Masmorra do Desejo Brasileira

Autor(a): Alonso Allen & Zunnichi


Volume Único

Capítulo 14: Pessoas do passado

Entre os pinheiros e no meio de diversas bestas estranhas, um par muito incomum espreitava o continente. Eram dois rapazes consideravelmente bonitos.

Um tinha pele amorenada e decididamente não pertencia àquele lugar. Vestia um terno preto e possuía íris vermelhas notáveis. O outro possuía olhos puxados, também completamente de preto, e carregava duas adagas que emanavam energia mágica. 

Eles andavam juntos por essa floresta, mas se conheceram da maneira mais esquisita possível. Cada um havia pulado dentro de um portal, em lugares e momentos diferentes, e, de repente, apareceram nesse lugar.

Como se não fosse o bastante, não entendiam a língua um do outro. O de terno, chamado Eric Marconde, só conseguiu se comunicar por meio de gestos, símbolos e desenhos no chão, descobrindo assim que o nome de seu companheiro era “Sung Jin Woo” — ou alguma coisa próxima. 

Os dois decidiram colaborar nesse ambiente desconhecido, mas era mais próximo a uma guerra fria do que uma união entre camaradas Eles temiam a força um do outro.

O patrono de Eric Marconde, uma entidade que falava com ele em seu subconsciente, avisou-lhe que o homem que estava junto era semelhante a milhares de entidades demoníacas combinadas e que sua sombra parecia guardar um exército. Sung Jin Woo, por outro lado, conseguia ver a pressão e magia exalando do outro, além de uma estranha figura preta acompanhando-o ao seu lado, como um fantasma que o perseguia.

Ambos não possuíam destino claro, apenas queriam voltar para casa. Não conseguiam imaginar como foram parar ali. No entanto, em breve conseguiriam o que desejavam. 

Um artefato havia aparecido nos pulsos deles assim que notaram que estavam neste local. Sem aviso, o objeto começou a vibrar e emitir um brilho.

 

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A mensagem da entidade Esor, o Deus das Aventuras e Tesouros, foi enviada

Olá, aventureiros exodimensionais, estão interessados em uma aventura para retornar para seus mundos? Entreguem esta carta para o Príncipe Flávio e realizem seu único comando.

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Uma pequena carta então pulou do painel brilhante, caindo nas mãos de Eric Marconde. Sung Jin Woo ficou chocado, mais até que Eric, por algum motivo aquilo pareceu mexer com algo em sua cabeça. Se fosse verdade, então receberiam a devida recompensa.

O coreano indicou que deveriam concluir aquilo o mais rápido possível. Mesmo hesitante, o outro concordou, não parecia haver outra coisa para ser feita. 

Assim eles saíram em busca do tal “Príncipe Flávio”, não tardando a escutarem barulhos mais profundamente na floresta. Foram atrás do som e encontraram um grupo de aventureiros vestindo roupas que ambos acharam “arcaicas”, mas também não foi motivo para entrarem e ajudarem.

Eric usou os poderes demoníacos de seu patrono, enquanto Sung Jin Woo usou magia sombria combinado com sua habilidade com adagas, logo os lobisomens que atormentavam os aventureiros foram derrotados. Isso atiçou o líder do grupo, um rapaz de cabelo verde que andava por aí tocando um violão.

— O que pensam que estão fazendo?! — Uma expressão furiosa surgiu em seu rosto. — Quem pensa que são para entrosar no que não sabem?! Estávamos quase matando-os! 

— Finalmente alguém que fala português! — disse Marconde. — Só nos intrometemos porque estamos com pressa. Quero saber se conhece um tal de Príncipe Flávio.

Sung Jin Woo ficou com uma expressão de incômodo no rosto. Sua face expressava seus pensamentos: Não deveria ter alguém falando coreano por aqui?! 

— Esse sou eu, ora! O que você quer de mim? Além, é claro, de ter atrapalhado nossa expedição?!

— Só quero entregar essa carta, pegue logo.

Eric deu a carta nas mãos do príncipe, que leu com pouco interesse no começo. Ao final, porém, suas sobrancelhas foram levantadas em surpresa. Um sorriso esquisito também estampava seu rosto.

— Certo, certo! Eu já entendi a situação de vocês, deixem comigo! As entidades realmente são generosas, pois eu já sei para onde iremos! 

O rapaz de terno franziu o cenho. Aquele era o pior tipo de se lidar, um que se achava muito e fazia pouco. Mesmo que angustiado por dentro e ao lado de uma outra pessoa da qual não conseguia conversar direito em nenhuma situação, engoliu o orgulho e seguiu com o plano. 

Flávio Kurtus ergueu seu punho para o alto, e esse auto-proclamado líder chamou todos para seguirem-no.

— Vamos para Dromris matar monstros e adquirir muita glória, meus amigos!

 

☆ ☆ ★ ☆ ☆

 

Alexsander, como líder natural, decidiu muitas das coisas que o grupo faria antes de chegarem no novo continente. Uma delas era que todos ficariam pela cidade por alguns dias, principalmente para que pudessem obter mais informação ainda a respeito dos próximos desafios, mas também porque o próprio guerreiro disse que precisava treinar algumas das habilidades recebidas no continente anterior.

Claro que era mentira, ou, melhor dizendo, uma inverdade conveniente. Contudo ele viu isso como a oportunidade perfeita para treinar Lohan e dar algumas férias para esquecerem o passado. Ele era o menos abalado, porém sabia que ter seus companheiros com moral baixa seria fatal para futuras aventuras, logo, a melhor alternativa seria esperar mais um pouco.

Apesar da pressa para realizar seu desejo e ter de volta aquilo que tiraram dele. Não seria inteligente apressar-se indevidamente e falhar na jornada.

Assim os dias passaram, a cada noite ensinava mais a Lohan sobre o que sabia de esgrima e cada vez mais os exercícios eram intensificados. A meta era que ele pudesse ao menos manter a espada firme e usá-la sem maiores problemas, enquanto a neve era perfeita para forçar as pernas e braços da elfinha a trabalharem mais que o normal.

Alexsander observou ela correr por aí. Estava em parte frustrado com a evolução, era muito lenta quando comparada a meta de completar a masmorra o mais rápido possível, e mesmo que fosse plausível por conta de sua raça e corpo, seria impossível terminarem sua missão se permanecessem naquele ritmo.

— Lohan! — chamou, levantando da pedra e tirando sua espada enferrujada da neve. — Venha aqui, vamos tentar uma coisa!

A elfa seguiu na direção do guerreiro. Seu rosto cansado e as sobrancelhas caídas indicavam que logo iria cair.

— O que… uff… você quer?

— Pegue. — Jogou a espada velha nas mãos dela. — Vamos praticar um pouco.

Lohan pegou a arma e a desembainhou. Seu equilíbrio em manter a lâmina erguida melhorou consideravelmente, mesmo que tremesse e às vezes balançava de um canto para o outro. 

— Mas… arf… eu ainda não consigo lutar direito com isso…

— Você não precisa lutar, só precisa manter a espada em suas mãos pelo máximo de tempo possível.

Alexsander usou seu sabre e bateu na espada com cuidado, reduzindo bastante sua força, porém isso ainda foi suficiente para fazer a elfa vacilar. 

— Is-isso não dará certo, eu não consigo competir contra você!

— É o que veremos. Mantenha sua pegada firme se quiser ter a cabeça no lugar.

Outro golpe e a espada bambeou para o lado oposto. Alexsander atacou em um ritmo lento, as batidas também eram fracas se comparadas a sua força normal; ao menos, suportar as pancadas parecia um avanço satisfatório o bastante.

Lentamente aumentou a força dos golpes, até que uma hora a espada voou das mãos de Lohan para longe.

— Minhas mãos… aí… — Demonstrou suas palmas, já vermelhas e com calos pulando dos dedos. 

— Você não disse que queria ser mais forte? Isso faz parte. Um guerreiro não pode perder sua arma, não importa o que aconteça. Pegue a espada, vamos continuar. 

Lohan choramingou e agarrou a arma caída, em seguida Alexsander retalhou com um novo ataque, sequer dando brecha para algum comentário a mais. O som do metal se chocando foi tudo o que sobrou naquele lugar frio, e aos poucos a consciência da elfinha pareceu desaparecer por conta da exaustão extrema. 

— Fique de cabeça erguida, você morrerá caso caia! 

Aqueles avisos fizeram sua energia durar mais um pouco, mas era inevitável, quando o último ataque veio, a espada caiu de seus dedos e seu corpo desabou. Alexsander suspirou, puxando-a pela gola da camisa e passando a carregá-la nas costas. Se tentássemos isso quando nossa aventura começou, ele com certeza não teria aguentado três golpes… É, o treino realmente compensou.

Retornaram à cidade, estava tarde, então os postes foram acesos e o caminho possuía diversas atrações para os turistas apreciarem. Alexsander ignorou todas, indo de imediato à pousada em que se hospedaram; seu primeiro plano era deixar Lohan em seu quarto e depois verificar a situação dos outros. 

Cobriu a garotinha elfa com um lençol e fechou as janelas. Assim que colocou o pé para fora do quarto, um saudosismo preencheu sua cabeça; já havia feito aquilo antes, há muito tempo. Respirou fundo, largando uma memória distante para trás e seguindo para fora da estalagem, precisava focar no que devia fazer.

Seus olhos pararam na avenida principal e nas atrações, imaginava com clareza onde Minerva podia ter parado. Atravessou os pedestres rumo a uma comoção, havia diversas pessoas observando um certo show acontecendo, e no meio dessa multidão, estava um cara de moicano verde de braços cruzados com um sorriso enorme no rosto. 

— O que você está fazendo aqui? — perguntou o grandalhão, puxando-o pelo ombro.

— Oh? Você tá aqui, nem te vi aparecendo! — Ele apontou para o palco. — Sabe, eu decidi abusar de um talento da nossa amiga pra faturar uma grana, já que você não queria sair daqui tão cedo.

Alexsander reparou numa mulher sentada à frente de um prato de comida, devorando cada pedaço da carne como se fosse uma fera esfomeada. Tudo o que o líder pôde fazer foi passar a mão no rosto, pensando seriamente se era seguro o bastante manter aquele ladino no grupo. Já não importava mais, de qualquer forma, pois Alice tinha uma felicidade tão grande no rosto que chegou a achar fofo, então deixou passar.

— Ah, tem mais — disse Minerva, chamando a atenção de novo. — Ela recebeu algumas coisas e eu também.

Ele logo resumiu que nos dias que estavam na cidade, uma mensagem apareceu. Supostamente era uma missão no qual o requisito era de investigar certas pessoas e procurar saber o que aquelas pessoas eram ou faziam. Era uma missão demorada, e de fato levou alguns dias, mas um ladino jamais fugiria de um desafio assim. 

Disso, veio um livro de habilidade chamado Análise. Uma skill muito conveniente e que ele afirmou ter usado imediatamente para desenvolvê-la melhor… vulgo, se divertir.

— Interessante. Alice também ganhou mais alguma coisa?

— Hah, você já tá esperto que as entidades gostam dela… Sim, ela ganhou mais algumas coisa, porém guardou os livros e falou que usará quando achar necessário. Eu não entendi porque esperar, mas aí não é comigo… Outra coisa, enquanto eu usava minha habilidade, vi coisas estranhas por aí.

— O que você quer dizer com isso?

— Tem uma mulher que vi perambulando pela cidade… — Ele abraçou o próprio corpo enquanto sentia um arrepio. — Cara, ela me deu até medo… a descrição era um pouco vaga, mas parece que a doida usava necromancia e outras magias sombrias… Espera, ali!

Minerva indicou com a cabeça quem era a pessoa. A tal mulher era realmente estranha, os cabelos dela estavam desgrenhados e sua aparência indicava que há muitos dias não comia e nem bebia. 

Usando Análise, Minerva observou novamente os status da garota.

É ela mesmo... que atributos bizarros. É quase inumano o tanto de mana que essa pessoa tem.

Ódio fluía pelo olhar, do tipo que era familiar para Alexsander. Mas o pior era o alvo desse ódio: Alice. A sacerdotisa continuava a competir com os outros participantes e comer desenfreadamente, sem notar que era encarada desta forma. 

A clériga levantou sua cabeça do prato e avistou seu amigo guerreiro, acenando para ele. No entanto, assim que baixou a mão, sentiu algo vibrando no bolso. Puxou o objeto com a mão engordurada e encontrou a bússola dada por Ojou-sama; o objeto apontava para uma determinada direção e o ponteiro tremia sozinho. 

Ela se virou para a tal direção, e lá avistou uma face familiar. O cabelo negro e os olhos roxos eram traços que relembravam de uma noite distante. Ela sabia quem era aquela pessoa e sabia o porquê de transmitir tanta raiva ao ponto do artefato se ativar. 

O céu de repente fechou, as nuvens mudaram de cor para um roxo forte e um pilar despencou entre elas. O ar ficou rarefeito por um momento e o cheiro pútrido dos mortos surgiu, um sinal de magia obscura. 

Uma gritaria se iniciou no centro da cidade, enquanto as pessoas se afastaram do epicentro do caos — uma maga sinistra e cheia de amargura. 

Alexsander e Minerva recolheram suas armas na mesma hora e tentaram enfrentar a maga, mas uma forte onda de energia sombria os empurrou. Do chão, mãos esqueléticas surgiram e de pouco em pouco esqueletos e zumbis cobriram o centro da cidade. 

— Ataquem aquela vadia, meus servos! — gritou a necromante, até que reparou que alguns dos mortos-vivos se voltaram para ela. — O que… o que foi? É ela, é ela!

Seus servos, infelizmente, não obedeceram, revoltando-se contra quem os invocou. Eles passaram a destruir tudo ao redor, desde casas até os pequenos ornamentos na estrada, invadindo as propriedades e  apavorando as pessoas. 

Porém, sem que as pessoas esperassem, uma luz iluminou o ambiente e varreu os mortos-vivos mais fracos, agindo como uma onda sobre a praia.

Essa luz vinha de Alice, que carregava a carta e esbanjava uma armadura radiante. Seus dois aliados logo se juntaram à empreitada, Alexsander derrubando os esqueletos mais fortes e Minerva tirando qualquer pessoa do perigo iminente. 

O guerreiro ficou ao lado da clériga, protegendo-a de quaisquer ataques que viessem a atingi-la, enquanto ela invocava o esplendor dos deuses em explosões divinas que danificavam mais ainda os inimigos.

A necromante rangeu os dentes, seus olhos ressecados cheios de lamento a forçaram a deslizar os dedos entre as páginas do livro e trazer de volta à vida mais monstros.

— Morra, Alice, morra mil vezes, sua loirinha abusada! Como se não bastasse ser sua culpa eu ter sido expulsa do templo, você ainda ganhou um garanhão e deve ficar se exibindo toda para o mundo, não é!?! Eu espero que você queime no inferno, Alice!!!

— Ga-garanhão?! — Ela corou e escondeu a cara. — Nã-nã-não é assim!

— Alice, se concentre, estão vindo mais!

— Kwahahahahaha, se prepare, Alice, eu trarei um monstro que nem você será capaz de derrotar! 

As partículas mágicas no ambiente tremularam furiosamente, reunindo-se num único ponto e condensando numa esfera, que se abriu e infestou o ambiente com uma força macabra. Uma nova criatura se formou dos ossos caídos dos esqueletos, crescendo em tamanho e ganhando a forma de um gorila. 

— Avante, minha criatura! — ordenou a necromante, apenas para se frustrar em ter sua ordem ignorada.

O gorila levantou seus punhos e desceu com tudo em cima de quem o invocou. No entanto, quando a poeira baixou, a necromante havia desaparecido.

— Ufa, foi por pouco!

Minerva não estava muito longe de lá, uma de suas mãos segurava o capuz da necromante e o outro um grimório velho. Ele soltou a garota e manteve o livro fechado, longe dela. 

— Me devolva, é meu! 

— Rá! boa sorte com isso. — Minerva era mais alto que a maga, então manter o objeto longe das mãos dela não era difícil. — Conto contigo, Alexsander! 

O líder acenou com a cabeça e partiu para cima do monstro, recebendo um soco contra seu escudo que o repeliu de volta ao lugar que estava. Era um ser muito forte, se as coisas seguissem daquele jeito, com certeza não venceria… isso se não tivesse uma aliada extremamente poderosa ao seu lado.

— Alice, quero pedir um favor. 

— O-o que? 

— Dessa vez, me deixe derrotar esse inimigo. Eu só quero que você use seus milagres para aprimorar meus atributos… nada mais.

— Ma-mas isso é extremamente perigoso! Eu não posso permitir!

— Por favor, Alice, eu não quero passar a mesma vergonha de ter que ver todos os meus aliados morrerem porque eu não era forte o bastante. — O semblante do guerreiro ficou sério e sua mão apertou o sabre. — Eu preciso ficar forte, e na minha frente tem uma oportunidade… então, por favor, me permita. 

A clériga sentiu um nó na garganta. Ela sabia que não deveria, mas a honra de seu amigo estava em jogo. Enfim, rendeu-se ao pedido e concordou em deixá-lo lutar. Respirou fundo, fechando os olhos e trazendo o poder dos deuses para fazer seu companheiro ganhar mais poder. 

Alexsander imediatamente sentiu os efeitos. Seu corpo estava mais leve e os sentidos mais afiados, ele estava pronto para enfrentar seu inimigo de cabeça erguida. Seus pés saíram em disparada na direção do gorila, o punho dele passou por cima do cabelo enquanto a espada rasgou os osso do peito, no entanto não conseguiu ser rápido para desviar do próximo soco, forçado a bloquear com seu escudo, que escapou de sua mão com o poderoso impacto.

Ele não viu outra escolha a não ser recuar e repensar num jeito de se aproximar direito, mas nem por isso a criatura ficaria parada. Um pedaço de rocha foi jogado contra sua direção, e já sem seu escudo, tudo o que lhe restou foi bloquear com a espada, que também o fez perder a arma. A frustração novamente o consumiu, como podia ser tão fraco ao ponto de nem manter seu equipamento consigo mesmo?

Seu rosto se transformou numa feição raivosa, já estava farto da fraqueza lhe acometendo por tanto tempo. Se tudo o que sobrou eram seus punhos, eles seriam usados. Alexsander correu e rugiu contra a criatura, assumindo a postura de um leão enlouquecido e batendo contra o corpo desprotegido do monstro da maneira mais feroz que podia. Um soco atingiu o plexo solar do gorila, fazendo-o cambalear para cada acerto em suas costelas. 

Porém, em retaliação, um punho de osso desceu contra a face do guerreiro. Sangue espirrou de sua boca e nariz, mas não ofuscou sua vontade, pois a retribuição veio em um gancho que balançou o crânio do monstro. 

— Hah… fuuu… Isso é pouco comparado ao que já tive que passar. — Limpou o sangue, a adrenalina acelerava pelo seu corpo. — Você não é tão forte quanto cogitei.

Alexsander deu um passo em frente, no entanto o monstro recuou de maneira involuntária. Mesmo que morto, pareceu que seus instintos avisaram para escapar daquele humano. Sua fúria não era daquele mundo, era uma energia motivadora que o impedia de cair mesmo contra um oponente mais poderoso.

O guerreiro levantou os braços e, dessa vez, seu corpo gritou com toda a energia que tinha, cada parte sua se elevou ao máximo. Ele saltou, diminuindo a distância entre ele e o inimigo. Seu punho atingiu a testa da criatura, mas uma força colossal impulsionou seu corpo para frente, empurrando o inimigo até bater contra o chão. 

O crânio do gorila rachou em dois, enquanto o piso de pedra ficou parcialmente quebrado pelo impacto. O morto-vivo parou de resistir e seu corpo virou poeira ao vento. O guerreiro respirou fundo e caiu, suas pernas não conseguiam se sustentar e os braços ficaram molengas. Alice veio à seu resgate, conjurando quantas curas fossem necessárias para ao menos salvar o que restou. 

— Seu idiota, eu sabia que não era para fazer isso! 

— Hehehe… Hahahahahahaha!

— Qual a graça? Pare de rir, você ficou num perigo absurdo!

— Nada… é só que… eu agradeço por ter seguido meu pedido egoísta. Urk! — Uma dor de um dos braços mexeu com ele. — Mas eu… realmente extrapolei um pouco, foi mal.

Depois de umas batidas no peitoral do homem, a clériga conseguiu conter parte da preocupação. Minerva, que observava tudo de longe, deu uma risada para a reação do grandalhão, enquanto terminava o nó num conjunto de cordas que mantinham a necromante presa a um poste de aço. 

— Olha que fofos, totalmente diferente de você! Hehehehe!

— Pare de rir e me desamarre, isso é injusto!

— Nah, você vai continuar aí até que consigamos resolver as coisas. Por sinal, você usou magia negra, né? Isso dá uma cadeia… 

— Ca-cadeia? Então me solta, eu não quero ir para lá!

— Ah, qualé, isso não tem graça… — O ladino pôs um dedo na testa e pensou sobre o que faria. — Beleza, eu vou deixar você ir… mas se você quiser seu grimóriozinho de volta, terá que fazer uma coisa pra mim. Acordo fechado? 

A maga mordeu o lábio, sem acreditar que fora subjugada de uma maneira tão fácil. Aquele livro infelizmente era valioso demais para ignorar, então ela aceitou.

— Muito bem, sabia que eu poderia contar com você. O acordo é…

 

☆ ☆ ★ ☆ ☆

 

No dia seguinte, o grupo levantou de manhã cedo. Alexsander ficou curioso para perguntar sobre aquela pessoa, mas respeitou Alice e manteve o assunto quieto. Esperaria até que ela quisesse, ou pudesse, falar sobre isso. 

Ele sabia bem que certas coisas do passado não era fáceis de abordar.

Minerva havia conseguido algumas informações importantes sobre os arredores e descobriu que existia somente um caminho para a Masmorra da Montanha. 

O problema principal não era a falta de rotas disponíveis, mas os boatos apontavam que o caminho entre Isgard, a cidade portuária que eles estavam no momento, e Dromris, uma aldeia situada no meio do caminho, ficou bloqueada por algum motivo.

Lohan ainda precisava treinar com a espada, então ficou para trás. Alice, Alexsander e Minerva partiram sem muita pressa.

Minerva bocejou e disse: — É só seguir por essa estrada e vamos chegar à parte mais alta da montanha. 

Apesar dele ter dito que era uma estrada, a única coisa visível era um caminho de neve entre as árvores. 

A neve fofa atrapalhava os movimentos, então a velocidade de caminhada estava bem devagar, mas o grupo queria apenas conferir a situação. Não planejavam se envolver em combate neste momento.

— Parece que está ficando… mais frio — Alice esfregava as mãos uma na outra, encarando os flocos que caiam suavemente. 

— Quanto mais alto, mais frio. — Alexsander comentou sem muito emoção. — Ainda bem que conseguimos comprar esses casacos.

— Ainda bem?! — o ladino resmungou. — Foram vinte moedas de ouro por cada um. Vinte! Sabe quanto eu poderia ter feito no carteado?

— Poderia ter perdido tudo também.

— Isso é um mero detalhe. Você precisa pensar como um vencedor, Alexsander! — Minerva parou de andar e ficou em silêncio por um momento. — Tem alguma coisa por perto.

— Quantos? — Alexsander sacou o sabre de aracne da bainha e tirou o escudo das costas, pondo-se à frente no trio.

Alice puxou sua carta, deu alguns pessoas para trás e se preparou para conseguir usar um milagre rapidamente.

— Parece ser só um — respondeu Minerva.

Alice estava atenta, mas não parecia nervosa. — Devemos nos preocupar? Afinal… é só um inimigo.

— Minha queridinha, olhe com atenção para o topo daqueles pinheiros. — Minerva apontou com uma das adagas para a copa das árvores ao lado da estrada. — Elas estão se movendo! Tem que ser algo muito grande. Além disso… 

— Está vindo bem na nossa direção — concluiu Alexsander.

Alice engoliu em seco. Agora a situação parecia mais complicada.

UUUUUUAAAARR.

Um uivo extremamente alto ecoou pelos pinheiros, os pássaros saíram voando e a neve caiu dos galhos das árvores.

— Parece que nos encontrou.

Um braço enorme e completamente negrou emergiu entre a vegetação, depois outro. As árvores foram afastadas, dando passagem para um ser tão grande quanto os pinheiros. Sua cabeça era semelhante a o crânio de um cervo e a cavidade em seus olhos era completamente vazia.

— Mi-minha deusa! 

— Isso é um Wendigo?! — Minerva falou surpreso.

Alexsander recuou lentamente, tomando distância do monstro gigantesco. — Sabe o que é essa coisa?

— O Lohan vive querendo mostrar para os outros que sabe muito... Uma vez comentou sobre algo parecido com isso. 

O monstro moveu o braço, acertando a neve a poucos metros do grupo e espalhando ela por todos os lados.

— Mas ele não comentou que essa coisa era tão grande! — O ladino usou análise e conferiu os status do monstro. — Os status dessa coisa são… 15 de destreza, 15 de resistência, 1 de inteligência, 15 de sabedoria e 40 de força.

Alexsander cerrou o olhar ao ouvir a última parte. — Tsc. Essa coisa tem 14 pontos de força a mais que eu.

Alice levantou sua carta e invocou as divindades. — Deusa, por favor nos conceda a força necessária! — Uma energia amarelada fluiu dela e atingiu Alexsander.

Ao custo de metade de suas reservas de mana, Alice aumentou 15 pontos da força do guerreiro diante dela. Agora o homem estava levemente na vantagem.

As veias do guerreiro saltaram, enquanto o braço direito do monstro voava na direção dele. Um barulho de impacto ecoou na colisão entre a carne enegrecida e o escudo de metal. Em seguida, Alexsander rolou para trás por alguns metros.

— O-o quê? Mas a vantagem deveria ser…

— É por causa da neve! — Minerva gritou, correndo em direção ao flanco do monstro. — Foco no combate.

Ao olhar para trás, a sacerdotisa viu o espadachim se levantando novamente e suspirou aliviada.

A besta era enorme e tinha um grande alcance, mas, mesmo com a neve, Minerva conseguia desviar dele devido a diferença de pontos na destreza. 

Aproveitando a distração criada pelo ladino, Alexsander correu diretamente para o ponto cego da besta. Ela tem muita força, mas o status de inteligência entregou tudo.

O Wendigo movia seus longos braços para acertar o ladino, mas o punk desviava como uma mosca irritante entre as brechas que a criatura dava. 

Momentaneamente, o homem de cabelo verde ficou parado. O monstro usou tudo que tinha no próximo ataque, planejava esmagar o inimigo com um único golpe. 

Contudo, seu braço nunca acertou o alvo. O céu agora era tudo que ele via.

Enquanto estava concentrado em Minerva, Alexsander cortou os tendões das pernas da criatura. Sem conseguir se mover, mesmo que seus dois braços ainda fossem muito fortes, foi apenas questão de tempo para que os aventureiros eliminassem o monstro.

— Ufa… eu estava ficando cansado já. — Minerva limpava o suor da testa. Após ficar correndo de um lado para o outro, qualquer um ficaria cansado.

Alexsander passou a lâmina na neve, limpando o sangue escurecido que havia ficado em sua arma. — Demorou um pouco, mas fizemos um bom trabalho

Alice assentiu. Acabou não fazendo muito nessa luta, mas o que ela fez foi essencial para o resultado, então não estava tão preocupada.

Olhando para o corpo degolado e repleto de cortes do Wendigo, imaginou se algo assim ocorreria com ela em algum momento. Mesmo com toda a força que tinha, não conseguiu sobreviver ao encontro com o trio. Força não era garantia de sobrevivência, afinal.

Mudando seu foco para as árvores quebradas, notou algo. — Meninos, não tem alguma coisa… diferente ali?

A dupla olhou para a direção que a sacerdotisa apontava. De fato, havia uma espécie de quadrado de pedra, com algo inscrito nela. 

A neve deveria estar cobrindo todo o objeto, mas a movimentação do Wendigo fez com que se revelasse. 

O trio se aproximou e analisou mais de perto. Minerva encostou no objeto e descobriu que seu dedo havia ficado grudado.

— Que merda… Isso é de metal! — Ele puxou o dedo com força, sentindo que um pedaço de sua pele ficou presa no artefato. — Vou te contar, hein.

Alice passou os dedos pela mão do companheiro e falou: — Quando voltarmos eu uso curar em você.

Minerva sorriu e agradeceu.

Porém, um deles continuava encarando o elemento desconhecido. — Tem alguma coisa escrita aqui, mas eu não consigo ler. — Alexsander limpou o resto da neve com a manga do casaco, mas ainda não conseguiu decifrar o conteúdo.

Uma série de canos, pinos e outras coisas desconhecidas aos três foi revelada após remover toda a neve. 

— Não parece élfico — Minerva observou, sem tocar, e propôs: — Talvez seja a lingua dos anões, mas eu não tenho certeza. 

Alice coçou a bochecha e perguntou: — Mas os anões não vivem próximo aos vulcões em Tukatem? Existem anões no meio da neve em Frostborn?

O ladino deu de ombros. Esse tipo de conhecimento não era algo que ele possuía.

Alexsander se deu por satisfeito e voltou para a trilha. — Depois perguntamos para Lohan se ele sabe de algo.

— Aquela coisa tomou um pouco do nosso tempo, mas o Sol ainda não está no pico. Vamos voltar ou continuar?

A pergunta de Minerva era válida. Eles pretendiam apenas conferir, não se envolver em conflitos. No entanto, já usaram metade da reserva de mana de Alice, o que não era uma coisa boa.

— Acho que podemos continuar…

Ssssssss! 

O trio se entreolhou, novamente um som incomum ecoou pela floresta. 

Whoosh! BUUUUUM!

Um barulho semelhante a um trovão atingiu os ouvidos dos três. Não muito longe, uma fumaça escura começou a subir por entre as árvores.

 

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