Volume 2
Capítulo 35: Ponto de ruptura
Na guarita externa, próxima ao portão principal, Vladmyr fazia a guarda. A raiva que ardia dentro dele parecia afastar o frio da noite, enquanto o grande manto do uniforme ajudava a barrar o vento cortante. Algumas horas já haviam se passado desde que Eduardh levara Lenna, sem dar muitas explicações, e isso consumia o jovem guerreiro. Entre uma patrulha e outra, ele soltava bufadas impacientes, remoendo a atitude do elfo.
Finalmente, aqueles dois se aproximavam da sede. Eduardh seguia na frente, servindo de proteção para Lenna. Quando Vladmyr avistou o elfo à distância, seu corpo reagiu por instinto. Sem hesitar, saltou da guarita, usando uma grande folhagem para amortecer a queda. Sua expressão era de pura fúria.
Ele avançou direto para Eduardh, agarrando-o pela gola da blusa. Sem pensar duas vezes, desferiu um soco no rosto do elfo. Eduardh não tentou se esquivar. Apenas recebeu o impacto, mantendo o corpo firme.
— Desgraçado! O que você fez? Onde ela está? Responda! — vociferou Vladmyr. Seus olhos brilhavam de indignação.
— Vlad? — A voz assustada de Lenna rompeu o ar tenso. Ela saiu de trás do elfo, com os olhos arregalados diante da atitude impensada do guerreiro.
Ao ouvir sua voz, Vladmyr largou Eduardh imediatamente, o empurrando para trás com um forte solavanco. Entretanto, continuou a encará-lo por mais alguns segundos, com os punhos cerrados. Então, voltou-se para Lenna.
— Você... você está bem? — Seu olhar a examinava minuciosamente, à procura do ferimento.
Lenna não respondeu de imediato; limitou-se a um leve aceno de cabeça, indicando estar bem. Seu olhar, contudo, permaneceu fixo em Eduardh, que ainda permanecia imóvel após o golpe.
Após uma longa pausa, finalmente, o elfo se moveu. Levantando o olhar lentamente até encarar o homem que estava à sua frente.
— Você bate como uma mulher! — disse ele, soltando um longo e cansado suspiro, cuspindo o sangue acumulado na boca devido ao golpe de Vladmyr.
— Parem vocês dois! — A voz seca de Ector soava mais fria e dura que o próprio gelo — Entrem logo!
Dessa vez, não havia sorrisos, nem o tom alegre que o comandante sempre esbanjava. Por mais que houvesse amizade entre eles, Ector ainda era o superior e responsável por todas as tropas dos reinos. Permitir que seus subordinados agissem como bem entendessem só levaria à desordem, e ele sabia que, naquele momento, seu dever como comandante deveria falar mais alto.
Ector os conduziu para dentro da sede sem dizer uma palavra. O silêncio era denso, carregado pela tensão após o ocorrido. À medida que o grupo avançava pelos longos e empoeirados corredores, olhares curiosos os seguiam. Ector, geralmente conhecido por seu humor leve e espírito brincalhão, exibia agora uma seriedade incomum, quase palpável. Uma aura pesada parecia envolver todo o ambiente. Ao chegarem a um dos salões de reuniões, o comandante fechou a porta e lançou um olhar severo para os três.
— Sentem-se — ordenou.
Nenhum deles ousou questionar. Vladmyr ainda parecia irritado, Lenna inquieta, e Eduardh, apesar da expressão indiferente, mantinha o olhar baixo.
Ector cruzou os braços e suspirou, medindo cada um deles antes de falar.
— Seus moleques! Estamos lidando com algo muito maior do que os problemas pessoais de vocês. Atitudes impulsivas como essas podem colocar tudo a perder.
Ele se voltou primeiro para Eduardh.
— E você — sua voz era firme como o aço de seu machado — levar Lenna sem dar explicações? O que diabos estava pensando?
O elfo sustentou o olhar, mas permaneceu em silêncio.
— Estou cansado dessa rivalidade infantil e sem sentido de vocês. O que aconteceu hoje foi irresponsável, e não vou mais tolerar esse tipo de comportamento.
Eduardh soltou um leve suspiro e assentiu.
Ector então olhou para Vladmyr.
— E você, se descontrolar desse jeito? Que tipo de oficial se comporta assim? É melhor demonstrar mais respeito ao cargo, ou eu mesmo faço sua dispensa.
— Sim, senhor! — respondeu o jovem guerreiro, cerrando os punhos e baixando a guarda.
— Não quero ver esse tipo de conflito dentro da nossa tropa. Estamos à beira de um grande desafio, e vocês precisam estar focados. Agora vão! Minha perna dói só de olhar para vocês. — Ector se apoiava, a contra gosto, na bengala.
Os garotos saíram em silêncio, e a porta se fechou suavemente atrás deles, deixando Lenna sozinha. Sentada, a maga mantinha o olhar distante, ciente de que sua situação era mais complexa do que aparentava. Ela sabia que havia perdido o duelo contra Galgard e, conforme o acordo entre eles, não teria mais lugar na unidade. Sua partida do reino era inevitável.
— Galgard, como todos aqui, ainda não conhece a verdadeira história dos transmorfos — disse Ector, quebrando o silêncio. — Quando não se tem mais nada, a única coisa que lhe resta é a palavra.
— Sim... — respondeu Lenna, já antecipando o que viria a seguir.
— Então, você sabe que não posso intervir. Você assumiu o risco e fez uma promessa que agora precisa cumprir.
Houve um breve silêncio. O comandante então descruzou os braços e respirou fundo e, sem dizer mais nada, ele se virou e saiu da sala.
Lenna estava sozinha. Uma forte corrente de ar vinda de fora da sala circulou pelos móveis, levantando a poeira acumulada no chão. Os cristais de iluminação cintilavam, refletindo a imagem imóvel da garota no sofá. O tempo parecia se arrastar, cada segundo um peso que se estendia pelo silêncio da noite.
Uma angústia profunda a consumia. O fim que as coisas haviam tomado parecia sufocá-la, e a sensação de ficar para trás, mais uma vez, a devorava por dentro. Sentia-se impotente, como se fosse descartável, sem valor. Uma peça desnecessária na história que se desenrolava ao seu redor. Essa solidão, essa sensação de inutilidade, era um peso que ela não sabia mais como carregar.
“Dessa vez não!”
Com um solavanco, Lenna se levantou e, determinada, seguiu para os dormitórios. Sabia exatamente onde encontrar Galgard, afinal, já o havia visto antes, quando o soldado entregou os uniformes, pouco após chegarem à sede.
“Não vou mais me acomodar à sombra dos outros. O senhor Cázhor me deu essa oportunidade e confiou em mim quando me trouxe. Não posso decepcioná-lo.” A determinação estava estampada no rosto da garota.
Pouco tempo depois, finalmente chegou ao quarto de Galgard. A porta estava ligeiramente entreaberta, e ela não hesitou em empurrá-la com força. Ele estava dormindo, com uma expressão despreocupada, mas Lenna não deu a mínima. Sua necessidade de ser ouvida, de ser levada a sério, superava qualquer consideração pelo descanso dele.
Ela entrou no quarto com passos firmes, sem se preocupar com as consequências. Estava farta de sempre depender de alguém, farta de ser tratada como uma figura secundária.
— Galgard! Quero outro duelo! — gritou, desafiando-o.
O druida, ainda sonolento e com os olhos sem foco, despertou assustado, tentando entender quem havia invadido seu quarto àquela hora. O cansaço do dia anterior ainda pesava em seus ombros, mas, acreditando se tratar de um inimigo, ele saltou da cama e fez uma rápida investida. No entanto, ao perceber que era a garota, seu corpo parou imediatamente, a surpresa estampada em seu rosto. Soltando um suspiro pesado, ele passou a mão no rosto e se sentou na beira da cama, claramente exausto e ainda meio sonolento.
— O que diabos você está fazendo aqui? — resmungou ele, esfregando os olhos, ainda tentando processar o que acontecia.
Lenna o encarava sem hesitar, sem se intimidar pela postura imponente dele. Galgard, com o cabelo bagunçado e sem camisa, parecia muito diferente da imagem de autoridade que mantinha em público. Ele estava aborrecido, sem paciência para aquela interrupção abrupta no seu sono.
O alvoroço chamou rapidamente a atenção dos soldados nos quartos ao lado, sendo Eduardh um deles. Quando viu que se tratava da maga, ele se aproximou silenciosamente, sem se expor, respeitando o espaço de Lenna para tomar suas próprias decisões.
Galgard olhou para Lenna, agora mais calmo, mas ainda irritado com a situação.
— Você precisa aceitar a derrota e me deixar em paz. — Ele falou com voz baixa e cansada, tentando dispensá-la.
Mas Lenna, furiosa, não se deixou intimidar.
— Eu não aguento mais ser deixada para trás, Galgard! Não aguento mais ser protegida como se fosse inútil! Aceitar a derrota? Estou cansada disso — ela puxava o ar para continuar — Se você não aceitar, eu vou cumprir o que foi acordado, mas me dê mais uma chance para provar que sou capaz!
Galgard soltou um suspiro longo e pesado, sua expressão se tornando mais séria. Levantou-se da cama, recuperando o controle da situação e retomando sua postura habitual. Então, caminhou até Lenna com passos largos. Com sua altura imponente e músculos avantajados, ficou a poucos centímetros dela. Sua aproximação fez Eduardh se preocupar, mas ele se conteve, consciente de que Lenna precisava daquele momento para se impor.
— Você acha que consegue me vencer, mesmo com essa ferida? — O druida a agarrou pela cintura e a puxou para perto de si, falando com uma calma que contrastava com a tensão do momento.
Ele passou a mão pela sua cintura, apertando o local ainda dolorido da ferida. A dor fez Lenna lembrar do fim do último embate e seu rosto se contorceu levemente, mas ela manteve a postura, sem se render. Sua respiração estava forte, não só pela dor, mas pela determinação que ardia dentro dela.
— Bom... vejo que você não vai mudar de ideia — Galgard continuou pressionando a ferida enquanto falava.
Os olhos de Lenna brilhavam como brasas incandescentes, sua respiração pesada, o corpo tenso, aguardando uma resposta enquanto a dor irradiava pelo seu corpo. Galgard, ainda a segurando pela cintura, esboçou um sorriso quase desdenhoso.
Ector também se aproximou, observando a cena de forma discreta. Seu olhar avaliava a postura de Eduardh, certificando-se de que ele havia realmente compreendido o recado dado mais cedo.
— Tudo bem, Lenna. — Galgard disse, finalmente, sua voz um tanto resignada. — Já que você teve a coragem de me confrontar, não vejo o porquê de não terminar logo com isso, mas dessa vez não terá outra chance.
Ele começou a andar na direção dela, quase a empurrando para fora do quarto.
— Agora, se me permite... preciso voltar a dormir.
O som do estalar da madeira da porta batendo à sua frente foi como o fechamento de um capítulo. Lenna ficou parada ali, encarando a porta. O ar parecia finalmente voltar aos seus pulmões, e ela soltou um longo e pesado suspiro. A dor em seu ferimento, que antes quase não a incomodava, agora pulsava, fazendo-a soltar leves gemidos de dor.
Do lado de fora, Eduardh ainda observava a cena com certo desconforto. Já havia percebido a presença e a análise de Ector, mas sua prioridade era ver como tudo se desenrolaria.
— Eu respeito sua liderança, Ector — murmurou Eduardh, se voltando para o comandante — mas se ela se ferir novamente ou algo pior acontecer... não garanto que aquele druida possa acordar novamente.
Eduardh se limitou a não intervir, consciente de que Lenna precisava amadurecer e ganhar confiança em suas próprias decisões. No final, mesmo relutante, ele se virou e seguiu para o seu quarto, deixando Lenna sozinha com seus pensamentos e sua dor, na esperança de que ela estivesse pronta para enfrentar as consequências de suas escolhas.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios