Masmorra do Desejo Brasileira

Autor(a): Alonso Allen & Zunnichi


Volume Único

Capítulo 2: Iniciando a Aventura

Um rumor se espalhou pela cidade como fogo na palha: um plebeu sem sobrenome com a permissão oficial de um conde enfrentaria a maior masmorra do mundo. Todos ergueram suas orelhas para escutarem mais, no entanto ninguém conseguiu descobrir nada.

Alexsander e seu grupo pegaram um barco logo pela manhã para atravessarem o Grande Oceano do Sul, evitando as perguntas de curiosos que pudessem atrasar a viagem. 

Ele observou o mar quebrando no horizonte o dia inteiro, enquanto os demais foram fazer o que bem entendiam — Lohan se trancou na própria cabine para estudar, Minerva se enturmou com os marinheiros e Alice se perdeu andando no grande navio de passageiros. 

Antes de anoitecer, enquanto Alice buscava seu caminho de volta ao próprio quarto, o artefato de encadeamento pulsou e emitiu um brilho incomum.

— Hum? O que é isso? — Ela levantou o braço e uma janela semitransparente apareceu diante de seus olhos. Nela, duas mensagens apareceram em sequência.

 

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Proteção do Patrocinador

Você despertou o interesse de uma Entidade Superior.

Ojou-sama lançou uma benção sobre você. Sua alma e seu destino serão protegidos por um longo tempo.

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Ojou-sama lhe enviou uma mensagem

Buahahahahaha!

 Hunf, então, essa plebe estará se aventurando pela masmorra? Não parecem nada demais, mas a garota é bonitinha. Acho que posso ajudar ela um pouco. Seja grata…

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Em seguida, o artefato tremeu novamente e a janela flutuante mudou para uma lista.

 

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Você recebeu o livro da habilidade Luz Divina de Ojou-sama. 

Você recebeu 300 Moedas de Ouro de Ojou-sama.

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As mensagens se dissiparam no ar e deram lugar a um livro de capa dourada, com o símbolo de uma cruz branca no centro. 

Alice ficou de queixo caído quando seus dedos tocaram o objeto, confirmando que era real. Ao abrir o livro, as folhas se moveram sozinhas e ela sentiu a mana percorrer todo seu corpo. Em sua mente, a compreensão sobre a habilidade começou a fluir.

— Minha Deusa… Eu preciso contar aos outros sobre isso!

A sacerdotisa correu, cambaleando devido ao balançar da embarcação nas ondas, até sair no convés principal. Procurando pelo ambiente, encontrou Lohan e Minerva ao redor de uma mesa cheia de canecas vazias.

Apressada em falar do ocorrido, tropeçou nas próprias pernas, atingindo a mesa com tanta força que quase pulou por cima dela.

— Vo-vocês não vão acreditar no que aconteceu!!!

— Ai, caralho! Meu vinho! — gritou Minerva, vendo toda sua bebida cair no chão. — Fica calma, oh menina… Eu, hein, o que tem com você?

— Eu… eu fui patrocinada! — Ela balançou o pulso freneticamente, pensando que aconteceria algo. — Agorinha, eu fui!

O ladino estreitou os olhos e encarou o mago, que se manteve em silêncio.

— É mesmo?… — comentou. — E o que você recebeu?

— Isso! — Largou o livro em cima da mesa. — Eu recebi de uma entidade chamada Ojou-sama! Ele é tão generoso, minha nossa, e ainda me deu moedas!

Lohan pegou o livro e passou as páginas. Todas estavam completamente em branco, um sinal de que já fora usado antes. Virando a cabeça na direção de Minerva, reparou que os olhos dele estavam tão arregalados que pareciam prestes a explodir.

O elfo respirou fundo e limpou as lentes do óculos, enquanto o ladino se levantou da mesa e agarrou as mãos de Alice.

— Quantas moedas?! Quantas você recebeu?!

— Hu-huh? Quan-quantas? — Ficou meio sem jeito, um pouquinho corada por aquela pressão súbita. — Foram 300… eu acho?

Lohan quase quebrou a lente dos óculos quando ouviu isso. Mesmo após décadas como aventureiro, jamais havia recebido tanto. Um livro de habilidade e 300 moedas de ouro eram coisas demais. 

— E… também teve algo chamado… — A garota olhou para cima, tentando se lembrar. — Proteção do patrocinador, eu acho?

Os olhos do ladino foram trocados por cifrões, enquanto o mago ficou se lamentando com a cabeça afundada na mesa. Minerva não perdeu a oportunidade e pegou o ombro de sua nova amiga, lançando um de seus melhores sorrisos de malandro.

— Então, Alice, querida… Eu me pergunto, você pode me ajudar numa coisinha

O rosto da clériga ficou avermelhado, nervosa pela proximidade. — Que… que coisa?

— Bem, eu sempre quis comprar certas coisas… Mas nunca tive as moedas o bastante, então queria saber se você poderia me ajudar… Eu aceitaria uma garrafa de vinho para começar. Isso compensaria o que você derrubou no chão agora mesmo, sabe?

— Deixe-a em paz — falou Alexsander, que apareceu repentinamente atrás dos dois. Ele retirou a mão de Minerva do ombro dela e continuou: — Não precisa enganá-la assim.

O guerreiro estava um pouco enojado por um de seus companheiros tentar dar um golpe em outro. Sua ignorância em não reconhecer o real valor de 300 moedas também contribuíram para esse sentimento. 

Porém, quando estava prestes a discutir com o ladrão, uma coisa atrapalhou sua visão.

 

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O Enxame lhe enviou uma mensagem.

O Enxame olha para você.

A Seção do Enxame leva à infinidade.

Mostre proeza em divisão e receba favor sem fim.

Inimigos bissectados: (0/1)

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Hã? Mas o que é isso?

Alexsander deixou o assunto de lado e tentou compreender a mensagem. Mesmo sendo um camponês, sabia ler e escrever, contudo, o nível daquele texto estava além de seus conhecimentos. 

Pensou por um tempo, mas não fazia ideia do que significava, principalmente o final. Engoliu o orgulho um pouco e decidiu perguntar:

— Ei, mago. O que diabos é "bissectado"?!

Ainda com o rosto afundado na mesa, tentando se recuperar do choque anterior, o elfo respondeu com uma voz abafada: — Significa "dividir em duas partes".

Analisando a pergunta repentina e a expressão de surpresa que o guerreiro tinha feito, Minerva compreendeu o que havia acontecido.

— Oooh, parece que o grandalhão recebeu uma mensagem também! — Afastou-se com as mãos para o alto. — Beleza, beleza, eu não vou fazer nada, mas pelo menos vem aqui pro Lohan explicar pra você como usar as moedas, Alice!

O mago levantou o rosto e encarou a companheira de olhos azuis.

— Diferente das pessoas normais, quem possui um artefato de encadeamento pode interagir com um mundo com regras diferentes. — Ajustou os óculos no rosto e voltou a falar: — Isto é, pode interagir com coisas que não estão no mesmo espaço que você.

O mago pegou uma moeda de ouro que estava na mesa e fechou a mão. Por um instante, o artefato em seu pulso emitiu um leve brilho cor de ouro. Quando abriu a mão novamente, a moeda havia sumido. 

— Acabei de enviar essa moeda para a carteira no meu artefato, um espaço que somente eu posso acessar. — O artefato brilhou novamente e a moeda apareceu outra vez na palma de sua mão.

Alexsander e Alice tinham curiosidade e espanto em seus olhares. 

— Somente o detentor do artefato pode acessar então? — O guerreiro encarou Minerva. — Me parece muito útil contra ladrões.

— Ei! — reclamou o ofendido, cruzando os braços. — Não me olhe assim. Faz tempo que eu não roubo ninguém!

Alexsander encarou a mão direita do homem de cabelo verde, focando no anel prateado que certamente pertenceu a alguém da nobreza antes.

— Eu não roubei isso aqui. Ganhei honestamente no carteado!

A careta do guerreiro dizia tudo. Nada na aparência do ladino remetia à honestidade. 

— Honestamente você diz… 

— Bem… eu troquei as cartas enquanto ninguém olhava. — Um sorriso malicioso apareceu em seu rosto — Não conhece o ditado? Se não for pego, não tem crime! 

— … Você é o pior. 

 

☆ ☆ ★ ☆ ☆

 

Depois que a noite chegou e todos foram dormir, alguns poucos marinheiros se mantiveram acordados para manter a embarcação em movimento. A única exceção entre os passageiros era Alexsander.

Sua mente se recusava a deixar de pensar sobre a mensagem do patrocinador desconhecido. Sem conseguir dormir, recorreu à única coisa que poderia acalmar sua mente: treinar até a exaustão.

Pegou uma espada de madeira guardada entre suas coisas e saiu silenciosamente da cabine compartilhada com os outros viajantes. Quando chegou no convés principal, ignorou os marujos do turno da noite e segurou a espada com as duas mãos.

Levantou a espada acima da cabeça e, com toda a força que conseguia reunir, desceu em um corte vertical. Depois, soltou a mão direita da espada e a manteve levantada na altura do peito — a mesma posição mantida ao segurar um escudo.

Com a perna direita à frente, girou o corpo enquanto movia a espada na mão esquerda. O som do ar sendo rasgado pela espada de madeira foi tão alto que chegou aos ouvidos dos marinheiros no fundo.

Receba um favor sem fim... Eu preciso do máximo de favores possíveis, então, se algum patrocinador está disposto a me ajudar, não posso perder essa chance. 

Aplicando toda a força que conseguia reunir em cada um dos golpes, o guerreiro treinou até que o Sol raiasse. 

Pela manhã, junto ao Sol Nascente, a embarcação atracou no porto. Apesar da viagem ter durado apenas um dia, balançar com as ondas por horas e horas não é fácil para aqueles que não estão acostumados com o mar. Minerva foi o primeiro a pular fora do navio.

— Finalmente de volta em terra firme!

— Continente Lorun… Sinto que foi ontem que estive aqui — falou Lohan, olhando os arredores do porto. — Mas as coisas estão um pouco diferentes do que me lembro.

— Ah... há quanto tempo seria? — perguntou inocentemente a sacerdotisa.

— Minha última vez na cidade de Doveport foi na temporada das chuvas… — O mago colocou o dedo no queixo, forçando os olhos para se lembrar. — Pouco menos de 44 anos.

— Qua-quarenta e quatro?! — Os olhos de Alice estufaram de espanto.

Ignorando completamente a reação da clériga, o mago continuou: — Eu conheço uma boa estalagem aqui por perto, vamos indo.

Minerva emparelhou com o mago, andando ao lado dele, e perguntou: — Tem certeza que ela ainda existe, Lohan?

— Não ficava muito longe daqui. Saberemos quando chegarmos lá.

O grupo seguiu pela estrada de pedras em frente a baía. À esquerda, diversas  embarcações estavam atracadas no grande porto. À direita, inúmeras construções com pelo menos três andares cada se estendiam por toda a costa.

— Eu… nunca tinha visto um embarcadouro tão grande — disse Alice, apreciando a paisagem.

— Existem terras férteis em todo o continente Lorun, mas não existem grandes fontes de minerais valiosos. — Lohan apontou o cajado na direção da praia. — O mar é a principal via comercial com as nações dos outros continentes.

O elfo continuou explicando mais sobre as peculiaridades do continente e rapidamente chegaram em frente a tal estalagem.

Era uma construção antiga e se destacava dos prédios ao redor por ser feita com tábuas de madeira bem escura. Uma placa de metal pendurada balançava e rangia acima da porta. Trazia escrito o nome do local em tinta negra: Descanso Do Gato Morto.

— Que belo nome… bem convidativo — reclamou Minerva.

— Essa aparência… — Lohan fez uma cara pensativa. — Continua exatamente como eu me lembrava. 

Os três encararam o mago com olhares questionadores. Talvez fosse alguma peculiaridade dos elfos gostar de ambientes estranhos, eles pensaram.

O mago empurrou a porta do estabelecimento e um sino tocou, avisando que pessoas estavam entrando. Porém, mesmo quando todos já estavam do lado de dentro, não tinha nenhum funcionário à vista.

Com exceção de duas portas fechadas à direita, com placas de número 01 e 02, havia apenas uma escada para o andar de cima e um balcão completamente vazio com um desenho estranho pintado atrás. 

Alexsander andou até o guichê e gritou: — Tem alguém aí? — Somente o silêncio respondeu. — Gostaríamos de pegar uns quartos. 

Lohan deu um sorriso debochado ao ver a ingenuidade de seu companheiro musculoso.

— Ninguém irá te responder. Você precisa usar mana para ser atendido aqui.

O mago mirou seu cajado na direção do balcão. O artefato em sua mão e o desenho atrás da mesa brilharam em uma luz azulada. 

Uma névoa escura começou a vazar do desenho, reunindo-se em frente aos quatro aventureiros. A fumaça se amalgamou e se materializou numa figura distinta: um gato preto.

Alexsander estava desconcertado, seus olhos nem gostavam do gatinho, no entanto ele admitia que era impressionante o show de magia.

— É a primeira vez que vejo magia pessoalmente 

Minerva levantou uma sobrancelha e perguntou: — Não tinha nenhum feiticeiro ou bruxo de onde você veio? 

O guerreiro passou a mão esquerda sobre as cicatrizes no rosto. — Talvez algumas coisas teriam sido mais fáceis se tivesse.

Sua expressão deixava claro que não queria continuar o assunto, então o ladino não se insistiu na pergunta, voltando o foco para o gato preto em cima do balcão.

— E o quê é esse gato, Lohan?

— Eu me chamo Erwin Rudolf Josef. Sou o responsável por este estabelecimento.

Com exceção do elfo que invocou a criatura, todos deram um salto para trás.

— Um… um gato fa-falante!? — gritou Alice, ficando mais chocada a cada surpresa que aparecia.

— HAHAHAHA! Eu sabia que vocês teriam essa reação. Normalmente, apenas usuários de magia de alto nível frequentam a estalagem do Erwin.

— Isso costumava ser verdade… — interrompeu o gato. — Mas tudo mudou quando o Visconde Jaime Nóbrega faleceu sem deixar herdeiros. O território voltou para a realeza e o príncipe herdeiro expandiu a atuação dos guardas. 

— Is-isso é uma coisa boa… Não? — Alice segurou com força o próprio cajado, mostrando uma singela preocupação.

— Tudo tem seu lado bom e seu lado ruim. Eles passaram a caçar ativamente os monstros. Porém, sem tantos monstros quanto antes, os aventureiros foram para outros lugares.

Alexsander sentia o peso daquelas palavras. Um que os outros companheiros não faziam ideia. 

— O movimento aqui diminuiu, mas me parece bem melhor para as pessoas que moram aqui. Elas podem viver sem a preocupação de serem atacadas por monstros e perderem tudo de um momento para o outro.

A sacerdotisa estreitou os olhos na direção dele e teve a impressão que seu próprio coração apertou. 

— Alexsander você… 

— Isso está parcialmente certo, humano — interrompeu o gato, depois de lambuzar uma das patas. — Os guardas são fortes e conseguem lidar com a maioria dos monstros, mas não são tão fortes quanto os aventureiros. — O rabo dele balançou de um lado para o outro enquanto explicava. — Ocasionalmente surgem criaturas além da capacidade dos guardas e a guilda é informada para emitir uma missão.

— Sem aventureiros por perto, podem demorar semanas até que alguém qualificado aceite a missão e venha até Doveport — apontou Minerva.

— Esse é o maior problema. Atualmente existem alguns monstros que a guarda não consegue lidar, mas que os aventureiros ainda não foram atrás. 

— É uma pena, mas não estamos atrás de missões da guilda no momento — respondeu Alexsander. — Nosso grupo foi montado para completar a Masmorra das Planícies 

Os olhos amarelos do gato se iluminaram. Já fazia muito tempo desde que conheceu alguém que pretendia se aventurar na masmorra. Dizem que a curiosidade matou o gato, mas Erwin não precisava se importar com isso. Usando um feitiço, discretamente analisou os atributos do guerreiro à frente dele.

Hmmm, ele tem uma resistência fora do normal. Talvez não seja apenas da boca pra fora.

Lohan fechou os olhos e ficou em silêncio por um tempo, apenas assentindo com a cabeça. Essa era uma oportunidade que ele poderia aproveitar. 

Alisando a barba com os dedos, o mago falou: — Poderíamos ir atrás de um desses monstros. É verdade que não é nosso objetivo, mas poderia ser usado como uma ferramenta para alcançá-lo.

Minerva fez uma careta, já imaginava o que estava por vir.

— Nós concordamos em melhorar a sinergia enfrentando monstros. Mas você já quer ir atrás de um problema que nem o exército local resolveu?

Ouvindo isso, Alice começou a ficar nervosa. Movia a boca e virava a cabeça de um lado para o outro. 

— Ma-mas não é cedo demais?! Eu… eu não sei se é uma boa ideia!

— Acalme-se, Alice. Não iremos iniciar uma luta que não podemos vencer. — O mago virou o rosto para o balcão, encarando o gato. — Erwin, você tem alguma informação para compartilhar conosco?

O gato lambeu uma das patas dianteiras e respondeu secamente: — Talvez eu tenha.

Ninguém precisa ter a sagacidade dos felinos para entender. Dinheiro primeiro, respostas depois.

— Queremos quatro camas por três dias. 

Ouvindo as palavras certas, o gato voltou a encarar o elfo. 

— Quarenta moedas.

O mago assentiu, depois encarou Minerva. O ladino entendeu a deixa, aproximando-se da sacerdotisa.

— Ei, Alicezinha, banca essa pra gente. Depois que acharmos uns tesouros, a gente acerta — propôs Minerva, finalizando com uma piscadinha de malandro. 

Alexsander não gostou da ideia de se aproveitar da companheira, mas relevou. Daria um jeito de pagar o valor posteriormente. 

— Ce-certo. Tudo bem, somos… somos do mesmo grupo.

A sacerdotisa botou a mão sobre o balcão e mentalizou a soma de quarenta moedas de ouro. Em um piscar de olhos elas apareceram ao lado do gato.

O felino preto encarou as moedas e piscou os olhos. Suas íris brilharam em um amarelo vívido. Quando piscou novamente, as moedas desapareceram do balcão.

— O café da manhã é servido assim que o Sol nasce. — O gato apontou com uma das patas. — Vocês podem ficar com os quartos número 1 e número 2 logo ao lado. 

O gato entregou um par de chaves numeradas ao mago, que entregou uma delas à Alice. Minerva tomou a outra da mão de Lohan e foi em direção ao quarto de número 1.

— Lohan e eu ficaremos nesse aqui. Tudo bem por vocês, né?

Alexsander assentiu e concordou: — Por mim tanto faz

Hã… Dividir um quarto…? Espera! Espera! Eu nunca dividi o quarto com um homem antes!

Somente agora, Alice percebeu que dividiriam o mesmo espaço durante as aventuras. Ela encarou Alexsander de lado, se detendo nas profundas cicatrizes que marcavam seu rosto. 

Os templos da Deusa são mantidos apenas por mulheres, então Alice raramente tinha contato com homens. Esse também era um dos principais motivos para ficar nervosa quando conversava com os membros de seu grupo.

Tentando vencer a vergonha e o medo, concordou: — Tudo… tudo bem por mim também.

Minerva, Alexsander e Alice foram deixar as coisas em seus quartos. Lohan foi o único que continuou conversando com Erwin.

— Sobre as informações.

— Curioso como sempre, Habelion. — O gato estreitou os olhos. — Sei pouca coisa. Se quiser confirmar precisará conversar com a guilda ou com o prefeito. 

— Faremos isso depois. Pode ir direto ao ponto, Erwin.

— Ao leste, próximo da masmorra que vocês tem como objetivo, reclamam do grande número de javalis. Esse provavelmente é o menor dos problemas.

— Porcos… são fáceis de lidar. 

— Se você diz. — O gato pulou do balcão e andou até as escadas, se sentando em frente ao primeiro degrau. — Antes de vocês, um grupo de aventureiros chegou aqui. Eles pegaram uma missão para caçar um Ent. Alugaram o segundo e o terceiro andar.

O elfo levantou uma das sobrancelhas, estudar sobre monstros era essencial para qualquer usuário de magia. Ents eram tão raros que poderiam ser considerados lendas hoje em dia.

— Quantos aventureiros eram ao todo?

O gato virou a cabeça e encarou a escadaria. — Normalmente eu não revelo informações dos outros hóspedes, você sabe.

Lohan alisou a barba e ficou com uma expressão séria.

— Faz quanto tempo desde que partiram?

O gato voltou a olhar para o elfo e disse com uma voz grave, incompatível com sua aparência felina: — Hoje fazem quatorze dias. 

— Então eles foram dizimados — deliberou.

O gato concordou com a cabeça e voltou a explicar: — Falam também de uma possível Banshee, mas provavelmente é alguma entidade mais fraca. 

— Entendo, obrigado pelas informações, Erwin. Irei compartilhar com os outros.

O gato se levantou e falou: — Se precisar de algo, sabe onde me encontrar.

Após alguns passos, transformou-se em fumaça e desapareceu novamente.

Lohan virou de costas e chamou os companheiros, porém, antes que pudesse relatar o que Erwin contou a ele, o artefato de Alice brilhou. 

Repentinamente, uma coisa caiu na cabeça da sacerdotisa. Ela pegou o objeto e puxou, vendo um tecido de cor marrom… quando viu o que era, corou — uma calcinha com o rosto de um ursinho.

— Que-que-que coisa…?!?

— Da onde veio essa porra!? — berrou Minerva.

Em seguida, uma janela apareceu para Alice, fazendo um traje extravagante e uma carta aparecerem diante de todos.

 

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Ojou-sama lhe enviou itens especiais

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Calcinha de Ursinho da Sacerdotisa Superior

Atributos: +20 mana

Descrição: Eu não gastei nada, é só algo que eu tinha guardado.

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Trajes de Batalha da Sacerdotisa Superior

Tipo: Armadura

Atributos: +20 força

Descrição: Eu não gastei nada, é só algo que eu tinha guardado.

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Carta Cósmica da Sacerdotisa Superior

Tipo: Arma

Atributos: +20 sabedoria

Descrição: Carta de tarô “O Louco”

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— Da-da Sacerdotisa Superior?! Mas-mas… isso… 

Lohan encarou as roupas, principalmente a calcinha que Alice segurava nas mãos. Nem sequer tinha visto coisas daquele tipo na época que trabalhava nas ruas.

— Que tipo de entidade dá esse tipo de… coisa, de presente?

O ladino se abaixou e pegou a roupa do chão. Era semelhante ao traje que as sacerdotisas costumam vestir. Contudo, uma diferença considerável não podia passar em branco…

— Essa roupa mostra bastante coisa, hein Alicezinha — provocou.

Cheia de vergonha, a sacerdotisa ficou com o rosto parecendo um pimentão.

Após risadas e deboche por parte do ladino, os outros questionaram os atributos de cada um dos itens... Apenas espanto não servia para descrever a reação deles.

Mesmo com vergonha, Alice se trancou no quarto para equipar as peças. A menos vergonhosa era a carta, porém o resto fazia sua vida no templo passar diante de seus olhos. 

Ao olhar a tela de atributos, ficou surpresa, eram valores muito altos. Apesar de não saber o motivo do patrocinador ter fornecido tantos pontos no atributo de força, isso a tornou mais forte que Alexsander, então não era algo para deixar passar em branco.

Ao mesmo tempo, se olhando no espelho, não acreditou no que via. 

Isso exibe muita pele! Muita pele! Não tem como usar algo assim na frente dos outros!, pensou ela.

Enquanto isso, na entrada da estalagem, Alexsander olhava para o vazio. Outra mensagem pairava diante de seus olhos.

 

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Deus dos Tesouros e Aventuras, Esor lhe enviou uma mensagem

Nunca confie em patrocinadores que dão muito por nada. Eles os trairão. Para a viagem, darei o básico e, se desejam benefícios e tesouros incríveis para a masmorra, sigam o mapa.

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— Mais uma mensagem estranha…

Não devo confiar nos patrocinadores? E quanto aquela mensagem da entidade? Eu devo realizá-la?

Em seguida, o artefato tremeu novamente e a janela flutuante mudou para uma lista.

 

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Porção de comida x1 

Tocha x1 

Cantil mágico de 2m³ x1

Mapa do tesouro x1

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— Um mapa do tesouro? — O guerreiro virou para o mago e o ladino ao lado dele — Acho que já temos um ponto de partida para amanhã.

Ele pegou o item e entregou ao Lohan. O elfo abriu o papel e analisou a rota descrita.

— É um pouco suspeito. Nunca ouvi falar de alguém que recebeu um mapa de um patrocinador.

— Mapa do tesouro!? — Minerva tomou o mapa das mãos do amigo. — Nós precisamos pegar o tesouro!... Digo, precisamos partir nessa aventura.

Alexsander pegou o mapa de volta e guardou em suas coisas.

— Amanhã poderemos discutir sobre isso. 

Lohan concordou com um aceno. Arrastando Minerva para a porta, foram para as ruas coletar informações. 

Aproveitando o tempo livre, Alexsander pegou sua espada e escudo de madeira. Em um beco vazio perto da estalagem, voltou a treinar. 

 

☆ ☆ ★ ☆ ☆

 

Assim que o dia seguinte chegou e os demais integrantes se juntaram para tomar café-da-manhã, o guerreiro colocou aquele mapa estranho na mesa. 

Porém, antes que alguém dissesse algo, Alice chegou, vestindo aquela roupa extremamente reveladora do patrocinador.

— Parem de olhar pra mim assim! — Ela se encolheu de vergonha. — Foi um item que o patrocinador me deu, o humilde Ojou-sama! Seria falta de respeito não usar!

— Existem alguns patrocinadores questionáveis mesmo… — murmurou Lohan, revirando os olhos. — Olhe, é de consenso geral não usar qualquer coisa que os patrocinadores dão, além do mais, eles podem entregar itens amaldiçoados ou enganar pessoas…

— Hum… um patrocinador me enviou uma mensagem sobre isso ontem… — falou Alexsander, colocando alguns itens na mesa. — Ele também me enviou isso, uma tocha e um cantil mágico. 

— Ele está lhe testando. — O mago ficou intrigado pelo motivo do guerreiro receber duas mensagens seguidas. — Alguns patrocinadores também fazem isso… Esperam que os patrocinados provem seu valor antes de investirem neles.

Provar meu valor… Alexsander suspirou, sua cabeça estava cada vez mais cheia. Será que seguiria a mensagem do Enxame ou do Deus das Aventuras? E se um dos dois estivesse o enganando? No final, a melhor opção seria tentar cumprir as duas coisas.

— Então vamos ver o que tem nesse mapa. Vamos confiar neste deus das aventuras… por enquanto.

— Você que fala, a permissão tá contigo de qualquer jeito — comentou Minerva, dando de ombros. — Mas fica o aviso: não tenta jogar a gente pra morte.

— Eu sei disso, não sou idiota.

Lohan em especial pareceu ter dúvidas, mas, no final, todos aceitaram segui-lo, e assim eles saíram da cidade. Alexsander liderou o grupo pelas planícies, seguindo o mapa entregue pela entidade. 

O sol estava nas alturas e havia uma brisa morna no ar. Quanto mais eles andavam pela estrada de terra, mais o cenário monótono com várias elevações no horizonte ficava enjoativo.

Porém, um barulho alto e um tremor no chão fez todos pararem. O guerreiro, o mago e o ladino ficaram em sinal de alerta e sacaram suas armas, procurando ao redor.

A única que ficou quieta foi Alice, que estava vermelha demais para mostrar o próprio rosto.

— Gen-gente, pode-demos pa-parar pra comer…?

— Garota, você tem um demônio aí dentro por acaso? — perguntou Minerva, assombrado pelo barulho.

— Ehhh… não, eu… — Ela desviou os olhos e colocou as mãos na barriga. — Eu só tô com fome.

— Hah… vamos parar um pouco então — disse Alexsander, sentando-se na grama. 

Os demais decidiram fazer o mesmo, e foi então que as moedas vieram à tona. Alice olhou a loja e comprou algumas porções de comida. Comeu a primeira, a segunda, a terceira, a quarta… a quinta. Porções suficientes para manter um aventureiro durante dois dias inteiros.

Os demais companheiros a olharam com tremendo espanto, enquanto a meio-elfo deu um sorrisinho bobo com as bochechas cheias de comida.

Vamos morrer de fome, pensaram os três em conjunto. Após a pausa, eles retomaram o caminho e continuaram até chegar na entrada de uma floresta. 

O mapa indicava uma trilha entre as árvores, levando a uma clareira colada à base de um morro, mas, ao chegarem lá, tudo o que encontraram foi um homem.

Estava sentado em cima do tronco de uma árvore morta, suas vestes eram castanhas e sua pele era ainda mais escura.

O grupo entrou em alerta, mas o sujeito apenas levantou a cabeça e soltou um maravilhoso sorriso de dentes brancos, o sorriso mais radiante e bonito que todos ali já viram. Ele transmitia uma calmaria e felicidade anormais..

— Hahahaha, bum-bum! — O homem tirou o capuz, revelando uma brilhante careca e uma pele cor chocolate, que se misturou a sua energia viril e amigável. — Companheiros! Não esperava encontrar alguém aqui… Mas é muito bom ver alguém depois de tanto tempo!

Seus músculos tonificados eram grandes o suficiente para Alexsander sentir inveja. Enquanto o sorriso amigável e honesto fez Minerva sentir vergonha de si mesmo. 

A energia mágica que vazava de seu corpo transmitia uma calmaria que imediatamente relaxou Lohan e Alice. Imediatamente, todos ficaram tranquilos.

Porém, antes que o homem moreno pudesse falar mais alguma coisa, vultos se moveram em meio às árvores. O homem se levantou e virou de costas para o grupo.

Um hobgoblin tão grande quanto Alexsander saltou da relva. Em um ataque carregado de fúria, moveu um porrete de madeira na direção do homem misterioso

Porém, em um piscar de olhos, o homem apareceu atrás da criatura, que atingiu apenas o chão. Ele agarrou o pescoço do monstro e torceu com uma força descomunal.

CREC

Como uma marionete com os fios cortados, o hobgoblin caiu no chão. Havia morrido instantaneamente, deixando todos do grupo atordoados com a cena.

Da sombra da floresta, mais daqueles monstros apareceram e inundaram os arredores.

Com um sorriso no rosto, o homem moreno falou: — Infelizmente parece que foi uma péssima hora para aparecerem, amigos…

 

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