Masmorra do Desejo Brasileira

Autor(a): Alonso Allen & Zunnichi


Volume Único

Capítulo 27: O Cálice de Deus

Portais eram uma ocorrência muito comum em diversos mundos. O caso de Sung Jin Woo e Eric Marconde representava bem o quão volátil outras dimensões se tornavam quando se chocavam por uma série de coincidências e também por interferência de seres superiores. Dessa vez, no entanto, um indivíduo muito peculiar se deparou com um grande trono dourado.

Ele não tinha nome, usava as roupas que qualquer aventureiro pacato teria e sequer levava consigo uma arma. Ele também não concluiu nenhuma das masmorras, sua aparição ali foi por puro acaso, um portal o sugou e o despejou no meio daquele lugar, estragando sua sequência de vitórias consecutivas contra certos oponentes que desejavam um formoso “x1”.

Diante do trono, o rapaz encolheu um pouco seus ombros, achou o lugar extravagante demais para ter só um trono e uma pessoa muito antipática sentada lá. Seus olhos se ergueram na direção do tal “rei”, mas sentiu nojo de fazer isso, porque era justamente forçado a levantar a cabeça para encarar uma pessoa que queria se meter como superiora aos outros.

— E aí? — ele perguntou, lançando um largo sorriso cheio de dentes e fazendo um sinal provocativo com a mão. — Vai ficar parado por quanto tempo? 

— Hum? Como você chegou aqui…? Não, não importa, só preciso me livrar de você de qualquer forma. Serei breve para não atrapalhar o que virá a seguir…

Mesmo que confuso, o sujeito materializou uma lança numa das mãos e se levantou, descendo as escadarias com pisadas fortes. O rapaz não se intimidou, pelo contrário, ficou bastante animado para descobrir as habilidades daquele oponente. Uma estocada rápida veio em sua direção, ele esquivou flexionando os joelhos e projetando seu corpo para o lado, vendo o ar ser empurrado com o tanto de força que aquele cara tinha.

Ele chutou a lança para cima, fazendo-a subir um pouco, então disparou como uma explosão ao empurrar o chão com a ponta dos pés e desferiu um chute no meio da armadura. O dano não era significativo, mas de alguma forma fez a distância entre os dois aumentar repentinamente.

Aquele rapaz não perdeu o foco, seus punhos se ergueram na altura do queixo e ele avançou, lançando uma sequência de socos com a mão direita sem parar. Não trazia tanto dano na armadura, só que balançava a estrutura inteira, por mais que fossem golpes quase inofensivos.

O ser divino achou a cena muito esquisita. Esse aventureiro… seu equipamento é básico, ele não carrega armas, sua força também é medíocre… então como ele está conseguindo se manter tão bem?

A lança estocou em linha reta mais uma vez, apenas para o garoto se abaixar e usar um estranho jogo de pernas em movimentos de meia-lua de um lado para o outro. Era uma dança excêntrica, que não apresentava nenhum perigo, mas quando tentava atacar, um chute rápido e circular batia no seu flanco e o golpe errava, tirando só alguns fiapos de cabelo preto ao invés de uma cabeça.

Como aquilo acontecia? Era simples, o garoto à sua frente era simplesmente um gênio… no entanto, não um gênio qualquer, e sim um expert em combates um contra um. Era um raro achado entre milhares de pessoas, um sujeito que poderia ganhar qualquer combate desde que estivessem sozinhos.

Esse garoto foi enviado de outra dimensão e era chamado de “O Gênio do x1”, alguém com 100% de chance de vencer desde que lutasse sozinho. Seus movimentos hipnotizantes e as trocas de postura dominavam a luta como qualquer um, o ser divino até pensou que poderia perder a qualquer momento.

Até as portas se abrirem.

 

☆ ☆ ★ ☆ ☆

 

O grupo ainda estava imerso em uma série de pensamentos. Cada um ficou submerso nas suas próprias dúvidas, especialmente Alexsander, cujo braço ferido queimava em dor ao lembrar da sede de sangue horripilante sobre seus ombros poucos instantes atrás. 

Aquilo não vinha de um ser normal, mas de um monstro terrível, não à toa que ele estava selado detrás de diversos perigos e masmorras com monstros fortes. Apenas uma pessoa completamente insana acreditaria ter chance contra ele, qualquer um com o mínimo de consciência desistiria e daria meia-volta para não retornar.

Nós podemos… derrotar aquilo? Isso é possível? Aquele ser ficou diante de seus olhos e jogou apenas algumas palavras, mas isso foi o suficiente para fazê-lo questionar tudo o que fez até ali. Seu cérebro girou todas as engrenagens que tinha, mas nenhuma encontrava uma verdadeira solução.

Era uma situação desesperadora, algo muito além do raciocínio humano, somente um deus seria capaz de superar tamanha barreira entre os dois. No entanto, nem toda desgraça significava o fim, pois até o túnel mais escuro teria uma luz.

 

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Luiz Gê, Ojou-sama e Deusa do Limão oferecem suas preces e apoio incondicional como recompensa a sua árdua viagem até o final.

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A mensagem levantou o rosto de Alexsander, um brilho de esperança recuperou parte de sua consciência e força de vontade. Um lampejo explodiu dentro da sala, trazendo consigo diversos itens, em sua maioria livros de habilidade.

O líder foi o primeiro a resgatar suas recompensas, dois livros vieram em sua direção simultaneamente, um vermelho com o símbolo de um martelo e o outro amarelo com o sinal de um olho aberto. Ele não hesitou, abrindo o primeiro e em seguida o segundo.

 

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Golpe Pesado

Um golpe que atordoa o inimigo temporariamente. (sem custo de mana, 1 uso por dia)

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Clarividência

Permite ver o futuro em alguns segundos dentro de combate. Fora dele, a previsão se estende para horas.

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Vara de Pescar

Atributos: +1 de força.

Uma arma que fisga o oponente para perto ou o lança para longe, mas causa machucados a cada vez que se lança a vara.

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À primeira vista, o último item não parecia tão útil, pelo menos não na mão de um lutador pouco habilidoso. Distância era algo essencial no combate, saber manejá-la era uma das credenciais para se vencer, e aquela vara de pescar simplesmente entregava tudo isso com facilidade, mesmo que a última parte fosse sugestiva demais para seu próprio gosto.

Um pequeno espaço de sua mente se tornou um espaço vazio por um momento. Era uma área entre os pensamentos, mas quando se concentrava naquela região, ele conseguia observar um cenário preto e branco igual ao que estavam ao redor. Nele, Lohan estendia a mão em direção a um livro de habilidade e um amuleto com uma garra de dragão, enquanto Minerva ao lado reclamava de tudo sem economizar saliva.

Sua cabeça girou para o lado, a exata cena da qual passou na sua cabeça foi reproduzida.

 A elfinha agarrou e abriu um livro de habilidade com um monstro desenhado no centro e colocou o amuleto ao redor do pescoço, só para o ladino se aproximar e cutucá-lo no rosto.

 

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Símbolo de Coragem

Um pedaço de um dente de dragão. Aumenta o poder mágico em 30%

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Invocar Criatura

Invoca uma criatura da região. (10 de mana, 1 uso por dia)

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— Por que só eu que não ganho nada nisso?! — reclamou o ladino, com um semblante cheio de ódio. — Isso é muito injusto, eu não consigo fazer nada porque não tenho nada!

— Porque as entidades não gostam de você, não percebeu ainda? — A resposta de Lohan atingiu o ponto vital de seu amigo. — Além disso, suas ações ruins não demonstraram agradá-las, é claro!

— Aff, como se boa ação fosse sinal de boa sorte! Corta essa! Você roubou a minha poção e bebeu, isso não é uma boa ação, mas pelo menos o karma te transformou nessa garotinha!

— Olhe para Alice ali, — ignorou o mago, inclinando a cabeça para indicar a sacerdotisa — ela ganhou tudo porque foi boazinha…

— Como se eu fosse acreditar nisso, Lohan! Obviamente não foi por causa disso, mas você é idiota demais para reparar porque tá preso no seu mundinho de elfos!

— Tá, tá, se afasta um pouquinho idiota, eu preciso experimentar uma coisa… — Ele deu um peteleco e Minerva voou por causa da diferença de força dos dois.

Lohan respirou fundo, olhou ao redor e então para cima, só para se concentrar firmemente em ambas as mãos e estendê-la para frente. O ar tremeu, um círculo mágico foi desenhado por conta própria no chão, seguido por um pilar que rapidamente subiu e desapareceu, no entanto, em seu lugar havia uma criatura voando.

Os olhos de todos se voltaram para aquele ser de asas brancas magníficas e com uma auréola sobre a cabeça. Era um anjo carregando uma grande espada de duas mãos, protegido da cabeça aos pés por uma armadura de detalhes dourados e esbranquiçados, lançando uma aura divina sobre todas. Os olhos de Alice, em especial, brilharam como duas lamparinas cheias de óleo ao notar o sorriso desenhado no capacete da criatura.

— Isso é curioso… — comentou Lohan, com as mãos no queixo enquanto analisava a criatura invocada. — Sei que criaturas invocadas só obedecem o comando de seu próprio mestre e que também são mais coisas “programadas” do que conscientes, mas eu trouxe um anjo. Anjos são seres divinos, não eram para eles interagirem com magia comum de forma alguma.

Naquele ponto, estava certo. Seres divinos não eram invocados por magia, e mesmo que a magia tradicional e os milagres concedidos por meio da fé operassem com um combustível igual, a mana, elas ainda se desviavam muito em seus conceitos.

A última pessoa a receber alguma coisa foi Alice, e como era de se esperar, sua recompensa era a mais gorda de todas. 

 

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Um artefato foi entregue a você. 

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Coragem

Garante um buff de força e resistência temporários para si e mais outro aliado.

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Proteção Arcana 

Permite ao usuário invocar uma barreira mágica que tem como efeito repelir outras forças arcanas mais eficientemente.

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Inspiração Divina 

Abençoa os fracos e inibe seus pensamentos ruins, consagrando-os a força de centenas de milhares de anjos enviados pelos deuses

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Ela leu todos com um grande sorriso no rosto, agradecendo do fundo do coração a Deusa do Limão e a Ojou-sama por fornecerem presentes tão graciosos num momento de necessidade. Dentre os livros, no entanto, havia uma pequena caixinha estranha. Curiosa, Alice desfez o nó no presente e ondas de energia divina envolveram seus equipamentos, desde a armadura de Adrielle até a calcinha de ursinho.

A renovação veio na forma de um lindíssimo vestido vermelho cheio de detalhes pretos, a carta se transformou num leque de cor semelhante a roupa, dando o charme de uma senhorita nobre que toda moça desejaria desde a tenra idade. Alice jamais se sentiu mais deslumbrante e poderosa que antes, por mais que o vestido ainda a atrapalhasse a se movimentar.

 

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Todos os seus equipamentos foram melhorados.

Ganho de atributos total: 50 sabedoria, 25 mana, 25 destreza.

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— Minha nossa… Eu sempre quis algo assim… — Ela corou ao olhar para baixo e se deparar com sua linda aparência. — Tal-talvez não seja a melhor hora para eu ficar me-me encantando com isso, né? 

— Com certeza, Alice Lux — respondeu Barbara, franzindo a testa e esboçando seu nojo ao mostrar a língua.

— Ao menos me deixe aproveitar uma vez, sua bruxa sem coração!

Essa cena também foi prevista por Alexsander, que usava sua Clarividência para testar seus limites. Ele conseguia ver um longo tempo no futuro, até enxergou os eventos diante de seus olhos se desenrolar logo após ter recebido a habilidade, mas quando tentava ver além disso, só via uma escuridão plena.

Ele não sabia o que acontecia quando entravam na sala do chefe, não lhe era mostrado nada além de silêncio e trevas. O guerreiro engoliu seco com a dúvida do que acontecia, mas precisava se manter forte. Abrir a boca para descrever o que viu era inútil agora, somente abaixaria a moral dos demais.

No entanto, era curioso o que viria após receber o vestido. Um cálice dourado emergiu do grande presente, era dourado e ornamentado em diversas jóias, com uma bebida escura circulando por dentro e emitindo um brilho não-natural.

— Hum? Vi-vinho…? É para eu beber? — Ela levantou um pouco o cálice em direção aos lábios.

— Alice, não beba! — berrou Lohan, seus olhos se arregalaram quando percebeu o que ela tinha nas mãos. — Pelo amor de toda magia e de toda existência, não beba ainda!

Todos congelaram no lugar. Aquela elfinha se emocionar assim diante de alguma coisa era realmente raro, e estar tão alterado por causa de um cálice significava muito mais do que aparentava. Ele se aproximou lentamente e analisou mais de perto o objeto, sua mão hesitando em tocá-lo a qualquer custo, enquanto os dedos tremiam só de se mexer com o intuito de chegar perto.

— Isso… é uma relíquia muito antiga, que só é descrita em mitos de uma idade do herói que matou as bestas… Até um mago de quinta categoria entenderia o que está nas suas mãos, é o Cálice da Verdade. É dito nos mitos que uma poderosa santa bebeu desse cálice e o transformou numa relíquia sem precedentes, imbuindo-a com uma quantia tão avassaladora de mana que mataria qualquer um que bebesse dele.

Por instinto, Alice afastou o objeto de si, temendo que o pior aconteceria mesmo se uma gota caísse no chão. Um artefato tão poderoso em suas mãos logo no final? Era um sinal divino, mas ainda assim poderia causar um perigo maior caso morresse pela mera ingestão. Enquanto Minerva se remoía por não ter a chance de virar um deus, os demais aventureiros concordaram num voto silencioso de não mexer naquele item.

Ele continuaria nas mãos de Alice como garantia de que nada acontecesse, já que ela era a pessoa mais pura e confiável do grupo, diferente de duas pessoas em específico que possuíam um registro bem amplo de falhas de caráter. Com tudo decidido, eles deram um passo em frente, apenas para uma nova interferência das entidades surgir, um exame de insetos veio e os forçou a protegerem o rosto.

 

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Uma entidade invocou um enxame de gafanhotos, toda a comida foi levada embora.

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A névoa preta de insetos abaixou, cada um se olhou e não entenderam direito a razão disso, já que não importava mais terem comida àquela altura. Enfim, isentos de qualquer coisa que interrompesse seu caminho, o grupo atravessou a ponte de arco-íris e adentrou as muralhas da fortaleza. O ar estava diferente, tenso e os sentidos de todos se aguçaram ao limite.

Alexsander parou diante da porta. Alguns minutos atrás, sua mente enxergou algo estranho, havia uma pessoa lutando contra um homem armadurado com uma enorme lança na mão. Os dois lutavam de igual para igual, mas assim que essa porta fosse aberta, o rapaz lutando voaria na direção deles e desmaiaria em seguida. Essa cena ocorreria no instante que entrassem.

Ele hesitou, pois a cena mudaria caso ficasse parado. Seus dedos trêmulos apertaram as maçanetas, mas por algum motivo não conseguia empurrá-las. Os demais notaram isso, e de um em um, eles apoiaram as mãos nas de Alexsander para ajudá-lo a empurrar.

— Grandalhão, é a primeira vez que te vejo com medo assim. Se continuar assim, vai me dar medo também, então arruma a cara logo!

— Se-senhor Minerva está cer-certo! Não de-devemos ter medo, chegamos até a-aqui por um motivo!

— Isso mesmo. Eu até brandi uma espada para chegar aqui, coisa que nunca imaginei acontecer nos meus séculos como mago…

— E eu estou aqui pelo puro acaso — fechou Barbara, de fora da brincadeira de encostarem as mãos porque odiava o poder da amizade.

O líder sorriu, dessa vez de verdade em muito tempo. Foram inúmeros perigos, risadas, lutas, conversas e aventuras, logo, era natural desenvolver um apego a tudo o que fizeram. Apertando firmemente as maçanetas, ele empurrou as portas à sua frente. 

Assim como havia previsto, um corpo voou em sua direção. Alexsander habilmente pegou o garoto voando pelos ombros e o colocou no chão, que desmaiou após levar um soco no meio do peito, atravessando o grande salão. O guerreiro gentilmente o deixou recostado na pilastra ao lado e suspirou, seus olhos se ergueram na direção da única figura em pé dentro do salão.

Era um sujeito alto, corpulento e com uma armadura brilhosa revestindo seu corpo, com uma lança de detalhes dourados apoiada no ombro. Era muito diferente da projeção mística e divina que apareceu anteriormente, no entanto, sua presença mimetizava completamente à daquele ser.

Não havia dúvidas. Os demais aventureiros pegaram suas armas, diálogos seriam desnecessários para descrever o que aconteceria a seguir. No entanto, a visão na mente de Alexsander mudou repentinamente, o desenrolar do começo mudou tão rapidamente que ele teve problema em reagir. Sua mão descartou o sabre e se estendeu na direção de Alice, assustada pela movimentação tão repentina de seu líder.

Infelizmente, suas palavras não conseguiram avisá-la a tempo.

 

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Maldições recaem sobre os aventureiros.

O Sabre Aracne teve sua lâmina transformada em uma língua.

Uma entidade ativou a Cela Dimensional. O aventureiro escolhido foi Alice Lux.

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Mesmo que a espada tivesse se tornado inútil, ele não queria que as coisas se desenrolassem de tal forma naquele momento. O espaço atrás de Alice se distorceu, uma escuridão macabra trouxe centenas de correntes que se prenderam ao corpo dela e rapidamente a engoliram.

— Alexsan…!

Ela desapareceu antes que pudesse chamar o nome dele. Os demais demonstraram pleno choque, a figura principal do grupo desapareceu no vento e trouxe gargalhadas ao homem de armadura. A cena era divertida de assistir, aparentemente a esperança dos aventureiros desapareceu a pedido das benevolentes entidades.

— É a primeira vez que vejo os deuses desse mundo serem bondosos assim… Tirar aquela menina desse combate mortal é uma sábia escolha. 

Os punhos de Alexsander se cerraram. Ele não precisou falar mais nenhuma palavra, a vara de pescar em sua cintura teve sua corda lançada na direção do homem de armadura e o puxou para perto num piscar de olhos. Sem sequer ligar para o ferimento de corte que apareceu em sua mão, o guerreiro ergueu seu escudo e bateu contra o capacete de ferro do chefão, jogando-o de volta para o chão.

— Lohan!

Uma elfinha saiu por baixo do braço de Alexsander, carregando uma espada no formato de golfinho que crepitava com chamas azuladas. O colar ao redor de seu pescoço fez as chamas se intensificarem mais, e ao invés de azul, elas se tornaram brancas. Lohan cruzou sua espada na direção do cavaleiro, só para que fosse bloqueado e empurrado de volta pela lança dourada.

Haveria um contra-ataque, uma estocada que o acertaria, mas Alexsander impediu balançando a vara novamente, puxando-o para perto de si e o segurando com ambos os braços. Minerva e Lohan se uniram numa sequência de golpes que riscaram a armadura, uma das adagas do ladino lançava um fogo amaldiçoado que se combinou com as labaredas brancas do mago e criaram uma torrente de chamas cinzentas.

No entanto, nem isso foi o bastante, bastou um movimento brusco de sua larga mão para tirá-los do caminho, como se estivesse se livrando de moscas. Em seguida, ele deu uma cotovelada na barriga desprotegida de Alexsander, que se dobrou com a quantia de força que o acertou, apenas para depois ser levantado aos ares com um gancho direcionado ao queixo.

Ele sabia que seria atingido, mas não esperava uma dor tão extrema. Suas costas bateram contra o chão, a previsão ainda desenrolava alguns segundos no futuro em sua mente, no entanto era difícil se adaptar a sequência de eventos ocorrendo em paralelo na sua mente e na realidade simultaneamente.

Seu corpo recusou a se levantar, ele teve que apoiar as duas mãos no chão para ao menos conseguir, enquanto isso o anjo invocado por Lohan foi perfurado pela lança, suas asas saíram de seu corpo quando o inimigo as puxou a força, fazendo-o desaparecer no meio do ar. Barbara tentava desesperadamente trazer quaisquer mortos-vivos de baixo nível para pular em cima daquele monstro. Tudo se provou inútil.

Juntando qualquer partícula de força necessária, Alexsander deu um passo em frente e jogou a vara de pescar novamente. Ele precisava de qualquer coisa, qualquer resquício no fundo da sua alma para vencer. O cenário em sua mente se desenvolveu novamente…

— Todos, não desistam! Essa é nossa última luta, nós só precisamos resistir até a Alice voltar, se conseguirmos, ganharemos!

 

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Inspiração foi ativado

As estatísticas de todos foram aumentadas em 3 pontos.

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— Fuu… — Seus pulmões sugaram o máximo de ar possível e seus olhos entraram em chamas.

 

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Defesa Inquebrável foi ativada

O atributo Resistência aumentou em 12 pontos

Resistência total: 45

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A vara puxou novamente o homem de armadura para perto, no entanto, o inimigo estava ciente que isso aconteceria. Ele rodopiou a lança sobre os ombros, levando-a na direção do guerreiro de guarda aberta, no entanto, não esperava uma esquiva ágil. Antes mesmo da lança chegar ao seu destino final, Alexsander projetou o corpo para o lado, a arma raspou em sua bochecha.

O homem de armadura ainda estava se aproximando, por isso que o guerreiro se impulsionou pela ponta do pé e se lançou contra ele de ombro erguido. Sua investida foi tão forte que o arremessou no ar, além das partículas de mana envolverem seu corpo e limparem qualquer atrito contra o vento.

 

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Investida foi ativada.

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Uma dor excruciante se alastrou pelo braço direito, aquela maldita ferida se abriu novamente e pulsou fortemente. Alexsander mordeu os lábios para conter a dor, sangue despencou entre os seus dentes para segurar seu grito, no entanto ainda não estava acabado.

Ele não alcançaria o chefe que estava no meio do ar, mas sabia muito bem que uma elfinha ousada faria. A Clarividência não demonstrava nenhum destino trágico, ele permitiu que Lohan pulasse em suas costas e trouxesse sua lâmina arcana para o combate, dessa vez drenando muita mana para ser criada como um gigantesco farol mágico.

A espada despencou e criou uma fenda na sala do trono, devolvendo o corpo do homem de armadura de volta ao chão. Um forte baque de seu impacto causou tremores por toda a sala, além de uma cratera limpa no piso encerado, só que aquilo estava longe de matá-lo.

Ele saiu do buraco como se não houvesse acontecido nada, mas ao menos havia uma rachadura em uma das ombreiras, um sinal perfeito para continuarem atacando.

— Barbara, invoque esqueletos pela direita! — gritou o líder.

— O-o que? Por que eu faria isso se esse maluco consegue derrotâ-los?

— Apenas faça, confie em mim! 

Resmungando, Barbara levantou três esqueletos, o cenário novamente mudou. Alexsander usou a janela de tempo curta que os esqueletos criaram e bateu seu escudo contra o chefe, usando Golpe Atordoante e o deixando tonto por uma fração de tempo.

Essa fração era o que as principais fontes de dano do time queriam. Minerva lançava uma sequência quase infinita de ataques, toda vez que o sétimo atingia, um ataque crítico criava um arranhão progressivamente maior, seguido pelas chamas escuras na outra adaga que geravam mais traços por onde Lohan podia atacar e combinar o fogo para amplificar a força de sua espada branca.

Quando o tempo de atordoamento passou, no entanto, o homem de armadura pegou ambos os aventureiros a sua frente com as mãos e os bateu contra o chão, causando um atordoamento ainda maior que antes. Em seguida, ele os levantou em conjunto e os jogou como pedras na direção dos demais companheiros.

Minerva acertou Barbara, derrubando-a no chão, enquanto Alexsander teve que segurar o impacto do corpo de Lohan o atingindo. Seus pés deslizaram um pouco pelo chão, mas ele se manteve firme. Dois de seus colegas estavam fora de cena, talvez Barbara ainda conseguisse lutar, mas as esperanças ainda tinham o perigo de sumir.

Sem medo algum, ele sacou sua boa e velha espada enferrujada, a amiga que tanto o acompanhou desde o início da aventura.

— Você acha que pode me derrotar com isso? — perguntou o homem, gargalhando.

— Não tenho como descobrir se não tentar…

Alexsander se jogou para frente de novo, a Clarividência agiu a todo vapor e o permitiu desviar dos socos e golpes de lança que vinham em sua direção, mas nunca conseguiu encurtar a distância. Ele sabia o que isso significava, um sacrifício era necessário.

Outra vez aquela força ancestral de fúria emergiu de seu peito. Uma pisada forte no chão o permitiu se aproximar, a lança bateu no seu peito e trouxe um grande rasgo nas suas roupas, mas a espada ainda assim atingiu em cheio a cabeça dele… e a lâmina se espatifou inteira.

Alexsander viu seu mundo congelar. Mesmo quando se concentrava, a escuridão ainda estava presente em sua mente. Não havia mais nada, nem mesmo um segundo à frente. A última coisa que ele viu era a ponta de uma lança.



☆ ☆ ★ ☆ ☆

 

— Por-por-por que eu vim parar aqui?

Alice estava sentada no canto de um cubo escuro de paredes de pedra, sendo que uma delas era feita de barras de ferro grossas. Não havia nada para cima e nem do outro lado das barras além de uma escuridão profunda e sem fim, rodeando-a por um espaço vazio que não servia para nada mais que um desespero infinito.

Alguns minutos atrás, assim que entraram na sala do chefe, ela foi consumida por uma escuridão que a engoliu e quando percebeu estava lá dentro. A garota tentou quebrar as barras com uma magia, mas de nada adiantou, então a única coisa que pôde fazer era esperar no cantinho. 

Pelo menos, sua salvação chegou para tirá-la dali.

 

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Ojou-sama lhe abençoou contra maldições. 

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A porta da cela de repente se abriu. Uma luz iluminou o mundo de Alice, que por um momento se alegrou por poder sair de seu aprisionamento. Ela veria seus amigos novamente, e se tudo desse certo, todos estariam bem e teriam derrotado o chefe final sem a ajuda dela.

Mas essa realidade criada por sua mente não passava de um destino ideal, e destinos ideais eram projetados para jamais acontecerem. Alice pulou para fora da luz, apenas para se deparar com a visão chocante de todos os seus amigos caídos ao longo do piso de mármore do trono.

Seu semblante torceu em desespero, seguido por um grito estridente que fugiu do fundo da alma. Lohan, aquele pobre elfo que tanto se esforçou pelo grupo, teve sua espada cravada em sua própria mão e foi forçado a ficar ajoelhado, enquanto Minerva, o ladino que trouxe tantas dores de cabeça e risadas a todos, permaneceu preso dentro de um círculo de adagas que acertaram tanto os braços quanto as pernas.

Barbara, a maldita necromante que tanto odiou, tinha sido colocada num bizarro símbolo demoníaco, suas mãos unidas para cima presas por um fino pedaço de osso, junto das pernas que ficaram dobrados e presos por um prego.

No entanto, de longe, o que mais doía seu coração era o caso de Alexsander. Ele estava diante da tal figura dourada, a lança havia perfurado seu peito e o prendeu contra o chão, destruindo o piso em rachaduras, ao seu lado a espada da qual dava tanto valor estava no chão, somente o cabo restou e os fragmentos de ferro estavam espalhados ao longo do chão. 

O sangue fervilhante de seus camaradas flutuou pelo ar, o cheiro de ferro misturado aos perfumes do trono sobrecarregaram os sentidos de Alice, que falhavam em reconhecer aquele mundo perturbador.

A sacerdotisa apertou fortemente a bainha do vestido, o sentimento de desespero incendiou as profundezas do seu coração. Por que? Por que viemos até aqui? Por que as entidades permitiram que isso acontecesse com eles? Por que… por que… 

— Finalmente apareceu, garota… — falou o homem de armadura, seu sorriso se escondeu por debaixo do elmo intacto. — Foi uma pena, mas eles não conseguiram lidar comigo mesmo depois de tanto tentar… E agora, só sobrou você. Como se sente? Bem, eu não sei porque não sou mais humano… mas como respeito, deixarei você ir sem perder sua vida como os demais. O que acha?

Aquelas palavras fizeram a cabeça de Alice girar. Ir embora? Depois de tudo o que aconteceu? Depois de ver seus amigos mortos diante de seus olhos? Depois de tudo o que passaram juntos? Não, ela não tinha como aceitar tal blasfêmia, e se aceitasse, preferiria apodrecer no submundo a se submeter a uma humilhação tão gigante.

O lado brilhante de sua alma se corroeu com uma mancha escura. A vergonha, o desespero e o medo se recombinaram numa emoção pouco conhecida pela santíssima Alice, sua mente queimou com uma fúria presente nos reis demônios que viviam nas profundezas do inferno… Não, até mesmo eles não eram capazes de reproduzir uma sensação tão vívida e explosiva quanto ao que o coração daquela clériga refletia.

Ela olhou uma de suas mãos, o vinho do Cálice da Verdade se remexia em pequenas ondas. Alice virou o líquido para dentro da garganta e o jogou longe, seu corpo imediatamente foi bombardeado por uma série de lampejos de luz, uma voz gritava em sua cabeça centenas de milhares de palavras sobre quatro aventureiros e, por fim, a energia divina se apoderou completamente daquela jovem moça.

Seus olhos brilharam ressoando com a força que emergiu de dentro de si. Em meio a aura de poder divino que se erguia ao seu redor, ocasionalmente traços escuros apareciam, causando tremores ao longo de toda fortaleza. Alice levantou as mãos, cada um de seus aliados levitou no ar e o que antes os machucava foi retirado, e cada um permaneceu atrás dela.

O último a vir, Alexsander, ainda era aquele que mais trazia dor. Ela não pôde fazer nada, mas talvez agora, com todo o poder em suas mãos, resolveria de uma vez por todas o grande desafio no qual entraram. O cabo da espada quebrada veio em sua direção, o mero toque transformou sua lâmina quebrada em uma cruz de energia.

— Ohh… — O ser divino se impressionou com tamanha cena. — Isso é uma inesperada troca de eventos. Realmente, uma visão dessas não estava nos meus planos. Enfrentar uma pessoa de poder semelhante à uma entidade é algo que nunca esperei nos meus milênios de vida.

— Cale-se. — Ela apontou a espada na direção daquele monstro. — Nem que eu mesma precise ascender… nem que isso seja a última coisa que farei, eu o matarei com minhas próprias mãos.



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