Magia Gênesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 1

Capítulo 17: Confie em mim!

De braços abertos, o mago andava lentamente em direção à sua pupila. A cada passo, seu corpo sofria cortes, alguns profundos, devido aos ricochetes que a magia fazia.

— Mago, volte aqui! Isso é loucura! — Ector insistia aos gritos.

Cázhor se recusava a recuar, por mais complicada que a situação estivesse, ele demonstrava saber o que estava fazendo. O sangue escorria com facilidade pelas feridas, como se não coagulasse. Lenna nem percebeu a aproximação dele, estava inconsolada com o que aconteceu ao elfo.

— Minha pequena, tenha calma. Escute a minha voz e concentre-se nela. Deixe-me ajudar — Cázhor era sereno em suas palavras, se aproximando cada vez mais.

Chegando ao limite da grande esfera, ele mesmo admitia que, passar dali, seria suicídio. Precisava que ela desfizesse a magia. Aos guerreiros apreensivos, só lhes restavam observar para tentar entender o que estava acontecendo.

— Veja, ele ainda respira. Ele ainda está vivo. Mas se não me deixar passar, não haverá o que mais se fazer para salvá-lo — Cázhor falava de uma forma terna.

— Ele ainda está vivo? — Lenna repetiu.

Suas palavras saíam de forma irregular, com pausas entre uma lágrima e outra. Foi só então que ela começou finalmente a ceder. A possibilidade de ele estar vivo, trouxe de volta alguma estabilidade e, aos poucos, se desfez a magia que a protegia.

Ele a abraçou fortemente, confortando-a como uma criança. Algo que até então parecia totalmente improvável dele fazer com qualquer pessoa, nesse momento se demonstrava muito natural. Um abraço terno, que confortava e aninhava um pequeno ser desolado.

— Por favor, evidenciem a morte do Cérbero. Preciso tratar o Sr. Hardro quanto antes — disse Cázhor enquanto enxugava o excesso de lágrimas do rosto de Lenna.

 O estado dele era crítico, mas igualmente aos transmorfos, alguns elfos tinham uma regeneração bem avançada, aparentemente, era o que ainda o mantinha vivo.

Apesar de um pouco relutante, Cázhor, sem muita escolha, pegou uma poção que carregava consigo. Uma fórmula que ainda estava em desenvolvimento. De acordo com seus estudos, seus resultados em seres com alta regeneração eram incrivelmente eficazes, mas ainda estavam em fase de testes.

“Vale a pena o risco?” Se indagava, o mago.

Um líquido viscoso num tom esverdeado. Ainda não era lapidado o suficiente para ser aplicado na ferida, tinha que ser ingerido. O que dificultava muito administrar se tratando de uma pessoa inconsciente. Os guerreiros, após constatarem a morte da criatura, ainda incrédulos com o que aconteceu, se aproximavam dos magos para finalmente se reagrupar.

Claramente cansados, o grupo ainda tentava bolar algo para que Eduardh ingerisse sem desperdícios a poção. Eram tantos pontos que precisavam de atenção, fora que ainda havia a preocupação com o estado anormal de Vladmyr.

A entrada do templo, assim como toda a estrutura próxima à caverna, havia sofrido muitos danos. Era perigoso continuar próximo às grandes placas de pedra. Não dava para saber o quão instável estava esse lugar. Independente da ação, tinham que ser rápidos.

Lenna estava aninhada em um canto, apenas observando toda a situação. Segurava seus joelhos com os braços. Ainda desciam lágrimas de seus olhos, já levemente vermelhos pela irritação causada pelo choro. Vladmyr estava ainda muito confuso, claramente desconhecia quem eram as pessoas com as quais havia lutado lado a lado. Sua cabeça doía muito e seu ferimento ainda sangrava.

— Jovem, tá tudo bem? — Ector, preocupado, questionava o estado de Vladmyr, mas sem nenhum retorno.

O oficial apenas o olhava com desinteresse. Pressionando sua ferida com a palma da mão. Meio zonzo, ignorou a pergunta de seu superior e sentou-se próximo a Lenna, que, mesmo receosa, se limitou apenas a encará-lo, movendo seus olhos.

— Você... ahrrr... você está bem? — ele a perguntava cabisbaixo, ainda pressionando o ferimento.

Um longo silêncio se manteve. Sua cabeça latejava. Deixá-la abaixada entre as pernas aliviava um pouco a dor. Nesse momento, ele não conseguia se concentrar, antes mesmo que ele olhasse novamente para ela, sentiu um toque quente em seu rosto, logo depois, uma leve pressão onde sangrava. Surpreso ao ver que ela, sem falar nada, havia pegado alguns curativos em sua pequena bolsa que sempre carregava e começou a fazer um curativo de forma delicada e precisa nele.

— Obrigado! Ai, ai, ai!

Por um breve momento, um pico de dor o fez dar um leve solavanco, segurando de forma involuntária a mão de Lenna. A mesma mão que, tempos atrás, ele segurou fortemente enquanto a acusava. Isso fez com que ela se afastasse rapidamente, arrastando alguns centímetros ainda no chão.

Ele a olhava com uma feição preocupada e triste. Como se soubesse que havia feito algo muito errado, mas não soubesse ou lembrasse o que. Para Cázhor, estava mais do que claro que a pancada que o Cérbero lhe havia dado resultou na perda de suas memórias. Restava-lhe saber quanto tempo duraria ou até mesmo se seria definitivo.

“Mas isso poderia esperar.” O mago segurava aquele pequeno frasco pensando na melhor forma de fazer o elfo beber sem desperdícios.

— Não dá pra apenas colocar na boca dele, levantar um pouco o queixo e deixar a gravidade agir? — Ector, questionava impaciente.

— Impossível, meu caro. Você pode asfixiá-lo. Além disso, seria necessária uma força maior que a gravidade pode exercer nessa situação, por se tratar de algo bem viscoso.

As grandes orelhas de Lenna, nesse momento, se moveram rapidamente. Após se recompor, escutava mais claramente. O som que chamou sua atenção a deixou apreensiva. Era o som fraco de um coração que insistia em bater e ia contra a realidade de um grande ferimento.

Sem pensar, pegou suavemente o frasco das mãos de seu mentor. A ação inesperada fez com que Cázhor a deixasse levar sem resistência.

— O que cogita fazer, senhorita Weins?

Ela, pela primeira vez desde que se uniu ao grupo, ignorou totalmente a presença de Cázhor. Sua ação seguinte deixou todos atônitos. Eles olhavam enquanto ela derramava toda a poção em sua própria boca. Logo depois, ela ajoelhou-se bem próximo ao elfo, colocando-o com a cabeça apoiada em suas coxas. Então, levemente, trouxe o rosto do elfo para perto de si e delicadamente o beijou.

— Senhorita Weins, mas o que você está fazendo... — Cázhor se interrompeu ao entender a sua atitude.

Ela estava transferindo o líquido da poção para ele e, de alguma forma, fazendo-o engolir, devagar, mas estava dando certo. Uma cena um pouco constrangedora aos demais ali que apenas aguardavam, embaraçados, o resultado de tal atitude. Mas de fato deu certo.

Era impressionante como algo ainda experimental era tão poderoso. Em questão de minutos, Eduardh começava a recobrar a consciência. Ainda apoiado no colo de Lenna, tentava se concentrar nas imagens que se projetavam embaçadas à sua frente.

— O que aconteceu?!... Ai, ai, ai, ai... grr... — A frase do elfo foi interrompida com um grande abraço de uma pequena maga aos prantos.

Ela não conseguia falar nada, apenas estava muito feliz por seu salvador estar vivo.

— Calma garota. Vai acabar terminando o serviço que o Cérbero começou — dizia Ector aos risos, mas aliviado com o resultado.

Ao ouvir sobre a criatura, Eduardh tentou levantar-se rapidamente, mas a dor que sentia ainda era muito forte, fazendo-o sentir zonzo, sendo amparado por Lenna. Ela estava totalmente corada e evitava olhar diretamente para ele.

— Fique tranquilo, Sr. Hardro, ele já não é mais uma ameaça. Então, contenha-se e não me faça arrepender de gastar o último exemplar do meu experimento — Cázhor suspirava, dando de ombros enquanto juntava suas coisas em sua bolsa.

— Vamos! Eu te ajudo a levantar. — Vladmyr estendia a mão claramente emburrado.

— Ah... obrigado... — O elfo levantava sua mão já agradecendo, mas quando se deu conta de quem vinha a ajuda, preferiu esforçar-se para se levantar sozinho.

Tal atitude gerou uma situação bem tensa entre os dois. Vladmyr claramente não entendeu o motivo de tal comportamento. Para ele, era perceptível que, assim como Lenna, Eduardh também tinha algo contra ele, por motivos diferentes, mas mesmo assim, não fazia ideia do porquê.

— Hahaha! — Ector gargalhava — Apesar da sua perda de memória, algumas coisas não mudaram, né, garoto?

 Cansado, Cázhor deu de ombros, ignorando a situação que via. Vladmyr franzia o cenho, também tentava entender. O mago já havia percebido há um tempo a situação do jovem guerreiro, mas nessa situação, qualquer poção que ele tivesse ali não resolveria o problema. Provavelmente suas memórias voltariam com o tempo.

O Elfo ainda olhava desconfiado para Vladmyr, enquanto tirava o que havia restado de sua blusa. Uma vez que Lenna parecia uma pimenta de tão vermelha, e mal conseguia olhar para ele, restou para Cázhor fazer o curativo.

Enquanto recebia os cuidados finais, brincava com a situação pequena maga.

— Não era para tanto. Não... não acha sua atitude um pouco exagerada? Um homem sem blusa é algo comum, não é como se a gente tivesse se beijado ou você estivesse nu... — Ele se interrompeu rapidamente.

Em meio a sua frase, relembrou a cena em que acidentalmente a viu nua em seu banho, agraciada por todo o charme da natureza. Isso fez com que imediatamente ficasse sem reação. Já ela, quando Lenna ouviu a parte do beijo, congelou feito uma pedra, estática, parecia que iria explodir de tanta vergonha.

— Vamos, garota! Hora de sairmos daqui! — disse Ector.

Enquanto ela se recompunha e voltava seu foco para a missão, presenciou uma cena que a deixou perplexa. O que será que ia acontecer dessa vez?

 — As almas! Estão sumindo! Todas elas!

As almas, que até então serviam de alimento para o Cérbero, começavam a perder sua forma e suas essências se aglomeravam em volta da criatura caída. Uma a uma, cada vez mais e mais rápido, a grande massa de luz se formava até que, por fim, ela envolveu o Cérbero emitindo uma grande faixa de luz. O grupo não conseguia acreditar no que estava presenciando.



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