou para o machado e, depois de olhar novamente para Carol, calou-se e decidiu descobrir o dono da arma, mesmo que fosse a última coisa que fizesse.
— Tia Carol, eu com certeza vou descobrir quem é o dono dessa arma — proclamou ele com fervor, vendo aquilo como sua última chance de diminuir sua culpa no incidente.
— Sim, sim, faça um bom trabalho — disse ela, olhando para outro lugar, aparentemente desinteressada em Liam — veja, eles estão ali.
Seguindo seu olhar, Liam viu Fernando segurando a mão de Ana. Sua irmã estava definitivamente linda para a ocasião; sem dúvida, sua mãe havia feito um excelente trabalho na escolha do vestido.
Um vestido vermelho que combinava com seu cabelo ruivo, feito no estilo crinolina. (Caso não saiba, vestidos no estilo crinolina são aqueles que parecem guarda-chuvas abertos.) Ao lado dela, Fernando exibia seu terno, e ambos pareciam prontos para dançar.
Quando a música mudou, o salão de dança se esvaziou, abrindo espaço para os noivos.
— Como eu disse antes, Ana, você está muito linda hoje — sussurrou Fernando nos ouvidos de sua noiva.
— Você também está muito bonito — respondeu ela. A música então começou, e eles iniciaram a dança. As notas suaves do piano ecoavam pelo salão, criando uma atmosfera única como se só estivessem os dois naquele lugar, apesar da multidão ao redor. Enquanto seus corpos se moviam em harmonia com a melodia, eles conversavam, suas vozes baixas se misturando à música.
— Que incomum, normalmente você teria corado com esses elogios. — Comentou Fernando um pouco decepcionado, uma das coisas que ele mais gostava era provocar sua noiva.
Ana olhou em seus olhos e se sentindo orgulhosa, disse — Não posso fazer isso todas às vezes que você me elogia; somos quase noivos agora.
E com a mesma face do desânimo anterior, ele comentou a ela — Que pena, gostava da sua reação. — Mas colocando um sorriso brincalhão no rosto, ele voltou a falar — Vou ter que me esforçar mais, então.
— Sim, você vai precisar… — respondeu ela por reflexo, mas ao processar a fala e pensar que algo estava errado comentou — espera, como?
Sorrindo de orelha a orelha, ele disse — Como disse, vou me esforçar mais para te fazer corar com meus elogios.
— Isso não é justo! Mal me acostumei. — reclamou ela, tentando pisar no pé de Fernando de propósito. No entanto, para seu desgosto, ele antecipou a ação e, com um movimento ágil, desviou o pé, aproveitando o momento para puxá-la para seus braços.
Com seus rostos bem próximos, ele não pode deixar de comentar — Não me culpe, gosto muito da sua reação envergonhada, embora agora você também esteja fofa.
Se endireitando, ela sussurrou — Mamãe estava certa, eu devo tomar cuidado com você.
— O que disse? — Perguntou curioso, Laura disse algo sobre ele novamente?
— Nada. — Disse Ana acabando o assunto.
Pouco depois a música acabou e ambos finalizaram a dança fazendo uma leve saudação a todos os convidados presentes.
Assim que sua dança acabou, outras pessoas começaram a tomar seu espaço na pista. Pares de todas as idades começaram a dançar, havia velhos casais que estavam aproveitando da festa, jovens que em flerte e alguns que queriam somente se divertir e convidaram parceiros com os mesmos desejos.
Como era tradição, o banquete foi aberto e todos que desejassem poderiam começar a comer. Como era de se esperar, os primeiros que rodeavam as mesas eram as crianças, que já estavam passeando pelas redondezas como abutres esperando sua presa morrer. Fernando e Ana se afastaram para uma mesa já reservada e se sentaram ali.
— Quer comer algo? — perguntou Fernando, como as roupas de Ana eram um incômodo de se usar e caminhar com elas, ele decidiu fazer o prato dela.
Ana olhou para a mesa que continha os pratos e vendo que somente crianças estavam ali, disse — Não, vão pensar que sou igual às crianças. Eu já sou uma mulher crescida.
— Certo, então eu vou comer alguma coisa. — e olhando para a mesa cheia de crianças se servindo com a ajuda de seus pais ele continuou — talvez um pudim.
— Um Pudim! — Exclamou ela surpresa, o correto era comer os aperitivos antes, o doce apareceria mais para o fim da festa, ela não podia acreditar que seu noivo iria pegar um doce e suculento pudim.
— O que foi, quer um também? Pensei que minha querida Ana fosse muito crescida para isso — Comentou ele com um claro sorriso no rosto, Ana adorava comer pudim e ele sabia bem disso.
Ana entrou em um conflito interno, o certo não era comer pudim agora, muito menos para sua dignidade. Ela havia acabado de dizer que não era mais uma criança, voltar com sua palavra agora não era uma escolha tão fácil.
Entretanto, era um pudim, um delicioso e molengo pudim, como ela poderia resistir a um delicioso pudim quando lhe ofereciam assim? “Espere, a festa é para nós, então nós podemos comer pudim antes? Sim, isso faz sentido, por isso que Fer vai comer um pudim antes de comer os aperitivos”.
Ana então viu que seu noivo estava para partir e juntou coragem para dizer — Bem, já que insiste tanto, eu quero um pudim também. — Independente do que ela disse antes, somente Fernando ouviu e ela queria muito aquele pudim.
Fernando parou e se virou, depois de ver a face animada de Ana ele sentiu uma pontada de culpa por brincar com ela assim — Infelizmente não vou te trazer um pudim.
— O quê? Por quê? — perguntou ela ficando visivelmente chateada — Eu quero um pudim!
— Ana, o pudim só vai ser servido depois de um tempo. Eu estava brincando com você.
— Eu vou te bater, Fernando, seu miserável. — Ana ficou realmente estressada nesse momento, não por ter sido feita de boba, ela era facilmente enganada pelos seus irmãos e Fernando. O problema foi o pudim, ninguém deveria mentir sobre o pudim.
— Se acalme, eu não posso te trazer pudim aqui, mas quem disse que não posso conseguir pudim? — disse ele como um plano de contingência, ele não esperava que Ana ficaria tão irritada por causa de um pudim.
— E como você vai fazer isso? — perguntou ela com olhos fixos nele, se ele tentasse uma gracinha ela consideraria os conselhos de sua mãe.
— Tenho meus meios, vê aquela mesa perto da janela? Vá para lá em cinco minutos, eu vou te trazer o pudim. Não posso te dar a sobremesa com todos vendo, então saia para a sacada e me espera lá.
— Certo! Cinco minutos, nem um segundo a mais.
— Ana, quando eu já menti para você? — disse ele, sentindo-se triste por estar sendo tratado assim, mas logo se arrependeu de suas palavras.
— Quando você me prometeu um pudim, há alguns minutos.
“Claro que ela iria falar isso.” Fernando se amaldiçoou mentalmente e depois disse a ela. — Eu prometo, vou te dar um pudim, mas em troca você tem que me dar algo.
Ana olhou para seu noivo com curiosidade — O que você quer?
Fernando sentiu que cavou um buraco para si mesmo brincando com o pudim de sua noiva, entretanto, já que chegou a esse ponto, por que não desferir um golpe crítico aqui e agora? — Eu quero algo bem simples, me dê um beijo.