Magia Gênesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 1

Capítulo 16: Sacrifício! Emoção a flor da pele

Como esperado, ocorreu uma grande explosão. Era nítida a apreensão de todos, a expectativa para ver o que aconteceu também. A fumaça ainda alimentava as faíscas que insistiam em padecer. A fuligem invadia os pulmões e obrigava a espremer os olhos, na tentativa de ver algo.

“Vamos! Por favor...” Lenna suplicava. Os segundos pareciam horas, todo milésimo parecia durar uma eternidade.

 Da grande massa de poeira, finalmente os dois guerreiros surgiram. Ambos saltaram ilesos da explosão. Avançaram com uma expressão determinada, desferindo um golpe em conjunto com uma força inigualável.

O Cérbero não contava que segundos antes do impacto, Lenna conjurasse um escudo em frente a imensa bola de fogo, fazendo com que explodisse centímetros antes de seu verdadeiro alvo. A pressão da explosão, mesmo que por poucos segundos, trouxe uma sensação estranha. Seus corpos pareciam flutuar até o momento em que romperam, com suas lâminas, a carne já ensanguentada da criatura. A espada e o machado brandiram juntos, o golpe foi tão profundo que causou um enorme talho na criatura.

Ao final de seus ataques ambos se impulsionaram com os pés para se lançarem para trás, a fim de evitar um novo ataque surpresa.

— Boa, garoto! — O sorriso estampado na face de Ector refletia a eficácia do golpe.

O sangue da criatura jorrava e a cabeça, tombada, estava imóvel. A cada segundo mais e mais, se formava uma enorme poça de sangue.

Cázhor olhava atentamente o estado de Lenna, ao contrário dele, ela não estava acostumada a entrar em batalhas, nenhuma que fosse de fato real. Ofegante e visivelmente abatida, Lenna ainda se mantinha de pé.

— Eu ainda posso lutar! — ela afirmava, com uma expressão firme, o que demonstrava ao seu mestre sua determinação.

— Sei que sim... — Ele assegurou que ela não ouviria sua resposta.

Apesar dos bons resultados, ainda havia mais duas cabeças. De alguma forma, os danos infligidos às demais não eram compartilhados entre elas. Era quase o mesmo que ter que enfrentar três grandes inimigos. Isso o tornava mais difícil e perigoso até mesmo que o golem.

O grupo se posicionava contando que, após o grande estrago sofrido, o Cérbero seria menos ativo. Durou tão pouco esse pensamento, que mal houve nem tempo para mudarem suas expressões.

A criatura usou a cabeça do meio para conjurar algo estranho. Abrindo sua enorme boca, formou algo esférico em frente ao seu focinho. Uma pequena massa disforme e imaterial que, rapidamente se transformou em um feixe de luz, semelhante a uma lâmina. Para a surpresa de todos, o Cérbero decepou a cabeça já sem vida, que caiu ao chão como se nunca houvesse feito parte de seu corpo. E lá já estava ele, pronto para continuar a luta. Uma cena assombrosa de se presenciar.

— Então são... realmente independentes? — Vladmyr estava frustrado.

— É... Vamos ter que fazer toda aquela investida mais duas vezes — Ector dizia apoiando o cabo de seu enorme machado no ombro, soltando um breve suspiro.

Não havia tempo para questionar. O Cérbero parecia ainda mais agressivo. Ele foi rapidamente na direção de Lenna, que se encontrava em desvantagem por estar mais isolada. A criatura ignorava que estava sendo flanqueada, focando toda sua fúria na pequena maga.

O sangue ainda jorrava após a decapitação da cabeça, porém era algo que o Cérbero ignorava totalmente. Estava cego em sua fúria, como se o dano do último golpe tivesse atiçado seus instintos. Qualquer ação não seria rápida o suficiente para evitar que o ataque fosse certeiro. Os guerreiros tentavam desesperadamente alcançá-la, porém o alcance da criatura, de longe, era muito maior.

Rapidamente, ele já estava em sua frente. Sua respiração forte e ofegante fazia as grandes mechas do cabelo de Lenna levantarem com facilidade junto à poeira. O eminente perigo da situação a deixou sem reação. Estava acuada, esperando apenas que as garras afiadas do Cérbero lhe trouxessem seu fim. Mesmo o grande ferimento em sua pata não foi suficiente para impedir o ataque. No escuro desse lado do salão, a última imagem, antes da pequena maga fechar seus olhos por reflexo, foi o um brilho fosco dos cristais da caverna reluzindo nas grandes garras que vinham em sua direção.

A parede gelada, o ambiente pesado e a escuridão tornavam aqueles segundos intermináveis. Instantes depois de toda essa tensão, Lenna sentiu uma grande pressão em seu peito. Mas não doía, era quente e, ao mesmo tempo terno. Um sentimento estranho que foi quebrado ao ouvir o som de carne sendo retalhada.

Caindo ao chão em pânico, enquanto sentia o sangue quente em suas mãos. Desnorteada olhava sem muito senso de direção. Via apenas imagens borradas. Uma estranha visão de Vladmyr, Ector e Cázhor estarrecidos olhando em sua direção. Sons que não faziam sentido, palavras que ela não conseguia compreender. Apesar de tanta informação, tudo aconteceu tão rápido.  Ela finalmente focou seus pensamentos, essa respiração ofegante e quente, o sangue, nada era seu.

— Aaaah... você... você está bem? — com a voz trêmula, Eduardh perguntava, em meio a longas pausas.

A marca que o homem havia deixado em seu ombro esquerdo, bloqueando sua magia de teleporte, pulsava. A cada pulso, sua face esboçava uma dor incompreensível para ela. Eduardh tentava se manter de pé, sendo segurado por aquelas pequenas mãos trêmulas e ensanguentadas. Com os olhos marejados, ela se recusava a aceitar o que havia acontecido.

— Por que você fez isso? — Ela mal conseguia organizar seus pensamentos — Logo eu que sou tão dispensável para a missão... por quê? — A sensação da carne viva e escorregadia em suas mãos a deixou em pânico.

Com suas pequenas mãos, inconscientemente tentava parar o sangramento, mas sem sucesso. Seus olhos se transbordavam em lágrimas. O trauma a fez ignorar a presença e a grande ameaça que o Cérbero ainda representava. Em contrapartida, o Cérbero não hesitou em partir para o ataque.

O ar, repentinamente, começou a ficar pesado. Uma atmosfera tão densa que até mesmo a criatura pressentiu algo de errado, hesitando se aproximar da maga. Lenna estava fora de si e, em um momento de desespero, involuntariamente, criou ao redor de si e de Eduardh uma grande esfera de luz, com cores que se intercalam entre um tom levemente azul e um branco opaco.

— Mas... o quê? — Os guerreiros se encaravam, tentando entender o que estava acontecendo.

A esfera lançava algo semelhante a raios quando o Cérbero tentava se aproximar. Ao fazer contato, um estrondo estalava no ar, causando cortes profundos na criatura, que começava a recuar em meio a fortes latidos e rosnados.

Lenna abraçava fortemente Eduardh, que já se encontrava inconsciente. Suas lágrimas caíam aos montes e escorriam sobre o rosto desfalecido do elfo. Percebendo seu corpo imóvel, sua angústia só aumentava. Isso fez com que sua magia se alastrasse. Até mesmo os demais do grupo estavam evitando se aproximar. Não entendiam o que estava acontecendo, mas estava claro que ela havia perdido o controle de sua magia. Cázhor estava apreensivo, mas não surpreso. Tudo indicava que já havia presenciado situações semelhantes a essa.

— É impossível se aproximar, o Cérbero continua lá — disse Vladmyr impaciente.

— Por que ele não está absorvendo a magia para se recuperar? — Ector tentava entender o motivo da nova atitude da criatura.

 Lenna esbanjava magia nesse momento, seria uma refeição abundante para ele. Não fazia sentido a criatura não se aproveitar disso.

— Ela está canalizando uma magia do tipo luz — Cázhor explicou — Se seguirmos o raciocínio do elfo, seria totalmente contra a essência do Cérbero, que tudo indica ser da propriedade trevas, isso torna a magia dela provavelmente venenosa para ele.

“Será um problema se ela se render ao descontrole da magia. Temos duas principais problemáticas, estamos em um local fechado e, além disso, temos a criatura para lidarmos.” Cázhor avaliava a situação.

A cada estalo, a criatura sangrava pelo corte que era feito. A esfera crescia exponencialmente e de forma irregular, enquanto ela ainda abraçava, aos prantos, o elfo. O Cérbero enfurecido conjurava seu próximo ataque, dessa vez a distância, evitando os raios e chicotadas de magia. Rapidamente se formava à frente do focinho da cabeça direita algo similar a lanças de gelo, algumas finas como navalha, outras pontiagudas como estacas gigantes.

Ao presenciar tal cena, Ector e Vladmyr logo se lançaram para cima da criatura para evitar seu ataque, mas foram bruscamente impedidos pelo mago.

— Será melhor para vocês não se aproximarem — Cázhor ordenou, firmemente, zelando pela segurança dos dois.

— Por que nos impediu? Me dê uma justificativa! Quer que fiquemos apenas observando enquanto ela está ali? — Vladmyr estava agoniado, sem saber se acatava ou não a ordem.

A discussão foi interrompida quando uma grande explosão aconteceu. As duas magias colidiram de uma forma esplendorosa. Uma névoa de gelo e poeira se misturava ao redor deles. As atenções se voltaram para Lenna, nenhum deles esperava essa reação. Surpreendentemente, ela estava intacta, protegida pela enorme esfera disforme que ainda se mantinha. Olhava com raiva e tristeza ao mesmo tempo, para o Cérbero.

— Se afaste! Saia de perto de mim... saia AGORA! — Aos gritos, ela suplicava a quem pudesse ouvir.

Nesse momento, ela perdeu o pouco controle que ainda lhe restava sobre sua magia. Entre um lapso e outro, sua magia era lançada ferozmente de forma aleatória, cada vez mais intensamente. Colidindo com as paredes da caverna, causava um grande dano à estrutura. Enormes pedaços de rochas eram arrancados e caiam com velocidade em volta de todos ali presentes.

— Saiam todos! — Cázhor gritava insistentemente para que todos se protegessem.

Ambos ainda estavam questionando sua última ordem, uma vez que a deixaram à mercê da sorte no último ataque do Cérbero. Ainda assim, havia algo que os fazia seguir o que ele dizia.

Poucos momentos após, todo o alvoroço que a criatura fazia cessou-se. Eles olhavam incrédulos com o que havia acontecido. A magia de Lenna o havia partido ao meio. O sangue jorrava enquanto cada parte pendia para um lado.

O que até então era um inimigo poderoso, agora não passava de um gigantesco pedaço de carne sem vida. A maior preocupação, agora, era que Lenna ainda estava fora de controle. Mesmo após a morte da criatura, ela seguia sem conseguir controlar seu poder. A cada minuto que se passava, as coisas só pioravam. Se a criatura, que estava dando mais trabalho, foi brutalmente derrotada por aquelas lâminas de magia, o destino de quem as tocasse não seria diferente nesse momento.

Estavam às escuras. Ector e Vladmyr indagavam o que estava acontecendo com ela e como a impediriam, antes que viesse tudo abaixo. Foi quando perceberam que Cázhor já não estava mais junto deles.

— Ei, ei! Mago! O que você tá fazendo? — Ector, aos berros, questionava a atitude de Cázhor.



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