Volume 2
Capítulo 36: Quebrando barreiras
Lenna caminhava pelos corredores silenciosos, seus passos ressoavam suavemente nas pedras frias. Cristais mágicos presos às paredes irradiavam uma luz intermitente, alimentada pela mana armazenada neles. O brilho suave criava sombras incertas, pulsando como seu coração inquieto. Lá fora, a nevasca estalava contra as muralhas da sede e o frio cortante parecia infiltrar-se por cada fresta, um frio que atravessava a pele e chegava até os ossos. Mas, mais do que o vento gélido, era o turbilhão dentro de Lenna que a fazia tremer.
Desde a última luta contra Galgard, algo havia mudado. A derrota ainda pesava em seus ombros, e uma semente havia sido plantada em sua mente, algo que parecia apenas esperar o momento certo para brotar. Um sentimento de inutilidade.
“Será que minha presença aqui realmente faz diferença? Talvez Galgard apenas tenha dito em voz alta o que os outros não tiveram coragem de admitir...”
Por mais determinada que estivesse a seguir em frente, esses pensamentos insistiam em assombrá-la.
Ela sempre se escondeu nas sombras de Cázhor, em segundo plano, temendo liderar, temendo errar. A retaguarda era um lugar seguro, onde sua presença era aceita, onde o julgamento parecia menos severo. Não era apenas o medo de falhar, mas talvez o receio de nunca estar à altura das expectativas, de ser apenas a aprendiz de alguém que já nasceu um prodígio.
Seu passado a perseguia como um espectro insistente. Olhares de desconfiança, insultos murmurados, portas que se fechavam antes mesmo de serem abertas. Mas, em meio a esse turbilhão de emoções e pensamentos, uma faísca insistia em se manter acesa.
"Não posso ser apenas alguém a ser protegida para sempre. Quero lutar lado a lado, não apenas como uma sombra obediente, mas como alguém que faz a diferença."
A luta estava próxima. Sua última chance de provar para si mesma que era necessária. Parte dela se perguntava se sua dependência de Cázhor a havia deixado acomodada. Talvez fosse mais fácil viver sob a sombra de alguém forte, aceitar ordens, nunca precisar decidir. Talvez seu conforto na retaguarda fosse apenas uma fuga disfarçada de segurança. Mas se continuasse assim, se nunca tivesse a coragem de sair desse lugar seguro, todos a deixariam para trás. E a culpa seria exclusivamente dela.
— Que droga! — Lenna se conteve, apesar de sua vontade era gritar para que todos a escutassem.
Sem hesitar mais, ela mudou seu caminho. Ao invés de ir para seu quarto, seguiu de volta pelo corredor com passos decididos. Seu coração ainda pesava, mas agora estava decidida. Não iria mais voltar atrás.
Pedir ajuda, parecia admitir fragilidade, isso era tudo que ela queria evitar no momento. Recorrer a ele seria como afirmar que não conseguia lutar sozinha, que sua tentativa de assumir um papel ativo não passava de uma fantasia fraca. Mas ele conhecia o campo de batalha como ninguém. Ele era um líder nato, firme e decidido. Se houvesse alguém que pudesse guiá-la, seria ele.
Agora, parada de frente para a porta do quarto, dessa vez não de Galgard, ela pensava em como abordá-lo. A mão trêmula se ergueu, mas antes que seus dedos tocassem a madeira, a porta se abriu.
— Imaginei que viria — disse Ector, os olhos atentos pousando nela com uma calma vigilante.
O inesperado a fez recuar um instante, surpresa. A luz dos cristais iluminava o rosto dele, o brilho refletindo na armadura que repousava próxima à entrada. A expressão serena contrastava com o caos dentro dela.
— Garota, se continuar hesitante assim, é melhor nem ir amanhã — seu tom de voz parecia preocupado — deu para escutar seu coração pulsando de longe.
Lenna apertou os punhos, tentando dissipar a hesitação que ainda lhe pesava nos ombros. Ector não era do tipo que adoçava palavras e seu olhar firme e penetrante, a despia de qualquer tentativa de esconder seu conflito interno.
— Você sabe que apenas uma noite de conversa não vai te transformar em uma estrategista impecável ou te dar habilidades milagrosas para vencer, né? — ele cruzou os braços, inclinando-se levemente contra a porta. — Mas admitir a fraqueza e querer melhorar já é um começo.
Lenna baixou os olhos por um instante, sentindo a força daquele argumento. Não queria admitir, mas estar ali significava exatamente isso. Ela não sabia como seguir em frente, não sabia como vencer. Só sabia que não podia continuar parada.
— Entre! — Ector suspirou e indicou uma cadeira perto da mesa.
Apesar do tom severo, havia algo mais em sua expressão, um resquício de empolgação. Ele a via de outra forma agora. Não como a maga acuada de antes, mas como um soldado. Uma combatente que, mesmo ferida, estava disposta a se reerguer.
— Senta aí e fala — ordenou, direto como sempre. — Quero ouvir de você. Externe tudo isso. O que te trava? Como posso te ajudar?
Lenna sentiu a pressão dos olhos atentos de Ector sobre ela, o que a fez hesitar por um momento. Mas, por fim, obedeceu.
— Galgard... — ela respirou fundo, sua voz soou mais baixa do que pretendia. — Ele é rápido, forte e sempre parece saber o que fazer. Enquanto eu... eu só reajo. Sempre estou um passo atrás.
Ector assentiu, como se já esperasse essa resposta.
— Então comece a prever. Pare de apenas reagir e tente antecipar. Qual é a fraqueza dele? Como ele pensa? O que ele espera de você? — sua voz carregava o peso da experiência. — Se quer o vencer, precisa ver além do que ele te mostra.
Lenna absorveu aquelas palavras, repassando a luta contra Galgard em sua mente. Mas a verdade era que, mesmo que tivesse uma estratégia, ainda havia outro problema. Algo que a travava de verdade.
— Onde está aquela maga que finalizou o Cérbero, sozinha, enquanto os demais passaram aperto? — Ector a desafiou, sua voz seca e grave ressoava no pequeno aposento.
Ela engoliu seco. Essa pergunta atingiu como um golpe direto.
— Aquele poder... — começou, hesitante. — Eu não o controlo completamente. Ele mais destrói do que ajuda.
Ector bufou, cruzando os braços novamente.
— Mas é aí que está! — disse, impaciente. — Pare de fugir do seu poder. Pare de categorizá-lo como algo ruim, algo que deve ser evitado. Passe a usá-lo a seu favor.
Lenna arregalou os olhos, surpresa pela intensidade em sua voz.
— Você precisa se entender para se explicar, precisa sentir para falar. Jogue para fora tudo que está entalado aí, mas sempre se lembrando de que quem está no controle é você! — Ele apontou para ela, firme. — Pare de se sentir oprimida. Levante a cabeça e dê seus primeiros passos!
O tom na voz de Ector reforçava que ele não fazia rodeios. Talvez fosse a sua forma rude de incentivar. Talvez fosse apenas o jeito que conhecia, o jeito de um comandante acostumado a lidar com soldados no campo de batalha. Mas, nesse momento, Lenna não se importava com floreios.
Mesmo com poucas palavras, Ector atingia em cheio o centro de seus sentimentos, como se soubesse exatamente o que ela precisava ouvir, sem rodeios ou suavidade. Cada palavra que saía de sua boca era como um golpe direto, com a precisão de quem sabe o que está fazendo.
Ela não podia mais se esconder atrás da dúvida. A postura de Ector, firme e imbatível, era o empurrão de que ela precisava para finalmente agir. Aquele homem, acostumado a empurrar seus soldados ao limite, demonstrava ver nela a mesma resistência, a mesma capacidade de se reerguer, e isso ficou claro para ela. E receber qualquer conselho direto de alguém como Ector era algo raro e valioso. Poucos tinham o privilégio de ouvir palavras tão claras de um líder da guarda.
— Lembre-se, ele é um soldado que luta corpo a corpo e ele pensa que você é apenas uma maga que só sabe se defender. Ele luta usando os sentidos e você tem a magia a seu favor. Acho que não preciso dizer mais nada.
— Não, não precisa. Agora entendo por que é o líder das nossas forças armadas. Tudo ficou tão claro. — Ela sorriu e algo dentro dela parecia ter se acalmado. — Vlad tem um bom mentor.
O sorriso de Lenna não era apenas uma expressão, era como se a tempestade que até pouco tomava conta de seus olhos tivesse dado lugar a uma calmaria reconfortante. Seu coração, antes pesado, agora parecia leve. As palavras de Ector foram como uma dose de encorajamento, um verdadeiro impulso para que ela acreditasse no que ainda não sabia sobre si mesma. Ela sempre teve tudo em suas mãos. Só não sabia como usar.
Lenna se levantou da cadeira, sentindo uma leveza que não sentia há dias. Ela estava finalmente pronta para seguir em frente.
— Obrigada, senhor. Suas palavras... realmente fizeram a diferença — disse ela, olhando para Ector enquanto fazia um leve gesto de agradecimento.
Ele a observou por um momento, o semblante ainda grave, mas com um brilho nos olhos. Mas, antes que ela saísse, ele a deteve com uma última observação.
— Sua ferida... ainda dói? — perguntou Ector, os olhos atentos à forma como Lenna se movia. — O druida não pegou leve com você, pelo visto.
Lenna hesitou por um instante. A ferida em sua barriga, que antes a incomodava tanto, havia diminuído consideravelmente, embora Galgard tivesse trazido de volta a dor ao pressioná-la com força. Mas nada se comparava à intensidade da dor de horas atrás.
— Estou bem melhor! — Ela sorriu.
— Se recuperou rápido. Talvez não tenha sido tão grave quanto imaginei...
Não sei... talvez tenha sido o tratamento do elfo. — Ela pensou por um momento antes de falar novamente. — É, talvez tenha sido isso.
Ector ergueu uma sobrancelha, lançando-lhe um olhar incrédulo, mas optou por não dizer nada sobre. Após tudo o que haviam enfrentado desde a saída da caverna, ele já não duvidava de mais nada.
— Bom, a minha ferida continua bem aqui. — Ele deu um leve tapinha na perna com a ponta da bengala que usava para se apoiar. — Então, preciso descansar. E você também. Amanhã será um dia decisivo para você. Acredito que tomará as melhores decisões.
Lenna assentiu. Era hora de se preparar, não só fisicamente, mas mentalmente, para o que viria. Ela se despediu de Ector com um último olhar de gratidão, e então se retirou do quarto.
No entanto, antes de sair completamente, ela se virou para ele, hesitante, com uma expressão preocupada.
— Eu... peço desculpas pelo incômodo, senhor...
— Pare de pedir desculpas por tudo! Apenas agradeça e faça seu melhor — interrompeu ele, levemente aborrecido. Sua voz era firme, mas havia uma leveza em sua repreensão.
— Me desc... — Ela começou, por instinto, mas se interrompeu no ato.
Respirando fundo, ela finalmente disse, com um sorriso sincero:
— Obrigada!
E então se retirou, sentindo um alívio. As palavras de Ector, mesmo duras, eram exatamente o que ela precisava ouvir. Ela estava pronta para dar o seu melhor.
Enquanto caminhava de volta para seu quarto, seus pensamentos estavam focados no embate contra Galgard.
“Enfrentá-lo de igual para igual...” Ela sabia que o desafio seria imenso, mas a clareza que sentia agora a fazia acreditar que poderia, finalmente, controlar a situação.
A noite parecia se arrastar lentamente, mas, quando finalmente se deitou, as imagens da batalha contra Galgard e as palavras de Ector ficavam girando em sua mente. Quando fechou os olhos, a única certeza que tinha era de que, no dia seguinte, seria uma nova Lenna. Mais forte, mais decidida.
Então, finalmente amanheceu, com o céu nublado e pesado, sem sinal de sol, apenas o branco cortante da neve cobrindo o lado de fora da sede. O frio era intenso, mas Lenna já estava de pé antes mesmo da aurora cinzenta tomar o horizonte. A tensão no ar era quase palpável.
Ao entrar na arena, um murmúrio percorreu a multidão, preenchendo o espaço. Aquele lugar carregava o peso de incontáveis batalhas e treinamentos, mas hoje havia algo diferente no ar. O duelo contra Galgard havia se tornado um verdadeiro evento na sede. Dos soldados iniciantes aos guardas de elite, muitos estavam ansiosos para assistir ao confronto.
Galgard sempre fora um prodígio, um guerreiro que se destacava entre os demais, a ponto de ser cogitado como braço direito de Varbbek. Ele não era do tipo que oferecia segundas chances, e o fato de ter aceitado lutar novamente contra Lenna tornava tudo ainda mais interessante. Se ele permitira esse segundo embate, então, aos olhos dos espectadores, valeria a pena assistir.
Por um breve momento, aquele duelo afastou a dura realidade em que todos estavam imersos. Não era apenas um treino ou apenas um acerto de contas. Para muitos ali, era um espetáculo.
Lenna se posicionou no centro da arena, os olhos fixos na entrada, aguardando a chegada de Galgard. O burburinho dos espectadores diminuiu levemente quando ele finalmente surgiu, e foi impossível não notar a mudança em seu semblante.
Ele parou por um instante, analisando-a. Havia algo diferente nela. A hesitação que tanto explorara antes não estava mais ali. Em seu lugar, uma firmeza inesperada.
Por um momento, o silêncio se prolongou. Então, um sorriso surgiu em seu rosto. Não de deboche, mas de empolgação. Ele gostava de desafios.
Lenna sustentou seu olhar sem hesitar. Pela primeira vez, não se sentia inferior diante dele. Não era presunção, era certeza. Ela estava pronta.
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