Volume 1
Capítulo 15 - Passado
Há dois anos, na casa dos Vitrela. Ana estava se arrumando para receber seus convidados, os Vitrela eram a família mais influente e poderosa de suas proximidades, logo, qualquer um que fosse tratado como um convidado era alguém importante e com influência.
A casa estava animada, onde funcionários corriam para todos os lados tentando manter tudo no lugar, alguns tentando limpar qualquer vestígio, por menor que fosse, de sujeira, outros transportando e movendo peças de decoração e obviamente a cozinha era a mais bagunçada.
— Onde está o fermento? Quem tirou o fermento daqui? — gritava um padeiro que estava fazendo a massa do bolo.
— Eu vi o Raimundo pegando — comentou um que corria para o lado do forno para retirar os pães que estavam prontos.
— Eu devolvi no lugar — disse o Fernando cortando os morangos para o bolo.
— Então onde é que está? Precisamos disso para o bolo! — reclamou o padeiro.
A cozinha estava super movimentada, com pessoas entrando e saindo, louças se acumulando rapidamente, pratos sendo montados com extremo cuidado e as bebidas devidamente organizadas.
Um dos padeiros estava fazendo um bolo de morango, outro estava fazendo uma torta, um terceiro macarrão, o quarto, bem, era só pão mesmo, mas era um pão de primeira. Tudo isso para receberem seus convidados.
Claro, no meio disso tudo, alguns pequenos estavam aproveitando a bagunça. Fora da cozinha, escorados nos galhos de uma árvore, Liam estava aproveitando o tempo enquanto comia algumas guloseimas que conseguiu obter da cozinha enquanto todos estavam distraídos.
Ele conseguiu pegar uma maçã, um pedaço de pão, um pouco de morango e mel. Liam tinha acordado tarde naquele dia, e ainda meio preguiçoso pelo sono, ele estava relaxando jogado nos galhos de uma árvore.
“Certamente Ana vai gostar se eu der alguns morangos para ela.” pensou ele enquanto se espreguiçava e guardava os morangos, agora com sua dona decidida.
Alguns metros de distância, agora sentado em uma cadeira para dentro da casa, Huto se banqueteava com alguns biscoitos que ele pegou na cozinha, biscoitos simples, sem chocolate ou outros recheios, porém, ao colocar um pouco de mel e leite a refeição se tornava divina.
Huto havia conseguido pegar biscoitos, mel e leite. Ele, diferente de seu irmão, não tinha perdido o café da manhã e por isso decidiu pegar algo doce para comer, enquanto comia sua refeição divina ele pensou“ talvez eu devesse levar um pouco de biscoitos para Ana.”
Assim ele guardou alguns de seus biscoitos, os que ele achou mais bonitos e que estavam menos quebrados, e reservou eles para sua irmã.
Bem mais longe, na estrada, Jez e Fernando estavam comendo um lanchinho que tinham preparado enquanto conversavam.
— Fernando, você melhorou novamente, esses sanduíches estão excelentes — comentava Jez de boca cheia enquanto a carruagem se movia.
— O tio Vincenti me ensinou a usar outros tipos de ervas, agora eu tenho um tempero especial — dizia Fernando se gabando um pouco, ele havia escolhido os temperos que mais gostava, e com alguns testes, ele chegou em uma concentração ideal para seus sanduíches.
— Que sorte, sempre que vou atrás dele para aprender algo, ele só me ensina venenos e seus antídotos. — Jez já havia feito algumas tentativas para não ficar muito para trás de seu irmão mais novo, porém, seu tio só o ensinava sobre como usar ou como combater venenos.
— Sim, ele só te ensina o que você quer depois disso, tive que decorar tudo. — Fernando ainda se lembrava de quanto tempo ele foi forçado a estudar venenos e ervas.
Jez riu e continuou a conversar com seu irmão para passarem o tempo, eles falaram principalmente dos sanduíches, pois era algo que Fernando desejava falar, e ele não se importava tanto com o assunto, desde que ajudasse a passar o tempo.
Ambos os irmãos conversaram até que a carruagem chegasse no lugar destinado. Para essa visita em específico, Jez era o representante da família, então ele tinha muito o que fazer, dessa forma, pouco depois de trocarem as educações básicas, Fernando ficou sozinho para explorar e se divertir.
Um pouco antes da família Rafara chegar, sentado na janela do quarto de Ana, Liam estava saindo para receber os convidados, ele tinha vindo aqui para entregar a sua irmã, os morangos, e ficou um pouco irritado ao ver que tinha chegado atrasado, Huto já tinha deixado alguns biscoitos.
Liam limpou o farelo dos biscoitos do rosto de Ana e disse a ela — Estou indo agora, nos vemos no jantar.
Ana estava com alguns morangos na boca, mas agarrou rapidamente o braço de seu irmão e disse para ele, quase implorando — Liam! Não me deixe aqui! As empregadas vão me usar de boneca! Eu não quero isso!
Liam congelou por um momento, no entanto, ele entendeu a reclamação de Ana, as roupas femininas eram muito mais complexas do que as masculinas, e ela não podia aparecer desarrumada, então Ana sempre era torturada por um bom tempo até que seu vestido fosse decidido.
Liam tentou confortá-la dizendo que não seria tão ruim quanto ela pensava, porém, a pequena não caiu nessas palavras e parecia não querer deixar Liam sair, ela agarrou seu braço e não planejava soltar.
“ Sua pentelha!” pensou ele se mexendo para tentar fazer Ana cansar e o deixar livre, caso ele se atrasasse para a recepção, algo ruim aconteceria com ele, certamente seus pais não o deixariam passar.
Ana, diferente do que Liam esperava, estava se divertindo com a ação, como se fosse um brinquedo. Quando viu a caravana de Jez passando pelo portão, ele começou a se preocupar.
Finalmente desistindo, ele pegou Ana e pulou pela janela — Isso foi divertido, de novo! — comentou ela sobre sua nova brincadeira radical.
Liam se preocupou um pouco com o que tinha acabado de ensinar e disse imediatamente — Só faça isso quando eu estiver aqui, me prometa isso — e só depois de conseguir fazer ela prometer, o que foi fácil, só precisou usar alguns morangos extras, Liam disse — brinque por aí até às três da tarde, depois eu te devolvo para o seu quarto, as empregadas não vão conseguir te vestir com diversas roupas, e só devem ter tempo para um ou duas.
Ana comemorou e partiu imediatamente, a ação deixou Jez estupefato e chateado, tanto que ele murmurou — Nem mesmo um “muito obrigado irmão?” — Sem ter tempo para lamentar, ele correu para o lugar em que as famílias se encontrariam.
Ana correu para longe daquele lugar, sua recém-liberdade seria tirada dela caso a encontrassem, e isso era algo que ela não podia permitir! Quem quer que a olhasse agora poderia pensar que ela estava correndo por sua vida, o que não era muito diferente da verdade para a garota.
Enquanto corria, ela acabou conseguindo se distanciar o suficiente para se sentir segura e fez tudo o que ela mais queria, brincar!
Correndo para cima e para baixo, Ana estava aproveitando sua liberdade com gosto, mas houve um problema, Ana não tinha ninguém para brincar com ela também, o que facilmente a fez ficar entediada muito rapidamente.
Ana estava encostada em uma árvore quebrando sua cabeça, de alguma forma alguém deveria poder brincar com ela, certo? “Meus irmãos estão ocupados, estou fugindo das empregadas e dos outros funcionários, quem sobrou?”
Ela estava quase considerando voltar, era melhor ser usada como uma boneca pelas empregadas do que ficar ali parada sem fazer nada, foi então que um menino desconhecido foi avistado, Ana tinha um alvo novo.
Correndo alegre, Ana quase atropelou o menino desconhecido antes de perguntar — Ei, quer brincar comigo?
Fernando se assustou sendo abordado assim de repente, porém a proposta o interessou e ele aceitou. Ambos eram crianças e eles gostam muito de brincar.
Naquele dia, os dois brincaram e se divertiram a tarde toda, se aproximando muito no processo. Ela se divertiu, mas isso fez com que Ana esquecesse de retornar no tempo combinado e causasse uma pequena confusão na mansão, porém, com uma única frase, ela escapou de todos os problemas, ou melhor, redirecionou eles.
— Liam que me tirou do quarto. — Com sua sentença de morte assinada, Liam se sentiu traído e foi duramente castigado naquela noite. Claro, nada disso importava para Ana, que desde que descobriu que tinha sido enganada por anos, tinha um certo desejo de ferrar seu irmão.
Com o fim daquele dia, Fernando e Ana sempre iam brincar juntos, e por conta disso, a relação entre as duas famílias cresceu aos poucos. Depois de um mês brincando todos os dias juntos, Fernando decidiu fazer algo para ele e sua nova amiga, Ana, comerem. Um lanchinho da tarde.
Depois de brincarem por algumas horas, ambas as crianças se jogaram no chão e deitaram-se debaixo da sombra de uma árvore, o vento batia neles refrescando seus corpinhos cansados de tanto correr os deixando bem relaxados.
Abrindo a cesta de piquenique, eles começaram a comer os sanduíches e recuperar as energias enquanto conversavam um pouco.
— Ei, Fernando, você tem um sonho? — disse Ana curiosa, recentemente ela tinha se interessado por esse tópico depois de ouvir algumas conversas aqui e ali.
Fernando pensou por um tempo e disse — Sim, eu acho que sim, quer saber sobre?
Ana assentiu com sua cabeça curiosa com o sonho do seu amigo, assim ele contou — Meu sonho é ser criança para sempre! Assim eu sempre vou poder brincar e me divertir!
— Esse sonho, eu gostei dele! Já sei, esse vai ser o meu sonho também
— Ótimo! — disse Fernando — Vamos então prometer sermos crianças para sempre e brincar para sempre.
— Sim! — gritou ela animada.
Pouco depois, uma rajada forte de vento veio e fez todo o cabelo de Ana balançar no vento, seu lindo cabelo vermelho se destacava no meio do céu azul, fazendo Fernando pensar que Ana era realmente muito bonita.
Após a primeira rajada de vento, uma segunda e uma terceira apareceram, e elas estavam mais fortes do que antes, isso preocupou um pouco Fernando, — Ana, eu acho que é melhor retornarmos agora.
Ana olhou para cima e viu que nuvens de chuva estavam se formando e concordou. Em pouco tempo as nuvens pioraram e agora havia trovões cruzando as nuvens.
Ambos apertaram o passo por não desejar se molhar, mas o vento estava indo na direção contrária com a deles, os fazendo demorar mais do que antes.
Eles correram, mas o vento se intensificou, as nuvens negras estavam bem sobre sua cabeça, mas nenhuma gota de chuva caiu, somente os trovões continuavam ameaçando cair sobre eles.
— Fernando, eu acho que tem algo errado com essas nuvens — gritou ela, porém seu grito foi muito abafado pelo vento impedindo seu amigo de a entender completamente.
— O quê? — perguntou ele usando suas mãos para proteger seus olhos do vento, isso estava ficando cada vez pior.
Claro, Ana também não pode entender ele, resultando em uma conversa inútil de perguntas sobre as falas anteriores.
Nenhum dos dois eram idiotas, e eles perceberam que algo estava muito errado, mas não puderam fazer muito, pois eles já estavam se movendo em sua velocidade máxima.
Os raios estavam ficando cada vez mais estranhos, junto com o tempo no geral, o que estava começando a assustar as duas crianças.
— Ana, aquilo foi um relâmpago roxo? — perguntou Fernando, ele nunca havia visto um raio assim, e agora havia alguns deles rodeando sua cabeça.
Ana viu o raio e também duvidou do que estava vendo, como poderia haver um raio roxo? Porém, ele estava lá, e não sozinho, pois eles podiam ver pelo menos cinco raios.
Eles refizeram esse caminho nos últimos dias, então eles estavam bem familiarizados com o trajeto, eles sabiam que faltava pouco para chegar em casa, e mesmo que a casa não se parece ser capaz de segurar os raios, eles tinham pessoas que poderiam fazer isso.
“Só temos que chegar perto do meu irmão.” Esse foi o pensamento dos dois, e sua única solução. Infelizmente não seria o bastante, o raio parecia estar para cair em suas cabeças.
Fernando estava correndo e quando virou para trás percebeu que Ana havia caído, talvez ela tivesse tropeçado, talvez o vento a derrubou, mas ela estava no chão e com dificuldades de levantar.
Foi quando ambos ouviram uma voz, uma voz que parecia vir de todos os lugares e tremeu suas cabeças, uma voz que os amedrontou. — Morram seus vermes arrogantes, como alguns vermezinhos ousam sonhar tão alto? Paguem por sua ignorância com suas vidas!
O raio que antes parecia ameaçador pareceu receber um impulso do dono da voz, e ele se tornou uma coleção de raios negros e dourados, raios que os fizeram parar de correr, pois o poder deles cortava tudo e deformava o espaço.
Fernando viu tudo isso e escolheu um curso de ação, ele sempre soube que sua vida seria curta e simples, pois ele não tinha como Cultivar. Esse pensamento no começo o atormentou, porém, após algum tempo ele não se importava mais, se ele nasceu assim, ele viveria assim.
No próximo momento o raio caiu, um raio inteiramente dourado seguido por vários raios negros estava caindo sobre eles, o poder era tão grande que o céu parecia ter sido cortado e pedaços de um lugar estranho apareceram.
Ana fechou os olhos se recusando a ver seu fim, “Socorro, irmão!” pensou Ana, em seus supostos últimos momentos de vida, ela pensou que seu irmão, o atrapalhado, gentil e idiota, a protegeria, era só isso que ela queria.
Quando o raio caiu, ele foi na direção de Ana, porém uma figura apareceu em cima tentando proteger Ana, era Fernando. Ele amava sua vida, porém, ele morreria cedo e até lá viveria como uma pessoa normal em um mundo repleto de Cultivação, talvez morrer protegendo Ana fosse uma boa ideia.
Claro, o verdadeiro motivo dele ter feito isso ainda era algo desconhecido para o garoto, entretanto, ele decidiu fazer um sacrifício por ela.
Assim que o raio acertasse Fernando, ele tinha certeza que morreria, sua melhor esperança era impedir que Ana morresse com ele. Felizmente, no exato momento que o raio atingiu Fernando e sua amiga, algo aconteceu.
Uma imagem apareceu, uma imagem translúcida de uma rosa azul apareceu e quebrou o raio no meio, porém a imagem não parecia estar com seu poder total e a reação do raio ainda continuou seguindo seu caminho, acertando Fernando em cheio.
Essa ação salvou a vida de Ana.