Livro 1
Capítulo 6 (Dante): Chame por ela
Com um intenso suspiro, Dante despertou na cama de seu amigo Issao. O pesadelo foi constante em cenas dele e da irmã fugindo de anomalias. Eram marcados, abortos, ou outra coisa? Pouco se lembrava. Pareciam tão irreais quanto os boatos que ouvia sobre eles: seres horrendos, fundidos com a destruição. Uma existência flagelada, vazia de emoções... perigosa. Ele lutava contra a ideia, mas sua mente sempre o convencia a desistir. Seriam mesmo assim?
Levantou da cama, e por pouco se manteve em pé. Sua cabeça girou com zumbido cortante invadindo os ouvidos. No instante nem pensou e voltou a se deitar. O zumbido cessou, mas a tontura continuava, lenta e insistente. Só voltou a se erguer quando achou que conseguiria caminhar sem cair.
Se questionou do porquê estava na casa de Issao enquanto descia as escadas do corredor para a sala. Não era bem-vindo ali e, mesmo que sem culpa, isso nada o tranquilizava.
A sala estava escura, abafada, e parecia não se encontrar com o ar de fora há muito tempo. O escuro nunca incomodou Dante, mas o cheiro de madeira velha do cômodo o obrigou abrir as janelas.
Recebeu o frescor gelado do vento em seu rosto, e sentiu o conforto que noites como aquela traziam. Reconhecia a importância de estar cercado com boas pessoas, mas nunca deixou de apreciar a própria companhia. As raras vezes sozinho sempre instigavam sua mente, e isso o revigorava como quase nada fazia.
Momentos assim costumavam ser bons, mas algo errado começava a se manifestar. O peso do vento se tornava estranho, e o silencio absoluto sufocava como um enforcamento. Hoje, a noite inexistia de boas sensações.
Foi então, sem aviso, que ele se lembrou: Mary.
Ele não estava com a irmã. Não estava com ela há algum tempo... A saudade veio como um golpe no peito, seguida pela tristeza. Olhando para o céu, lágrimas brotaram de seus olhos.
Onde a irmã estava?
Ouviu alguém o chamando e depois a sala se iluminou. Ouviu de novo e desta vez soube quem era.
— Dan! Você acordou! — gritou Issao. Correu até ele e deu-lhe um abraço. — Achei que não o veria mais de pé. — Seus olhos lagrimejavam e ele sorria.
Mesmo estando em sua casa, Dante ficou surpreso ao vê-lo. Estava muito atordoado para ficar feliz com a felicidade do amigo. Só conseguia pensar na irmã, então perguntou de uma vez:
— Cadê a Mary?
Issao recuou do abraço. Coçou o pescoço com força e evitou os olhos do amigo.
— Issao... — Chamou Dante. A voz trêmula como a chama de uma vela ao vento. — Cadê ela?
O garoto balançou a cabeça, negando, mas acabou entregando a resposta:
— Mary foi perdida... — ele disse esfregando os olhos inchados de lágrimas. — Foi quase no final do dia da explosão. Um pouco depois dos idealistas invadirem a área... Todos tinham certeza de sua morte, mas quando Kize chegou com você... Mary não estava junto...
Issao fez uma pausa, como se aquilo tivesse sido o golpe mais difícil de dar.
— Ele tentou encontrá-la, mas o tempo era curto demais e, então, ele fez a escolha: Te trouxe para cá. Sem Mary... sem que ninguém soubesse. Depois treinei em te contar que ela não voltaria, mas aí... Kise me disse que sabia onde ela estava. Sabia com quem estava...
— Com quem? Onde? — Dante perguntou, a voz quase um grito.
— Ela foi levada, Dan. Levada por idealistas…
Imaginar isso doía, mas descobrir que era real doía ainda mais. Sua irmã estar com idealistas era quase tão pior que a morte. Depois de tanto esforço e sacrifício para mantê-la por perto… depois de tanta luta…
Como estavam separados? Por que estavam?
Issao continuou falando e tentou abraçá-lo de novo, mas Dante o ignorou e correu casa afora.
Só parou quando seus joelhos encostaram o chão e ele conseguiu juntar ar em seus pulmões. Angústia dominava seu espírito, então ele a soltou: em seu maior grito de dor, Dante chamou por Mary.