Volume 6

Capítulo 247: Uma discussão sobre rotas

E assim, um dia se passou.

— Outro armazém.

"Bem, quero dizer, este é um navio mercante, entããããão…"

— Cheiro bom.

"Sim, parece que é aqui que eles guardam todos os alimentos."

Nós já tínhamos começado a explorar o interior do navio. No começo, não havia muito o que ver, a razão é que começamos no topo do convés e descemos sem pressa. A maioria das salas dos marinheiros ficava perto do convés, assim eles poderiam reagir rapidamente em caso de emergência. Portanto, a primeira área em que nos encontramos foi a única que não nos foi permitido verificar com muitos detalhes.

A maioria dos quartos nos andares inferiores era formada apenas por depósitos. A porta da sala com a maioria dos itens mais valiosos estava trancada, mas todo o resto ainda estava aberto à exploração.

Tudo o que encontramos nos depósitos foram caixas, sacolas e muita poeira, mas Fran estava se divertindo olhando ao redor.

Da mesma forma, eu também não tinha perdido o interesse em olhar para todos os ingredientes estranhos, nem os produtos com formatos estranhos que as caixas pareciam conter.

— Avançando.

"Claro."

Saímos da área do armazém e entramos em uma sala perto de um dos lados mais externos do navio. Lá, encontramos um enorme pedaço cilíndrico de metal com um orifício no meio. Sua superfície quase parecia emitir uma espécie de brilho escuro.

— O que é isto?

"Parece um canhão mágico. Ele usa essas bolas de ferro como munição e as impulsiona com magia."

— Por que bolas de ferro?

"Os projéteis que ele lança são mais fracos que os feitiços reais, mas devem ser muito mais eficientes com mana. Ele funciona com energia mágica, mas devem possuir apenas uma quantidade finita."

Os canhões que estávamos olhando pareciam ser de classe alta, pois podiam alternar entre balas físicas e mágicas. As balas físicas provavelmente eram para outros navios, enquanto as mágicas seriam usadas em feras demoníacas.

Eu não pude deixar de sentir que o canhão era muito maior do que o que tínhamos na Terra, em parte porque tinha um motor mágico preso a ele.

Nos aventuramos ao descer as escadas depois de inspecionar o canhão e nos encontramos na subseção mais baixa do navio. A maior parte do espaço estava ocupada pelos tanques de lastro do navio, muitos dos quais estavam cheios de água. A segunda maior sala, no entanto, tinha um item interessante, outro grande dispositivo mágico. Esse dispositivo emitia um tipo de estrondo baixo de forma quase constante.

— Enorme.

"Acho que esse é provavelmente o motor sobre o qual o capitão estava falando mais cedo."

— Nn. Muito alto.

"Hmm… essa parte tem água saindo dela, e essa parece algo como uma bomba."

O motor parecia ser do tipo jato de água. Ele usava uma bomba enorme para sugar a água e depois a ejetava com força para impulsionar o navio para a frente.

Vários dispositivos de ejeção foram colocados ao redor do casco do navio. Parecia que poderia usá-los não apenas para mudar de direção, mas também para fazer curvas apertadas.

Tínhamos quase terminado a exploração, e Fran queria exercitar-se um pouco, então voltamos ao convés, na esperança de encontrar um lugar para fazer alguns exercícios. Na chegada, descobrimos que o deque estava bastante ocupado. Jerome estava ordenando aos marinheiros que se esforçassem para erguer os mastros.

— Finalmente chegamos a esse maldito golfo¹! Homens, preparem-se para navegar!

— Sim senhor!

— Coloquem suas pernas para trabalhar! Vamos a toda velocidade até chegarmos ao Ninho dos Krakens²!

Uma das coisas que o capitão havia dito chamou minha atenção no mesmo instante.

— Ninho de Kraken?

— Ó, ei, não te vi. O Ninho dos Kraken é o que o nome indica, uma zona de perigo onde você encontrará uma porrada de Kraken.

— Passando no meio?

— Bem, acho que você poderia dizer isso.

Eu sabia que o navio tinha uma barreira que repelia grandes feras demoníacas, mas não pude deixar de sentir que passar por um lugar chamado Ninho dos Krakens não era uma boa ideia.

— Na verdade, não vamos passar no meio desse local. Nós estaremos passando pela borda.

Felizmente, as intenções do capitão não eram o que eu estava imaginando.

Kraken era o principal predador do ecossistema local, então a maioria das outras feras demoníacas optava por evitar seu território. Isso era especialmente verdade para feras demoníacas de tamanho médio, pois os krakens tinham a tendência de atacá-los.

— Não devemos nos preocupar em sermos atacados por monstros por lá, desde que prestemos atenção aos krakens.

— Mas e os krakens?

Eu estava preocupado que um kraken nos atacasse e acabasse com nossa viagem, mas, de acordo com Jerome, as chances eram muito baixas. A barreira foi projetada para tornar o navio difícil de ser detectado por esse tipo de monstro.

Como não fiquei tão convencido assim, Fran perguntou sobre outras feras demoníacas maiores que viviam na área, às quais o capitão respondeu com uma resposta bastante simples: não havia nenhuma. Os únicos monstros grandes que viviam na área eram os krakens.

— Por quê?

— O trecho de mar entre o continente de Gilbard, de onde acabamos de partir, e o continente de Chrom, nosso destino, tem apenas algumas centenas de metros de profundidade. Falando de forma relativa, é bastante raso.

Ao que parecia, a maioria dos outros oceanos era muito, muito mais profunda.

— A maioria das feras demoníacas rank B, como Lordes-Baleias, Dragões da Água, Leviatãs³ e Dagons, preferem viver em águas mais profundas.

Nenhum dos tipos de monstro que o capitão acabara de mencionar havia sido visto no espaço entre os continentes Gilbard e Chrom.

— Mas a parte do mar entre os continentes Gilbard e Brohdinn, o Mar Demônio, compensa por isso. Essa região está cheia de monstros poderosos e até tem o primeiro e único leviatã rank S conhecido no mundo.

Dizia-se que o lendário leviatã em questão tinha mais de mil metros de comprimento, era capaz de criar tsunamis enquanto se revirava durante o sono e, em suma, era uma das feras demoníacas mais fortes que já existiram.

Mesmo assim, muito pouco se sabia sobre o monstro. Os avistamentos eram poucos e possuíam muita distância entre os relatos. Havia, no entanto, uma menção significativa dele datada de cerca de 3.000 anos atrás, na qual o monstro destruiu por completo uma nação costeira da noite para o dia porque foi irritada. O relato citado devia ser verdadeiro, pois parecia ter sido confirmado por alguém com uma habilidade do tipo oráculo.

Um dos fatos mais surpreendentes e mais conhecidos sobre o assunto mencionado no relatório foi que o alimento básico do leviatã rank S era, na verdade, a Serpente de Midgard, um monstro rank A. O Leviatã deixaria seu ninho, capturaria uma Serpente e depois se deleitaria lentamente ao longo de cerca de cem anos. A maioria dos avistamentos aconteceria precisamente durante essas sessões de caça.

De modo natural, o lendário leviatã era apenas uma das muitas feras demoníacas maciças que habitavam o Mar Demônio, de modo que a maioria dos navios entre Gilbard e Brohdinn evitava passar por ele. Em vez disso, eles seguiriam uma rota mais segura e parariam em Chrom. A rota em que estávamos no momento era muito mais segura.

Mas, apesar disso, ainda havia krakens suficientes para que uma de suas subseções fosse rotulada como Ninho dos Krakens.

— Você não precisará se preocupar em encontrar nenhum Kraken. Este navio tem todas as contramedidas para krakens que um marinheiro poderia desejar.

— Nn.

— Mas dedicamos a maior parte de nossos recursos a isso, então teremos que confiar em você para lidar com piratas e todos os outros tipos de monstros, entendeu?

— Entendido. Pode contar comigo.

— Claro.


Notas

[1] Golfo é um termo utilizado na geografia para definir a parte do mar que penetra nas terras, cuja abertura é extremamente larga. Os golfos são formados por diversas ocasiões diferentes, como a partir de uma enorme falha na crosta terrestre, o Golfo do México é um exemplo, onde o braço do mar acompanha a linha da falha terrestre, criando um golfo bastante longo e com margens paralelas. Normalmente, os golfos são lugares considerados privilegiados para ocupar ou habitar. Por serem zonas rodeadas por terra, ficam protegidas contra as correntes marítimas, tornando um importante meio de transporte de embarcações ou de pesca.

[2] O Kraken era uma espécie de lula, que ameaçava os navios no folclore nórdico. Este cefalópode tinha o tamanho de uma ilha e cem tentáculos, acreditava-se que habitava as águas profundas do Mar da Noruega, que separa a Islândia das terras Escandinavas, mas poderia migrar por todo o Atlântico Norte. O Kraken tinha fama de destruir navios. O Kraken às vezes é confundido com o Cetus da mitologia grega por serem criaturas parecidas.

[3] Leviatã é um peixe feroz citado no Antigo Testamento. É uma criatura que, em alguns casos, pode ter interpretação mitológica, ou simbólica, a depender do contexto em que a palavra é usada. Geralmente é descrito como tendo grandes proporções. Era bastante comum no imaginário dos navegantes europeus da Idade Média e nos tempos bíblicos. No Antigo Testamento, a imagem do Leviatã é retratada pela primeira vez no Livro de Jó, capítulo 41. Sua descrição na referida passagem é breve. Foi considerado pela Igreja Católica durante a Idade Média, como o demônio representante do quinto pecado, a Inveja, também sendo tratado com um dos sete príncipes infernais. Uma nota explicativa revela uma primeira definição: "monstro que se representa sob a forma de crocodilo, segundo a mitologia fenícia" (Velho Testamento, 1957: 614).

[4] Dagon é uma divindade que habita o sombrio mundo criado por H.P. Lovecraft em seus contos. Ele foi inspirado em um antigo Deus Semita (de mesmo nome), que representava a fertilidade e a abundância na pesca. Esse mesmo deus e seus templos de adoração são referenciados por diversas vezes no Antigo Testamento, em trechos de José e Samuel. O evento mais conhecido nas escrituras, é a destruição de um de seus templos por Sansão, em seu último ato. A primeira aparição da deidade fictícia traça-se num dos primeiros contos publicados de Lovecraft. O conto, de título homônimo a criatura, narra como um personagem anônimo se encontrou num pedaço submergido do fundo oceânico, onde há evidências de um antigo culto a Dagon por entidades não humanas.



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