Volume 1
Capítulo 8 : Uma mentira?
Twinty, uma cidade comercial relativamente grande, localizada ao norte, entre Hiden e Trieden, era usada para negociações entre produtos dos reinos. Por exemplo, comerciantes de Hiden compravam produtos de Giden para serem vendidos nos reinos dos humanos e vice-versa. No entanto, a cidade caiu após o exército demoníaco dominar boa parte do continente, sendo estabelecida ali uma base de suprimentos para os demônios, que permaneceu assim durante o resto da guerra.
Mas a paz dos seres foi interrompida naquela noite. Uma missão foi dada pelo general de guerra a um esquadrão de extermínio: retomar a cidade. Mesmo com menos soldados do que o inimigo, os cavaleiros não recuariam. Esse esquadrão? Os Feras Brancas.
Os cavaleiros habilidosos lutaram de igual para igual. O plano era simples: não recuar e pressionar até o fim. Sempre seguir em frente.
Em meio à confusão, um cavaleiro derrotou um dos inimigos, cortando-lhe a garganta com a espada. Porém, se distraiu, deixando sua retaguarda exposta. Um enorme demônio preparou sua maça para golpeá-lo fatalmente. Ao se virar, o cavaleiro percebeu que era tarde demais. Não esperava que uma rajada de vento atingisse o inimigo.
— Opa! — berrou um de seus companheiros.
Era um cavaleiro que mal cabia na armadura, com um sorriso entre suas grandes bochechas. Sua careca refletia o brilho da lua, e sua magia de vento jogou o corpo do demônio para trás. Rapidamente, o homem se recompôs e partiu para o ataque.
— Valeu, Jeff!
Em batalha, Jeff e Alonso tinham a missão de dar cobertura aos outros. Por usarem magias que não eram tão boas para o ataque, Yuki lhes designou o apoio aos companheiros. Jeff utilizava magia de vento para atrasar os movimentos dos inimigos, permitindo que os outros cavaleiros os finalizassem. Já seu amigo, magro, erguia paredes de terra para bloquear os projéteis lançados pelos demônios.
No centro da confusão, quem parecia se divertir mais era a capitã do esquadrão. Mesmo cercada por muitos inimigos, não se intimidava; até cantava enquanto lutava.
— Eu vim de lá, eu vim de lá, eu vim de longe, de longe de cá — desviou de um ataque, cravando a espada na barriga do demônio — Eu vim pra te ensinar...
Vários oponentes atacaram ao mesmo tempo. Yuki começou a desviar, sem ao menos usar magia. Sem pensar muito, saltou para trás e logo flexionou os joelhos. Seus olhos brilharam em azul e vermelho. Seus braços foram cobertos por magia de vento e fogo.
Os demônios sentiram um calafrio na espinha. As pupilas da mulher haviam desaparecido; apenas o brilho de seus olhos permanecia. Por serem dois tipos de magia, a mana que envolvia a capitã se misturou, adquirindo uma cor laranja.
— Quando a música toca, a gente nunca mais pode parar!
Yuki partiu para o ataque em uma fração de segundo. A pressão de sua corrida fez com que as casas e a rua se rachassem, e seus inimigos viram apenas um feixe de luz passando. Muitos cortes surgiram nos corpos dos demônios, e o fogo tomou conta deles antes mesmo que o sangue escorresse.
Ela se virou, rindo triunfante.
— HAHAHAAAHA! TSEY! Quem são os próximos?
Yuki voltou sua atenção para os outros que se aproximavam.
— OHHOOOHOO! Que bom que não acabou, eu já ia ficar entediada.
Perto dali, a alguns quarteirões de distância, um enorme demônio estava causando dificuldades aos cavaleiros. A armadura daquele ser o protegia das magias lançadas contra ele. Seu capacete, com chifres curvados de metal, era usado para ferir os humanos, agindo como um touro.
— Seus vermes insignificantes! HAHAHAHHA! Nem um arranhão? — Comentou, rindo, enquanto arrastava os pés no chão e lançava seu corpo ao ataque mais uma vez.
Os soldados não conseguiriam desviar, mas o demônio foi barrado por uma parede de cristal. O impacto o deixou atordoado.
— Merda! — exclamou, caindo sentado no chão.
— Ei! Já deu, né?
Se virou para o cavaleiro que havia dito aquilo. Era um homem de cabelos longos, presos em um rabo de cavalo que balançava ao vento. Seu olhar frio demonstrava a calma adquirida em tantas batalhas que ele já havia enfrentado. Enquanto caminhava, jogou sua capa no chão, e a aura azul de sua magia se levantou. O braço que lhe faltava foi coberto por diamante.
— Oh. Isso é muito bom! Johan, vice-capitão dos Feras Brancas...
— Esse sou eu. — Johan disse, incomodado. — Se é um fã, eu te dou um autógrafo, não tem problema.
— Claro que não. — O monstro deu de ombros. — A história do que você fez com Empusa está correndo entre os demônios. O irmão dela está furioso com você.
Johan não deixou seu oponente terminar de falar. Com grande velocidade, se aproximou e golpeou o rosto do monstro com a mão feita de cristal. Seu inimigo voou até se chocar contra um prédio, metros à frente.
— Eu não ligo nem um pouco pra isso. Ele não seria o primeiro a querer me matar.
— IEHEHEHIEIEE! — O demônio levantou-se dos escombros, gargalhando de Johan. — Você não faz ideia do que te espera, humano. IHEHEEHE!
Johan estalou a língua, surpreso com a reação. O demônio continuou:
— Quem está querendo sua cabeça não é qualquer um... É Gadrel, a Morte. IHEHHEHEH!
Ao ouvir o nome de seu perseguidor, Johan tremeu. Sua visão ficou turva. Gadrel era um anjo caído, o segundo mais forte, apenas atrás de Abbadon. Mesmo sendo muito poderoso, apenas Zaratrás ou outro general de guerra poderia enfrentar um demônio como aquele. Engolindo em seco, ele tentou manter a calma.
— Hum, que venha então. — Comentou com um sorriso debochado no rosto.
Ele não deveria ter dito aquilo.
O demônio gargalhou ainda mais alto, zombando da arrogância do cavaleiro. Arrastando os pés no chão, lançou-se para o ataque mais uma vez. Seus chifres cresceram com a energia negra, e sua velocidade aumentou consideravelmente.
Johan ficou assustado ao ver de perto a ponta do capacete de seu oponente. No último segundo, esquivou-se para a direita. O touro se chocou contra o muro de uma casa. Ao ver a cena, Johan rapidamente identificou o ponto fraco do inimigo.
— Tsc! Armador.
— IEHEHEH! Mas esqueci de mencionar: Gadrel nem vai precisar se esforçar. Se eu te matar aqui, ele vai me reconhecer e me dar o posto de Anjo Caído.
— Plano mirabolante de merda, hein! Você sabe que isso não é possível.
Johan provocou, sabendo que o demônio atacaria novamente da mesma forma.
E ele veio com tudo. Johan percebeu que, mesmo com o aumento das habilidades, o demônio não conseguia controlar a hora de parar, o que fazia com que se chocasse com tudo de maneira desajeitada. O touro tentou golpear o cavaleiro várias vezes, mas errou todas. Acertou todas as paredes da rua, mas nem sequer arranhou Johan.
— Vai ficar fugindo, verme? — Questionou furioso, após destruir mais uma casa. — Está com medo?
Ele olhou para todos os lados, mas o cavaleiro havia desaparecido de seu campo de visão.
— Medo?
Johan já havia escolhido os lugares que seu inimigo iria destruir. A luta estava praticamente vencida. O touro demoníaco golpeou edifícios em círculos. No meio dos escombros, lanças de cristal emergiram, atravessando sua armadura. Quando percebeu, seu corpo já estava perfurado, ficando preso enquanto caía de joelhos.
— Argh... — o monstro cuspiu seu sangue negro.
— Não tente se colocar no mesmo nível que os outros. Os anjos caídos não seriam tão descuidados a ponto de perder desse jeito...
Johan percebeu que o demônio estava gargalhando de novo. Irritado, ativou sua magia e desferiu uma sequência de socos no rosto do inimigo. O capacete amassado voou para longe, e seus olhos se encontraram. O demônio tinha um bigode estranho e malfeito; seu cabelo negro quase combinava com sua pele roxa e enrugada.
Johan viu que os olhos do demônio brilhavam mais do que o normal, então permaneceu em alerta para qualquer movimento.
— O que é tão engraçado?
— KIKIKIKIIIIIR! — A risada havia mudado, e a voz agora estava mais fina e risonha. — JOHAN VALLENTINE, FINALMENTE TE ENCONTRAMOS!
Johan ficou confuso, pois nunca tinha revelado seu sobrenome a ninguém. Seu corpo inteiro tremeu; ele não entendia o motivo. Não era mais o mesmo demônio com quem estava lutando. Mesmo assim, manteve o semblante fechado, cruzando os braços.
— KIKIIKIIIR! GADREL ESTÁ ANSIOSO PARA TE VER!
— E quem é você?
— ALGUÉM QUE CONHECE O SEU PASSADO! EU SEI O QUE ACONTECEU COM A SUA FAMÍLIA!
Johan ficou chocado ao ouvir aquilo, arregalando os olhos. Não queria se lembrar do que havia acontecido, e saber que um demônio conhecia sua história era preocupante. Ainda assim, ele queria fazer algumas perguntas.
— KIIIKIIR! SENHOR VALLENTINE! SEU DESTINO NÃO É DIFERENTE DO DELES. APENAS AGUARDE UM POUCO.
Johan cerrou os dentes, e seu sangue ferveu. Ele queria respostas sobre sua família.
— O QUE VOCÊ SABE DELES? ME CONTE!
— KIIIKIR! — o demônio se divertia com a reação de Johan.
Nesse momento, a cabeça do demônio foi decepada. Alguém a cortou, e uma forte ventania tomou conta do local. A cabeça decepada abriu um sorriso.
— CAPITÃ YUKI BONNIE, QUE HONRA!
— Esse controle mental... Penemue, a mentira. Estou certa?
— KIKIIIR! ESTOU ANSIOSO PELO NOSSO ENCONTRO! — Os olhos de Penemue se voltaram para Johan. — SENHOR VALLENTINE, QUANDO NOS VERMOS, TE DIREI TUDO SOBRE SUA FAMÍLIA INSIGNIFICANTE.
A cabeça perdeu a vida, deixando os dois cavaleiros sem respostas. Yuki se voltou para seu vice-capitão.
— Você hesitou.
Johan não respondeu, apenas caminhou até onde havia jogado sua capa.
— Não caia no papinho dele. Ele quer que você fique inseguro mentalmente, para poder te pegar. — A mulher o puxou pelo ombro, forçando-o a prestar atenção. — Ele quer que você sinta medo. Assim, poderá te rastrear.
— Eu não estou com medo, mas ele sabe sobre minha família... Como? — Disse Johan em um tom pesado, sem olhar para Yuki. — Ele deve saber o que aconteceu com eles.
— Mas pode ser uma mentira.
— Ele já sabe meu sobrenome. Com certeza, ele sabe mais.
Yuki cruzou os braços e suspirou.
— Se ele souber de algo, o que vai fazer depois?
— Me vingar e finalmente descansar. Foi por isso que vim pra cá.
Ao ouvir aquilo, Yuki ficou furiosa e agarrou Johan pela armadura.
— Quer dizer que vai atrás dele?
O homem não respondeu, apenas encarou sua capitã. Isso foi suficiente para que ela entendesse que ele pretendia ir atrás do anjo caído, sem envolver seus companheiros.
— Não pode ir atrás dele, ainda mais sozinho.
— Eu sei disso. — Johan tirou a mão de Yuki do seu peitoral com um leve tapa. — Mas é algo que preciso resolver.
Uma breve lembrança assombrou Johan naquele momento. Ele viu, de novo, sua esposa e seu filho mortos no chão de sua casa. A certeza de que fora um demônio tomava sua mente, e agora, com o que ouvira, tinha ainda mais convicção disso.
— Sabe... Depois de tudo que aconteceu, eu quis desistir de tudo. Sem minha esposa e meu filho, estava sendo muito difícil. Cogitei até sair do exército, mas sei que é nesta guerra que terei minhas respostas.
Yuki se sentou sobre os escombros de uma casa, disposta a ouvi-lo.
— Diversas vezes pensei em tirar minha própria vida, deixar que um desses monstros me matasse. Mas quando o pirralho chegou, tudo mudou. Ele viu pessoas morrerem da pior forma possível e perdeu alguém que amava diante dos próprios olhos. Ele entende o que sinto... É estranho, uma criança entender isso.
Johan e Yuki riram com isso.
— Ele veio para mudar muita coisa. — complementou Yuki.
— E lidar com ele deu um certo conforto. Mesmo que eu queira descansar, minha missão ainda não foi cumprida.
O vice-capitão começou a se afastar devagar. Yuki soltou uma breve risada.
— Você odeia falar o que sente.
— Ainda odeio, mas muita coisa está mudando...
Johan se lembrou das vezes que pegou Roy acordado durante a noite. Sabia que o garoto não conseguia dormir por causa dos pesadelos que tinha sempre que fechava os olhos. Era um sentimento que Johan carregava desde sua própria perda.
— E sei que você, Yuki, também entende o que eu e ele sentimos.
A mulher se levantou e caminhou ao lado do companheiro, tentando uma última investida para fazê-lo desistir.
— Nem por isso quero vingança. Vou te dizer o mesmo que disse a ele: a vingança vai trazê-los de volta?
Johan ficou em silêncio por alguns segundos. Até que...
— Mas finalmente vai me trazer paz. — Respondeu com convicção.
Ele se afastou da capitã para ver como os outros cavaleiros estavam. Yuki o acompanhou com o olhar, pensativa. Olhou para a lua e bocejou.
"Como será que o pirralho está?"