Volume 8 – Arco 3
Capítulo 74: O primeiro adeus.
Shiori
Esperei por mamãe… por horas.
Fiquei na escada que havia na frente da nossa porta, sentada, esperando ela voltar. Uma chuva começa a cair, a solidão era o sentimento que mais tinha por ali.
— Talvez seja ruim dizer isso, mas ela nunca mais vai voltar… Shiori.
Quem havia me falado isso era Lola, que ainda estava dentro da casa. Ela abriu a porta e começou a falar comigo, suas palavras não tinham sentido até então. Como assim “ela nunca mais vai voltar.”? O que ela quis dizer com isso?
Eu tinha certeza que mamãe voltaria, isso porque… mamãe nunca me deixaria para trás, era isso o que eu pensava. Mas entendi que naquela hora… estava sendo otimista demais.
Naquela época eu odiei a minha mãe pelo o que ela fez, mas vendo isso de novo… entendi que era apenas para me proteger. Mamãe teve que me deixar pra trás pois sabia que não ganharia uma luta contra todos os deuses, queria que eu vivesse apenas por mim, era isso o que ela estava desejando naquela época.
Mesmo com Lola me falando isso, apenas ignorei e segui em frente, esperando mamãe nas escadas.
A chuva caía lentamente na minha frente, enquanto apenas… esperei.
Pessoas passavam pela rua com seus guarda-chuva… e eu apenas esperei.
Ela nem ao menos mandou alguma coisa… e isso foi por horas.
E nesse momento, Lola senta do meu lado.
— Ah… eu vou tentar de novo. Shiori.
— O que foi, tia Lola…
— Você sabe que sua mãe é alguém especial, certo?
— Sim… mamãe é muito especial pra mim.
— Não to falando pra você, ela é muito importante pro mundo todo.
Não entendi na hora, minhas memórias sobre mamãe ser a deusa do sol tinham sido apagadas naquela época, então não tinha certeza do que ela estava falando, talvez Lola nem soubesse do que aconteceu comigo… não culpo ela por isso.
— Eu digo… ela é uma pessoa importante, pois sem ela… o mundo perderia todo seu brilho… e uma pessoa que é tão importante nesse nível… tem que…
Lola não conseguia terminar sua frase, talvez era entendível o que estava acontecendo por aqui. Lola estava com medo de me deixar triste com tudo o que estava acontecendo, talvez ela tivesse medo de reativar minhas memórias…
— Ela tem que ter… cuidado com o que faz… e esse cuidado tem que ser extremo quando se trata de você…
— Está dizendo que… ela não deveria ter uma filha?
— NÃO, NÃO É ISSO… Eu não sei explicar ao certo o que quero falar, mas não é isso…
O silêncio era extremo no clima. Lola estava tentando pensar nas melhores palavras para me falar o que aconteceu, chegava em um ponto que seu rosto estava extremamente expressivo, algo que normalmente não acontece.
— Eu e sua mãe tivemos uma conversa há alguns dias. Ela me disse que te deixaria sozinha no mundo para sobreviver, já que ela não conseguia te deixar escondida.
— Me deixar escondida?
— Sim. Solveig é uma deusa, a deusa do sol, e por isso ela deve esconder o fato de ter uma filha, coisa que desde que você nasceu, ela tentou esconder. Foi aí que ela me conheceu… para as outras pessoas, Solveig sempre te apresentou como minha filha.
— Mas por que? Por que mamãe faria algo assim?
— Talvez uma criança que nem você não entenda ao certo o que vou dizer agora, mas guarde isso na sua mente para sempre, assim quando você crescer e tentar entender o lado dela, vai conseguir perdoá-la caso esteja a odiando nesse momento.
— Hm…
— Solveig não fez isso porque te odeia, na verdade ela te ama mais do que qualquer coisa no mundo, então retire isso da sua mente. Agora… ela fez isso para te proteger, e para se proteger. Eu sei, por ser ruim ou até mesmo algo terrível, imagina uma mãe abandonar a sua filha… Mas é verdade que ela fez isso apenas para te proteger, foi a única escolha dela.
Achava idiota o que Lola estava falando, afinal… por que deveria acreditar em algo assim? Como eu iria acreditar em algo assim?...
Na minha pequena cabeça idiota, mamãe me deixou por algum motivo meu, como se a culpa fosse totalmente minha, mesmo que isso não faça sentido algum! Não tinha como acreditar na Lola, e muito menos no que estava acontecendo.
A cabeça de uma criança é complexa e era possível ver que Lola estava tentando ser gentil… mas EU não estava ajudando. É com isso em mente que ela desiste do que estava fazendo e apenas tenta ser gentil.
— O tempo está ruim, né?...
— Sim…
Lola me abraça e juntas vemos a chuva ir embora.
Nada fazia sentido naquele momento, mamãe me deixou e tinha um motivo pra isso… mas qual era? Era isso que comecei a procurar com o tempo, e percebi que não estava sozinha nisso. Não havia tristeza, muito menos felicidade, apenas uma curiosidade…
Uma criança correu atrás de sua mãe em seus sonhos apenas para entender o porquê dela ter deixado tudo para trás. Quando pedi um tempo para Lola, ela aceitou tranquilamente, e foi com isso que entrei dentro de casa e fui para o meu quarto, naquele dia… não fui na aula.
Quando Hideki chegou em casa, foi o momento que percebi que ele entenderia o meu lado, e então… Lola foi falar com ele, achando que eu não ouviria nada.
— Hideki…
— Oi tia Lola, como você tá?
— Acho que bem, enfim… precisava falar com você, já que é uma criança que entende as coisas com muita facilidade.
Ela se agacha na frente de Hideki para ficar em uma altura igual a da criança.
— Por favor, nunca saia de perto da Shiori, fique com ela para sempre… eu te imploro.
— Eu já… não ia sair de perto dela, é a minha única amiga.
— Sei disso, mas eu vou te falar apenas uma vez, então por favor, tente entender o meu lado.
Ela respira fundo e assim tenta explicar toda a situação pro Hideki.
— Solveig foi embora, ela quer resolver as coisas com o seu pai, já que ele está sumido planejando alguma coisa… e por isso, eu quero que você fique com a Shiori para sempre, nunca a deixe sozinha. Já que nesse momento ela provavelmente vai procurar a mãe dela.
— Como você sabe disso?
— Entendo o sentimento dela.
— …
— Por favor… não importa o que aconteça, não saia de perto dela… a Shiori é muito especial pra mim…
— Mas, você vai ficar com a gente?
— … não posso.
Um choque para todos que estavam ali.
— É por isso que estou te pedindo isso, pois eu também… vou embora.
— Espera, mas por que isso?
— Eu tenho que correr atrás de uma criança que também será importante pra mim…
Aposto que ela estava falando da Yukiro nesse momento…
— Seu pai, ele não sabe o momento de parar e desistir… já que está fazendo de tudo para realizar um sonho impossível. Então te peço uma coisa…
— Eu sei, não vou sair de perto dela, pra mim… a Shiori é a pessoa mais importante do mundo, então não há o que fazer nesse momento.
Lola abraça Hideki e logo em seguida some como se nada tivesse acontecido… então ficou apenas eu e Hideki vivendo naquela casa. Ele tentou aprender tudo apenas para me fazer feliz, já que parei de ir pra escola por conta de tudo que aconteceu.
Já não fazia mais sentido seguir em frente, perdi tudo o que era importante pra mim, a única pessoa que realmente me amava, então deveria desistir, para de seguir em frente de uma vez por todas. Mas em todo esse tempo tinha uma pessoa que estava se esforçando por mim, era o Hideki…
O tempo passava e ele era o único que sempre estava vindo no meu quarto ver como estou, entender o meu lado e tentar me animar, ele me fazia jogar jogos, cozinhar com ele, desenhar, cantar ou qualquer coisa do tipo. Não importa o que estava acontecendo, Hideki tentava achar a felicidade em meio a tanta escuridão, era isso que deixava meus dias um pouco melhores.
Mas… em um desses dias, decidi perguntar algo ao Hideki, ele estava sentado no chão, encostado na minha cama, lendo um livro.
— E se… eu corresse atrás da mamãe?
Uma pergunta que decidi fazer só para ver se ele me ajudasse com isso.
— Se você for, eu também irei.
Uma resposta genuína e que talvez tivesse me dado esperança de que tudo poderia talvez dar certo… no meu rosto escondo um sorriso, pois percebi que não estava sozinha e que havia uma pessoa comigo não importa o que acontecesse. Naquele momento decidi correr atrás de mamãe, entender o seu lado e assim… viver em paz.
Nem tudo são flores e obviamente havia um gigante problema em tudo isso, já que não sabíamos por onde começar, minhas memórias sobre meu passado tinham sido apagadas, e Hideki não iria me contar o que aconteceu só para tentar me fazer entender o lado da mamãe, afinal… isso também era um problema pra ele, algo que queria esquecer.
Enquanto percebi que Hideki estava comigo não importa o que acontecesse, tentei viver uma vida normal enquanto tentava correr atrás da mamãe, já que seria assim que tudo poderia se arrumar.
Em um dia normal onde eu e o Hideki andando pelas ruas da cidade, encontro a mamãe andando por lá. Começo a correr atrás dela até pararmos em um beco sem saída…
— Talvez seja melhor assim, certo? — diz mamãe.
O lugar inteiro começa a se tornar um inferno, as paredes começam a derreter e tudo começa a ficar vermelho… até… eu acordar.
Pesadelos se tornaram normais depois de tudo o que aconteceu, mas nesse dia em específico já tinha perdido total a esperança de que algo bom poderia acontecer…
Hideki estava sentado no chão, dormindo no pé da minha cama, provavelmente ele estava esperando eu dormir e acabou caindo no sono, algo típico dele… sem querer acabei preocupando demais aquele que sempre está comigo… talvez por ser impaciente com as coisas.
Tenho que correr atrás da mamãe de alguma forma, mas não sei como…
A chuva lá fora continua pesada, e com isso… escuto alguém bater na porta. Com esperança corro até a porta e abro com toda a força do mundo… era realmente a pessoa que eu estava esperando, a minha mãe.
— Já… faz um tempo?
Na mente da minha mãe, ela queria me fazer desistir de correr atrás dela, pois percebeu que isso estava me fazendo muito mal, mas naquela hora… eu não percebi o que estava acontecendo, e como uma criança iludida, acreditei em tudo que ela estava falando.
— Eu preciso que você pare com o que está fazendo, Shiori.
— Mamãe…
— Você está me atrapalhando, eu não aguento mais ter que te proteger… sério… para de correr atrás de mim!
Ela falava coisas sem sentido, e que provavelmente nunca iria falar…
— Eu não aguento… isso é demais pra mim… ter que te colocar no mundo e ainda ter que te ver correr atrás de mim… EU QUERO FICAR SOZINHA!
Vendo tudo isso agora percebi que era mentira, mas naquela hora… parecia tudo tão real que nem questionei. A pessoa que eu mais amo no mundo chegou do nada e falou coisas aleatórias sem entender o meu lado.
Sei que ela estava desesperada e não sabia pra onde correr, já que tinha tanta coisa em mente que nem ao menos conseguia achar uma solução simples para a sua filha.
— Você… é um peso gigante pra mim, por favor… vai viver a sua própria vida…
Não falei nada, pois na minha mente qualquer coisa poderia ser motivo de raiva…
Com isso, ela vira de costas e simplesmente começa a andar.
— Isso… é um adeus.
E assim, uma palavra única afeta meu coração para todo o sempre.
“Talvez seja melhor assim, aí ela não precisa mais de um peso morto igual a mim.”
Era o que eu pensava…
Mas tudo isso… iria piorar com o tempo.
Esse foi o nosso primeiro adeus.