Magia Gênesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 1

Capítulo 7: Um outro lado da história

Enquanto essa nova figura caminhava lentamente para o palco de toda a situação, Vladmyr aproveitou para finalmente se agrupar com os demais. Todos ainda estavam em posição de ataque, sem saber o que viria pela frente.

Finalmente aquele senhor chegou em frente ao grupo e, com um tom despreocupado, cumprimentou os forasteiros frente-a-frente.

— Sejam bem-vindos meus caros visitantes — o velho parou para puxar o ar — meu nome é Akhas Beothoro, sou o antigo líder desse vilarejo.

Com um olhar caído e cansado, Akhas andava em direção ao jovem druida caído ao chão. Não expressava nenhum sinal de raiva. Algo dentro de si lhe dizia que, depois da forma como tudo aconteceu, não via esse grupo como ameaça ao seu lar. Uma vez que poderiam ter finalizado essa batalha de outra forma, tal atitude, só reforçava seu julgamento.

Mesmo após dispensar os guardas, alguns, ainda desconfiados, permaneciam próximos fazendo a ronda. Outros dois levaram o líder druida para uma cabana próxima para tratar dos seus ferimentos e acomodá-lo enquanto estivesse desacordado.

— Peço humildemente desculpas pela recepção, nada calorosa, do meu neto — disse Akhas.

— Neto? — disse o grupo, quase que de forma simultânea.

— Sim! Tão cabeça quente quanto eu, quando mais jovem.

— Percebemos! — ironizou Cázhor.

— Como meu neto, provavelmente já deve ter dito, não costumamos receber muitas visitas amigáveis. Nosso povo desaprendeu a confiar em estrangeiros após tantas baixas e ataques. E tudo por quê? — questionava Akhas — para roubar nossas riquezas e iguarias naturais.

O grupo cedeu após confirmarem que, mesmo com a tensão espalhada pelo local, a batalha havia momentaneamente cessado.

— Venham! — O ancião solicitou que todos o seguissem para se acomodarem em uma cabana mais ao centro do vilarejo — Precisamos conversar, entender melhor o que aconteceu aqui.

Ector e Cázhor se prontificaram a ir à frente do grupo, seguidos por Vladmyr que ainda estranhava tudo aquilo, sem contar que ainda tinha muita dificuldade para respirar e por último Lenna junto a Eduardh. Ela ainda não sabia o que aconteceu enquanto estava desacordada e muito menos quem era esse novo integrante que parecia já estar muito à vontade no grupo.

O ancião guiou o grupo até a tal cabana no meio da floresta. Ao adentrarem, era notável o quão aconchegante era o lugar. Não era de fato uma cabana, lembrava mais uma casa bem arquitetada, feita com materiais da própria região.

Grandes folhagens, cipós e bambus trançados reforçavam as bordas das janelas e portas. A lama, junto a argila nas paredes, davam um tom escuro ao local que contrapunham com a claridade de vários cristais mágicos. Cristais esses, que tinham um formato achatado e quadrangular, distribuídos por todo o telhado e cabiam-se de trazer a iluminação um pouco azulada ao local.

O Grupo estava perceptivelmente cansado. Os efeitos da neblina tóxica ainda se faziam bem presentes. Ector, claramente fadigado, mantinha um olhar firme, apesar de seu ferimento no ombro ainda não ter cessado o sangramento. Vladmyr usava de sua espada como apoio outrora, mas ao chegar na cabana, rapidamente ergueu-se ao lado de seu superior, talvez na tentativa de demonstrar que não estivesse tão ferido, ao ponto de parecer vulnerável. Cázhor apesar de não ter sofrido nenhum tipo de dano, se sentia bem fadigado. Entoar uma magia tão poderosa por tanto tempo demandava de muita essência espiritual. Lenna estava praticamente recuperada. O tratamento da poção de seu mestre, combinado ao tempo que ficou desacordada, lhe fez muito bem.

Eduardh, juntamente de Lenna, apenas observavam atentamente toda a situação, visto que eram os únicos com alguma condição física estável, caso houvesse necessidade de entrar em uma nova batalha, poderiam reagir.

Akhas sentou-se em algo que se assemelhava a um grande sofá rústico, feito de uma madeira pesada entalhada diretamente naquele formato. Acolchoado com uma grossa camada de fios de linho entrelaçados e tingidos com um tom vermelho bordô, o móvel se destacava. Os demais móveis do local lembravam os mesmos de uma casa comum, com a diferença que eram bem ricos em detalhes.

Enquanto o grupo, ainda de pé, observava o interior do local, um homem, acompanhado de duas mulheres, entrou na cabana. Com vestes mais simples que a dos soldados, aparentavam ser habitantes comuns do vilarejo. Cada uma das mulheres trazia consigo duas bandejas com carnes, frutas e demais alimentos. Uma delas carregava cálices cheios de alguma bebida escura.

— Sou um dos curandeiros do vilarejo, vocês precisam de cuidados — disse o homem, que entrou por último, trazendo com sigo algumas ervas, ataduras, panos e um grande balde com água.

Finalmente eles se deixaram levar. Acomodaram-se nas grandes poltronas para que seus ferimentos fossem tratados e pudessem se alimentar. Afinal, realmente estavam famintos após todo o embate.

— Então... qual o motivo da presença em nossa remota vila? — disse o ancião.

— Estamos atrás de um antigo livro que possivelmente está próximo a essas coordenadas — respondeu Cázhor da forma mais resumida possível.

— Se realmente fosse algo sem importância, jamais nos colocaríamos em tal risco, adentrando sem permissão em suas terras — completou Ector.

Durante a conversa, uma das moças entregava os cálices. Mesmo após toda a recepção, eles encaravam o vasilhame ainda com um ar de dúvida.

— Hahaha! — A gargalhada de Ector ecoava, deixando o grupo constrangido e sem reação. — Há tempos não saboreava o verdadeiro hidromel!

Eduardh também reconheceu a bebida alcoólica. Fermentada com açúcares, das mais antigas flores-de-mel. Cázhor pensou ser impossível tal iguaria ainda ser produzida depois de tantos séculos esquecida. Sendo mal plagiada e vendida por salafrários nos arredores dos reinos. De alguma forma, após tudo o que já tinha visto, sabia que essa era, de fato, a receita original feita com as raríssimas iguarias dos druidas de Mizuyr.

Após um tempo de conversa e uma farta ceia, Cázhor mencionou estar a mando de Gregory, o líder do Conselho de Ancor.

— Sr. Sthef fez questão de pessoalmente nos solicitar essa busca. Uma vez que exista o tal livro, devemos recolhê-lo imediatamente e levá-lo em segurança quanto antes.

O senhor escutava atenciosamente o que o mago lhe contava. Sua expressão lentamente se transformava de serena em uma feição preocupada e aflita.

— Eu já ouvi falar sobre essa história através de meus ancestrais. Nunca imaginei que realmente fosse verdade — disse o ancião, enquanto esfregava os dedos em sua barba cerrada — se apenas uma réplica do conteúdo do livro já fez tanto estrago, justifica a preocupação do conselho caso o verdadeiro caia em mãos erradas.

Em um certo momento, durante a explicação de Cázhor, Akhas olhou de uma forma fixa para o pequeno medalhão preso por uma corrente em torno do pescoço de Lenna. Parecia forçar sua visão para tentar enxergar algo específico. Todos na sala ficaram sem entender o que estava acontecendo.

— O senhor gostaria de vê-lo? — disse Lenna um pouco constrangida pela situação.

Ao começar a retirá-lo, foi sutilmente interrompida quando percebeu o mesmo modelo de medalhão, talvez um pouco mais gasto, nas mãos do ancião.

— Conheço bem aquele moleque, já me encontrei algumas vezes com ele. Aquele ser pálido sempre tentando me convencer que a melhor forma de evitar os ataques ao nosso povo seria revelar nossa posição e nos unir a aliança de Ancor — disse Akhas.

O velho olhava com uma expressão levemente aborrecida. De uma forma ou de outra, sabia que Gregory, finalmente, acabou conseguindo o que queria.

— Visto a gravidade da situação, vou compartilhar o que sei. Talvez seja de alguma ajuda — Akhas continuou — De gerações em gerações, meus antepassados passaram em diante uma lenda sobre uma antiga essência que se concentrava em um único ponto da terra. Diziam ser uma parte da essência da própria deusa Gaia. Uma magia que transbordava em uma terra que desconhecia ainda tal matéria, causando um desequilíbrio na região. Tal essência modificou o mundo. Essa energia se transformou na magia que hoje conhecemos. Claro que tudo é só uma lenda...

Nesse momento, um dos soldados que vigiavam a entrada se aproximou e cochichou algo próximo ao ouvido do ancião, como se conhecesse algo, mas não pudesse ou não soubesse se poderia falar diretamente ao grupo.

Akhas após escutar a informação, expressou uma feição incrédula, mas após décadas presenciando acontecimentos que acreditava serem impossíveis, não duvidava de mais nada. 

— Acredito que nosso companheiro tenha me lembrado algo importante. — Akhas fazia uma expressão de quem tentava se lembrar de algo, mas tinha muita dificuldade.

O grupo aguardava impaciente o senhor organizar seus pensamentos, apesar que tanto Ector quanto o elfo, estavam deslumbrados com a rara e exótica bebida.

— Ah sim! Me lembrei!

— Graça aos deuses! — disse Cázhor, impaciente.

— Existe um antigo templo dentre as rochas, embrenhando-se ainda mais na floresta. Um local selado devido à quantidade de energia que emana, além dos aventureiros curiosos, até mesmo da própria vila, que a adentraram e nunca retornaram. Talvez seja o local que procuram...

Antes que o ancião pudesse dar continuidade aos demais detalhes, foi interrompido ao perceber os olhos aflitos do grupo direcionados para a entrada da cabana bem atrás do ancião. Uma figura repentinamente se formou sem aviso. Era Varbbek que acabava de entrar na sala, acompanhado por duas mulheres que tentavam lhe impedir, enquanto ele se forçava a andar sem aparentar sentir nenhuma dor.

— Por favor, senhor, pare! Suas feridas vão abrir — Com uma expressão preocupante, as mulheres tentavam impedi-lo, seu peito estava coberto por bandagens e faixas e algumas já estavam levemente em tom rosado.

— Me deixem em paz! Estou bem.

Nesse momento, em uma reação inesperada, o grupo levantou-se bruscamente em posição de batalha.

— Meu neto, não assuste nossos convidados. Já tivemos desentendimentos de mais por um dia! — repreendeu Akhas após a entrada repentina e desnecessária de seu neto.

O rapaz lançou um sorriso levemente irônico ignorando a situação. Sentou ao lado de seu avô, com muita dificuldade. Mesmo visivelmente abatido, mantinha uma postura ereta. Como líder, queria manter-se atualizado da situação. Varbbek parecia envergonhado pela condição em que se encontrava. Aparecer diante de seus subordinados após uma derrota, que poderia condenar todo o vilarejo, era imperdoável.

— Vamos acalmar os ânimos, afinal a batalha já acabou — disse Akhas.

Após tudo se resolver, o grupo contou toda a história por trás do motivo que os trouxe ali. O ancião recomendou que antes de seguirem viagem, deviam descansar e se preparar para o que viria poderia vir pela frente. Além das batalhas que tiveram de enfrentar até aqui, não havia como saber o que poderiam encontrar ao adentrar aquela caverna.

Varbbek era o mais indicado para ser o guia até a entrada do templo. Esse tipo de informação era passado de líder para líder. Seria mais inteligente para ambos lados, aguardar a recuperação dele, para evitar qualquer inconveniência durante o percurso. Ele ferido do jeito que se encontrava no momento não seria de muita utilidade. Tanto Cázhor quanto Ector concordaram com a oferta, parecia o mais sábio a se fazer no momento.

— Tem um local que vocês podem passar alguns dias e se organizarem para a nova viagem. Uma cabana comprida, tem poucos móveis, algumas camas... não muito bem iluminada, mas vai servir — disse Varbbek.

O druida se referia a um local, que no passado, servia para repouso de pessoas que se feriram ou que estavam adoentadas, mas estava em desuso há algum tempo.

— Ela precisa ser limpa e organizada para melhor acomodá-los — completou Akhas — peço a todos que me sigam, até a instalação principal.

Apesar de ser em meio a floresta, o lugar onde foram, era em uma grande construção com um salão principal bem-planejado. Além de bambus e argila como os demais casebres, aquela região tinha construções mais fortificadas, similares a periferia do reino de Ancor. Grandes tijolos de argila endurecida, bem alinhados e moldados com tanta delicadeza davam um ar diferenciado.

Durante o caminho passaram por uma estrutura que trazia uma vaga lembrança de um castelo, com longos corredores, salões e quartos. Tinha um ar sombrio devido à mata fechada. A luz natural quase não chegava ao local. As tochas distribuídas por vários lugares eram o que garantiam a melhor visibilidade do caminho.

Os finos acabamentos por todos os lados lembravam um pouco a sede da magia, acompanhados de móveis de madeira escura e um estofado robusto. As casas ao redor também eram no mesmo estilo, porém menos detalhadas e bem menores, comparadas ao local onde ficava o salão principal.

— Podem se sentir à vontade, mas deixo bem claro que devem evitar aventurar-se demais pelos salões — disse Varbbek — afinal nem todos são adeptos a forasteiros sobre o mesmo teto.

Sua voz transmitia um leve tom cético em relação ao grupo. Enquanto ele se afastava, o som se dissipava, até definitivamente sumir junto a sua silhueta dentre os corredores mais adiante. Agora o grupo estava sozinho.

Enquanto esperavam, era notável o clima pesado entre eles. A insegurança de Vladmyr, em salvar um membro do grupo por motivos pessoais, era inadmissível. Lenna e Cázhor aguardavam próximos à entrada do local. Estavam sentados cada um em uma pequena, mas bem confortável poltrona individual, enquanto Vladmyr e Ector tentavam relaxar em um grande sofá um pouco mais distante dali. Eduardh, por estar há pouco tempo com o grupo, estava mais isolado, próximo a uma janela que dava uma ampla visão do lado de fora do estabelecimento.

O elfo observava o local, avaliando possíveis saídas em caso de emergência, quando sentiu um leve incômodo, como se alguém o encarasse constantemente, mas não aparentava ser um inimigo ou alguém ameaçador. Percebendo de onde essa sensação vinha, olhou lentamente para trás em direção à porta e viu que Lenna, descaradamente, desviou o olhar meio sem graça.

Foi só então que ele se deu conta que, depois de tudo o que aconteceu, ela era a única que provavelmente nem sabia quem ele era. Mesmo ele sendo a pessoa que a manteve no colo durante boa parte da jornada, ela provavelmente não se lembraria, estava desacordada.

Devido à reação de Lenna, Eduardh concluiu que Cázhor havia lhe contado brevemente o que aconteceu durante o percurso. Era perceptível o quanto ela estava sem graça. Com um sorriso bem sereno e, ao mesmo tempo, também sem graça, ele se virou e foi em direção a ela.

— Acho que devo me apresentar pessoalmente: Eduardh Hardro — disse ele gentilmente ajoelhando-se para ficar na mesma altura dos olhos dela.

Ela permaneceu sentada sem saber o que fazer. Seu rosto, a cada momento, ficava mais avermelhado. Parecia que iria explodir a qualquer momento. Nunca teve experiências desse tipo com ninguém, normalmente as pessoas só despejavam olhares de desprezo.

— Sou o mais novo integrante do grupo... o rastreador que o Lorde Gregory deve ter mencionado — disse Eduardh.

O elfo fez questão de comentar sua versão do que aconteceu durante a batalha com o golem. Sua voz era carregada de sarcasmo enquanto olhava em direção a Vladmyr.

— Eu te entendo um pouco, sabe. Deve ser difícil passar por tudo o que você passou e não poder contar com pessoas que deveriam estar ao seu lado.

Vladmyr observava toda a situação. Tal atitude foi o gatilho para que ele se levantasse bruscamente, claramente irritado com a indireta de Eduardh. Porém, antes mesmo que pudesse terminar de ficar em pé, sentiu um grande solavanco em seu ombro esquerdo. Ector com uma expressão bem irritada, o repreendia, fazendo um sinal de desaprovação à sua atitude.

— Fique quieto, rapaz! Chega de confusão.

— Senhor, por acaso você se esqueceu o que essa raça fez na Guerra de Carmim? Esse cara, ainda defende ela! — Vladmyr estava indignado com a situação — Essas feras selvagens, sem sentimentos. Nem mesmo crianças foram poupadas. Deviam ter vergonha até mesmo de andar entre os demais. Até mesmo meu pai...

— Eu disse quieto! — ordenou Ector.

Vladmyr não conseguia entender o porquê de que todos ali, fingiam esquecer esse fato. Tal situação deixava Lenna cada vez mais desconfortável. Estava indignada com o que ouvia. O cenário não diferia de outras vezes, mas as várias experiências anteriores de retaliação que sofreu ao tentar se impor, foram suficientes para ela se manter calada diante da situação. Diante do argumento de Vladmyr, Ector e Eduardh mostraram-se impotentes em rebater a acusação.

— Vá se banhar e depois, prepare-se para dormir. Esqueça isso. Eu resolvo — disse Cázhor ao pé do ouvido de Lenna, quando percebeu que a situação ficaria insustentável.

Silenciosamente, Lenna se levantou com uma pequena trouxa nas mãos e, cabisbaixa, foi em direção à porta. Ela se ausentou tão suavemente que, devido ao clima pesado no lugar, Vladmyr nem percebeu que ela havia saído.

“Esse moleque, já passou dos limites. Umas boas verdades, talvez o faça entender e esclarecer de vez que a história não é bem assim como ele crê”, pensou Cázhor irritado.

Ector olhava toda a situação com uma expressão cansada. Provavelmente já estava esgotado de repreender seu oficial. Eduardh fazia questão de demonstrar não se importar muito com os gritos e reclamações de Vladmyr.

— Escute, Sr. Polan, a história é diferente de como todos pensam ser. Muitas coisas foram encobertas para que os danos não fossem maiores ainda. É complicado dar muitos detalhes, por isso, resumirei a situação e acabarei com esse mal-entendido.

— Como assim mal-entendido? Do que está falando? — Vladmyr estava confuso. Para ele, tudo aquilo era apenas uma forma de livrar Lenna das acusações.

— Aqueles sendo dados como estopim da guerra, na verdade, podem ser mais considerados vítimas. Centenas de anos atrás, existia uma raça que hoje praticamente está extinta, ao menos na sua forma original: os transmorfos puros. Eles não eram o resultado de outras raças misturadas, tinham sua própria essência, assim como os elfos, druidas, bruxas e afins.

— Creio já ter visto algo assim quando era criança... — Eduardh tentava se lembrar, mas sem sucesso.

— O Conselho de Ancor já estava ciente, na época, de um motim que se organizava por baixo dos panos — continuou Cázhor — várias milícias já davam indícios da tentativa de um golpe de estado. Naquela época, Gregory era apenas uma criança e o líder do conselho era seu avô, Hermont Sthef. Um homem calejado e muito cabeça dura, que acreditava somente no poder militar. Autoritário e de mente fechada, preferia sacrificar seu povo em “benefício” da ordem.

— Rapaz, você não tem quase a mesma idade que o Gregory? — questionou Ector.

— Sou dois anos mais velho. Mas qual o motivo dessa pergunta?

— Você também era uma criança, como sabe tanto dessa época? E por quê? Esse grupo esconde tantas coisas um dos outros. Difícil acreditar que estamos todos do mesmo lado. — Ector estava cansado de tantas histórias mal contadas.

— Entrei bem cedo para o conselho, meu caro. Ser muito jovem, não me eximiu dessa trágica verdade e suas obrigações. Você deveria saber. No seu meio, sei que também assumiu muito jovem. Diferente de você, que provavelmente sabe segredos de guerra, eu trato da parte obscura do nosso governo.

— Mas isso não é o importante agora. Continue sua explicação.

— Como eu dizia, infelizmente Hermont era apoiado por muitos com o mesmo pensamento que ele. Na tentativa de se precaver, ele já havia feito muitos estudos e reunido pessoas poderosas que compartilhavam das mesmas ideias: projetar a melhor ferramenta para evitar esses possíveis motins. Confirmado que o golpe de estado era inevitável, na tentativa de criar super soldados para agregarem o exército, a raça mais adequada para esse teste, na sua visão, eram os transmorfos de puro-sangue.

— Como assim ferramentas? — questionou Eduardh.

— Isso mesmo, meu caro, para eles, todos eram descartáveis. Mesmo que, na época, se soubesse pouco sobre os transmorfos, Hermont conseguiu reunir bastante informação sobre tais seres. Talvez sua grande influência tenha sido um ponto-chave nessa busca.

— Mas o que seriam esses transmorfos de puro-sangue? — Vladmyr estava, realmente, muito interessado no que o mago dizia.

— Diferente dos demais, acredita-se que essa raça tenha nascido devido a uma forte anormalidade mágica, fusionando a essência de um humano a um animal — Cázhor parecia constrangido por não ter uma explicação melhor — talvez algum capricho de Gaia ou então a necessidade de adaptação ao meio.

— Isso parece muito irreal. Mesmo que venha de você, é algo difícil de aceitar. — Vladmyr estava totalmente resistente às novas informações.

— Ainda não se sabe bem como foi o processo de evolução, mas essa raça reúne as melhores características físicas e mentais de ambos. Em geral, são mais vigorosos, ágeis, possuem uma fonte de magia maior que a maioria da população dos reinos.

A cada parte da história contada, o grupo se sentia cada vez mais enjoado. Tentavam acreditar que, na verdade, tudo não havia passado de uma brincadeira de mal gosto. Mas a expressão no olhar de Cázhor não deixava dúvidas de que era a mais pura realidade.

— O que mais chamava a atenção — continuou Cázhor — era que certas mutações, tinham um grande índice de regeneração, características essas que, aos olhos de Hermont, os tornavam soldados perfeitos. Claro que nem todos possuíam todas essas características e, devido a isso, nasceu a maior atrocidade que a história encobriu.



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