Malkiur Brasileira

Autor(a): Kamonohashi


Volume 1

AMIGO SAPO.

# Algum tempo atrás#

Roy viu algumas crianças brincando em um pasto. Elas usavam magia como se fosse algo banal — tornados de folhas, guerras d’água, rampas de terra para carrinhos de madeira.

Ele, sentado ao lado, só observava com os joelhos abraçados. Sozinho.

Um soco veio seco na cabeça.

— AU! — exclamou Roy, virando-se irritado.

— ROY! — resmungou um velho musculoso de cabelo e barba grisalhos, com uma cicatriz descendo pela bochecha até os lábios. — Que cara é essa?

— Vai embora, velho.

— Por que não vai brincar?

— Porque não uso magia. Eles já disseram que sou inútil.

O velho gargalhou. Alto, sem pudor. E então outro soco seco atingiu o neto.

— Ei! — reclamou Roy, massageando a cabeça.

— Neto meu não fica assim, de cabeça baixa. Que tipo de idiota você acha que é?

— Um idiota sem magia.

— Pior ainda! Então seja o idiota mais forte sem magia que esse mundo já viu.

Roy baixou os olhos.

— Eu queria ser como o herói… ou como o senhor.

O velho suspirou, olhando o céu.

— Igual ao seu pai, então.

Roy se virou devagar.

— O senhor quase nunca fala dele…

— Ele era teimoso. Queria me superar. E proteger todo mundo. Igualzinho a você.

Roy abriu um sorriso involuntário. Mas foi breve.

— Será que um dia eu entro num esquadrão?

— Só se deixar de ficar se lamentando. Por enquanto, nem sabe usar magia. Vai acabar sendo mais imprudente que seu pai.

O garoto caiu de cara na grama, murmurando:

— Eu quero usar magia... Vou morrer sem nunca conseguir.

— Levanta, seu imbecil.

Thomas o puxou pelo colarinho. Roy se irritou, mas depois riu.

— Não usar magia não significa ser fraco. — disse o avô. — Acha o seu jeito. A gente descobre juntos, beleza?

Ele estendeu o punho. Roy bateu de volta, sorrindo.

— Estão aí, Thomas e Roy! — gritou uma voz feminina. Uma mulher de cabelos grisalhos e olhos verdes, com um vestido rasgado nas pontas, sorria calorosamente.

— Mary! — Thomas correu, mas...

BAM! Um soco de direita o derrubou.

— QUANTAS VEZES EU DISSE PRA NÃO GRITAR?

Roy gargalhou, vendo o avô sendo pisoteado. Thomas correu até ele e o ergueu nos ombros.

— Ah, é assim? Vai rir de mim?

— Me coloca no chão, velho maluco!

Mary sorriu vendo os dois, e então disse:

— Temos que ajudar os refugiados que chegaram.

Thomas colocou Roy no chão.

— Lembra disso, Roy. Neto meu não é fraco. Vai brincar. E aproveita enquanto ainda pode.

Roy acenou e correu. Mas algo mudou.

As crianças sumiram.

O céu escureceu. O vento soprou seco.

— Vovô? Vovó?

Silêncio.

Gargalhadas monstruosas ecoaram ao redor.

— Hahaha!

— Achamos uma presa!

— Pequeno humano... venha...

Sombras negras se ergueram ao redor de Roy.

Ele gritou.

— NÃO! NÃO!

Elas pularam sobre ele.

 

#No presente#

Roy acorda.

— HUFF! HUFF!

Ofegante, suado, com os olhos marejados.

A luz do dia atravessava as folhas da Floresta Negra.

— Droga... — murmurou. — Que sonho...

Ele tentou se acalmar. Ouviu o vento entre as árvores. O cheiro de terra molhada.

PLOK.

Algo pegajoso bateu em sua bochecha. Ele saltou assustado e rolou no chão.

— Mas que m...

Um sapo amarelo, com manchas verdes, o observava com olhos esbugalhados.

Roy se levantou, irritado.

— Você não quer me matar, né?

O sapo o encarou.

— Fro-udo! — coaxou. E então... cuspiu um rolo de ataduras, encharcado de baba.

Roy olhou aquilo com desconfiança.

— Tinha que estar babado, né? — resmungou. — Que tipo de sapo é você?

CHAP! A língua do bicho acertou seu olho esquerdo.

— FRO-UDO! — repetiu.

Roy suspirou. E pela primeira vez em dias... soltou um riso nasal, quase imperceptível.

— É, acho que ainda sou o mesmo idiota.

Mas ele não era mais o mesmo.

Sua respiração estava mais lenta. Sua cabeça, mais centrada.

O sol começava a subir. E entre as sombras da árvore, alguém o observava. Mas Roy não percebeu.

A floresta parecia menos ameaçadora com o nascer do sol, mas Roy sabia que era apenas uma ilusão. Os sons estranhos haviam diminuído. O frio ainda agarrava suas roupas sujas, e as feridas nas costas latejavam a cada passo.

O sapo saltava ao seu lado, como se fosse seu novo companheiro.

— Fro-udo, é? — murmurou imitando o coaxo do sapo — Já me salvou mais do que muito cavaleiro que eu conheci. Precisa de um nome, que tal?

— Fro-udo! — coaxou alegre o sapo.

— É... pode ser, Frodo, um bom nome.

Ele sorriu por um segundo. Mas logo desviou o olhar. A lembrança da serpente ainda estava viva em sua mente.

Aquela boca escancarada. Os olhos em chamas. O momento em que travou.

— Eu fugi. — disse em voz baixa.

Parou de andar.

Olhou para a adaga presa à cintura. Ela estava manchada, mas limpa. Não tinha matado nada.

— Eu... devia ter lutado.

O silêncio da floresta respondeu com um canto distante de corvo.

Roy continuou andando. O sapo foi atrás. À medida que avançava, o cenário parecia mudar. As árvores mais tortas, o solo mais seco. Galhos quebrados pelo chão contavam histórias de outras batalhas.

Ele parou novamente.

— Eu fiquei paralisado. Eu só consegui correr. — murmurou, quase para si mesmo.

Levantou a mão direita, a mesma que segurou a adaga. Ela tremia.

— “É matar ou morrer”, né, capitã?

Fechou o punho. Com força. Mas mesmo isso não o fez sentir melhor.

"Você teve sorte."

A voz veio de dentro. Sua própria consciência. Baixa, cínica, cansada.

"Se não fosse aquele desvio, se não fosse o susto da cobra, você tava morto."

Roy mordeu o lábio. O sapo parou ao lado de uma pedra e coaxou.

Ele se agachou. Respirou fundo.

— Eu tive sorte... Mas covarde é quem depende da sorte.

Fechou os olhos por um instante, tentando apagar o rosto da serpente de sua mente. Não conseguiu.

— Eu não sou forte. Nem corajoso. Nem cavaleiro.

Um suspiro pesado escapou de seus lábios.

Mas então... algo o fez abrir os olhos.

Ali, entre arbustos altos, ele viu uma armadura quebrada. Escondida entre folhas e raízes. O emblema de um esquadrão rasgado no peito.

Roy se aproximou com cautela. Quando afastou os galhos, o cheiro de sangue seco e carne podre subiu como um soco.

Um cadáver. De um cavaleiro.

— ...

A boca estava aberta em desespero. As mãos tentaram se proteger — estavam dilaceradas. Havia marcas profundas no chão. Ele correu. Ele rastejou. Ele implorou. E morreu.

Roy se ajoelhou.

— Ele... tentou fugir?

Viu uma trilha de sangue indo de um tronco quebrado até o corpo. O homem tinha corrido ferido. E mesmo assim, tentou se arrastar. As marcas estavam por todo o chão.

Roy olhou para sua própria adaga. Depois para o corpo.

E por fim, para sua própria mão — ainda tremendo.

"Esse cara tinha mana. Armadura. Magia. E morreu assim."

A voz interna voltou.

"Você, Roy... só está vivo porque fugiu."

Ele encarou o chão. Depois ergueu os olhos.

— Não. Eu tô vivo porque quero viver.

Ficou em silêncio por um tempo. O sapo subiu no cadáver e coaxou com um som rouco.

Roy se levantou.

— Obrigado, cavaleiro. — disse, baixinho.

E então começou a cavar. Não tinha pá, então usou a ponta de um galho e suas próprias mãos.

Demorou.

Doeu.

Mas ele enterrou o homem ali.

— Você correu, mas não desistiu. Isso não é covardia.

Depois de cobrir o corpo com terra e pedras, Roy se ajoelhou.

— Eu posso lutar?

O sapo coaxou. Roy se levantou.

— Vamos, Frodo. Ainda tenho que achar esse rio...

O céu seguia limpo, mas a floresta parecia observá-lo. Um leve sussurro no vento o acompanhava. E por um instante... Roy teve certeza de que seus pés estavam mais firmes no chão.

— Vamos, Frodo. Me ajuda a achar esse rio.

O sapo saltou adiante, como se entendesse perfeitamente.

Roy ajustou a adaga na cintura e amarrou melhor os trapos que serviam de ataduras. Estava exausto, dolorido, mas... vivo.

Trinta minutos depois.

Roy estava pendurado de cabeça pra baixo numa árvore.

— FRODO! NÃO MEXE NO MEU BOLSO, É COMIDA, MAS NÃO PRA VOCÊ!

O sapo cutucava o bolso do garoto enquanto ele balançava, preso pela perna numa armadilha de cipó.

Um javali mágico — com presas feitas de madeira e olhos que brilhavam em azul — pastava calmamente abaixo dele, como se zombasse.

Roy lutou até conseguir cortar o cipó com a adaga, despencando direto sobre o porco mágico.

— YAAAAAARGH!

PLOFT.

Roy foi arremessado para longe com um coice. O javali nem se incomodou em olhar para trás.

Frodo saltou até ele, sentando em sua cabeça.

— Fro?

— É... tá tudo bem... só quebrei minha dignidade.

Mais tarde.

Roy caminhava com um olho inchado, folhas presas nos cabelos e um galho espetado na manga da roupa.

— Essa floresta é doente...

Frodo coaxou em concordância.

Eles pararam num campo onde borboletas roxas flutuavam lentamente.

Roy estendeu a mão, encantado... e uma das borboletas pousou.

— Olha, Frodo, alguma coisa bon...

A borboleta explodiu em uma nuvem roxa.

— COF, COF, COF! EU TÔ MORRENDO!

Tossiu, caiu de joelhos. O sapo bateu com a língua em suas costas, ajudando a limpar o pó mágico.

— Isso aqui é um pesadelo!

No meio da tarde.

Roy tentava subir um pequeno morro, mas a terra era escorregadia. Escalou com dificuldade, puxando Fro-udo num pano amarrado nas costas como uma mochila improvisada.

— Você devia estar me ajudando!

— Fro-udo! — respondeu com naturalidade.

Ao chegar no topo, Roy se jogou na grama. Respirou fundo.

— Me diz... Por que eu tô falando com um sapo?

Frodo saltou até seu ombro e olhou na mesma direção que Roy. O garoto franziu os olhos... e então, um brilho entre as árvores:

Água.

Roy arregalou os olhos.

— É o rio!

Saltou em pé.

— É o rio!

No rio.

Roy lavou os braços, o rosto e as feridas. A água fria limpava os restos de sangue seco.

Sentou-se numa pedra, deixando as pernas mergulhadas.

Frodo ficou boiando numa folha, olhando para ele.

— Sabe, você me salvou, mesmo sendo... nojento. — disse com um sorriso.

Frodo soltou um longo coaxar, como se estivesse satisfeito.

Roy deitou-se na grama, olhando o céu.

— Ainda não sou forte...

Silêncio.

O rio corria. As folhas dançavam no vento. O céu parecia mais azul.

Frodo pulou no peito de Roy e ali se acomodou.

— Tá bom... só por hoje.

Roy fechou os olhos.

Não havia paz na floresta.

Mas, por alguns instantes, ele encontrou um pedaço dela.

Mas algo, se mexia entre as águas, encarando o garoto com muita fome.

 

 

 

 

 

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