Magic Genesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 2

Capítulo 38: Laços e uma verdade oculta

O silêncio que seguiu o fim do combate foi quebrado não por aplausos, mas por murmúrios desconfiados. Parte da plateia se entreolhava com expressões carregadas de dúvida e desdém. O ranger de dentes, aqui e ali, rompia a tensão contida, enquanto cochichos se espalhavam pelas arquibancadas. A vitória de Lenna parecia estranha demais, rápida demais. Acusações surgiam em sussurros, diziam que ela havia trapaceado, usado feitiços proibidos, ou até mesmo que Galgard deixara que ela ganhasse de propósito.

Mas nada disso importou para Vladmyr, que foi o primeiro a vibrar, com um grito explosivo que ecoou pela arquibancada.

— Ela conseguiu!

Eduardh, com os olhos fixos em Lenna, não conseguiu esconder o brilho orgulhoso no olhar. Um sorriso galante moldou seus lábios enquanto ele descia os degraus apressadamente, após pular a pequena divisória da arena. Quando o elfo se aproximou dos dois, deslizou com naturalidade e elegância até os braços da maga, retirando-a com suavidade dos “cuidados” de Galgard. Ela mal notou. Ainda estava um pouco zonza do esforço que fez na luta, mas Galgard também não demonstrou se importar.

— Vamos, Lenna. Você precisa checar se está tudo bem mesmo. Os curandeiros estão te esperando — disse Eduardh, com aquele tom entre brincalhão e preocupado.

Vladmyr também acompanhava a garota. Eles já estavam bem próximos dos corredores de saída da arena. Lenna, estranhamente, se sentia bem na companhia dos dois. Talvez ser amparada por eles lhe trouxesse algum alívio. Era diferente, algo mais físico, ela ainda tentava entender. Ao abrir a porta que dava acesso à saída da arena, parou de repente. Estava hesitante. Havia algo que ainda a incomodava, e desde sua última conversa com Ector, decidira que não deixaria mais as coisas de lado por receio de não ser ouvida, ou qualquer outra desculpa.

— Espere! — disse ela, voltando-se para Galgard.

Mesmo absorto em pensamentos, o druida parou. Ainda limpava o sangue que escorria de sua bochecha. Sem se virar por completo, apenas inclinou levemente a cabeça na direção dela, o olhar sério, atento.

— Diga... — Impaciente, ele aguardava a continuação da frase de Lenna.

— Por que você me deu aquela dica no final da luta? Achei que não queria que eu ficasse.

— E eu não queria mesmo — respondeu ele diretamente, com um dar de ombros — mas não posso ignorar seu potencial. Eu queria ver tudo que você ainda tinha para mostrar. Lutar sabendo que você não deu o máximo seria um desperdício do meu tempo.

Vladmyr e Eduardh soltaram, ao mesmo tempo, um longo suspiro, desaprovando claramente o modo seco com que ele se dirigia a Lenna. Mas, ainda que rudes, suas palavras carregavam uma verdade inegável. Aquela luta havia quebrado mais do que limites físicos. Havia rompido as correntes invisíveis que por tanto tempo a aprisionaram.

— Quando ficou claro que havia uma chance de você vencer, me certifiquei de que viria com tudo — continuou ele — não me entenda mal, só não queria que alguém que vivia se escondendo e não reconhecia o próprio potencial fizesse parte da equipe que vai guiar a linha de frente da batalha.

— Isso foi um elogio, eu acho... — murmurou Eduardh, arqueando uma sobrancelha com ironia.

— É... pode-se dizer que foi sim. Seria burrice da minha parte não reconhecer.

— O-obrigada... — Lenna respondeu, envergonhada, ainda sentindo as dores da batalha.

— Não agradeça a mim. O comandante Brugnar e o mestre Wilheiman foram bem insistentes quanto às suas habilidades. Eu só... quis ter certeza de que eles fizeram a escolha certa.

Lenna ficou imóvel. Se antes estava só envergonhada, agora estava travada, como se as palavras tivessem sumido. Seus olhos brilhavam, mas agora de uma forma diferente. Era mais que alívio. Era aceitação. Era esperança.

— Tudo bem por mim. Mas acho que você vai ter que se esforçar um pouco mais para convencer o restante... — Galgard interrompeu-se ao perceber que ela mal escutava o que ele dizia.

Após ouvir sobre o esforço que o comandante fizera por ela, Lenna só queria agradecer mais uma vez. Até que, ao longe, vislumbrou Ector, observando tudo em silêncio. Ele assentiu lentamente, com um leve e respeitoso aceno de cabeça. Claramente orgulhoso.

Imediatamente, um espelho d'água se formou nos olhos da maga. As lágrimas escorreram, silenciosas, sem resistência. E, com elas, um sorriso sincero.

“Obrigada...”

Lenna ainda sorria, o rosto úmido pelas lágrimas recém-derramadas, quando sentiu as pernas fraquejarem. Eduardh foi rápido em segurá-la antes que caísse.

— Vamos! — disse ele, ajeitando-a com facilidade nos braços, como se seu peso não fosse nada.

Ele a carregou pelos corredores até a ala dos curandeiros, onde a estrutura sólida e bem organizada contrastava com o caos recente da arena. As camas de madeira polida estavam alinhadas, cada uma com lençóis limpos e instrumentos de tratamento cuidadosamente dispostos em pequenas mesas ao lado.

Lenna foi colocada com cuidado em uma das camas. Mesmo antes de qualquer curandeiro se aproximar, ela já sentia seu corpo reagir. As dores diminuíam, e os cortes pareciam menos profundos a cada respiração.

“Isso é estranho...” pensou ela, tentando entender.

Enquanto seu corpo inexplicavelmente se recuperava, seus olhos buscaram Eduardh. A lembrança da camisa rasgada, manchada de sangue, invadia sua mente, especialmente a imagem do selo que aquele demônio havia cravado em seu ombro. O mesmo que lhe causava, visivelmente, uma dor tão violenta sempre que usava seu teleporte.

Sem perceber, ela o encarava com preocupação. Eduardh notou o olhar dela e sorriu de leve, como se já estivesse acostumado a disfarçar suas dores.

— Não se preocupe — disse ele, baixando a voz ao se aproximar. — Já não dói mais.

Gentilmente, ele tomou a mão pequena da maga e a guiou até seu peito, próximo ao ombro, onde sob a camisa limpa e arrumada ainda estava o selo.

A aproximação era íntima, o gesto carregado de uma confiança silenciosa. Lenna sentiu o coração acelerar, sem saber se era pela ternura do momento ou pela preocupação latente que a dominava.

Eduardh sentou-se ao seu lado na cama, a respiração dele tão próxima que ela podia senti-la. Até que uma sombra se projetou sobre os dois.

— Ela precisa descansar! — disse Vladmyr, a voz grave como uma ordem, colocando-se entre eles sem disfarçar a intenção de afastar o elfo.

O ambiente pareceu pesar por um instante. Eduardh ergueu-se com calma, o sorriso ainda no rosto, mas o olhar carregado de algo que Lenna não conseguiu decifrar.

— Claro! — respondeu o elfo, com uma reverência quase imperceptível, como se estivesse zombando em silêncio.

Lenna, deitada e ainda frágil, sentiu a tensão entre os dois. Era sutil, mas inegável.

“Por favor, não briguem agora...” pediu em pensamento.

Enquanto Eduardh se afastava, lançando-lhe um último olhar antes de desaparecer no corredor, Lenna soltou o ar que nem percebera estar prendendo. Vladmyr, firme como uma muralha, permaneceu ao lado dela, como se dissesse, sem precisar de palavras, que agora ela estava sob sua guarda.

— Você não precisa ficar aqui, Vlad. Estou bem — Lenna sabia que tinha de ser forte. Uma guerra se aproximava.

— Eu sei... você parece se sentir melhor quando o elfo está por perto... — disse ele, tentando soar casual, mas a amargura escapou em sua voz.

Lenna piscou, surpresa pela sinceridade.

— É verdade... — ela respondeu, pensativa. — Mas não do jeito que você está pensando.

Ela riu de si mesma, sem graça, enquanto tentava explicar.

— É estranho, né? Parece que, quando ele está por perto, é como se eu recebesse uma lufada de analgésicos... meus ferimentos quase não doem. Talvez seja alguma habilidade dos elfos... — A maga falava quase como se inventasse qualquer desculpa para justificar a sensação confusa que a dominava.

Então, Vladmyr sentou-se ao lado dela e permaneceu em silêncio. Seu peito estava pesado com emoções que ele próprio não sabia nomear. Seus olhos se fixaram nela e algo queimava dentro dele, intenso e silencioso.

— A questão é que... — ele começou, hesitando. — Eu falhei de novo em te proteger. Você... mesmo sem pensar duas vezes, arriscou sua vida para me salvar. E, quando tive a chance de retribuir, eu travei.

— Mas... — Lenna tentou interromper, mas ele ergueu a mão, pedindo que o deixasse continuar.

— Por favor. Me deixe terminar. — Sua voz era baixa, carregada de culpa — Você deu tudo de si para proteger pessoas que apontavam o dedo para você, que te julgavam... e mesmo assim não deixou que isso te impedisse de seguir seus princípios.

 A cabeça de Vladmyr latejava só de lembrar da cena na luta contra o golem. As memórias pulavam como se brigassem para escapar de um corredor estreito em sua mente.

— Eu... eu me lembro do motivo pelo qual todos odiavam sua raça. Também me lembro do dia em que o senhor Wilheiman nos contou a verdade. Mas o que eu não consigo entender é... porque deixei meus sentimentos falarem mais alto do que o meu dever.

Lenna suspirou, o coração apertado pelas palavras sinceras dele.

— No início, você não sabia... — ela tentou suavizar.

— O comandante também não sabia — rebateu Vladmyr, a voz tensa. — Nem por isso ele foi um babaca como eu.

Agora estava mais claro do que nunca para Lenna, ele realmente se arrependia. Era tão raro alguém se importar a ponto de sentir vergonha do que havia feito com ela. Normalmente, o arrependimento das pessoas não passava de um disfarce para o desprezo que continuava lá, intacto.

Ela estendeu a mão, tocando gentilmente a bochecha dele e levantando seu rosto, que permanecia cabisbaixo.

— Isso já está no passado — disse ela com firmeza. — Pare de se culpar e apenas dê o seu melhor!

Vladmyr piscou, atônito com a atitude dela. Não se afastou, apenas ficou ali, imóvel, admirado com a leveza com que Lenna tratava uma dor que para ele ainda era pesada demais.

— E agora... — ela continuou com o peito inflado de orgulho — eu vou ser o seu escudo! Você não precisa mais me proteger!

Vladmyr arregalou os olhos, surpreso.

“Escudo?” — pensou, encarando-a.

Mesmo depois de tudo, mesmo depois de cada dor que carregava, ela ainda queria protegê-lo. Essa simples verdade fez algo dentro dele aquecer, uma necessidade silenciosa de estar cada vez mais perto dela.

Antes que pudesse pensar duas vezes, Vladmyr a puxou para um abraço apertado. Lenna, pega de surpresa, soltou um leve suspiro contra o peito dele, sentindo o coração bater forte sob seus dedos.

— Eu vou sempre estar ao seu lado — murmurou ele, sem a soltar.

Lenna não disse nada. Apenas fechou os olhos e se aninhou em seus braços, aceitando aquele carinho silencioso que, para ambos, dizia mais do que palavras poderiam expressar.

No corredor, um pouco afastado da porta, Eduardh permanecia imóvel. Não era sua intenção ouvir, mas a conversa entre Vladmyr e Lenna chegou até ele, e por alguma razão ele não conseguiu simplesmente seguir seu caminho. Sem querer, seus passos haviam parado e seus ouvidos se abriram.

As palavras trocadas lá dentro, o abraço, tudo aquilo apertava algo dentro dele de um jeito incômodo e amargo. Ele sabia que era o melhor para o grupo. Ver Vladmyr e Lenna mais próximos tornava-os mais fortes. Mas, ao mesmo tempo, não conseguia ignorar a pontada de vazio que se formava em seu peito.

“Talvez ela nunca tivesse olhado para mim como eu, no fundo, desejei. Ou talvez eu mesmo estivesse me enganando, confundindo a admiração genuína que sinto por ela com algo que nunca existiu de verdade.” Era o que passava pela mente do elfo. Nem ele sabia ao certo. Tudo ainda era muito confuso.

— Seus pais não lhe ensinaram a não ouvir a conversa dos outros? — disse uma voz irônica atrás dele.

Eduardh girou nos calcanhares, a expressão endurecendo ao encontrar Galgard, que se aproximava, segurando um pequeno curativo contra o rosto. O sangue já manchava o tecido improvisado.

— O quê? — retrucou o elfo, furioso.

— Nada... Só preciso que saia. Está parado aí faz um tempo, e eu preciso passar — respondeu Galgard com um meio sorriso, nada amistoso.

Por insistência das meninas de seu grupo, Galgard havia ido buscar um pequeno curativo para cobrir o ferimento no rosto. O corte fora mais profundo do que imaginava, e o sangue, teimosamente, insistia em escorrer.

— Desculpe. Pode passar — disse Eduardh, soltando um suspiro irritado e se afastando um pouco ao perceber o pequeno rastro de sangue que escorria do ferimento do druida.

— Obrig...

— Você é forte — interrompeu Eduardh, lançando-lhe um olhar atento. — Por que ainda continua com os recrutas? Por que não se junta à equipe principal?

Antes que Galgard pudesse responder, uma voz feminina se apressou em fazê-lo. Era a garota que Eduardh conheceu na arena, a mesma que havia o elogiado por sua luta contra Thorm.

— Era para ele estar junto do nosso líder, Varbbek — disse ela, claramente indignada, enquanto apressava Galgard para ir logo cuidar do ferimento. — Mas quando Gutter chegou, disse que Galgard ainda não estava pronto, que lhe faltava experiência para liderar. E sem mais nem menos, deixou-o aqui. Muito estranho, se quer saber...

— Deixe isso pra lá — murmurou Galgard, revirando os olhos e apressando o passo.

— Era para ele assumir o posto! — insistiu a garota, ignorando o desconforto do druida. — Mas Gutter simplesmente cortou a oportunidade. Não deu nem chance para provar seu valor.

“Falta de experiência? Isso não combina com o desempenho que ele demonstrou até agora.” Eduardh permaneceu pensativo, observando o druida se afastar pelo corredor.

Era estranho, de fato. O motivo dado por Gutter parecia vago, desconexo. Ainda assim, o elfo sabia que não podia julgar precipitadamente uma decisão de um superior. Ele e seu grupo haviam chegado há pouco tempo à base; não conheciam a fundo os detalhes, as histórias anteriores, as alianças e desavenças silenciosas que moldavam aquele esquadrão. Mas uma coisa era certa, era algo que valia a pena manter em observação.

— Ele não vai se cuidar direito se alguém não ficar no pé dele. — a garota comentou, olhando para Galgard que já desaparecia na esquina do corredor. Depois, virou-se para Eduardh, com um sorriso tímido. — Você também... tenha cuidado.

Ela claramente se insinuava, embora Eduardh mal registrasse isso, perdido demais em seus próprios pensamentos.

— Bom... tenho que ir. Me desculpe pelo incômodo! — disse ela, saindo apressada.

Eduardh ficou sozinho, mas sua mente estava cheia de dúvidas. O silêncio parecia opressor, denso, como o presságio de uma tormenta prestes a se abater. Depois de tudo que presenciou e ouviu, algo não se encaixava. Havia uma ponta solta, uma peça que ele não podia ignorar. Algo nas entrelinhas, um jogo sutil que ele ainda não conseguia entender.

Uma sensação crescente de desconforto o envolvia. Ele não sabia exatamente o que era, mas algo nas sombras o chamava, como se houvesse algo mais a ser revelado. Algo que ele precisava descobrir, antes que fosse tarde demais.

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