Volume 6

Capítulo 248: Um relato sobre a ecologia da Serpente de Midgard

Vários dias se passaram desde que deixamos Barbola.

Tudo o que fizemos até o momento foi relaxar. Em princípio, não havia muito o que fazer, a menos que encontrássemos algum tipo de fera demoníaca, por isso passávamos nossos dias comendo, dormindo e, de vez em quando, aproveitando a brisa salgada do mar enquanto nos exercitávamos um pouco no convés.

A magia da purificação nos permitiu manter o quarto limpo sem ter que arrumá-lo.

As refeições não eram apenas fartas, como também bastante saudáveis. As habilidades do tipo caixa de itens permitiam aos marinheiros preservar frutas e legumes frescos durante toda a viagem. Beribéri¹ e escorbuto² não eram preocupações.

Mesmo assim, esgotar os recursos do navio não era a primeira escolha da tripulação. Eles preferiam comer o que pudessem pegar. Para esse fim, eles estavam transportando uma rede gigante que jogaram para pescar um pouco mais cedo.

Não era algo que Fran havia visto, então ela acabou fazendo mais do que apenas observá-las. Ela se juntou a eles dizendo: — Para cima, pra cima. —, várias vezes enquanto eles traziam a rede para dentro do navio. A única diferença era que ela murmurou baixinho, em vez de gritar.

— Gahahaha. Você nunca viu homens arrastando uma rede enorme antes?

— Nn. Interessante.

— Foi o que pensei. Os únicos navios com redes tão grandes são os enormes.

— De verdade?

— A única maneira de transportar uma rede tão grande sem um monte de gente é se você tiver algum tipo de item mágico para fazer isso por você. E sabe, ambas as opções exigem navios bem grandes.

— Ó.

— Além disso, quanto maior a rede, maior a presa e quanto maior a presa, maior a chance de você atrair ou até pegar feras demoníacas. Para combatê-las é preciso de mão de obra e espaço. Não é algo que você possa fazer em um barco pequeno, a menos que queira se colocar em perigo.

As palavras do capitão me levaram à conclusão de que já era hora de nós, aventureiros, enfim fazermos nosso trabalho.

— Tenho certeza de que meus homens ficarão bem sem você por enquanto, mas você também deve ficar de olho.

— Nn.

Fran assumiu a posição só por precaução, mas nada aconteceu. Os marinheiros içaram a rede no convés e colocaram todos os frutos do mar que pegavam sem encontrarem nenhum problema.

— Esses, peixe, ou...?

"Quais? Existem feras demoníacas misturadas?"

— Coisa mole e flácida.

"Ó, você estava perguntando sobre isso? Aqueles são peixes-sapo³."

Os peixes-sapo eram muito estranhos, então fazia sentido que as pessoas que não os conheciam pensassem que eram monstros. Ouvi dizer que muitas pessoas fora do Japão temiam polvos, mas eu próprio achava o peixe-sapo muito mais aterrorizante.

— E aquele?

"Aqueles são peixes-bruxa."

— E aqueles?

"Tenho certeza de que são pepinos-do-mar, embora sejam muito maiores do que qualquer tipo que eu conheça."

O mundo em que eu estava era um verdadeiro mundo de fantasia, mas, para ser honesto, seus peixes não eram tão diferentes dos que tínhamos na Terra. Na verdade, eu senti que a maioria deles era mais agradável aos olhos; os peixes da Terra costumavam ser muito mais feios.

— E aquele?

"Qual?"

— Aquele.

Havia muitos peixes misturados para eu identificar o que Fran estava tentando apontar, então ela acabou andando e pegando da pilha o que ela queria me mostrar.

— Isto.

"Ó, eca."

O peixe em questão foi um dos mais nojentos que eu já vi. Eu tinha que elogiar a disposição de Fran em tocá-lo. Ela levantou a coisa sem sequer a menor hesitação.

A coisa na mão de Fran me parecia um pedaço de carne preta avermelhada, do tamanho de uma bola de softbol. Uma extremidade tinha a forma de um intestino. Ele tinha uma boca alienígena, com dentes afiados dispostos em um padrão circular. A coisa parecia ter sido beliscada. Minha reação imediata foi assumir que era algum tipo de criatura do fundo do mar.

A avaliação fez com que eu gritasse telepaticamente pela surpresa.

"Essa coisa é uma serpente de midgard!"

— Serpente de Midgard? Isto?

"Si-sim, deve ser porque essa coisinha ainda não cresceu."

— Óóóó.

Eu quase não podia acreditar que a pequena fera demoníaca que Fran estava segurando pudesse crescer até cem metros de comprimento como a que enfrentamos no passado. A única maneira de descrever a criatura era chamá-la de fantástica.

"Há-há outra por ali também."

— Onde?

"É aquela coisa longa logo ali."

— Isto?

Fran pegou o organismo longo e parecido com uma corda que eu estava falando com as mãos nuas. Sua cor e textura eram idênticas à larva da Serpente de Midgard que Fran segurava na outra mão, mas seus comprimentos eram incomparáveis.

O primeiro espécime era do tamanho da palma da mão de Fran. O segundo tinha cerca de um metro de comprimento. Mesmo assim, ambos ainda eram, com toda certeza, duas serpentes de midgard.

— Isto se torna aquilo?

"Eu acho que sim... ó Deus, isso é nojento. Sua irregularidade só deixa tudo ainda pior."

O espécime mais longo não era apenas fino e longo. Parecia um monte de esferas grudadas umas nas outras. Os recuos percorriam-no em um tipo quase regular de padrão.

Jerome aproximou-se de Fran enquanto continuava a observar as serpentes de midgard se contorcendo.

— Ah, então você conseguiu encontrar algumas pequenas serpentes de midgard.

— Nn.

— Com esse tamanho, eu diria que elas ainda devem ter apenas alguns meses de vida... seus pais ainda podem estar na área.

— Mesmo que só krakens vivam por aqui?

— Na maior parte, sim. Existem algumas outras coisas, mas não muitas.

— Lutei com serpente de midgard.

— Você quer dizer há pouco tempo?

— Nn. Muito recente. No caminho para Barbola.

— É sério? Se for esse o caso, é melhor ficarmos atentos.

— O que fazer se for atacado?

— As serpentes de midgard tendem a reagir mais ao cheiro, então devemos ser capazes de despistá-las se jogarmos alguns barris ao mar como isca.

Parecia que não precisaríamos nos preocupar porque o navio tinha contramedidas preparadas. Mesmo assim, ainda estávamos bastante curiosos quanto à sua ecologia. Jerome parecia bem informado sobre elas, então decidimos contar com ele para saciar nossa curiosidade.

— Isto se torna aquilo?

— Sim, mas o atarracado que você está segurando não vai mais crescer.

— Então como?

— Eles ficam maiores ao grudarem uns nos outros. Você vê como o maior tem recuos por todo o corpo? E você vê como eles têm o mesmo comprimento?

— Nn. Partes estreitas.

— É porque esse é o ponto onde duas serpentes de midgard estão conectadas. As larvas mordem as bundas umas das outras para formar grupos. Com o passar do tempo, elas acabam se fundindo em uma única criatura.

Natureza, que merda é essa?

Eu fiquei apavorado no começo, mas logo lembrei que havia criaturas semelhantes na Terra. Eu não tinha muita certeza sobre os detalhes, mas uma parte de mim queria dizer que a maioria era de organismos unicelulares e/ou algo parecido com uma água-viva.

Ouvir a explicação de Jerome enfim me levou a entender por que as malditas tinham tantos corações. Uma serpente de midgard era ao mesmo tempo uma única fera demoníaca gigante e uma colônia inteira de monstros menores. Foi essa exata característica que os impediu de serem afetados pela capacidade de morte instantânea do Olhar da Morte.

— O que fazer?

— Elas são parasitas e não são de ajuda para o mar, portanto, vamos reuni-las e descartá-las mais tarde. Você parece capaz de encontrá-las, então poderia nos dar uma mãozinha?

— Entendido.

Nossas habilidades Avaliação e Percepção de Magia tornaram mais fácil a tarefa de investigar a pilha e puxar todas as feras demoníacas que ela continha. As duas únicas desvantagens da tarefa eram que ela era entediante e que as mãos de Fran ficaram fedendo. Mesmo assim, o fedor poderia ser limpo, então fiz uma anotação mental dizendo a mim mesmo que deveria lançar magia de purificação nas mãos dela assim que terminássemos.

O processo de triagem terminou sem problemas reais; o transporte de hoje não parecia conter nenhuma fera demoníaca perigosa. Mais importante que isso, parecia que o jantar desta noite consistiria em alguns pratos interessantes à base de peixe.

“Mestre.”

“O que foi?”

"Quero tomar banho."

"Você sabe que estamos em um navio no meio do oceano aqui, certo? Com certeza vai ser pedir dema-... espera aí. Na verdade, talvez não."

Colocar as mãos em água quente seria uma coisa fácil, pois era algo que poderíamos fazer com magia. O único problema real era que não tínhamos uma banheira. Em geral, apenas usávamos magia da terra para fazer uma, mas não havia solo à vista.

Eles provavelmente tinham lavatórios de madeira em algum lugar, mas imaginei que poderíamos encontrar algum tipo de substituto de qualidade superior se procurássemos com atenção. Perguntar levou à uma surpreendente resposta de que o navio tinha uma banheira a bordo.

No começo, pensei que tomar um banho a bordo de um navio era uma adição luxuosa que não deveríamos esperar, mas logo percebi que estava errado. Eu deveria saber que haveria uma, ainda mais ao considerar como o navio estava equipado com uma série de itens mágicos caros. Na verdade, descobriu-se que a maioria dos grandes navios costumava contar com esse tipo de item.

Nós não tínhamos ouvido falar de outras pessoas a usando porque os marinheiros não gostavam de tomar banho. Eu não estava muito surpreso. Os marinheiros eram, em sua maioria, homens selvagens do mar, não muito diferentes dos piratas. Eu não conseguia imaginá-los sentados e se banhando em uma banheira. Eles não se incomodariam em preparar os banhos em um horário definido, porque esse era apenas um custo adicional que poucos usavam.

Fran começou a seguir para lá no momento em que nos disseram que tínhamos permissão para usá-la desde que tivéssemos nossa própria água quente.

Mordred, Buphett e vários outras pessoas nos disseram que também queriam entrar, então acabamos dizendo que estava tudo pronto quando terminamos o nosso banho.

Buphett tinha ficado particularmente feliz por poder tomar um banho e até nos pediu que continuássemos fazendo isso para que ele pudesse aproveitar. Fran gostava de se banhar todos os dias, e eu meio que gostei da ideia dele nos devendo um favor, então acabamos concordando com isso.


Notas

[1] O beribéri é uma doença nutricional causada pela falta de vitamina B1 (tiamina) no organismo, resultando em fraqueza muscular, problemas gastrointestinais e dificuldades respiratórias.

[2] Escorbuto é uma doença causada pela falta de vitamina C (ácido ascórbico). Os sintomas iniciais mais comuns são fraqueza, cansaço e pernas e braços doridos. Se a doença não for tratada na fase inicial, podem-se começar a manifestar sintomas como diminuição do número de glóbulos vermelhos, inflamação das gengivas, alterações no cabelo e hemorragias na pele. À medida que a doença avança, podem ocorrer dificuldades de cicatrização das feridas, alterações na personalidade da pessoa e, por fim, morte causada por infeção ou hemorragia.

[3] Lophiidae é uma família de peixes actinopterígeos pertencentes à ordem Lophiiformes. O grupo inclui o tamboril também conhecido como peixe-sapo ou peixe-pescador, devido à presença do ilício, um raio da barbatana dorsal modificado para funcionar como uma cana-de-pesca.

[4] Myxini é uma classe de peixes marinhos, de águas frias, com forma de enguia e sem maxilas. É o único grupo de peixes que não pertence ao subfilo dos vertebrados, uma vez que não tem um verdadeiro esqueleto interno: o corpo é sustentado pela corda dorsal e o crânio é incompleto, uma vez que o cérebro está protegido apenas por uma bainha fibrosa. De acordo com estudos recentes, estes peixes são classificados dentro do clado Hyperotreti, que pode ser considerado um subfilo dos Cordados. São conhecidos como peixes-bruxas, enguias-de-casulo, enguias-de-muco, feiticeiras, mixinas ou bruxas-do-mar.



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