Volume 6

Capítulo 272: Guendalfa

Urushi, cheio de ânimo, correu sem parar pela estrada que ligava Roseraccoon e Vestia. Depois de apenas oito horas de viagem, vimos a capital pairando no horizonte. Foi a primeira vez que viajei para qualquer capital desde que reencarnei como uma espada, por isso fiquei muito surpreso com a visão. Barbola era a maior cidade em que estive até agora e empalidecia em comparação a Vestia.

Era noite, então a cidade inteira estava iluminada por tochas e fogo mágico. As luzes tremeluzentes que dançavam nas enormes muralhas de 20 metros de altura eram magníficas de se contemplar. O castelo real podia ser visto se destacando sobre as muralhas e se elevando sobre a cidade. Sua torre era o edifício mais alto que eu já tinha visto, facilmente visível, mesmo à distância.

"Você acha que eles vão nos deixar entrar a essa hora da noite?"

— Nnn... não me importo de acampar.

"Sim, mas prefiro não fazer isso. Vamos manter isso em mente como um plano B."

Algumas cidades fechavam seus portões depois do anoitecer como medida preventiva contra ladrões e monstros. Eu não tinha certeza se a capital era uma delas. Quando nos aproximamos, por sorte, descobrimos que os portões ainda estavam abertos.

Comerciantes e aventureiros estavam em uma fila do lado de fora do portão de maneira ordenada. Parecia haver alguns procedimentos formais que deviam ser tomados antes da autorização para entrar ser concedida. Como esperado de uma capital, a segurança era muito mais rigorosa.

Entramos em uma fila de cerca de vinte pessoas com Urushi mais uma vez em sua forma menor. As pessoas já estavam nervosas porque era noite e não queríamos exacerbar isso com um lobo gigante aparecendo de modo súbito na frente deles.

Eu queria entrar de forma casual na fila sem chamar atenção, mas, pelo visto, Fran se destacava demais para fazermos isso. Estávamos recebendo muitos olhares.

Parecia que as pessoas estavam surpresas ao ver uma garota da idade dela viajando com apenas um lobo ao seu lado. Ainda mais por ela ser uma gata-negra, que deveria ser a mais fraca das tribos dos homens-fera. Aqueles que a observavam com curiosidade perceberiam que ela havia evoluído, o que os levava a se surpreenderem.

— Hum, quê?

— Meus olhos estão mesmo funcionado?

— Sem chances! É ela, a...

— Cara, é a Princesa do Raio Negro.

— A Princesa do Raio Negro? Quem é essa?

Os comerciantes e aventureiros ao nosso redor sussurravam em vozes abafadas. Mas como já estávamos acostumados com isso, Fran, Urushi e eu não prestamos atenção. Depois de esperar na fila por alguns minutos, fomos abordados por três homens-gato.

— Umm... desculpe por te incomodar. Por acaso você é a Princesa do Raio Negro?

— Nn?

— Nós nos chamamos Os Seis Bigodes. Somos uma equipe de homens-gato. Somos grandes fãs de você e de suas realizações.

O orador era um jovem gato-vermelho. Parados atrás dele estavam seus companheiros, outro gato-vermelho que parecia estar na casa dos vinte anos e um gato-azul mais velho, provavelmente na casa dos trinta ou quarenta.

— Caramba... ela evoluiu de verdade.

— Parece que os rumores eram verdadeiros.

Os dois sussurraram um para o outro. Eu estava de guarda contra o gato-azul. Eu esperava que ele tentasse falar mal de Fran, mas ele não fez nada disso. Pelo contrário, seu rosto mostrava apenas um olhar de admiração.

Hum, fiquei surpreso ao ver um gato-azul que não era desprezível. Embora eu não devesse estranhar tanto, dadas as reformas relacionadas aos gatos-negros feitas pelo Lorde das Feras.

No fim, os Seis Bigodes não tinham nenhum negócio em particular com Fran, além de querer cumprimentá-la. Eles estavam interessados nela porque ela evoluiu. No começo, fiquei um pouco nervoso com as perguntas que poderiam expor a façanha que usamos para desenvolvê-la, mas, para nossa sorte, isso não aconteceu.

Entretanto, nossas discussões os informaram sobre as condições necessárias para um gato-negro evoluir. Explicamos a eles que o gato-negro precisava matar mil Seres Malignos ou derrotar um Ser Maligno rank A em combate individual para evoluir. Foi uma boa maneira de passar um tempo enquanto esperávamos na fila.

À medida que mais pessoas começaram a se aproximar de nós, uma enorme figura de repente cortou a multidão. O homem tinha dois metros de altura e emanava uma clara aura de hostilidade.

— Ei, você. —, ele disse. — Você é a pirralha que eles chamam de "Princesa do Raio Negro"?

— Nn? Mhm.

— Gwahaha! Meu tio de merda deve ser um derrotado se ele perdeu para uma pirralha como você!

Fiquei com uma sensação desagradável quando ele caiu na gargalhada. Avaliei-o e vi que ele era um rinoceronte-branco, ainda não evoluído. O nome dele era Guendalfa. Considerando a raça e a semelhança dos nomes, eu só conseguia pensar em um conhecido com quem ele pudesse estar relacionado: Goldalfa, o rinoceronte-branco e guarda do Lorde das Feras com que Fran lutou no torneio de Ulmut e foi derrotado.

"Ei, Fran. Acho que esse cara é parente de Goldalfa."

— Conhecido de Goldalfa? — ela disse.

— Hah! — ele bufou. — Uma pirralha está falando com você sem honoríficos. Veja o quanto você caiu. — Ele apontou para o peito. — Eu sou Guendalfa. Aquele de quem você fala, Goldalfa, é um covarde. Por mais que eu odeie admitir, ele é o irmão mais velho do meu pai.

— Covarde?

O rosto de Fran se contraiu em irritação. Goldalfa era um guerreiro que Fran passou a respeitar por meio de uma batalha feroz. Ela não gostou de ver um merdinha condescendente o desrespeitando.

— Ele é um maldito covarde. —, disse Guendalfa. — Ele jogou fora sua posição de patriarca do nosso clã apenas para se tornar a putinha do Lorde das Feras.

— Covarde não. Forte, bravo guerreiro!

— Forte? Depois de perder para alguém tão insignificante quanto você? Que piada. Que tal eu chutar sua bunda e provar o quão merda ele é de verdade?

"Você está livre para enfrentá-lo, mas esteja atenta aos nossos arredores." Eu tentei acalmar Fran. "Não queremos ser impedidos de entrar porque causamos uma cena."

— Nn. Alterar localização. — disse Fran.

— Haaaaaaah? — ele desdenhou. — Por quê? Está com medo? Pode vir, pirralha!

— Não quero causar uma cena.

— Feche sua maldita boca e faça isso logo!

Fran não respondeu.

"Ei, Fran. Acalme-se um pouco. Ou melhor, você está totalmente pronta para agir, não está!?

“Sem problemas. Vitória instantânea.”

É, passamos pelo ponto sem retorno.

A multidão começou a gritar.

— Não se preocupe Princesa do Raio Negro!

— Vamos testemunhar que ele começou isso!

— Vá e arrebente a cara dele!

Ei! Más-línguas¹! Não a incentivem, caramba!

Eu logo usei a Parede de Pedra para incluir Guendalfa e Fran para bloqueá-los dos arredores.

— Tome isto. Despertar. Ímpeto do Relâmpago Brilhante. Socos Sérios.

— Guboh! — O raio direto de Fran pousou no peito de Guendalfa.

— GWUAAAAHHHHHHHHHHH!

ONE PUNCH FRAN!

Guendalfa foi lançado voando, colidindo diretamente contra o muro de pedra que eu ergui. Sua armadura estava toda arrebentada e o sangue escorria de sua boca.

Fran sacudiu o pulso.

— Hum. Tão fraco e falando tanto?


Nota

[1] No século 19, os piores e mais baratos assentos do teatro, onde as pessoas mais humildes e menos instruídas se sentavam, eram chamados de peanut gallery ("galeria do amendoim"), por que o lanche mais barato vendido nos teatros era o amendoim, muito consumido por tais pessoas. Inclusive, quando não gostavam da peça de teatro, costumavam jogar amendoins no palco em sinal de reprovação. Pois bem, o tempo passou e peanut gallery passou a se referir àquelas pessoas que gostam de criticar o que os outros fazem, até mesmo sem entender do assunto ou ter o direito de expressar sua opinião. Por isso, uma das traduções mais comuns dessa expressão é “más-línguas”.



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