Magic Genesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 2

Capítulo 39: O peso do último olhar

Após vários desvios, atrasos e dias exaustivos de viagem, o grupo finalmente se aproximava da sede dos druidas. O cansaço marcava cada rosto: olhos semicerrados, vestes empoeiradas, passos arrastados. Ainda assim, Cázhor seguia firme, ignorando a dor do membro amputado e os efeitos do uso intenso de mana. Seus olhos permaneciam fixos na estrada, a mente em constante alerta. A energia que pulsava do fino filete mágico ligado a ele vibrava de forma errática, um lembrete incômodo de que o inimigo ainda estava, de alguma forma, conectado a ele.

O cenário ao redor começava a soar familiar. As árvores ainda eram colossais, antigas e silenciosas, mas, entre os troncos espessos, surgiam vestígios das antigas construções do reino: pilares cobertos por uma densa camada de neve e musgo, além de pedras esculpidas, meio engolidas pela terra. A fronteira do reino de Mizuyr se anunciava em silêncio, como um suspiro contido.

A ausência dos soldados que antes integravam o grupo era um peso constante. A sensação de tê-los deixado para trás ainda pesava sobre os ombros de Varbbek. Lembrar de cada morte o corroía aos poucos. O silêncio entre eles não vinha somente do cansaço, mas também de um luto contido. Gutter, que até pouco tempo se mostrava firme, agora andava com os ombros curvados, o olhar perdido, como se parte dele também tivesse ficado nas trilhas. Sua marcha, antes coordenada, tornara-se instável, fragmentada como os ânimos que ainda os sustentavam.

Cázhor sentia a urgência apertar o peito. Precisava chegar. Precisava falar. O que descobrira podia mudar tudo. Uma fagulha de esperança que, se bem conduzida, poderia virar o jogo. Pela primeira vez, talvez estivessem perto de dar um passo à frente do inimigo.

— Vocês conseguiram determinar o quanto o inimigo avançou com suas bases? — perguntou Cázhor, rompendo o silêncio que acompanhava o grupo havia horas.

A pergunta fez Varbbek erguer os olhos, surpreso.

— Difícil ter uma proporção — disse, entre suspiros. — A barreira entre os reinos dificultou demais a comunicação. Sempre que pensávamos em avançar... eles estavam lá, bloqueando nosso caminho. É quase como se...

— Eles tivessem um informante — completou Cázhor, a voz baixa, tensa.

O olhar de Varbbek se arregalou, congelando por um instante. Era como ouvir em voz alta o pensamento que ele mesmo tentava sufocar havia dias.

Atrás deles, Gutter apressava o passo, esforçando-se para não chamar atenção. Sua atenção agora estava inteiramente voltada para o diálogo entre os dois. Mantinha os olhos à frente, mas sua postura havia mudado, tensa e rígida. Algo naquelas palavras o incomodara profundamente.

— Após ver alguns dos relatórios das rondas, o senhor Brugnar começou a suspeitar. As áreas patrulhadas, os caminhos escolhidos... quase todos terminaram em emboscadas ou intercepções. Não podia ser coincidência. Como ele ainda não tinha condições de sair para uma patrulha, decidimos que ele ficaria e eu viria no lugar dele para avaliar de perto a situação — concluiu Cázhor.

— Entendi... — Varbbek levou a mão ao queixo, pensativo. — Tentei me convencer de que era paranoia, que o cansaço estava me pregando peças. Mas agora...

— Então precisamos ser ainda mais cautelosos. Não sabemos quem está vazando as informações, mas estamos expostos por dentro. Tudo o que fizermos precisa ser com o máximo de discrição — disse Cázhor.

— Assim que chegarmos, quero revisar os relatórios mais recentes com você e o comandante da Guarda. — Se houver um padrão, qualquer falha... talvez possamos identificar a origem do vazamento — respondeu Varbbek, frustrado.

— E que ninguém além de nós, saiba disso, por enquanto — completou Cázhor.

Varbbek assentiu com um olhar sério, o rosto encoberto por uma sombra pesada. Gutter, ainda alguns passos atrás, permanecia em silêncio. A testa franzida e os olhos semicerrados deixavam claro que ele não escutava por acaso, estava atento, como quem analisava cada palavra com cuidado.

À frente, entre a névoa densa e o entrelaçar dos galhos, as silhuetas familiares da sede surgiam aos poucos, recortadas contra o branco da neve e o verde-pálido das últimas folhagens expostas. As torres de pedra, cobertas por musgo e marcadas pelo tempo, pareciam observá-los à distância como sentinelas silenciosas. A tempestade abafava tanto o som dos passos sobre a mistura de neve e terra úmida quanto as vozes e o tinir do aço, indícios de que o treinamento seguia intenso no interior da sede.

Nos três dias que se seguiram à última luta de treinamento de Lenna, a fortaleza se manteve em um ritmo intenso. Os treinamentos continuavam, e todos exerciam um papel fundamental na preparação dos soldados. Vladmyr cuidava dos combates corpo a corpo, ensinando com precisão sobre pontos letais, equilíbrio e o momento certo de golpear com eficiência. Seu estilo direto e prático atraía os mais disciplinados.

Eduardh, com seu olhar calmo e postura imperturbável, parecia enxergar além do campo de batalha. Dominava magias de fortalecimento que tornavam seus ataques à distância incrivelmente velozes e certeiros, além de instruir os soldados a ler o terreno, prever os movimentos inimigos e compreender o fluxo da batalha antes mesmo que ela começasse.

Ector, já completamente recuperado do ferimento, reassumira o comando com sua conhecida maestria. Delegava com exatidão, posicionando cada combatente onde suas habilidades seriam mais bem aproveitadas. Sua autoridade era firme, caminhava entre os soldados com a imponência de um veterano que não precisava erguer a voz para ser obedecido.

Lenna, por sua vez, aproveitava cada instante da promessa feita por Galgard. Desde a derrota, vinha treinando com ele diariamente. Ele prometera ensiná-la a compreender o fluxo da magia, ou, no caso dele, da energia. Apesar das diferenças entre as forças que manipulavam, a base era semelhante, e esse ponto de contato tornava o aprendizado possível. As sessões chamavam a atenção, atraindo olhares tortos e cochichos constantes, sempre direcionados a ela. Mas Lenna já estava calejada. Seu foco era claro, aprender, crescer e evoluir.

— Você precisa entender de onde vem sua magia — Galgard instruía, sempre preciso. — Vai ter que abdicar de alguns segundos da sua vantagem de não usar rituais de invocação. Precisa se concentrar e usá-los para canalizar a energia dentro de você.

— E por onde eu começo? — Ela retrucava, impaciente.

— O que você fez na nossa luta para usar minha força e criar aquele escudo, repelindo meu ataque? E quando moldou aquela armadura mágica para amortecer o impacto, o que passou na sua mente?

— Bom… não sei bem. Foi como se o tempo ficasse mais lento, quase congelado, e eu só conseguia focar em uma luz que apareceu diante de mim. Ela parecia pulsar, distante, mas, ao mesmo tempo, próxima. De alguma forma, tudo o que eu podia fazer era puxá-la para mim, como se fosse a única coisa que existisse naquele momento.

— Interessante — murmurou Galgard. — Talvez essa “parada no tempo” seja o gatilho. De qualquer forma, avaliar seu adversário, entender como ele vai atacar… Esse é o primeiro passo contra alguém que você ainda não conhece.

— Para você é fácil. Nasceu sabendo como fazer…

— Claro que não. A única coisa que eu sabia era que tinha zero afinidade com magia como a sua. O resto foi adaptação.

— Mas você é muito bom nisso. Eu nunca…

Ele a escutava com atenção, enquanto secava o suor do rosto com uma toalha já meio úmida. Sem dizer uma palavra, atirou um cantil de couro cheio d’água na direção da maga, que o pegou no susto, quase a deixando cair, com a cara de quem não esperava uma boa ação tão direta.

— Obrig…

— Necessidade, senhorita. Necessidade — interrompeu ele, com um meio sorriso. — Pare de reclamar. Você já fez o mais difícil: deu o primeiro passo. Sentiu, adaptou. Agora é moldar ao seu estilo, aprimorar. Se tornar mais efetiva. Mais forte.

Lenna já vinha treinando há alguns dias, e os resultados eram evidentes. Graças aos ensinamentos de Galgard, seu controle mágico tornara-se mais fluido, uma dança entre forças opostas que aprendiam a se unir. Mas sentia que algo ainda a barrava. Lenna tentava manter a mente ocupada com os treinos. Galgard havia insistido que ela não podia depender somente do instinto, e ela se forçava a repetir os exercícios, mesmo com os pensamentos sempre escapando para a ausência do grupo de expedição. Por mais que disfarçasse, a demora começava a corroer o que restava de sua paciência.

— Nos últimos dias, você já conseguiu reproduzir o que fez na nossa luta e manter por muito mais tempo. Só falta definir seu ponto de ignição, afinal, você não pode deixar para o último instante sempre. Mas essa eu deixo passar — comentou ele com um sorriso cansado, encostando-se a um dos bancos da arena.

— Não vai me mostrar? — Lenna insistiu, indignada com a súbita interrupção.

— Acho que o senhor Wilheiman pode te orientar melhor — respondeu ele, apontando para a entrada da arena.

O portão principal se abria devagar, rangendo sob o peso do tempo e da expectativa. Pelas frestas, surgiam as figuras exaustas da expedição. O coração de Lenna acelerou; os olhos varreram cada rosto com ansiedade. Por um instante, temeu o pior. Então o viu. Vivo. Em pé. E, apesar de tudo, com a mesma expressão de sempre. O ar escapou-lhe dos pulmões num suspiro longo, trêmulo, carregado de um alívio quase doloroso. Por um instante, ficou imóvel. Vê-lo ali, de volta, não parecia real. Então, sem pensar, correu até ele.

Ao alcançá-lo, as palavras sumiram. O rosto, tão preocupado, se desfez num sorriso entrecortado por lágrimas silenciosas. Lágrimas essas que tentava esconder, misturando-as entre suas longas madeixas ruivas. Mas tudo o que conseguiu foi apertá-lo com força e enterrar o rosto no manto dele, molhando o tecido com o peso de tudo o que havia guardado até ali. Envolta no cheiro de poeira, suor e sobrevivência, Lenna enfim sentiu que podia respirar outra vez.

— Que bom que você voltou… — murmurou, com a voz abafada pela emoção.

— Eu não te disse que sempre estaria aqui por você? — respondeu ele, num sussurro.

A chegada do grupo trouxe alívio, mas também silêncio. Todos notaram a ausência de alguns membros. Quando Ector se aproximou, bastou um olhar trocado entre ele, Varbbek e Gutter para que entendesse: não era preciso dizer o motivo da ausência.

— Meus caros… precisamos conversar. Agora. — disse Cázhor, retomando seu tom firme, direcionando-se ao grupo que o aguardava.

Com passos pesados, o grupo se dirigia à sala de reuniões. A tensão no ar e os semblantes enrugados chamavam atenção por onde passavam. A poeira se erguia a cada passada apressada que arranhava o chão de pedra. Quando finalmente chegaram diante da grande porta do salão, um dos guardas a empurrou com esforço, fazendo ranger as dobradiças antigas, levemente enferrujadas pela umidade.

A sala os recebeu com um sopro de ar gélido e um silêncio opressor, como se estivesse à espera deles. Sem trocar palavras, o grupo entrou. Os poucos que restaram da última expedição ainda estavam com os mantos carregados de neve e lama. Do lado de dentro, o som das botas ecoava no chão de pedra enquanto os membros do grupo se espalhavam pelo salão, buscando seus lugares.

Lá fora, os guardas lançavam um último olhar atento ao interior da sala, como se tentassem captar algum sinal que justificasse o clima pesado que pairava no ar. Então, a madeira rangeu suavemente; um dos guardas apoiou a mão na lateral da porta e, finalmente, empurrou os portões maciços, que se fecharam com um estalo seco.

A pesada madeira isolou o mundo exterior, deixando o grupo entregue àquele frio que parecia emanar das próprias paredes. Acomodaram-se como podiam, rodeados pelo sopro gelado e pela tensão que não cessava de crescer.

Cázhor raramente perdia a postura ou demonstrava apreensão diante de algo, mas não dessa vez. Algo o incomodava mais do que o normal. Ele pressionava os dedos contra a palma da mão com tanta força que as veias chegavam a saltar.

— Parece que o inimigo adiantou novamente nossos passos — disse Ector, antes que Cázhor pudesse dar voz a seus pensamentos.

A fala do comandante causou estranheza, mas bastava observar o estado do grupo de reconhecimento e a ausência de alguns de seus integrantes para a frase fazer completo sentido, como uma verdade que se impunha por si só.

— Mais do que isso, meu caro. Creio que nossas suspeitas agora sejam mais sólidas do que nunca. Temos um infiltrado — concluiu o mago.

A sala parecia encolher. A sensação era sufocante, quase claustrofóbica, após a afirmação de Cázhor. Lenna observava tudo com surpresa, atônita. Não conseguia conceber que uma situação dessas fosse possível. Sempre acostumada a ser taxada como traidora, jamais imaginou estar do outro lado da corda. Vladmyr também demonstrava surpresa, embora de forma bem mais contida que a da maga. Ele permanecia em silêncio, tentava repassar mentalmente os últimos acontecimentos, em busca de algo que talvez tivesse deixado escapar. Um detalhe. Uma pista.

O silêncio se instalou, espesso e denso como a névoa que se acumulava do lado de fora da sede. Os presentes permaneciam reunidos sob a pálida luz dos cristais mágicos incrustados nas paredes. Eles pulsavam suavemente com um brilho azul-acinzentado. A luz não aquecia. Apenas revelava os contornos de cada rosto com nitidez incômoda.

Eduardh permaneceu sentado, era finalmente o momento que ele esperava. O instante certo. O ponto final que sua dúvida exigia para se transformar em certeza. Com uma leve inclinação de cabeça e um tom que beirava a cordialidade, ele quebrou o silêncio.

— Então, o senhor suspeita de alguém entre nós?

A pergunta fez com que todos os olhares se voltassem para o elfo. Surpresos. Atentos. Aguardando em silêncio uma resposta.

— Estranho logo um de vocês dizer isso — disse Gutter, quebrando o silêncio. — Chegaram há pouco tempo e já querem questionar a lealdade de nossas tropas? Acha mesmo que não perceberíamos se fosse um dos nossos?

— Me desculpe, mas vou ter que discordar — retrucou Ector, encarando Gutter enquanto se levantava da poltrona, dessa vez sem apoio na bengala. — Eu analisei os relatórios das expedições. Essas “emboscadas” já vinham acontecendo bem antes da chegada do nosso grupo.

Gutter desviou o olhar por um breve instante. Seus ombros retesaram sob a armadura de couro, e ele passou a língua pelos lábios secos, como se procurasse a próxima resposta com mais cautela do que convicção.

— E o que exatamente está insinuando, comandante? — disse ele, a voz carregada de uma irritação mal disfarçada. — Que há um traidor entre nós, e que eu deveria saber quem é?

Eduardh observava tudo sem alterar sua postura. Por dentro, porém, algo se contorcia, uma angústia silenciosa que crescia. Aquilo que ouvira sobre as decisões de Gutter, a reação defensiva do rapaz, tão estranha, tão instintiva, o incômodo que se desenhava em seus gestos, as palavras lançadas como escudo... Tudo alimentava a inquietação que o arqueiro vinha carregando em silêncio.

O elfo ainda não havia compartilhado suas suspeitas com ninguém. Era metódico demais para lançar acusações levianas e, até pouco tempo, tudo podia ser apenas coincidência. Mas as atitudes recentes de Gutter, decisões cautelosas demais, movimentos hesitantes, ordens atrasadas ou desencontradas destoavam da postura de um verdadeiro líder de esquadrão. Cada gesto e palavra atravessada naquele salão gelado empurravam o elfo para além da dúvida.

A situação se agravou quando Eduardh contou o que ouviu sobre a decisão de Gutter em relação à posição de Galgard no esquadrão. Somadas às informações do grupo de reconhecimento, aquelas palavras explicavam por que Gutter era o alvo dos olhares desconfiados. Agora, mais do que nunca, o elfo tinha certeza: Gutter não era aliado.

Cázhor apertava ainda mais a mão, os olhos semicerrados observando Gutter com atenção. Havia uma tensão crescente em seu semblante. Lenna, ainda ao lado de seu mestre, parecia inquieta. Sua cauda, que geralmente permanecia imóvel quando estava concentrada, balançava com leveza, denunciando o incômodo. Os olhos, cor de rubi, se arregalavam para Gutter, surpresa e alerta.

Vladmyr, por sua vez, manteve os braços cruzados e o maxilar travado. Não dizia nada, mas o olhar firme, quase duro, transmitia a chama que ardia dentro de si, pronta para se acender no menor sinal de traição.

— Eu não queria acreditar... — disse Varbbek enquanto se levantava, apoiando as mãos nos braços da poltrona. Seus dedos pressionavam o couro como se quisessem arrancar um pedaço da madeira grossa e maciça sob o estofado. — Logo você...

Gutter não se levantou. O olhar, antes vacilante, agora apenas vagava, sem destino. Já não buscava convencer ninguém. Não havia para onde correr. A tensão em sua mandíbula fazia seus dentes rangerem.

— Eu... não sei do que estão falando — disse por fim, com uma voz que não sustentava o peso das palavras. — Se há desconfiança, que seja provada. Não aceito ser julgado por olhares ou suposições.

As últimas peças haviam se encaixado. Seu tom evasivo, a ausência de negação verdadeira, o silêncio que se seguiu. Era o som da certeza. Gutter não era parte do grupo. Talvez nunca houvesse sido.

— Eu não preciso de mais provas, Gutter. Está mais do que claro. Eu só queria saber o porquê.

Varbbek caminhava em direção ao antigo amigo de infância com o peso de quem carrega mais do que raiva. Seus passos eram firmes, decididos. Sem hesitar, conjurou as raízes, que brotaram do chão, rompendo o solo violentamente. Elas se contorceram como serpentes, envolvendo-se ao redor do corpo de Gutter, apertando-o com firmeza, como se a própria terra recusasse sua presença.

— Eu... eu não tive escolha... eles pegaram meus pais... — Gutter tentava falar, ofegante, enquanto lutava para puxar o ar que sumia de seus pulmões sob a pressão das raízes de Varbbek.

“Que pena... você não cumpriu com sua parte do acordo...” Uma voz surgiu, fria e íntima, arrastando-se por dentro de Gutter como veneno líquido.

— Mas fiz tudo que você mandou! — Gutter gritou de repente, como rosto torcido de desespero. Seus olhos se arregalaram e um tremor violento percorreu seu corpo.

O grupo se surpreendeu com a reação. Lenna recuou um passo, confusa. Cázhor franziu o cenho, como se tentasse decifrar o que acabara de ouvir. Eduardh estreitou os olhos, atento. Nada nessas palavras fazia sentido para os demais. Não havia ninguém falando com Gutter. Nenhuma pergunta. Nenhuma acusação nova. Apenas um grito, lançado ao vazio.

“É, fez... Porém, agora não preciso mais de você. Hannya achou outra forma de encontrá-los.” Respondeu à voz de forma sarcástica.

— Liberte meus pais, por favor!

As palavras saíam entrecortadas, embebidas em pânico. Gutter engolia o pouco ar que conseguia, enquanto os olhos vagavam, perdidos, como se procurassem alguém que só ele podia ver. O grupo se entreolhava, confuso, sem compreender o que se passava.

— O que está dizendo, Gutter?! — esbravejou Varbbek, puxando-o para mais perto, ainda envolto nas raízes.

Qualquer tentativa de diálogo era inútil. Gutter não ouvia. Não aquelas vozes ao seu redor. Só a que ressoava dentro de sua mente.

“Seus pais? Você é mesmo muito ingênuo... aqueles idiotas morreram há muito tempo. Acreditaram que podiam salvar o pobre filho dando a própria vida... ha ha ha... No fim, você foi tão inútil quanto eles.”

As lágrimas escorriam incessantes dos olhos de Gutter. O desespero em saber o destino dos pais se misturava ao arrependimento profundo, por trair seu melhor amigo, por trair seu reino.

“Foi tedioso enquanto durou... Agora tenho todos onde eu quero. Até nunca mais.”

— Me perdoe... — sussurrou Gutter a Varbbek.

Seus olhos, turvos, transmitiam uma tristeza indescritível. Então, um líquido negro começou a escorrer dos cantos de seus olhos. Logo em seguida, dos ouvidos, nariz e boca. A visão era aterradora, como alguém se afogando de dentro para fora num mar espesso de lama sombria. Sufocando, lenta e dolorosamente.

Varbbek desfez as raízes num impulso desesperado, mas já era tarde. Gutter permanecia imóvel em seus braços, sem vida.

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