Volume 2
Capítulo 50: Visitando o passado
O silêncio pesado do salão ainda pulsava após a tensão entre Idril e Eduardh. Todos tentavam entender o que aconteceria dali para frente. De repente, uma risada baixa ecoou pelas colunas de pedra. Todos os olhares se voltaram para a porta lateral, de onde surgiu um homem alto, de postura imponente. Seus cabelos brancos caíam longos sobre os ombros, quase refletindo a luz dos cristais de mana, e os olhos verdes, tão penetrantes quanto os de Idril e Eduardh, brilhavam com um humor cruel e calculista.
— Então… ele está vivo. — A voz reverberou pelo salão, carregada de desprezo. — Confesso que esperava que três anos fossem suficientes para… limpar a casa.
Eduardh engoliu em seco, o ar pesado comprimindo seu peito. Cada passo daquela nova figura até o centro do salão era preciso, como se seu movimento fosse coreografado.
— Três anos… e você volta. Que decepção... — O homem inclinou-se levemente, os lábios formando um sorriso frio. — Eu quase não o reconheci. Mas você não mudou tanto de quando era criança… tão pequeno, escondido nos pátios internos, sem demonstrar nada além de fragilidade. E agora… aqui está, vivo, respirando. Que ironia, não é? Minha família teria tido outra chance se você não tivesse sobrevivido.
Idril estreitou os olhos, controlando a própria respiração, enquanto todos ao redor sentiam a hostilidade latente que emanava daquele homem. Lenna apertou os punhos, tensa, sabendo que ele era perigoso.
— Gilgaren… — a voz de Idril saiu firme, carregada de autoridade — O que faz aqui? Saiba que não tolerarei provocações dentro de minha casa.
— Oh, irmão… — Gilgaren sorriu, indiferente ao tom de Idril — Eu não provoco. Eu somente vim dar as boas-vindas ao meu querido sobrinho...
O pequeno dragão de Eduardh rosnou, arrepiado, enquanto o selo em seu ombro pulsava com energia mais intensa. O ar do salão tremia levemente, como se o poder e o rancor antigo da família tivessem encontrado terreno fértil.
Os soldados permaneciam imóveis, tensos, cientes de que qualquer interferência poderia ser vista como afronta direta à família Fanöir. Nenhum ousaria agir sem uma ordem explícita do rei, e ali dentro, o silêncio valia mais do que qualquer espada levantada.
Gilgaren, levemente mais alto que Eduardh, avançava com uma calma quase predatória. Seus olhos verdes fixaram o sobrinho com uma superioridade quase palpável, enquanto uma sobrancelha arqueada e um sorriso malicioso, tão frio que chegava a ser sombrio, contornavam seu rosto imperturbável.
Cada passo era calculado, ignorando completamente os presentes. Ao passar por Lenna, não desviou a cabeça nem fez menção de cumprimentá-la, mas seus olhos a seguiram por um instante que pareceu eterno, como se pudesse perfurar a própria alma. Lenna sentiu o peso daquela atenção silenciosa atravessar cada parte de seu ser, percebendo sem palavras que esse homem representava perigo puro. Por trás de sua beleza quase etérea, havia algo instintivamente assassino, um presságio que não precisava ser declarado para ser sentido.
Ao chegar diante de Eduardh, Gilgaren parou a alguns passos de distância, medindo o sobrinho com olhos calculistas, quase como se tentasse determinar até onde sua paciência poderia ser testada antes que a fúria fosse liberada.
— Está ficando mole, meu irmão… — Gilgaren posicionou-se atrás de Eduardh, inclinando levemente o corpo para frente, os olhos frios e calculistas fixos no selo pulsante no ombro do garoto. — Nossa mãe jamais toleraria tal imundice em nossas terras.
Idril alisava a barba, estreitando os olhos enquanto analisava cada movimento do irmão. A tensão entre eles era intensa, quase tangível; por mais que mantivesse a postura firme, era evidente que o vínculo e o histórico compartilhado carregavam mais peso do que qualquer protocolo permitiria.
Cázhor mantinha a expressão séria, atento a cada gesto. Era claro que aquela rivalidade entre irmãos transcendia meros desentendimentos familiares. Algo antigo, profundo e perigoso.
Eduardh permaneceu em silêncio, mas seu olhar dizia muito. Era um desprezo contido, quase ácido, que denunciava lembranças de humilhações passadas e a firme decisão de não se curvar diante do tio. Cada fio de raiva velada e desdém estava presente, silencioso, mas impossível de ignorar.
— Essa sua expressão… — Gilgaren murmurou, desviando os olhos para encarar o sobrinho, um sorriso frio se formando nos lábios enquanto sacava uma pequena adaga presa à cintura.
— Gilgaren…?! — A voz de Idril saiu firme, carregada de uma leve apreensão, sinalizando que o gesto do irmão não lhe era totalmente previsível.
O irmão do rei apenas fez um gesto quase imperceptível para Idril, indicando que não faria nada, por enquanto.
— Gosto desse olhar… — disse Gilgaren, ainda sorrindo, encarando Eduardh enquanto se posicionava ligeiramente à sua frente, a adaga refletindo a luz do salão. — Um olhar que me diz que será um rei mais obstinado que meu irmão… assim espero.
Os olhos de Eduardh endureceram, refletindo o desprezo que nutria pelo tio, embora sua postura permanecesse impecável, como se cada gesto fosse medido para não ultrapassar a linha do respeito.
— Deixe-me ser o encarregado de acompanhá-los durante a estadia… breve, eu espero, irmão?
Cada palavra era carregada de veneno, fazendo Lenna se encolher por dentro, enojada. Ela só queria que o pesadelo acabasse e temia pelo futuro de Eduardh ao voltar para casa, para essa casa.
— Faça o que quiser, Gilgaren… — Idril fitou o irmão com uma severidade que não podia ser descrita apenas em palavras; era um olhar que impunha respeito e controle absoluto. — Mas espero que não se esqueça… aqui, eu ainda sou o Rei.
O peso da declaração arrancou de Gilgaren um leve estalo de desaprovação, feito com a língua entre os dentes, que apagou por um instante o sorriso debochado que pairava em seu rosto.
— Como queria, meu Rei… — respondeu ele, a voz baixa, carregada, novamente, de sarcasmo e malícia, deixando claro que obedecer era uma escolha temporária, não submissão.
O rei indicou que se retiraria por ora; o dia já se encerrava e, ao olhar para o grupo, soltou um longo suspiro, como se o peso de tudo ainda pendesse sobre seus ombros.
— Fique tranquilo, meu rei — disse Gilgaren, curvando-se com um sorriso quase imperceptível — eles estarão em boa companhia.
O grupo trocou olhares apreensivos. Havia algo na entonação de Gilgaren, como se cada palavra fosse uma adaga oculta sob o veludo. Um arrepio percorreu a espinha de Lenna, enquanto Eduardh mantinha o olhar fixo, carregado de desprezo contido, deixando claro que não se deixaria intimidar pela audácia do tio.
Antes de se retirar, Idril chamou seu braço direito. O elfo aproximou-se em passos silenciosos, a postura impecável como a de um estandarte erguido. Seus cabelos, levemente loiros num tom perolado, refletiam a luz das chamas azuis que ardiam nos cristais presos às colunas, enquanto os olhos castanhos, firmes e sóbrios, traduziam um senso de dever quase inabalável. A pele clara, contrastando com as vestes de cetim e algodão, mesclando tons de azul claro e azul profundo, dava-lhe uma aura de serenidade solene.
— Cédric?! — soou a voz do rei, autoritária.
— Sim, meu senhor?
— Prepare uma reunião de urgência com o comandante Brugnar e senhor Wilheiman. Quero conversar apenas com os representantes dos reinos.
— De acordo com as regras da Cede Mundial, senhor, será necessário registrar e formalizar o encontro. Precisarei de alguns dias… — Cédric explicava com cuidado.
— Você tem dois dias. — A voz de Idril cortou o ar. — Não quero mais atrasos nem confusões em minhas terras.
Os olhos de Cázhor e Ector se encontraram, carregando em silêncio tudo o que evitavam dizer em voz alta. A urgência de relatar o perigo que enfrentavam e a necessidade de alertar Gregory pareciam irrelevantes dentro desses muros.
Idril permanecia firme, imóvel. Sua confiança não estava apenas na força de sua guarda ou na imponência das muralhas naturais que protegiam o reino, mas também nos pilares de magia que se erguiam como sentinelas invisíveis. Para ele, nada podia atravessar aquelas defesas.
— Cada oscilação de mana fora do padrão é detectada pelos pilares — comentou Cédric. — Se algo ou alguém tentar passar despercebido, seremos avisados.
— Isso que explica como nos encontraram tão rápido… — murmurou Ector, dando de ombros.
Idril não respondeu. Retirou-se silenciosamente, deixando para trás apenas a firmeza de sua autoridade irrevogável.
O grupo não tinha escolha. A decisão estava tomada.
Cédric avançou um passo, curvando levemente a cabeça. Sua voz, controlada e educada, parecia cuidadosamente polida, mas era firme como ferro moldado.
— Meus senhores, peço que me acompanhem até os aposentos da ala leste. Lá poderão descansar, se recompor. Os empregados trarão vestes novas e limpas, para que se sintam mais à vontade.
Cázhor se manteve em silêncio. Mesmo com toda sua postura impecável, era perceptível que a situação o corroía por dentro.
— Entendo vossa preocupação — comentou Cédric, mantendo o tom calmo ao notar a inquietação. — Amanhã cedo providenciaremos o envio de um documento oficial à Cede Mundial.
Foi nesse instante, enquanto o silêncio pesava no ar, que Lenna ergueu a voz. Baixa, tímida, quase como se as palavras voltassem para seus pulmões antes de cruzarem seus lábios.
— E… a biblioteca?
Os olhos se voltaram para ela, mas foi Gilgaren quem reagiu primeiro. Um sorriso surgiu, lento, como a sombra de uma lâmina à meia-luz. Aproximou-se devagar, sem pressa, como se cada passo fosse suficiente para afirmar sua presença. A cada movimento, o ambiente parecia encolher ao redor do grupo, até que parou diante dela. Curvou-se lentamente, trazendo o rosto para o mesmo nível do dela, o olhar cravado em seus olhos.
— A biblioteca real? — repetiu ele, a voz quase um sussurro, a cabeça levemente inclinada em direção a Eduardh. — Creio que, com nosso querido príncipe, não haverá problema algum em obter autorização para acessá-la.
Lenna recuou um pouco, o coração acelerado. Mas Gilgaren não lhe deu espaço.
— E, veja só, que excelente oportunidade! Tantas perguntas me surgem…
— Senhor Gilgaren… — Cédric pigarreou, interrompendo com sutileza, sua voz calma e firme. — Peço que permita aos convidados do príncipe descansarem esta noite. Não seria adequado deixá-los nessa condição.
O olhar do Chanceler percorreu o grupo. Roupas empoeiradas e amarrotadas, algumas ainda com manchas secas de lama e sangue, rostos exaustos e tensos. Eles pareciam deslocados diante do salão de luxo do castelo, como peças estranhas em um tabuleiro dourado.
— Oh, claro… — respondeu Gilgaren, alargando o sorriso malicioso, como quem se divertia em esticar a corda até o limite. — Onde estão meus modos?
Seus olhos voltaram para Eduardh, cravando-se nele, carregados de um peso impossível de ignorar.
— Nos vemos amanhã, querido sobrinho…
E com isso, afastou-se. Empurrou apenas uma das portas duplas do salão principal, abrindo espaço suficiente para sair, sumindo por entre as sombras com a mesma sutileza sombria com que havia entrado.
O silêncio que ficou foi pesado até Ector romper a tensão, arqueando as sobrancelhas enquanto cruzava os braços.
— Família complicada, hein, elfo?
— Um príncipe? — resmungou Vladmyr, carregando um desdém que não conseguiu conter. — Sério? E quando pretendia nos contar isso? Antes ou depois de quase sermos presos pelo rei?
Eduardh abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu. O selo em seu ombro pulsava como nunca, e a marca do primeiro conjurador permanecia ativa, embora tênue. Seus lábios tremeram, um sibilar preso na garganta, e ainda assim, nada. O olhar perdido dele vagava pelo salão, e cada detalhe ao redor parecia se transformar em uma prisão invisível. As mobílias impecáveis e reluzentes, a tapeçaria luxuosa agora marcada pelo barro das botas de seus companheiros e, sobretudo, a poltrona quebrada, testemunho silencioso da violência de seu pai, pareciam se erguer contra ele, esmagando-o com lembranças e memórias dolorosas.
— Deixa ele, Vlad. — A voz suave de Lenna irrompeu o caos silencioso na mente de Eduardh. — Algumas coisas não são tão simples de contar…
— Eu… eu não imaginei que chegaríamos a esse ponto…
Ele tentou responder, a voz seca, o olhar turvo. Mas as palavras se desfizeram no ar. Sua respiração falhou, os joelhos cederam.
— Ed?… Ed! — O grito de Lenna ecoou, carregado de desespero, quando o elfo tombou inconsciente diante deles.
Ela correu em sua direção, as mãos trêmulas tentando ampará-lo antes que batesse contra o chão frio. O coração dela disparava, o medo latejando em cada batida. O mundo pareceu girar ao redor, o tempo se arrastando em câmera lenta, enquanto o corpo de Eduardh se entregava à escuridão.
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