Volume 1
Capítulo 9 : Madeira falsa
Deitado sobre um galho alto, o homem balançava a perna esquerda no ar, despreocupado. Com a ajuda de uma lamparina, lia um livro calmamente, como se a floresta ao seu redor estivesse em perfeita paz. Ao seu lado, um corvo de plumagem carmesim cutucava as penas com o bico, imerso em sua própria rotina. Tudo parecia tranquilo.
No entanto, algo perturbou essa serenidade. Uma sensação gelada e pesada passou pelo ar, como uma onda de fúria vinda do coração da floresta. O homem sentiu a mudança no vento, e seu corvo parou abruptamente, os olhos atentos. Ambos podiam sentir a força sombria que se aproximava.
— Hm... — Ele ergueu o olhar para o céu escuro. — Parece que alguém encontrou um dos reis.
Umas ondas negras serpenteavam no ar, quase imperceptíveis para olhos comuns. Ele teve certeza de que Roy, o jovem imprudente, havia cruzado o caminho de um dos poderosos reis da floresta. Um sorriso se formou em seu rosto.
— Haha! — Ele se levantou num salto, com os olhos brilhando de excitação. — Muito bem, Roy. Parece que está amedrontado.
Com seus sentidos aguçados, o homem capturou a aura que mudava de cor ao longe. Pegou uma pena negra, escreveu algumas palavras em um pequeno bilhete, e prendeu-o no bico de sua ave carmesim, que logo alçou voo em meio à noite.
— Estou olhando por ti... — murmurou, os olhos fixos na escuridão.
***
O monstro se ergueu diante do garoto como uma montanha. Seu corpo esquelético era coberto de madeira densa e entrelaçada, com grossas raízes que formavam seus membros. Seus olhos, duas esferas vazias e sem vida, pareciam penetrar a alma do jovem. Cada passo do monstro fazia o solo tremer, como se a própria terra o temesse.
— GROOOVE!!! — O rugido reverberou como um trovão, e a onda de choque carregada de poder mágico atingiu Roy como uma avalanche. O garoto sentiu o corpo pesar, como se tivesse sido preso sob uma tonelada de metal. Seus músculos paralisaram, e sua mente foi inundada por uma pressão avassaladora, como se estivesse à beira de desmaiar.
Ele tentou mexer-se, mas a sensação de impotência era esmagadora. Aquilo não era nada como os outros monstros que enfrentara. A pantera e o crocodilo pareciam insignificantes comparados a essa criatura.
As pupilas de Roy estavam fixas, dilatadas, sem brilho. A única coisa que ele conseguia fazer era tremer. Qualquer distração, ele sabia, seria fatal.
O monstro, sem hesitar, lançou lanças de madeira em sua direção. Roy tentou desviar, mas a maioria o atingiu, rasgando sua carne. O sangue escorria pelos cortes profundos em seu corpo.
"Eu... eu não vou conseguir... droga! No que eu estava pensando?!"
Sua mente fervilhava de desespero, mas algo dentro dele se recusava a desistir. Ele puxou o máximo de ar que pôde, seus pulmões queimando com o esforço. De repente, uma onda de calor tomou conta de seu corpo, e a aura verde da primeira abertura começou a brilhar ao seu redor, expandindo-se como uma chama crescente.
O monstro, percebendo a mudança, hesitou. Era como se o próprio ar ao redor de Roy tivesse se tornado mais denso, opressor, criando uma barreira invisível. O monstro sabia que se se aproximasse mais, estaria ao alcance daquela aura. E isso poderia ser fatal.
As folhas ao redor do garoto começaram a rodopiar, formando um tornado em miniatura que o envolvia. Então, num piscar de olhos, Roy desapareceu do campo de visão do monstro.
Wendigo ficou confuso. Sua presa tinha sumido.
— GROOOOVE!!! — Rugiu novamente, furioso, sua voz ecoando pela floresta.
Roy corria, o coração batendo descompassado, o corpo movendo-se com uma agilidade desesperada. Ele fugia como um cervo escapa de um predador, cada passo alimentado pelo puro instinto de sobrevivência. Seu medo pulsava em cada célula de seu corpo, a mente um caos de pensamentos.
“Por que eu fui caçar um dos reis? Isso foi insano! E se os outros forem ainda mais poderosos? Eu não vou sobreviver...”
— Tenho que sair dessa floresta... agora! — gritou para si mesmo, mas sua voz soava distante, abafada pelo pânico.
De repente, galhos perfuraram seu corpo, como garras afiadas saindo das sombras. Ele caiu ao chão com um baque pesado, a dor o fazendo gritar.
— GROOOVE!! — o rugido ecoou novamente.
Roy, atordoado, tentou entender o que havia acontecido. "Eu estava longe... como ele...?"
Lentamente, ele virou a cabeça para trás, ainda deitado no chão, os músculos queimando de cansaço. E então viu.
Saindo das próprias árvores, como se fosse parte delas, o Wendigo apareceu. Seu corpo se fundia com os troncos e galhos, como uma extensão da própria floresta, tornando-o impossível de escapar.
— Co... co... como...? — Roy mal conseguia falar. O medo tomava conta de cada parte de seu ser. Ele estava frente a frente com a morte, e naquele momento, compreendeu a verdadeira extensão do poder dos Reis da Floresta.
Wendigo, enfurecido, usou seus tentáculos de madeira para agarrar Roy com violência. O garoto foi arremessado contra os troncos das árvores, como uma boneca de trapos. No ar, antes de sequer entender o que estava acontecendo, foi novamente capturado e jogado brutalmente ao chão. O impacto quebrou seus ossos, e Roy cuspiu uma quantidade assustadora de sangue, o grito de dor ecoando pela floresta.
A pancada foi tão forte que sentiu a pressão de seu corpo desabar. Com grande esforço, tentou se arrastar pela terra, enquanto sua visão começava a se turvar.
— Anda... se mexe... SE MEXE! — gritava para si mesmo, desesperado, mas seu corpo não respondia. Ele estava paralisado pela dor e pelo medo.
Wendigo o ergueu mais uma vez, lançando-o contra os galhos altos de uma árvore. Roy sentiu os ramos perfurarem sua pele enquanto caía pesadamente ao chão novamente. Cada parte de seu corpo gritava de dor, os ossos pareciam prestes a se romper por completo.
— Droga... — sussurrou, quase sem forças.
O monstro não estava com pressa para terminar o serviço. Gostava de fazer suas presas sofrerem. Ele não apreciava carne quente, mas ela precisava estar bem macia, e por isso, quebrava todos os ossos de suas vítimas antes de devorá-las. Roy agora entendia o quão cruel aquela criatura realmente era.
Jogado no chão mais uma vez, sentiu parte de seu corpo entorpecido. O sangue escorria livremente de seus cortes profundos, misturando-se com as lágrimas que agora caíam sem controle.
— Dessa vez, não escapo... tenho certeza... — Pensou, olhando para a lua que brilhava no céu estrelado. O cenário pacífico era um contraste cruel com a dor que sentia.
"Lembro-me de dizer que queria viver... então, por que estou fugindo? Eu quero sentir aquela sensação de vencer..."
A terra tremeu sob seus pés. O predador estava cada vez mais perto, com seus olhos vazios fitando Roy. As pupilas de ambos se encontraram por um breve momento. Roy sentiu o coração gelar. Não havia como escapar.
— Droga...
De repente, uma rajada de vento percorreu a área. Tão forte que fez Wendigo cambalear brevemente. Ao longe, Roy avistou um pássaro desaparecendo entre as árvores, e algo pequeno e pesado caiu sobre sua testa. Com dificuldade, usou a mão trêmula para pegar o objeto. Era uma pedra com algo enrolado nela.
Ao abrir o bilhete, leu as palavras gravadas com uma caligrafia firme: “E disse Deus a um guerreiro chamado Josué: Não fui eu que ordenei a você? Seja forte e corajoso! Não se apavore nem desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você andar!”
Roy mal conseguia processar o que aquilo significava. Ele tossiu mais sangue, mas, por algum motivo, aquelas palavras acenderam uma pequena chama dentro dele. Lentamente, começou a se levantar.
"Se eu não me engano, o velho costumava dizer algo assim... Deus... será que Ele realmente existe? Se eu sair vivo dessa... vou acreditar."
Por alguns segundos, Roy sentiu fé. Fé de que, de alguma forma, ele poderia resistir. Reunindo cada gota de força que ainda tinha, mesmo com o corpo todo destruído, ele puxou o máximo de ar que conseguiu para dentro dos pulmões.
"Lembra do que o Dom dizia? Sempre faça o bem! Mesmo que esteja com medo, grite... grite para espantar todos os males."
E então Roy urrou. Um grito primal, carregado de medo, raiva e uma vontade incontrolável de sobreviver. O som ecoou pela floresta.
Wendigo parou de avançar, surpreso. Diante de si, o garoto estava de pé. A aura verde clara ao seu redor escureceu, tornando-se intensa e densa. O olhar de Roy, antes aterrorizado, agora era afiado como uma lâmina. Mesmo com os ossos quebrados, ele ergueu os punhos, assumindo uma postura de combate.
— Eu... eu quero vencer! — disse, cerrando os dentes com força.
O monstro, no entanto, não hesitou. Lançou um enorme ataque de madeira contra o humano, tentando esmagá-lo de uma vez por todas.
— Aquela sensação... — murmurou Roy.
Num piscar de olhos, o garoto desapareceu. O impacto do ataque de Wendigo criou um buraco gigante no chão, mas Roy não estava lá. Ele já havia partido para o contra-ataque.
O monstro, confuso, sentiu algo vindo pelo lado esquerdo. No último instante, conjurou um escudo de madeira para proteger o rosto. Para sua surpresa, o escudo foi despedaçado como se fosse feito de papel. E então, uma força imensa atingiu seu peito.
Um chute poderoso afundou a madeira que formava o corpo do Wendigo. Pedaços de seu corpo voaram em todas as direções. O monstro não conseguiu entender o que tinha acontecido e, antes que pudesse reagir, foi atingido por uma série de golpes rápidos e implacáveis vindos de todas as direções.
Roy usava as árvores ao redor para se locomover com o vento, desaparecendo e reaparecendo em cada ataque. Cada movimento seu fazia seu corpo tremer de dor, mas ele não parava. Sabia que se parasse, o medo o dominaria. Então, deixou-se levar pelo calor da luta.
Vindo de cima, parecia que Roy tinha mais de cem punhos. Ele golpeava o crânio do monstro sem parar, cada impacto ecoando pela floresta.
Wendigo cambaleou. Suas pernas tremiam, e então, com um estrondo, caiu sentado no chão. O garoto, ofegante, observava incrédulo o que havia acabado de fazer.
— PUTA MERDA! — berrou, como se tivesse guardado aquela frase por anos. Nem ele acreditava no que acabara de fazer. Tinha derrubado um dos reis da floresta.
Roy não teve tempo para se recompor. Um galho se enrolou em sua perna e o puxou bruscamente para perto do monstro. Antes que pudesse reagir, já se via diante da boca de Wendigo. Sem pensar duas vezes, usando a única perna livre, chutou com toda a força a mandíbula da criatura. O impacto foi devastador, e a parte inferior da boca do monstro foi arrancada como se fosse papel.
No entanto, algo estava errado. Roy percebeu que o monstro não havia sentido dor alguma. A mandíbula destruída começou a se regenerar num piscar de olhos, e, em resposta, Wendigo cravou os dentes recém-formados na coxa do garoto.
— Droga!! — gritou, sentindo como se sua perna estivesse sendo arrancada à força.
Desesperado, Roy usou o braço esquerdo para dar dois jabs rápidos contra a cabeça da criatura. Os golpes foram fortes o suficiente para amassar parte do crânio de Wendigo, que soltou a mandíbula por um breve momento. Aproveitando a oportunidade, Roy conseguiu se livrar, caindo pesadamente no chão. Usando a perna esquerda, ele se afastou o máximo que pôde, arrastando-se na terra.
— Merda... isso tá feio... — murmurou, olhando para sua perna direita.
A coxa estava inchada e roxa, com vários dentes cravados profundamente na carne. O sangue escorria sem parar, e Roy sabia que, se ficasse mais tempo ali, morreria não só pelo monstro, mas também por uma possível infecção. Contudo, ele tinha plena consciência de que Wendigo não o deixaria fugir. Era enfrentar ou morrer.
Roy respirou fundo, analisando a situação. Ele percebeu que a "pele" de madeira do monstro era facilmente quebrada com golpes diretos. Aquilo não era a verdadeira pele de Wendigo, mas sim uma armadura, uma casca externa frágil. O verdadeiro perigo estava no instinto assassino da criatura e na regeneração rápida.
— Vou acabar com isso! — gritou, decidido.
Ele tinha uma teoria: se conseguisse quebrar completamente aquela armadura de madeira, encontraria a verdadeira pele do monstro, e essa, talvez, não se regenerasse tão facilmente.
— GROOOOVE! — rugiu Wendigo, avançando ferozmente.
Roy, mesmo com a perna ferida, deu alguns pulinhos para testar sua mobilidade. Encheu os pulmões com o máximo de ar que conseguiu.
— Johan sempre diz que uma boa sequência de golpes são apenas quatro... — murmurou para si mesmo, com um leve sorriso. — Se prepara para receber mais de cem!
Antes que o monstro pudesse reagir, Roy se lançou na direção de Wendigo com uma velocidade impressionante, mesmo gravemente ferido.
— EI, SEU MERDA!!
O grito de Roy ecoou de cima, e o monstro mal conseguiu ver de onde vinham os ataques. A cada soco que acertava, era como se tiros de fogo penetrassem na madeira do corpo de Wendigo, fazendo o monstro vacilar.
Roy não parou. Continuou golpeando, golpeando e golpeando. Usava todas as suas reservas de energia, cada punho rasgando a casca de madeira com força brutal. A criatura se desequilibrou mais uma vez, cambaleando para trás, e Roy não recuou.
Ele golpeava sem parar, como uma tempestade de socos que não dava chance para Wendigo reagir. Até que...
— AARGHHH!!
Roy berrou de dor. Sentiu seus dedos serem esmagados no último golpe. Ele recuou, ofegante, sem entender o que havia acontecido. A carcaça de madeira estava completamente destruída, mas... como ele quebrou os dedos socando aquilo?
— O que...?
Enquanto Roy tentava entender, a pele de Wendigo começou a se desfazer. Pedaços da antiga armadura de madeira caíam, revelando algo negro e pulsante em seu interior. A verdadeira forma da criatura começou a emergir, e Roy percebeu que ela era muito maior e mais ameaçadora do que antes.
Ele olhou para cima, acompanhando a transformação.
— Agora fudeu, o “carai” mesmo...
***
— Ei, Dom. Como achas que ele está se saindo? — perguntou Sancho, enquanto assava carne na fogueira, visivelmente preocupado.
— Mas horas! Isso lá é coisa para se perguntar? — Dom respondeu, dando golpes no ar com uma espada imaginária. — Ele é nosso escudeiro. Claro que ele está se saindo bem.
Sancho, ansioso, começou a devorar a carne, ainda inquieto. O homem magro parou de atacar o ar e ficou sério. Coçou o nariz pontudo e olhou para a lua no céu estrelado.
— Lembras de quando enfrentamos o “EL TORO”?
Dom referia-se a um incidente em que o trio invadiu uma fazenda para enfrentar um ser maligno que diziam dominar o local. No fim, o tal ser maligno era apenas um grande boi que pastava tranquilamente pelo campo de seu dono.
— Claro que sim — respondeu Sancho, sorrindo.
— Quando ele partiu para cima de nós, vi um brilho no olhar dele. Ele foi direto ao ataque, sem pensar duas vezes, para nos proteger.
— Também quebrou o punho e duas costelas... e nós apanhamos da capitã depois... — Sancho acrescentou.
Dom, irritado, acertou um soco na cabeça de Sancho.
— Não é disso que estou falando, idiota! Ele tem um brilho... o brilho de um verdadeiro cavaleiro. O espírito de proteger quem precisa. Ele tem um talento que não se encontra em qualquer um. Ele tem um destino, de se tornar o melhor cavaleiro que este mundo já viu. É por isso que ele vai voltar para nós, tenho certeza!
Sancho ficou admirado com a fala de Dom. Fazia tempo que ele não saía de seu personagem de cavaleiro destemido. Depois de mais uma mordida na carne, Sancho se levantou, ergueu a mão e proclamou:
— FAZER O BEM!
Dom, com um sorriso, respondeu imediatamente:
— FAZER O BEM, MEU CARO AJUDANTE!