Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 8 – Arco 3

Capítulo 73: Uma amizade incrível.

Shiori



Os dias se passaram, e era possível ver que Hideki estava com medo de ter uma amizade comigo, talvez pelo o que aconteceu… Mas tudo isso iria mudar nesse dia, onde mais uma vez a mamãe conversou com Hideki.

Os dois estavam na minha sala de aula, Hideki tinha sido o último a sair pois queria ficar um tempo sozinho, ele queria pensar na própria vida. Seu rosto estava triste e aos poucos se tornou uma feição de medo quando viu a mamãe.

— Fala aí, garoto. — disse mamãe enquanto tocava no ombro de Hideki.

Hideki tinha medo da mamãe por tudo o que aconteceu. Então ele rapidamente se vira, jogando suas costas contra uma das carteiras da sala, derrubando tudo e se machucando um pouco.

— Calma… eu só quero conversar.

Quando mamãe tenta aproximar a mão no rosto do Hideki, ele bate com tudo na mão dela e se afasta.

— Por favor… não me toque…

Ele iria chorar a qualquer momento.

— Certo, vamos conversar assim.

— O que você quer?

— Sente-se, vamos bater um pequeno papo sobre a Shiori.

Hideki pega uma cadeira e a coloca longe da mamãe, se sentando quase do outro lado da sala. Mamãe respeita isso e se senta ao lado da porta, enquanto Hideki se senta do lado da janela, os dois trocam olhares.

— Primeiramente eu queria te pedir desculpas, fui muito rude com você só pelas coisas que minha filha tinha se envolvido.

Mamãe estava pondo em prática tudo o que ouviu da Lola.

— Tá tudo bem… não precisa pedir desculpas pelas coisas que aconteceram.

Hideki demonstra um pequeno sorriso infantil.

— Certo, você sabe que as memórias da Shiori foram apagadas, certo?

— Sim…

— Não é preciso se culpar por isso, está tudo bem, nada do que você fez foi errado.

— É…

— Apenas não sabia onde estava se metendo. Isso até que é normal, então nem precisa se preocupar.

— Eu me senti culpado por tudo o que aconteceu…

— Eu sei, acho que isso seria normal caso você fosse ameaçado pela mãe da pessoa.

— Talvez, mas não… não é só por isso. Não queria que as pessoas vissem o estado da minha família.

— Falando nisso, você não deveria estar em casa agora?

— Eu… não tenho onde ficar…

Mamãe olhou profundamente nos olhos de Hideki enquanto atrás dele o sol iluminava toda a sala.

O local era uma simples sala de aula, mas o que o diferenciava era que ficava no último andar da escola. Era possível ver o pôr do sol.

— Não tem onde ficar… por que?

— Meu pai me expulsou de casa por tudo o que aconteceu.

— Oh…

Isso fez a mamãe ficar sem jeito, mas logo colocou a cabeça no lugar e começou a pensar novamente.

— Hideki, você pode ser amigo da Shiori, mas me prometa que caso faça isso… me prometa que nunca vai abandoná-la.

Quando Hideki observou os olhos da mamãe, pareciam que iam chorar a qualquer momento, o que deixou o garoto sem saber o que falar.

— Mas, por que isso do nada? — perguntou Hideki.

— Porque… eu vou deixá-la sozinha no mundo.

— Como assim?

— É difícil ser uma deusa e ter que cuidar de uma família… isso é contra as regras.

— Mas, não é só deixar de ser uma deusa?

— Claro que não… não tem como fazer isso. Mas… é difícil… é doloroso.

— Doloroso?

Mamãe então solta poucas lágrimas de seus olhos.

— É difícil aceitar o fato de ter que deixar a minha filha no mundo só porque sou uma deusa. Não posso ter filhos, tenho que esconder tudo do mundo, e por conta disso terei que deixá-la por aí… sem ninguém… — mamãe para um pouco e assim olha atentamente ao Hideki. — SABE O QUÃO DIFÍCIL É ISSO?

A expressão, o aumento no tom de voz assustou o Hideki… ele rapidamente olhou para o chão.

— Eu… quero ser amigo dela… de novo.

A fala de Hideki assustou a mamãe, que começa a prestar atenção ao que o garoto diz.

— Eu quero ser amigo dela de novo… foi a primeira pessoa que falou comigo sem ser a minha família, até mesmo na sala de aula eu era esquecido, ela foi… a única que decidiu falar tudo comigo… isso despertou algo em mim… então… nem que eu tenha que protege-la, EU QUERO SER AMIGO DELA DE NOVO…

Hideki começa a chorar.

— ISSO PORQUE… EU SÓ QUERO SER AMADO POR UMA PESSOA DE VERDADE, eu quero ser amado por quem eu sou, não pelo o que eu consigo ser… eu… não quero ser uma arma… não é isso…

Hideki também caí em lágrimas, o que faz mamãe se aproximar e abraçar o garoto caído no chão.

— Você pode… pode ser amigo dela, eu permito!

Com tudo isso que estava acontecendo, mamãe simplesmente pega o garoto e o leva para casa, isso foi uma surpresa pra mim. A partir daquele momento, minha vida ao lado de Hideki começou a prosperar, nós começamos a viver juntos, no início era estranho, pois havia mais uma pessoa na casa, mas com o tempo tudo foi tomando forma e as coisas começaram a dar certo.

A minha amizade com ele foi ficando cada vez mais forte, chegando ao ponto de simplesmente seguirmos um ao outro. Parecia estranho, mas talvez fosse coisa de criança. Foi em um desses dias que tivemos uma das conversas mais importantes das nossas vidas.

Estávamos juntos no telhado de casa, vendo a lua crescer cada vez mais na noite do dia, ia fazer alguns meses que estávamos juntos, isso me deixava ansiosa para saber como o tempo ia passar.

— Ei, Shiori…

— Oi? 

— Como foi esse tempo com você?

— Foi… perfeito, posso dizer assim. Por que essa pergunta do nada?

— Eu queria saber como é passar o tempo comigo.

— Entendi…

O silêncio gritava com a gente, até Hideki se manifestar.

— Posso… te prometer uma coisa?

— O que?

— Eu prometo que nunca vou te deixar sozinha, não importa o que aconteça.

Algo repentino que havia quebrado o gelo entre a gente, era o suficiente para me fazer abraçar as próprias pernas e me segurar de tanta vergonha que estava sentindo no momento. Nossos olhos se cruzaram e a luz fraca que a lua emitia… se tornava cada vez mais forte.

— Eu…

Queria gritar que também nunca o deixarei sozinho, mas quando tudo isso ia sair, mamãe apareceu no telhado, logo atrás da gente… sem que cada um percebesse.

— Ora ora, o que os dois estão fazendo aqui fora?

Ao perguntar isso, lágrimas saem do meu olho, realmente ia chorar, mas não porque tomei um susto da mamãe, mas porque o que ele falou… era lindo demais para uma garota da minha idade. Ao ver essa cena mamãe ficou irritada em questão de segundos, olhando para o Hideki e gritando com toda a força:

— VOCÊ FEZ A MINHA FILHA CHORAR?

Lola aparece para segurar a mamãe que de uma forma totalmente cômica estava irritada com o Hideki. O garoto ria de vergonha enquanto mamãe dizia as maiores palavras de ódio contra ele.

Com isso, eu choro enquanto começo a rir.

— Vocês… eu amo todos vocês!

Palavras saem da minha boca sem ao menos fazer esforço, era algo real, um sentimento que nunca senti antes, eu queria ficar com aquelas pessoas para todo o sempre, não importa se não existe eternidade… mesmo após a morte, se existir algo, tem que ser com essas pessoas. Era assim que eu pensava naquela época.

Nada mais importava para mim, apenas queria passar os momentos ao lado dessas pessoas, pode ser difícil, fácil, ou até mesmo impossível, apenas quis… que tudo isso fosse para sempre.

Logo todos param de gritar, e assim nos juntamos para um abraço em família. Raramente estávamos felizes, momentos como esses deveriam ser marcados com uma foto, por isso me desvinculo de todos e corro para dentro de casa pegar uma câmera que havia no quarto de Lola…

Juntos… tiramos uma foto em família.

Tudo estava indo bem, o dia perfeito havia passado e assim todos foram para seus devidos quartos dormir e terminar tudo isso. Mas eu ainda estava lá… deitada olhando para a lua, observando o sol noturno…

Quando era criança e observava a lua, me sentia solitária, não importava o que estava acontecendo, mas naquele momento me senti.. viva, e acompanhada por pessoas incríveis, algo que nunca me veio à cabeça. Mamãe, Lola, e Hideki estavam comigo… era disso que eu precisava, não havia mais nada que iria fazer a minha vida ficar boa.

Já senti o que é ter a vida perfeita, e ela não é viver o luxo… é viver com aquelas pessoas que você ama mesmo sem estar no maior luxo da vida. Sorrir em meio a pessoas perfeitas.

O mundo poderia parar, eu tinha atingido a perfeição, então nada mais me preocupava. Era o que eu achava.

O dia seguinte tudo… tudo isso que aconteceu…

“Adeus, Shiori.”

Tinha uma carta na mesa da sala de casa, onde dizia que um adeus estava próximo.

A minha primeira reação a tudo isso foi achar que era uma brincadeira de mal gosto, mas ao analisar toda a situação e perceber que mamãe ainda não estava em casa, apenas corri para o lado de fora da casa e vi a mamãe lá.

Mamãe queria me deixar sozinha no mundo e havia alguns motivos pra ela fazer isso. Afinal de contas… apenas se preocupou com sua filha.

Deuses não podem ter filhos, isso por que o poder poderia passar para o filho e assim criar outros deuses, o que deixaria o mundo perdido, era o que eles pensavam. Mamãe não tinha isso em mente, na verdade o que tinha lá era o fato de me esconder do mundo para que os outros deuses não vinhessem me matar.

Ao ver que ela estava deixando essa casa, eu corri em sua direção e a parei.

— Mamãe?...

Quando ela escutou minha voz, seu corpo paralisou e tudo o que estava pensando sumiu.

Ela não estava imaginando que tudo isso ia acontecer agora, não tinha ninguém acordado naquele horário do dia, estava apenas eu e minha mãe. Ela estava com medo de me ver mais uma vez, pois sabia que tudo o que eu ia falar iria entrar na mente dela e talvez mudar todos seus pensamentos.

Quando eu era criança… não sabia o que era um adeus, pois nunca escutei ou vi essa palavra.

— Mamãe, o que é um “adeus”?

No fundo do coração dela, mamãe não queria me deixar. Era necessário para a minha proteção, quando vejo essas memórias consigo perceber isso, mas quando criança, ver a minha mãe ir embora… me deixava tão triste que não pude fazer nada.

Mamãe se vira.

— Eu já volto, tá bom? Só me prometa uma coisa

— O que foi, mamãe?

— Me prometa que nunca mais vai chorar, e que daqui pra frente se tornará uma criança forte e extremamente feliz!

— Eu não sei se consigo prometer isso…

— É pelo seu bem, eu sei que daqui pra frente tudo será dificil, por isso quero que nunca mais chore.

Ela estava tentando terminar todo esse dialogo de uma vez, sem me deixar falar alguma coisa, seja lá o que for. Como uma criança apenas dou um sorriso e digo:

— Tá bom, mamãe! Eu prometo que nunca mais vou chorar, mas me diga, onde você vai? Será que vai demorar muito? Preciso de você para o jantar de hoje… e também porque… amanhã é um dia especial…

Sim, amanhã era o meu aniversário, um dia que sempre comemoramos dentro dessa casa, mas que a partir desse momento, meu aniversário seria apenas mais um dia normal, já que não haveria mais tanta pessoa para comemorar, não iria ter uma família.

Mamãe dá as costas e diz:

— Sim… vai demorar muito… mas eu prometo que vou voltar.

— Entendo… pode deixar que sempre irei te esperar, não importa o que aconteça!

Antes que ela pudesse começar a chorar, eu continuo falando:

— Mamãe… eu te amo!

Seus olhos se arregalaram e o choro simplesmente some, não conseguia ver seu rosto, mas parecia que ela estava sorrindo muito.

Mamãe simplesmente começa a andar…

E a partir daquele dia… minha vida se tornaria uma solidão sem fim.

 



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