Magia Gênesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 2

Capítulo 25: Uma nova realidade

Os dias passavam enquanto o grupo esperava a tempestade diminuir. O jovem oficial ficou responsável por encontrar o alimento, enquanto Lenna, por cozinhar.

— Preciso dar um jeito nessa perna. Nos movimentarmos desse jeito, não dá.

— É, mas o senhor não é médico, então trate de ficar quieto — Lenna disse com uma expressão de desaprovação.

— Além disso, senhor, seu ferimento é sério, mexer nisso aí, sem nada para dor...

— Ah! Deixe disso garoto. Desde quando você já me ouviu reclamar dessas coisas?

— Vocês falam demais — Cázhor dizia impaciente, enquanto abria os olhos — Se quer tanto sofrer, vamos resolver isso logo.

O mago instruía à Vladmyr a como fazer umas amarras no tornozelo do guerreiro.

— Quando eu disser três, você puxa.

— Tá vendo só, garoto, até o mago me entende...

— Três!

— Mago filho da PUTA!

Um grande estralo veio da perna de Ector, que se contorcia de dor em meio aos xingos.

— Considerando o quanto deve ter doido, isso foi até um elogio. Bom... agora está no lugar, isso facilitará a cura natural do seu corpo.

Ector parecia que ia avançar no mago a qualquer momento, o que era algo raro de ser ver. Ele não esperava que isso fosse doer tanto. Lenna e Vladmyr tentavam apaziguar o grandalhão, enquanto Cázhor continuava a provocar.

— Meu caro, como você não parava de reclamar dessa maldita perna, eu lhe fiz o favor de ajeitá-la. Veja bem, você ainda tem seu membro, está melhor que eu. — O mago olhava de forma irônica para onde deveria estar seu braço esquerdo.

— Sua sorte é que eu não bato em aleijados!

— Disse o perneta...

— Vocês dois, querem parar! — Lenna os encarava seria, como uma mãe que repreendia os filhos.

— Me impressiona que o elfo não acorde com toda essa barulheira — Vladmyr olhava para o jovem, ainda inconsciente na cama.

O comentário do garoto trazia preocupação ao grupo. Mais um dia se findava e Eduardh não esboçava nenhuma reação. O silêncio pairava no ar, mas o estalar da madeira enquanto queimava, fazia hora ou outra, Vladmyr acordar atordoado. O garoto também estava exausto e, por mais que lutasse, seu corpo se desligava da realidade, o fazendo cair no sono novamente.

Mesmo a tempestade tendo diminuído, o vento soprava forte, sendo possível ouvir o zunido que fazia quando passava entre as frestas da casa. Mas, nessa noite, um barulho diferente chamou a atenção de Vladmyr, que ainda estava de guarda.

— Ei! Acorda! — ele cochichava, ao mesmo tempo que sacudia Lenna.

— O que foi? — A garota bocejava enquanto coçava vagarosamente os olhos.

— Temos companhia — disse, sinalizando para a parte de trás da casa.

Vladmyr, pegou sua espada e acordou os demais. Lenna se concentrava em dar o suporte e localizar a origem do tal barulho. Apesar da ventania, seu excelente olfato, identificou dez odores diferentes, sinalizando para Vladmyr suas localizações. A intenção hostil era inegável.

— Droga! Estamos numa baita desvantagem. — Ector se levantava, usando seu machado como apoio.

— Temos que sair daqui.

— E abandoar o elfo? Não vai dar! — concluiu o mago ao olhar o estado do grupo.

— Hunmm... vou dar uma olhada lá fora, fiquem aqui — Vladmyr se dirigia à porta, quando sentiu algo o segurar.

— Sozinho? — Lenna o encarava — Não mesmo! Vou com você.

— E quem vai ficar com esses dois e o desmaiado ali?

— Garoto, mesmo que tivessem arrancado meus olhos, eu consigo te partir ao meio sem esforço.

— Pelos deuses, vão logo! — Cázhor já estava impaciente.

A neve já havia parado. À frente da casa, o caminho que Vladmyr abriu, entre suas idas e vindas da floresta, estava intacto. Isso indicava que, o que quer que fosse, ainda não haviam se aproximado. Apesar da pouca vegetação, era uma noite sem lua, o que dificultava ainda mais perceber alguma coisa.

— Ei vocês! PARADOS! — Homens fortemente armados gritavam, enquanto surgiam por trás dos arbustos.

— Fique atrás de mim. — Vladmyr se posicionava entre Lenna e os que os abordavam.

— Será que são os druidas? — Lenna cochichava, encolhida nas costas do jovem oficial.

— Minha memória não está lá grandes coisas, mas creio que eles não vestem armaduras desse tipo — Vladmyr parecia confuso — de qualquer forma, já não havíamos resolvido o mal-entendido com eles?

Ambos olhavam sem compreender bem o que aquilo significava. Pareciam soldados do reino de Carmim equipados com armaduras reforçadas dos druidas, fundidas com grandes chapas de metais.

— O que está acontecendo aqui soldados? — Uma voz firme veio da direção da casa.

Ector, surgiu carregando seu enorme machado, encarando o grupo de homens que os cercavam. Ele havia feito uma tala na própria perna, depois que o mago deu um jeito na fratura, era possível andar com menos dificuldade.

A aparição do guerreiro deixou a situação ainda mais tensa. Sua forte e imponente presença, acabou trazendo um clima pesado e hostil, mesmo que não fosse sua intenção. Sem respostas, estava claro que nenhum deles reconhecia ninguém do grupo. Os soldados tinham um olhar cansado. As várias cicatrizes pelo corpo, indicavam que, após muitas frustrações e perdas, já não se davam ao luxo de acreditar mais no que viam.

— Quem são vocês?!

— Abaixe a arma, garoto. Creio que está acontecendo um enorme mal-entendido aqui.

— Arqueiros! — O barulho dos arcos ecoava ao redor do grupo.

— O que está acontecendo? — Cázhor se aproximava — Eles não são do exército? Mande-os parar.

— Atir...

— Espere um pouco, Gutter — Uma voz familiar sobressaiu por trás dos soldados, impedido que o grupo fosse fortemente alvejado.

— Varbbek? — Ector, disse surpreso sem entender a recepção.

O druida acompanhava, com um olhar incrédulo e confuso, o grupo que se aproximava.

— Sr. Beothoro, o que significa isso?

— Então agora estão copiando até os trejeitos? Interessante...

— O quê? Do que ele está falando? — Vladmyr estava tão confuso quanto o restante do grupo.

Claramente, o grupo não era visto como aliado. Lenna, então, lembrou da poção que Varbbek pessoalmente lhe entregou, não havia melhor prova de confirmar serem eles mesmos. Sem pensar, ela abriu sua bolsa na esperança de que o frasco ainda estivesse inteiro. Nesse momento, todas as armas se posicionaram contra ela.

— Ca... calma. Vejam só! — Ela mostrava, aliviada, o frasco com o líquido, que era agitado pelo tremor de sua mão.

— Pelos Deuses! Homens abaixem suas armas — espantado, Varbbek ordenou a seus homens.

Um pouco impaciente, mas sempre com seu tom sarcástico, o druida se aproximou, ficando frente a frente com Lenna. Ela, sem entender o que ele queria, ficou estática, focando seu olhar para frente assim como estava. Varbbek se abaixou em sua direção, afinal era bem mais alto que ela.

— Me dê isso aqui!

Após ela lhe entregar o frasco, ele deu uma boa analisada em seu conteúdo. A garota ainda estava ali parada. Além de ser alguém muito importante, ele, de certa forma, impunha respeito. Seu extremo mau-humor fazia sua presença ser mais notável ainda.

Verificando o pequeno recipiente, ele o balançou de um lado para o outro na frente da pobre garota, que só conseguia acompanhar com os olhos o movimento.

— É... difícil de acreditar, mas são vocês mesmos! Vamos! Temos que sair logo daqui, antes que eles venham. — Sem explicar, ele se virou, abriu o frasco e jogou o líquido de lado.

— Mas... mas... — Lenna não entendia a atitude do druida.

— Ahhh... isso? — ele continuou de forma debochada — Na época eu estava zombando com a cara de vocês. Isso era suco de uva... Hahaha...

— Mas o selo? — A garota estava indignada.

— O selo era só para evitar a entrada. Não queríamos impedir algum sobrevivente de sair, sabe? — Apesar do sarcasmo, o druida parecia apreensivo em ficar parado ali.

“Que babaca”, Lenna olhava para o druida com grande reprovação.

— O que é isso, garota? Um pouco de humor não faz mal a ninguém... — concluiu Varbbek com seu já conhecido tom debochado, após ver a expressão da jovem.

— Agora não é o momento — afirmou Cázhor, direcionando sua fala à maga, o que arrancou um olhar confuso e indignado da garota.

— Vão em frente, eu busco o elfo — disse Vladmyr, enquanto ia em direção à casa onde estavam.

Depois, finalmente reunidos, eles caminhavam liderados pelo druida. Porém, ficou claro que o grupo tinha muitas dúvidas sobre o que havia acontecido ali.

— Vocês terão de esperar — disse Varbbek ao perceber os olhares confusos — assim que chegarmos à base, teremos tempo para explicações.

O caminho era familiar, estavam indo em direção àquela construção que lembrava um castelo. Tanto a vegetação quanto as construções estavam todas muito diferentes. Tudo parecia estar em ruínas, não havia moradores, as casas estavam abandonadas da mesma forma das que viram pouco antes da batalha contra o golem. Era muita informação. Muitas dúvidas surgiram a cada passo. Era unânime que chegar ao castelo era mais importante. Qualquer desperdício de energia e tempo nessas condições não era nada inteligente a se fazer.

Finalmente chegaram à sede dos druidas. Um grande portão se abriu. Os soldados reverenciavam o retorno de seu líder. Um grande estrondo confirmava o fechamento da entrada atrás do grupo, que, agora, seguia em direção ao interior da sede. A sensação era como sair de um lago congelado e sentar-se à frente de uma fogueira acesa em seu ápice. Apesar do baque, se livrar do frio excruciante era um alívio.

Não havia civis, apenas guardas e mais guardas. Diferente da outra vez, os olhares não eram de desconforto ou desprezo e sim de descrença. Estavam todos exaustos. Varbbek ordenou aos guardas que os levassem para os quartos para poderem se recuperar. Seria melhor conversar no dia seguinte. Todos concordaram, nenhum deles estava em condições de continuar sem uma pausa.

Diferente da outra vez que ficaram em algo parecido com uma enfermaria, agora tinham quartos individuais. Bem elaborados, com confortáveis camas e grandes banheiras de água quente, alimentadas por uma enorme caldeira que fica do lado de fora, mas ainda na área do castelo. Próximo à cama, uma pequena mesa redonda com duas cadeiras de madeira escura e polida. Mais ao canto, um pequeno sofá feito com um material semelhante ao couro. Todos os quartos eram bem iluminados por cristais mágicos e, conforme o desejo de seu hóspede, a intensidade do brilho podia aumentar ou diminuir.

Ector deixou Eduardh aos cuidados de Lenna, enquanto os demais já estavam acomodados em seus quartos. A garota estava sozinha com Eduardh, ele ainda estava desacordado, então, para não atrapalhar seu descanso, preferiu deixar as luzes mais brandas, iluminando somente o suficiente para poder enxergar os materiais que iria usar para cuidar dele.

Com alguns panos limpos e uma bacia de água quente, ela limpava o sangue da boca do elfo, além do já seco em torno da marca e havia escorrido por seu peito. Mesmo no interior da sede, o frio ainda se fazia bem presente e Lenna acabou se distraindo, passando levemente as pontas dos dedos, ainda um pouco dormentes, na água quente. Quando voltou a si, se deu conta de que a água esfriava rapidamente nessa temperatura, então não podia se delongar muito. Sem contar que o elfo estava parcialmente descoberto, o que poderia agravar mais ainda seu estado.

Mais que depressa, pegou um novo pano para terminar de limpar as feridas, quando, ao se voltar para ele, percebeu que o elfo havia acordado e a encarava afetuosamente. Apesar de tudo que ele havia passado, ele parecia estar bem confortável naquele momento. A visão de seu peitoral exposto a provocava de uma forma que nem ela mesma entendia o porquê. Toda a situação a fez esquecer rapidamente do susto que levou quando o viu acordado a encarando.

Eduardh abraçava o travesseiro, se aconchegando mais na cama, permanecendo calado, apenas a observando. Timidamente, ela se aproximou para finalizar a limpeza das feridas. Com um sorriso malicioso, ele a segurou pelas mãos de uma forma gentil. Agora sentado na cama, a puxou para perto de si. Ela estava em êxtase, acabou sentando de forma automática na cama. Seu corpo se comportava de tal forma que não respondia mais aos seus comandos. Não sabia como se comportar nesse tipo de situação.

“Não é ruim... diria que é diferente”, ela tentava avaliar o cenário em que se encontrava.

Eduardh afagava as longas mechas ruivas da maga, trazendo-a, sem resistência, cada vez mais para perto de si. Estavam tão próximos que suas respirações se uniam em uma só. Ele estava prestes a beijá-la...

— Bati na porta, mas ninguém respondeu. O Sr. Brugnar pediu para procurar a Lenna, e como a porta estava abert... — Vladmyr se deparava com a cena dos dois e não sabia como continuar sua frase.

— Foi mal, não queria interromper vocês — disse finalmente o jovem, saindo do quarto rapidamente, fechando a porta com força e fazendo um grande barulho.

Lenna se encolheu ao ouvir o estalo da porta. Estava totalmente constrangida com o que havia acontecido. Queria ir ao encontro de Vladmyr, mas, ao mesmo tempo, pensava o porquê de precisar se explicar. Era uma mistura de sentimentos estranhos. Ela ainda estava sentada na cama, sem saber o que fazer. Eduardh revirou os olhos, soltando um grande suspiro ao ver a preocupação dela. Como qualquer interesse que ele tinha em mente foi por água abaixo, preferiu deixar as coisas assim. Deitou-se em sua cama novamente, pegando repentinamente da mão de Lenna, o pano que ela ainda segurava.

— Vai logo! Se está tão preocupada assim, melhor se apressar — disse o elfo, levemente irritado, enquanto encobria os olhos com o braço.

— Eu... eu já volto. — Ela se levantou rapidamente.

— Não se preocupe, eu não quero que ele pense que te obriguei a nada ou que estou te prendendo aqui.

— Eu não fiz nada que eu não quisesse — disse ela, com um sorriso envergonhado, enquanto fechava a porta.

O pequeno feixe de luz projetado do corredor nesse momento foi suficiente apenas para exibir a breve reação do elfo. Ele olhava surpreso com as palavras. Depois, já em meio à escuridão, ele, timidamente sorriu.



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